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The Velvets 1 ª Temporada Ana Aguiar
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Copyright © 2016 Ana Aguiar Todos os direitos reservados à autora Ana Aguiar. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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Para minha mãe e meu pai, que já deveriam imaginar desde o início que eu seria uma menina sonhadora, faminta por música. Por isso os longos percursos aos domingos ouvindo Queen e as tentativas nervosas de fazer eu pegar no sono ao som de Stairway to Heaven. O mais estranho era que eu dormia na parte agitada da música. Hm, talvez nem tão estranho assim. Obrigada por tudo, amo vocês. Para minhas colegas de trabalho, autoras de fanfics, que sabem como ninguém a loucura que é escrever na internet. Meninas do Universo Paralelo, a convivência com vocês fez toda a diferença! Obrigada por tudo! E, é claro, para todas as minhas leitoras. Tanto as que me acompanham há poucos meses, quanto as que me acompanham desde quando eu tinha quatorze anos e não sabia o que estava escrevendo. Sem todas as mensagens de surtos intermináveis eu com certeza não seria a mesma.
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Tramps like us, baby we were born to run
Sumario PRÓLOGO CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 CAPÍTULO 17 CAPÍTULO 18 CAPÍTULO 19 CAPÍTULO 20 CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 22 NACIONAIS-ACHERON
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CAPÍTULO 23 CAPÍTULO 24 CAPÍTULO 25 CAPÍTULO 26 CAPÍTULO 27 CAPÍTULO 28 CAPÍTULO 29 CAPÍTULO 30 CAPÍTULO 31 CAPÍTULO 32 CAPÍTULO 33 CAPÍTULO 34 CAPÍTULO 35 CAPÍTULO 36 CAPÍTULO 37 CAPÍTULO 38 CAPÍTULO 39 CAPÍTULO 40 CAPÍTULO 41 CAPÍTULO 42 CAPÍTULO 43 CAPÍTULO 44 CAPÍTULO 45 CAPÍTULO 46 CAPÍTULO 47 CAPÍTULO 48 CAPÍTULO 49 CAPÍTULO 50 CAPÍTULO 51 CAPÍTULO 52 NACIONAIS-ACHERON
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CAPÍTULO 53 CAPÍTULO 54 CAPÍTULO 55 CAPÍTULO 56 CAPÍTULO 57 CAPÍTULO 58 CAPÍTULO 59 CAPÍTULO 60 CAPÍTULO 61 CAPÍTULO 62 CAPÍTULO 63 CAPÍTULO 64 CAPÍTULO 65 CAPÍTULO 66 CAPÍTULO 67 CAPÍTULO 68 CAPÍTULO 69 CAPÍTULO 70 CAPÍTULO 71 CAPÍTULO 72 CAPÍTULO 73 CAPÍTULO 74 CAPÍTULO 75 CAPÍTULO 76 CAPÍTULO 77 CAPÍTULO 78 CAPÍTULO 79 CAPÍTULO 80 CAPÍTULO 81 CAPÍTULO 82 NACIONAIS-ACHERON
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CAPÍTULO 83 CAPÍTULO 84 CAPÍTULO 85 CAPÍTULO 86 CAPÍTULO 87 CAPÍTULO 88 CAPÍTULO 89 CAPÍTULO 91 CAPÍTULO 92 CAPÍTULO 93 CAPÍTULO 94 CAPÍTULO 95 CAPÍTULO 96 CAPÍTULO 97 CAPÍTULO 98 CAPÍTULO 99 CAPÍTULO 100 CAPÍTULO 101 CAPÍTULO 102 CAPÍTULO 103 CAPÍTULO 104 CAPÍTULO 105 CAPÍTULO 106 CAPÍTULO 107 CAPÍTULO 108 CAPÍTULO 109 CAPÍTULO 110 CAPÍTULO 111 CAPÍTULO 112 CAPÍTULO 113 NACIONAIS-ACHERON
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CAPÍTULO 114 CAPÍTULO 115 CAPÍTULO 116 CAPÍTULO 117 CAPÍTULO 118 CAPÍTULO 119 CAPÍTULO 120 CAPÍTULO 121 CAPÍTULO 121 CAPÍTULO 122 CAPÍTULO 123 CAPÍTULO 124 CAPÍTULO 125 CAPÍTULO 126 CAPÍTULO 127 CAPÍTULO 128 CAPÍTULO 129 CAPÍTULO 130 CAPÍTULO 131 CAPÍTULO 132 CAPÍTULO 133 CAPÍTULO 134 CAPÍTULO 135 CAPÍTULO 136
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PRÓLOGO Ela tinha plena consciência de que aquilo não era nada apropriado, afinal, a menina ainda não havia feito nem quatro anos. Poderia se encaixar na categoria de mães desnaturadas? É claro que poderia, mas, quando abaixava o olhar para o rostinho encantado, sua inexperiência como mãe de primeira viagem não soava tão inadequada assim. Talvez fosse a melodia calma e a atmosfera inebriante que estivessem deixando a menininha impressionada. Ela era muito nova para compreender o que estava acontecendo, certo? Será que a pequena Samantha estava reconhecendo a figura do pai em cima do palco, assim como sua voz melodiosa se propagando pelo ambiente? Donna passou as mãos pelos cachos macios da filha, que estava sentada em seu colo enquanto assistia ao show daquela noite. Sabia que só havia conseguido levá-la porque o marido era amigo do dono, que, por uma coincidência do destino, também fazia parte da banda. Uma discussão de meia hora se seguiu após Peter sugerir que levassem a filha para assistir a uma das apresentações. Ele estava maluco! Pubs não foram feitos para bebês inofensivos, sensíveis a qualquer estímulo externo agressivo. Agora, observando o rosto hipnotizado de Samantha, odiava ter de dar o braço a torcer. Ele estava certo. Não sabia se achava isso bom ou não, mas nunca havia visto a bebê tão atenta em todos os seus poucos anos de vida. O clássico do Kansas chegou ao fim e Donna sentiu o olhar de Norma Jean sobre si, do outro lado da mesa. Ela era bem mais jovem e costumava NACIONAIS-ACHERON
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estar em todas as reuniões da banda. Parecia ter uma paixão meio obsessiva pelo baixista e, como possuía uma positividade e uma espiritualidade invejáveis, todos gostavam de sua presença. - Ela vai ser uma estrela. Sabe disso, não sabe, Donna? Donna olhou devagar para a direção da garota, não entendendo o que ela quisera dizer. Norma Jean repetiu a pergunta, abrindo um sorriso carinhoso logo em seguida. - Você acha? – perguntou a mulher, não levando muito a sério as previsões sonhadoras de uma garota que acabara de sair da casa dos vinte anos. Mas, apesar da idade, ela exalava uma espécie de sabedoria que deixava Donna intrigada. Talvez fosse por isso que todos gostavam de tê-la por perto. - Eu tenho certeza. Samantha Hollow, você ainda não faz ideia de sua grandiosidade. – Norma Jean dirigia-se, agora, diretamente à garotinha, que lhe lançou um olhar alegre. Correspondeu ao seu sorriso, encostando-se no tronco da mãe e encarando a outra por mais tempo do que seria educado. Crianças. Donna também sorriu, mas preferiu não dar continuidade àquela conversa. Norma poderia ser uma das pessoas mais doces que havia conhecido, mas tinha seus momentos próximos ao delírio. Quer dizer, quem falava sobre o futuro de alguém com tanta certeza assim? A segunda música começou e as atenções se dissiparam em direção ao palco. Como estavam sentadas em uma mesa próxima, conseguiu perceber Peter lançando um sorriso de canto para as duas antes de aproximar os lábios do microfone e cantar o primeiro verso.
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CAPÍTULO 1 Encarando a entrada do outro lado da rua, Samantha sentiu uma onda de desespero e arrependimento crescerem dentro de si. Deveria ter mudado de escola. Ou melhor, deveria ter ficado na Irlanda. Por que raios tinha voltado, afinal de contas? Só faltava um ano para se formar, podia muito bem ter completado o ensino secundário bem longe daquelas pessoas. "Você acabou ficando mais do que combinamos!", ouviu a voz de sua mãe ecoando em seus pensamentos, quando falaram pelo telefone nas férias. "Lhe dei um ano com aquele homem para tentar esquecer a confusão, e você acabou ficando por dois. Vai voltar, ou eu vou até aí para te arrastar." Aquele homem era seu pai, que havia se mudado para a Irlanda quando ela ainda era criança. Os pais de Samantha haviam se conhecido em uma viagem que a mãe fizera quando ainda era jovem. Natural de Londres, ela apaixonouse pelo irlandês durante o tempo em que morou em Dublin e engravidou da primeira e única filha. O nascimento da menina segurou a mãe por pouco tempo no país desconhecido – convencendo o marido a voltar com ela para Londres, ela poderia criar seu bebê e terminar os estudos de Direito. Porém, a distância de suas origens e os crescentes desentendimentos fizeram o homem perceber que a melhor decisão era voltar. O pai, então de volta ao seu país de origem, decidiu abrir o próprio negócio para ajudar nas despesas com a menina. Prometera a pequena Samantha que aquilo seria bom para todos, inclusive para ela, que teria férias garantidas em outro país. Acabou que, na verdade, visitou o pai muito menos do que queria e, quando chegou a fazer isso, ficava a maior parte do tempo sentada em uma das mesas no fundo do pub que agora ele administrava NACIONAIS-ACHERON
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porque o homem tinha que trabalhar e não podia dar muita atenção a ela. Samantha passava os dias ouvindo o rock ambiente que tocava no local e, à noite, conseguia convencer seu pai e assistir aos shows das bandas locais. Obviamente, crianças eram proibidas em pubs, fazendo com que Samantha desenvolvesse uma peculiar habilidade de se esconder toda vez que a polícia aparecia para verificar se o estabelecimento estava em ordem. Nunca foi pega. Dois anos atrás, acontecimentos humilhantes a fizeram mudar-se temporariamente para Dublin, matriculando-se em uma das escolas perto do centro da cidade. Passara tanta vergonha que aquela era a única solução, na sua infantil opinião. Chorara por semanas e ficara trancada em seu quarto na casa da mãe, em Londres, até a mesma concordar com a decisão da filha de se afastar. Sua vida na Irlanda revelara-se muito mais simples e difícil do que costumava ser quando morava com a mãe. Para ganhar seu próprio dinheiro, começou a trabalhar no pub do pai e conheceu muita gente estranha. Lá, ela deu de cara com a realidade. Conheceu o ser humano em seu íntimo, ouviu histórias muito piores que a sua. Porém, por mais assustadores que fossem aqueles casos, nada conseguia amenizar a raiva que sentia do causador de sua humilhação. Pensara nele todos os dias que passou afastada, quebrando copos acidentalmente quando se distraía demais com a raiva que se acumulara dentro de si. E ela sabia que, de uma forma ou de outra, nunca conseguiria esquecer aquilo. A raiz do rancor estava funda e forte em seu coração, não importava o quanto tentasse arrancá-la. Dentro de si, sabia que, se voltasse, precisava fazer alguma coisa para ao menos empatar aquilo. Quando sua mãe a comunicou de seu decreto durante um dos muitos telefonemas que trocavam, NACIONAIS-ACHERON
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ela concordou em voltar, entretanto concordara também em dar continuidade à guerra. Ninguém manchava sua honra daquela forma e saía por cima, como aconteceu. Ela precisava fazer algo. Não planejara o que exatamente, mas algo viria a surgir em sua mente com o tempo. Fez suas malas e entrou no avião, deixando para trás dois anos de muito aprendizado e vendo na sua frente um ano provavelmente muito conturbado para certas pessoas, se dependesse dela. Agora, estava prestes a entrar mais uma vez no palco de sua desolação. Encostou a cabeça na árvore que estava apoiada enquanto continuava encarando o formigueiro se movimentar através dos portões da escola. Abaixou o olhar por um momento, encarando seu uniforme azul marinho que representava uma das principais escolas de Londres. E uma das mais caras, também. Percebeu, então, que estava esfregando com o polegar a alça da bolsa de couro com tanta força que fizera uma mancha gasta no tecido. Se desencostou da árvore com uma preguiça que traduzia sua vontade de estar ali e atravessou a rua. Uma rajada de vento gelado bateu em seu rosto e ela conseguiu ver a cena de sua entrada nos portões do inferno em câmera lenta na sua imaginação. Imaginação que, muitas vezes, ultrapassava os limites do drama. Uma segunda rajada atingiu seu rosto, mais forte do que a primeira, e Samantha fez uma careta ao sentir o frio penetrar a pele e causar lágrimas nos olhos. Encontrava-se agora entre os gramados frontais da escola, percorrendo o caminho de pedras que levava até o prédio principal. Seus cabelos eram normalmente volumosos por serem cacheados, mas sabia que deveriam estar muito armados com aquele tempo. Os pelos das partes descobertas da pele estavam arrepiados, o que a obrigou a fazer uma nota mental muito importante: use meias-calças amanhã! NACIONAIS-ACHERON
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Parou de caminhar por um momento, já sentindo milhões de olhares de alunos esmagando-a, reconhecendo-a e estranhando seu novo visual. E, principalmente, recordando-se do acontecimento que a fez ir embora. Encarou a tela do celular, na esperança de encontrar alguma mensagem de um de seus amigos. Que não eram muitos, para falar a verdade. Para ser mais específica, dois. Levantou o olhar para o gramado e, antes que pudesse soltar a respiração, sentiu um peso nas costas seguido de um urro viking. - Oh, meu Deus! Samantha encarou o motivo de futuros torcicolos, agarrado em seu pescoço com um braço. Alexis Frost mostrava um sorriso tão grande que fez a tensão dela dar uma trégua. O sorriso acolhedor que tanto sentiu falta. - Só a reconheci pelos pés tortos! - Ela estreitou os olhos na direção da amiga, os lábios entreabertos em incredulidade, porém ambas começaram a rir. - Nem o céu, nem o oceano, nem a quantidade de formigas nessa grama representam o tamanho da falta que você fez! - continuou a garota pálida e loira, soltando Samantha. A amiga se virou completamente para ela e a abraçou como um ser humano comum faria. Samantha sentiu-se protegida dos olhares acusadores que estava recebendo desde que entrou. Alex era a maior proteção que tinha, a amiga nunca a abandonara e provavelmente nunca o faria, mesmo se Samantha cometesse o mais terrível dos crimes. - Quer dizer, acompanhei o seu abandono do alisamento capilar pelas redes sociais, mas ao vivo é muito mais chocante. Você está muito diferente! Alex segurou os cabelos armados de Samantha com uma curiosidade exagerada, levantando as mechas cacheadas e fazendo um verdadeiro reconhecimento de campo. Pela expressão, estava aprovando cada fio NACIONAIS-ACHERON
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castanho escuro. Samantha fazia alisamento nos cabelos volumosos desde sempre, e todos a conheciam daquela forma. Na Irlanda, entrara em contato com tantos estilos diferentes de pessoas que não se importavam com estereótipos prédeterminados que acabou por se convencer de que a mudança seria boa. Deixou então os fios naturais aparecerem. - Você está muito mais sensual com esses cabelos! Está mais velha, também. - Bom, é o que acontece quando os anos passam. - concordou Samantha rindo, sentindo um pequeno prazer íntimo pelo elogio. Seus amigos não costumavam mentir para agradá-la. - Eu quero dizer que você parece mais velha que todos nós. Aposto que viveu muito mais do que dois anos na Irlanda. Samantha imediatamente compreendeu o que a amiga quis dizer e concordou com a cabeça. A experiência que passara durante aqueles dois anos equivalia-se a, no mínimo, cinco anos vividos. - Como está, sua maluca? Você raspou essa parte do cabelo? - perguntou Samantha, encarando a região de cabelos acima de uma das orelhas da amiga. Estava mais curta que o resto, que terminava na altura dos ombros. - Ah, eu e Carter passamos por uma fase punk há alguns meses. Teríamos te convencido a fazer o mesmo, se estivesse aqui. Enfim, estou ótima. E você, como está? Alex ficou repentinamente séria. O estado emocional de Samantha tornava qualquer conversa mais pesada. Encarou os olhos da amiga, que agora pareciam um tanto severos. Neles, ela podia ver em grande parte pena, mas também preocupação. E ela sabia exatamente o motivo. NACIONAIS-ACHERON
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Durante aqueles dois anos afastada, continuou apaixonada pelo causador de sua humilhação pública, e a amiga, é claro, sabia disso. Nenhuma porcentagem de ódio seria suficiente para eliminar sentimentos tão fortes. E esse era exatamente o motivo pelo qual Samantha passara a maior parte do tempo o odiando e odiando a si mesma. - Ah, você sabe, estou bem. - Ela respondeu, encarando as sandálias pretas que tinham um salto pequeno. Era possível ver as unhas dos pés pintadas também de preto. Uma escolha não muito apropriada para aquele frio, mais uma nota mental envolvendo sua vestimenta do dia seguinte. O nervosismo era tão grande que nem conseguiu assimilar a estação do ano quando escolheu as roupas de manhã cedo. O outono já havia tomado o lugar do verão, como era de se esperar em setembro. Quando voltou a encarar Alex, ela sorria novamente. - Tudo vai ser diferente agora, você vai ver. Será muito melhor. Uma música exageradamente alta interrompeu bruscamente aquele momento emocional. Era um pop atual, que tocava incessantemente em todas as rádios. As duas fizeram uma careta, olhando em volta para procurar a origem daquela tortura. Cerca de seis garotas dançavam uma coreografia promíscua para a ocasião, não muito longe de onde elas estavam paradas, no gramado frontal da escola. Usavam os uniformes azul marinho e branco de líderes de torcida, um top de mangas compridas e uma saia pregada curta. As mesmas cores dos uniformes normais dos estudantes, que, no caso, eram roupas mais adequadas para uma segunda-feira de manhã. O frio não parecia influenciar em nada a fervorosa dança provocante. - Eu vou vomitar. - Samantha ouviu a voz de Alex se propagar misturada com a música alta. - Elas não dão um tempo! É o primeiro dia de aula, pelo amor de Deus. NACIONAIS-ACHERON
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- Penelope Woods entrou para as líderes de torcida? - perguntou Samantha para a amiga, encarando uma ruiva irritantemente bonita liderando a dança. Embora tenha passado um bom tempo afastada, lembrava o nome de todos os colegas de classe. - Não só entrou como é, atualmente, a rainha desse manicômio conhecido como West Newton. A voz de Carter Francis quase explodiu os tímpanos das duas. Viraram-se e deram de cara com o garoto praticamente grudado nelas. Ele estampava um sorriso beirando o prazer. Carter via a escola como o melhor reality show de todos os tempos. Sabia todas as fofocas e todos os escândalos, assim como conhecia e falava com todo mundo. Quando Samantha colocou os olhos no melhor amigo deu um grito, o abraçando. Não podia estar mais feliz, seu grupo estava formado e era apenas daquilo que ela precisava no momento. Bem, parte do grupo. - Ah, meu Deus. Você está muito gostosa! - gritou o garoto, empurrando ela pelas mãos para dar uma checada geral. - Esse cabelo está incrível, eu estou despedaçado. - Importante ressaltar, Carter era gay assumido desde quando entrou na escola. Imediatamente, os três criaram um forte laço que se mantinha até os dias atuais. - Bem, você não está nada mal com esse cabelo grande com... esse topete. - Esse topete, minhas queridas, arranca do armário muitas vítimas. - falou ele enquanto lançava um olhar em volta, analisando os rostos dos alunos que passavam por eles. Samantha olhou para Alex, que retribuiu o olhar de espanto e comentou mais baixo só para ela ouvir: - Acredite... eu nunca vou me acostumar com essa desenvoltura. Ele sai com um por semana. Após colocarem as informações mais importantes em dia, Samantha NACIONAIS-ACHERON
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recebeu o mesmo olhar de preocupação ao ser perguntada por Carter sobre seu estado emocional. Passar por aquela pergunta uma vez já era horrível, duas era pior ainda. Apressaram-se, então, para entrar no prédio e dirigiremse ao auditório, onde haveria um discurso do diretor de boas-vindas e diversos avisos e orientações que todos ignorariam. Ao atingirem o corredor onde localizava-se o auditório, deram com as caras em uma multidão procrastinando a entrada o máximo possível. Afinal, seria mais de uma hora ouvindo a voz sonolenta do diretor. Carter murmurou algo como ter visto um alvo em potencial e se afastou, deixando as duas se enfiarem no meio das pessoas sozinhas até conseguirem alcançar um bebedor, pois Alex resmungava de sede. Era tudo o que Samantha queria evitar, enfiar-se no meio de pessoas para ser motivo de mais olhares inquisidores. Enquanto desviava dos olhares maldosos, sua atenção permaneceu em um grupo de garotos que ria alto perto da entrada do auditório. Mais especificamente em um deles, porém ela só conseguia vê-lo de perfil. Seu coração disparou. - Oh, meu Deus. Alex, quem é aquele? Fico dois anos fora e um deus desse entra na escola. Eu sou muito pé frio. A amiga olhou na direção que ela encarava fixamente. Como Alex demorou para responder, Samantha voltou seu olhar para o rosto dela. A garota estava com uma expressão muito estranha. Era um misto de sorriso e horror, fazendo Samantha voltar a encará-lo para tentar identificar qual era o problema. A única coisa que identificou foi seu coração disparando novamente. Ele era lindo. Tinha cabelos ondulados grandes penteados para trás, porém ainda assim desgrenhados. Conseguiu perceber um indício de cavanhaque em seu rosto. Alex continuou em silêncio e Samantha olhou para ela mais uma NACIONAIS-ACHERON
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vez, não entendendo. Agora a loira a olhava com um cômico espanto. - Você está brincando, né? – Alex murmurou, muito baixo, a voz quase em um sussurro sem fôlego, impressionada com a situação. - Como assim? – Samantha estava confusa e agora ansiosa. Odiava ficar sem entender o que estava acontecendo. Alex engoliu a saliva de forma dramática, voltando a encarar o garoto e depois Samantha, que se perdeu novamente na visão maravilhosa daquela pessoa que destoava por completo daqueles adolescentes espinhentos. - Sam... aquele é o David. Samantha levou alguns segundos para assimilar o que a amiga havia falado, pois estava profundamente imersa naquela hipnose provocada por ele. Quando a informação finalmente fez sentido em sua cabeça, ela voltou sua atenção devagar para a amiga com uma expressão de horror. - O quê? - murmurou ela, repentinamente rouca de espanto. - Você está olhando para o David, Sam. David Young.
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CAPÍTULO 2 Tudo fez sentido. Aquela impressão de conhecer o garoto de algum lugar transformou-se no maior de seus pesadelos. Ela acabara de achar David lindo. O causador de sua humilhação pública havia mudado sua aparência por completo, e Samantha havia caído naquela armadilha grotesca. Começou a caminhar para trás involuntariamente, passos curtos e incertos, espantada com a realidade que havia lhe surrado. Seu corpo bateu contra algo grande e um barulho de objetos caindo se seguiu. Quando percebeu, havia um garoto magricela em seus pés, assim como uma pilha destruída de livros pesados. Ela não conseguiu reagir e ajudar o garoto que havia derrubado. Encarava o vazio de forma vidrada. Alex se abaixou e começou a ajudar a juntar os livros, seu rosto estava mais vermelho do que o de Samantha. Quando voltou a realidade, encarou Alex levantando-se do chão com os olhos escancarados fixos em um ponto. Um grande espaço havia sido aberto em torno delas e as pessoas em volta as encaravam e cochichavam. Inclusive o garoto dos livros, que fora identificado pelas duas como um dos bibliotecários por causa de seu crachá, encarava a cena curioso. Samantha olhou para a direção que Alex fitava e sentiu suas extremidades amolecerem. David a encarava com uma expressão quase inexistente, mas ela podia ver o espanto em seus olhos. Um dos caras que estava com ele o cutucava e ria, enquanto os outros dois olhavam de David para Samantha e apenas sorriam meio confusos. Na verdade, muitas pessoas observavam a cena com sorrisos NACIONAIS-ACHERON
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transbordando excitação. Quem estudava naquela escola por mais de dois anos sabia de toda a história que envolvia Samantha Hollow e David Young. Era de longe o maior escândalo que aqueles estudantes presenciaram, e provavelmente nada ultrapassaria aquilo. Samantha ofegava. Quando conseguiu desviar os olhos dos de David, abriu espaço entre as pessoas e se afastou praticamente correndo. Alex foi atrás dela. Empurrou a primeira porta de banheiro feminino que encontrou, abrindo todas as cabines antes de iniciar seu surto. Alex fechou a porta do banheiro atrás de si, trancando a fechadura. Olhou para a amiga, que agora se encontrava apoiada de costas na pia, segurando os cabelos e encarando o chão de forma desesperada. - Eu... o quê... Samantha não conseguia falar. Chegou a pensar que perdera essa habilidade até focalizar Alex, que a encarava um tanto irônica. - Qual a graça? - perguntou ela com a voz esganiçada, toda histérica. Que merda é aquela? - Desculpa, Sam, mas não tem como evitar. - falou a amiga, agora rindo mesmo. - Não acredito que você não o reconheceu! - Mas que porra... ele... está muito diferente! O que esse idiota fez? Meu Deus. Eu sou ridícula. - Eu queria ter contado antes de você ver. É, ele mudou bastante em dois anos. As companhias, os interesses... Começou a fazer academia e deixou o cabelo e a barba crescer. O David que conhecíamos não existe mais, Sam. Ele não fala mais comigo também, nem com Carter. Não foi só com você, não existimos mais para ele também. Samantha tinha todos os fatos claros em sua cabeça. Não poderia NACIONAIS-ACHERON
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esquecer, afinal mastigara tudo por dois longos anos. Após o incidente, David jurara ser inocente. Desgastou-se tentando convencê-la de que não sabia de nada, mas simplesmente não fazia sentido. Era impossível ele não ser o culpado, e a vergonha e a humilhação subiram a cabeça da garota. Ela o amaldiçoou de todas as formas, desejando nunca mais vê-lo em sua frente. Sem ter para onde ir, David ficou isolado de todos por um tempo. Porém, esse tempo foi curto. O resultado de David ter sido o causador do escândalo tornou-o popular. Veja bem, aquele tipo de escândalo era positivo para um garoto. Ele fez novos amigos. Esses que, antes, ele desprezava junto com Samantha, Alex e Carter. Antes de toda a confusão, eles formavam um grupo, conhecido por todos como os Velvets. Eles mesmos haviam escolhido aquele nome, pois consideravam-se uma banda de rock muito decente. Porém, eram vistos pelos outros como um bando de drogados perdedores. O que não os afetava de forma alguma. Os Velvets eram mais que uma banda, era um estilo de vida. Era um mundo particular, no qual os quatro passavam a maior parte do tempo. David era o guitarrista, Samantha a vocalista, Alex a baixista e Carter o baterista. Eram péssimos, ninguém tocava direito nenhum instrumento. Samantha cantava bem, o que não salvava de forma alguma aquela barulheira quase demoníaca de tão ruim. Mas eles viviam em um estado de espírito tão superior ao restante dos adolescentes que se sentiam os melhores do mundo. Talvez isso se devesse ao fato de passarem a maior parte do tempo chapados, mas foram tempos de extrema alegria para todos. Até o escândalo acontecer. Samantha foi embora, deixando David sozinho com sua culpa. No início, ele ainda falava com Alex e Carter, mas, com o tempo, os dois se afastaram do menino e sua única alternativa foi fazer novas amizades. Novas amizades NACIONAIS-ACHERON
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que o transformaram de tal forma que esnobar os antigos amigos tornou-se rotina. Porém, agora, o que mais assustava ela era a mudança na aparência física dele. David costumava ter o típico visual nerd apesar de agir como um drogado. Cabelos ondulados curtos, óculos redondos com lentes grossas, camisetas surradas e calças de moletom velhas. Rosto redondo e bochechas rosadas, e um jeito particularmente desajeitado. Samantha gostava dele daquela forma. Ela sabia que ele era bonito, só que ele não fazia nada para que isso fosse percebido por outras pessoas. David não dava a mínima para a aparência, nunca se arrumava. A garota agora não podia acreditar que aquele cara do lado de fora era a mesma pessoa atrapalhada pela qual ela cultivava fortes sentimentos. E, o que mais a assustava, ela havia gostado muito da mudança. Ele estava gostoso. Ela havia crescido e obviamente suas preferências em relação ao sexo oposto haviam adquirido novas perspectivas. Perspectivas que, novamente, David se encaixava. Havia se encaixado quando ela se sentia atraída por garotos atrapalhados e agora que se interessava por caras desgrenhados e extremamente sexy, ele também se encaixava. Percebeu que estava com raiva. Não era justo. Imaginava o David de antes, com aquela aparência desleixada, e contava com o fato de que seria mais fácil se desfazer daqueles sentimentos quando conhecesse novos caras que tinham os atributos atuais pelos quais ela se atraía. E, para seu horror, ele tinha. De novo. Alex prosseguiu e ela tentou prestar atenção, mas suas mãos estavam fechadas como se fosse socar alguém. - David passou a ser visto como o maior pegador da West Newton. – O tom de voz de Alex era receoso, ela não sabia o que esperar das reações de NACIONAIS-ACHERON
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Samantha. - Você já tinha ido embora, então não acompanhou o crescimento da popularidade dele. Como eu e Carter evitávamos falar sobre David com você depois do escândalo, não deu para você ficar atualizada em relação às mudanças. – Alex pigarreou, incerta se deveria continuar. O olhar vago da amiga a estava assustando. - As garotas começaram a olhá-lo com outros olhos e os idiotas o aceitaram no grupo da realeza. Sam, ele gostou disso. Nunca havia provado nada parecido, como deve saber. Nenhum de nós nunca provou. Quando finalmente experimentou aquele novo status, não pensou duas vezes. Não o julgo, praticamente demos as costas a ele. Ele não poderia continuar sozinho pelo resto dos anos. Samantha molhou os lábios, levando alguns segundos para se manifestar. Só queria ficar ali parada, abraçada no próprio corpo, fingindo que nada daquilo estava acontecendo. Suspirou, precisava reagir. O sangue já estava fervendo há alguns minutos, então sua breve explosão foi previsível. - Mas que porra, Alex! Ele mereceu nossa reação! Merecia ter apodrecido em uma solitária na pior das prisões! Alex levantou as sobrancelhas, concordando discretamente com a cabeça. Caminhou até onde Samantha estava encostada e se apoiou na pia ao lado dela. - Sam, as garotas têm fotos dele nas agendas. Elas literalmente fazem isso, eu já vi. Samantha parou de ofegar por um momento, olhando incrédula para a amiga logo ao seu lado. Percebeu que suas narinas se abriram de tanta raiva. Alex continuou, ainda receosa: - Ele virou o ápice da perfeição masculina nessa escola, se é que me entende. Ele consegue qualquer garota que quiser, e pode acreditar, já conseguiu muitas. Em um ano, mais ou menos, ele ficou com a aparência que você viu hoje. – Samantha levantava mais e mais as NACIONAIS-ACHERON
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sobrancelhas a cada nova explicação de Alex. - Depois disso, você não faz ideia. Pense em um astro de rock muito desejado por adolescentes. Este é David Young na West Newton. Eu devia ter lhe contado tudo isso antes, mas não quis tocar no assunto. Sam, David já pegou universitárias. Elas falam sobre ele entre si. Samantha encarou o vazio de forma inconsolável. - Ele não tem o direito de ser gostoso. - Sua voz era gutural. Alex não se aguentou e soltou uma risada. - Estou falando sério, pare de rir, droga. Olhe por tudo o que ele me fez passar! - Concordo, Sam. Mas as pessoas não pensam como nós. Ele virou um símbolo sexual. Você precisa ver na educação física quando tira a camisa no final dos jogos. Ele está até com aquelas entradinhas embaixo do abdômen, sabe? Não que eu tenha olhado. Quer dizer, é meio descarado. Ele está bem forte. O ódio tomara conta do corpo de Samantha. - Você não está ajudando. - Preciso colocá-la a par da realidade. - Eu não estou acreditando. Só posso estar tendo um pesadelo muito ridículo. Permaneceram em silêncio por mais alguns segundos, Alex deixando a amiga processar todas as informações que havia dado. De repente, olhou-a sorrindo. Samantha a olhou de volta, sem entender aquela expressão inexplicável no meio de tanto drama. - Bom, você também não está nada mal. - O quê? NACIONAIS-ACHERON
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- Quer dizer, David pode ter se tornado o maior gostoso, mas você também, para falar a verdade. Está muito mais bonita. Seus peitos aumentaram? - Ela começou a rir ao ver a expressão de absurdo na cara da outra. - Estou falando sério, aposto que ele deve estar meio abalado lá fora. Acha que só você está nervosa assim? - Pode me dizer em que planeta eu chego aos pés daquele deus grego odioso? Pare de tentar amenizar a situação. Alex revirou os olhos com razão, soltando o ar dos pulmões de forma impaciente. - Samantha! Até o Carter comentou que você estava gostosa! Sabe como ele é sincero, né? Se você está feia, ele fala na sua cara. Aquilo deixou Samantha em silêncio por mais algum tempo, até voltar a fazer mais uma pergunta: - O que isso muda? - Muita coisa. – Alex fez uma pausa e desviou o olhar do chão do banheiro para encarar o perfil do rosto da amiga. - Ele com certeza ainda gosta de você. - Não, não, não. – Samantha desencostou-se da pia e parou na frente da amiga, cruzando os braços de forma indignada. - Eu não vou entrar nesse caminho sentimental que você está tentando me colocar. Esqueça, não estou nem aí. Ele é podre, eu o odeio. A partir de hoje, não precisamos mais falar dele. - Mas... - Por favor, Alex. Estou pedindo. Vamos ignorar a existência dele, como ele fez com vocês durante esses anos. Ele não merece a nossa atenção. Samantha estava, naquele momento, contradizendo-se descaradamente. Sua consciência soltou uma risada irônica ao ouvi-la dizer que David não NACIONAIS-ACHERON
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merecia a sua atenção. Jurara a si mesma que se vingaria, mas agora aquele plano parecia um pouco distante. Não estava contando com o fato daquela mudança absurda e de como aquela mudança havia provocado sensações estranhas e indesejáveis. - Tudo bem. Impressionou-se com a facilidade em convencer Alex de deixar o assunto de lado. O histórico das duas provava o contrário. Alex sempre a colocava na parede e a fazia assumir seus sentimentos e falar sobre eles. Deu de ombros, agradecendo silenciosamente, e fez um sinal com a cabeça para que saíssem do banheiro e ela voltasse a encarar a nova realidade assustadora que a esperava do lado de fora.
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CAPÍTULO 3 Ao chegarem no corredor, perceberam que passaram mais tempo do que acharam dentro do banheiro. Não havia uma viva alma do lado de fora do auditório, o que significava a entrada triunfal das duas na frente da escola inteira. Perceberam aquilo simultaneamente e se olharam apreensivas. Samantha empurrou a pesada porta e ouviu um último resmungo de Alex atrás dela. Milhares de cabeças viraram na direção das duas, todos já sentados em seus devidos lugares. Aquilo fez Samantha paralisar, sentindo o seu maior pesadelo tornar-se realidade. Alex foi na frente, a puxando pelo blusão do uniforme. Samantha a acompanhou em silêncio pois o diretor ignorou a interrupção e continuou seu discurso sonolento. Quando percebeu onde Alex a estava levando, deu um tranco repentino, mas continuou andando. Havia apenas alguns lugares vagos na segunda fileira de cadeiras. Na primeira, encontrava-se David e seus amigos, somados ao que pareceu a Samantha os alunos mais popularmente relevantes. Penelope Woods encontrava-se um pouco mais distante, e a fuzilava descaradamente com o pescoço virado para trás. Alex pediu licença aos dois primeiros estudantes sentados na segunda fileira. Samantha seguiu a amiga e sentou-se ao lado dela, sem deixar de soltar um número considerável de palavrões mentais. Ao ajeitar-se da forma mais confortável que conseguiu na cadeira estofada, largando a mochila entre seus pés, olhou na direção de David por mais de dois segundos, querendo sanar sua maior dúvida. Como se ele pudesse sentir o olhar dela sobre si, o garoto virou o rosto de NACIONAIS-ACHERON
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lado e a encarou por um segundo. Os olhos espantados de Samantha encontraram os de Alex, que sustentava um pequeno sorriso irônico. Só faltava um letreiro em neon na sua testa dizendo “eu disse”. - ... Gostaria de chamar ao palco o comitê estudantil para a apresentação de algumas de suas propostas para o último ano. - disse o diretor, fazendo algumas pessoas se levantarem. David levantou e, no mesmo momento, Samantha congelou. As surpresas desagradáveis não paravam nunca. - Que merda é essa... - Samantha sussurrou, num volume quase inaudível, não fosse por Alex com a cabeça quase grudada na dela. - Ele é um dos representantes. - Meu Deus. Cerca de dez pessoas se posicionaram no palco. O diretor entregou o microfone para uma garota e ela começou a falar sobre propostas de grupo de estudos e toda essa chatice que ninguém presta atenção. Aulas particulares de matemática auxiliadas pelos melhores alunos, reuniões semanais de biologia no laboratório, excursões para centros de pesquisa e museus. Ela passou finalmente o microfone para um garoto alto e forte, e ele começou a falar das propostas esportivas que também não interessavam Samantha. Para falar a verdade, chegou à conclusão de que nada à interessava. - Agora David irá explicar um pouco como serão algumas das atividades sociais. – O garoto forte sorriu discreto e alcançou o microfone para David, que estava parado ao seu lado de forma relaxada, percorrendo o olhar por todo o auditório. As pessoas se empolgaram e começaram a sussurrar. Ótimo, pensou Samantha, agora David organizava as festas. Desde quando ele se interessava NACIONAIS-ACHERON
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por isso? Ele pigarreou, aproximando o microfone dos lábios. Samantha nunca imaginaria que poderia ver David com uma expressão tão superior e arrogante, mas parecia que tudo estava diferente de como era antes. - Bom, passamos algum tempo fazendo enquetes com vocês ano passado com o objetivo de decidir o que será feito em relação as festas e a viagem de formatura. – As entranhas de Samantha congelaram no momento em que ela ouviu a voz dele. Depois de tanto tempo, não fazia ideia de que um simples detalhe como aquele ainda lhe deixava abalada. - Como vocês devem ter percebido, os veteranos anteriores acabaram não realizando muitas das propostas nessa área, e como representantes queremos garantir que tudo que será decidido será feito. Algumas pessoas se manifestaram de forma aprovadora. David encarou Samantha por dois segundos e depois voltou a encarar a folha que segurava. A garota sentiu as mãos congelarem. Ele colocou a mão livre no bolso com tranquilidade, como se não estivesse falando com mais de cem pessoas. - A maioria de vocês escolheu festas temáticas ao invés da Reunião, o que na verdade é bem mais proveitoso porque pretendemos abordar aspectos culturais para decidir os temas. - Ah, claro. - resmungou Samantha, já recuperada da troca de olhares inesperada com o novo representante social. Alex soltou o ar meio rindo antes de David continuar, após ter feito uma pausa para que os burburinhos se dissipassem. - Gostaria de ressaltar que a Batalha Intercolegial de Bandas esse ano vai ser sediada em nossa escola, então todos que fizerem parte de alguma banda podem inscrevê-la na secretaria. Lembrando que todas as escolas particulares da cidade participarão e o prêmio para a banda vencedora é um contrato com NACIONAIS-ACHERON
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a City Records. Conseguindo agora conciliar o nervosismo que a nova beleza de David causava com a atenção em suas palavras, Samantha olhou imediatamente para Alex, espantada, que encarava David boquiaberta. Aquele prêmio era bom demais para ser verdade! Alex desviou o olhar dele lentamente para encarar a amiga, um sorriso pretencioso surgindo em seus lábios. - Sabe o que isso significa? - sussurrou a loira, ainda meio boquiaberta com a informação. - Significa que a banda que ganhar terá uma carreira. – Samantha não piscava, estava igualmente chocada. - Sim... - ela pensou um pouco, as expressões faciais demonstrando agora um teor maléfico. - Você sabia que ele tem uma banda com os novos amigos dele, não é? - Ele quem? - David. - O quê? David limpou a garganta e olhou para Samantha mais uma vez por alguns milésimos. Droga, ele estava realmente muito bonito, pensou ela. Pediu para os céus que ele parasse com aqueles olhares. Seu estômago já estava afundado o suficiente. Acabou se distraindo do pequeno diálogo com a amiga, ignorando a nova informação a respeito de David que era muito importante. Recomponha-se, ecoou sua consciência. - Bom, agora sobre a viagem de formatura. – David abaixou os olhos para NACIONAIS-ACHERON
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o papel em suas mãos, mudando o assunto de sua fala e parecendo buscar uma cola. - Discutimos com a direção a respeito dos preços, e os estudantes só precisam pagar as passagens pois a escola vai financiar o resto - estadia, alimentação e transporte. Muitas pessoas bateram palmas. Samantha apenas não aplaudiu pois era David quem estava falando, porque isso era muito bom, para falar a verdade. Entre aplausos, David olhou para o diretor que fez um sinal de aprovação, mas mantendo uma expressão séria. - Lembrando que a viagem não é obrigatória, ou seja, qualquer aluno que não quiser viajar deve avisar no formulário que será entregue essa semana. Explicaremos isso melhor quando entregarmos os documentos em cada turma. Acho que é isso, não, Vicky? Uma menina de cabelo curto escuro concordou, ela provavelmente era a presidente do comitê, imaginou Samantha. David entregou o microfone para ela. - Desejamos uma ótima volta as aulas, se depender da gente o último ano de vocês será inesquecível! Obrigada, diretor. Uma tempestade de aplausos ecoou na cabeça de Samantha, que sentiu sua raiva ferver. Estava presenciando de fato o reinado de David Young em ação e aquilo era patético demais. Samantha repentinamente desviou os pensamentos do reinado de David e lembrou-se do comentário de Alex. Ele tinha uma banda nova. Aquilo não tinha fim? Daqui a pouco estava descobrindo que ele era o novo primeiro ministro. - Por que raios ele tem uma banda nova? - perguntou Samantha entredentes para Alex, agarrando o braço da amiga tão forte que acabou NACIONAIS-ACHERON
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amassando o tecido branco da camisa do uniforme. - Por que ele não teria uma? Olhe para ele. Bonito, sabe tocar e cantar... - Desde quando esse demônio sabe cantar? Ela já estava praticamente estirada, esperneando no chão. O que mais não sabia sobre ele? - Bom, você vai se impressionar quando o ouvir. - Por que? – A voz soou esganiçada, meio histérica. Se não estivesse soando tão chocada e até meio ofendida com as novas informações, Alex com certeza já estaria rindo dela. - Aguarde e verá, minha cara. – A amiga respondeu, tentando segurar um sorriso cômico enquanto imitava um mafioso italiano – voz e expressões faciais. Os dois únicos amigos de Samantha tinham uma tendência muito teatral. Talvez ela tivesse também. - Espere um minuto... – Samantha se deu conta da tragédia que poderia ser David com uma banda. E se ele estivesse usando o nome deles? Os Velvets só eram os Velvets quando estavam juntos! - Por favor, não me diga que o nome da banda dele é... - The Walkers, relaxa. Um tanto original, não? - Alex a olhou com as sobrancelhas arqueadas. Irônica, referia-se ao nome muito comum da nova banda. Até que Samantha concordava, poderiam ter se esforçado para pensar em um nome mais marcante. Sabia que existia uma marca de biscoitos chamada Walkers e também sabia que os zumbis de The Walking Dead eram chamados de walkers. Seria engraçado se eles fossem confundidos com biscoitos mortos-vivos. Riria sozinha se a situação não fosse preocupante. NACIONAIS-ACHERON
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- É inacreditável. O que mais eu não sei a respeito desse inferno em forma de... Grrrr. - A incapacidade de Samantha completar suas frases esclarecia qualquer dúvida que viesse a surgir na cabeça de Alex. - Se eu lembrar de mais algum recorde dele que entrou para o Guinness eu conto, não se preocupe. - Não estou preocupada. - murmurou Samantha entredentes. - Eu não dou a mínima. Alex sorriu enquanto tirava do bolso da saia um bombom. Ela tinha a habilidade de sentir fome e sanar a fome com comidas totalmente aleatórias nos horários mais improváveis. Samantha a observou com uma careta, olhando o horário no celular. 8:30h da manhã. Todos os estudantes foram liberados para um intervalo prolongado depois do discurso do diretor e do comitê estudantil. Samantha não conseguia focar sua atenção em mais nada depois de milhões de informações socadas a força em sua mente. Refletiu sobre a situação deplorável na qual se encontrava, percebendo que as pessoas realmente estavam começando a lembrar dela pelo pior motivo. Os olhares continuavam a queimá-la, seguidos por comentários altos o bastante para ela ouvir. - Ah, meu Deus, olhe quem voltou. - ouviu uma garota murmurar para um cara enquanto passavam por ela. Agora estava sentada no gramado frontal do prédio principal, embaixo de uma das muitas árvores ao lado de Alex. Carter havia desaparecido desde o primeiro encontro dos três. - Você lembra o que ela fez? - O cara falou de volta para a garota e ambos a olharam rindo, com expressões maliciosas, nem um pouco preocupados com o fato de ela estar ouvindo tudo. Alex a encarou com os olhos um pouco arregalados e ela deu de ombros, NACIONAIS-ACHERON
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tentando demonstrar que não se importava. Era óbvio que se importava e era óbvio que estar revivendo tudo o que havia vivido na época do escândalo a fazia sentir nas entranhas o impacto do trauma, mas era melhor fingir que não se importava até se acostumar com a mentira e passar a não se importar de verdade. Aquela manhã fora completamente inútil em termos estudantis. Se algum professor passara alguma matéria depois do intervalo prolongado, ela não fazia ideia. Mal conseguia disfarçar a desatenção, sentindo dificuldade em encarar quem quer que estivesse dando aula. Só conseguia focar seus olhos nas costas da cadeira na sua frente, seu cérebro trabalhando tanto que poderia sentir o cheiro da fumaça. Era muito, muito difícil acreditar em mais da metade das coisas que haviam se revelado para ela naquele primeiro dia de aula.
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CAPÍTULO 4 Samantha chegou em casa na metade da tarde, depois de um primeiro dia de aula péssimo. O pior primeiro dia de aula que já havia tido na vida. Sua mãe só voltaria do trabalho à noite, portanto tinha ainda algumas horas de vantagem para agonizar. Jogou a bolsa nos pés de sua cama e seu corpo caiu pesado em cima dos cobertores. Encarou o teto por quase uma hora, considerando todas as possibilidades de um futuro incerto. Poderia muito bem trocar de escola, mas a mãe riria da cara dela e a mandaria arranjar algo melhor para fazer. Podia ouvir a voz da mesma a repreendendo, perguntando se dois anos não foram o suficiente para esquecer o que aquele garoto havia feito e que ela precisava superar de uma vez por todas o que havia acontecido. Na época, lembrava que a mãe ficara furiosa com o escândalo. Apesar de, obviamente, ter tomado as dores da filha e ter defendido e consolado a menina todos os dias, sempre deixou claro que o que haviam feito era muito irresponsável. Trocar de escola, portanto, estava fora de questão. Restava tentar suportar a ascensão de David e ignorá-lo o máximo possível. Não seria tão difícil, afinal de contas. Era só evitar todos os locais que ele frequentava, mudar de corredor quando ele aparecesse e sentar o mais longe possível dentro da sala de aula. Depois de uma hora provando o gosto do limbo, lembrou do discurso de Alex dentro do banheiro. A absurda popularidade que David adquirira ao longo daqueles dois anos. Uma curiosidade insana a invadiu, fazendo-a NACIONAIS-ACHERON
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pensar em como havia conseguido adiar aquele momento por tanto tempo. Levantou da cama em um pulo, fechando as cortinas da janela do quarto, que dava para a rua. Era como se ela tivesse que tomar todas as precauções para que ninguém visse o que ela estava prestes a fazer. Até parece que alguém na rua iria conseguir enxergar. Sentou em sua escrivaninha e empurrou para os lados os livros e cadernos que estavam em cima de seu notebook. Abriu-o e esperou sua internet conectar, balançando as pernas com uma curiosa ansiedade. Digitou a url do Facebook tão rápido que acabou errando tudo. Quando conseguiu finalmente entrar na página inicial, encarou a caixa branca de busca. Refletiu, nervosa, por mais alguns segundos, temendo o que iria ver depois de dois anos. Ela evitara o perfil de David por todo aquele tempo, depois de excluí-lo de sua lista de amigos e bloqueá-lo em todas as redes sociais para que ele não pudesse mais ver nada de sua vida. Não sabia como havia conseguido segurar a curiosidade. Mas agora, depois de ele ter mudado tanto, era impossível resistir ao famoso stalk, praticado por qualquer pessoa curiosa com internet. Digitou "David" e alguns de seus contatos apareceram antes de "David Young". Clicou no nome dele e sentiu seu estômago revirar. A foto de perfil era ridiculamente bonita, ele olhava para baixo rindo de uma forma tímida, era provável que alguém o tenha pegado de surpresa ao fotografá-lo. Samantha engoliu em seco. Clicou no álbum de fotos, dando de cara com o novo estilo de vida de David. Muitas fotos dele em festas com amigos, em algumas haviam garotas. Em muitas, na verdade. Sentiu os olhos marejarem em puro ódio. Percebeu que estava aliviada por ele não estar "em um relacionamento sério" com ninguém. Não no perfil da rede social, pelo menos. NACIONAIS-ACHERON
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O que era pior? David Young solteiro, pegando milhões de meninas, ou namorando alguma garota que gostasse de verdade? Qualquer uma das opções era desagradável. Abriu uma das fotos em que ele estava sozinho, sentado displicente em um sofá. Mais de mil curtidas. Tudo bem, aquilo não era normal. Nem um pouco normal. Suas fotos nas quais estava sozinha não passavam de cinquenta. Sentiu a raiva começar a crescer. Aquilo era muito injusto. Voltou para a página inicial do perfil do garoto e começou a revirar as postagens. Boa parte eram vídeos de bandas que ele gostava ou os amigos falando inutilidades. Ou, previsivelmente, garotas puxando o saco dele. Poderia cuspir em sua tela se aquilo não fosse atingir somente ela e seu notebook. Continuou descendo a página até dar de cara com mais uma descoberta desagradável. A nova banda de David, The Walkers, tinha uma página particular. Clicou no link e encarou o número de curtidas com desgosto. Mais de dez mil. Aquele número para uma banda escolar era grande. A página mostrava algumas fotos dos integrantes e alguns vídeos acústicos. Abriu um dos vídeos, intitulado como "Norwegian Wood Cover" e encarou o play receosa. Finalmente iria ouvir a voz de David, e se Alex havia elogiado, algo de positivo tinha. A amiga havia adquirido um gosto muito crítico com o passar dos anos, orientada por Carter, que tinha um conhecimento musical maior do que o delas. Apertou no play e encarou três pessoas sentadas em um sofá. David estava no meio e segurava um violão. Um cara sentava no seu lado direito e segurava outro violão, enquanto o do lado esquerdo estava com um baixo. O garoto com o violão começou a tocar, e logo David o acompanhou dedilhando seu próprio instrumento, assim como o baixista. NACIONAIS-ACHERON
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Ok, ele tocava decentemente agora, concluiu ela com desgosto. David então começou a cantar a letra e ela encarou o rosto dele em sua tela com uma espécie de desespero misturado com espanto. A voz era igual a de John Lennon. Se não, extremamente parecida. Ela assistiu ao vídeo até o final praticamente sem piscar. Quando a música terminou, só conseguia pensar em uma coisa. Desde quando David cantava bem? Desde quando ele havia adquirido aquela voz rouca e sexy? Desde quando ele havia virado uma versão colegial moderna de John Lennon? Fechou a tela do notebook com exagerada força. Era inacreditável. O que, de fato, David Young não fazia bem atualmente? Sentiu uma lágrima escorrer pelo rosto. Estava se sentindo patética, mas sabia que chorava de raiva. Por David ter se tornado um adolescente com tamanho sucesso que muitos adultos o invejariam. O que ela havia feito em dois anos? Planejado se vingar dele, mas nem uma única ideia decente conseguiu ter? Servido cerveja a bêbados em um pub? Trocado palavras com hippies? Estava se sentindo tosca. Apagou a luz do quarto e fechou a porta a chave. Entrou para baixo das cobertas e planejou levantar-se apenas quando o dia nascesse novamente. Aquele dia havia se tornado provavelmente o mais patético de toda a sua vida. ✖✖✖ Não fossem pelos estrondos originados sabe-se lá de onde, havia uma grande possibilidade de Samantha não levantar naquela manhã. Abriu os olhos e percebeu que fazer aquilo era muito doloroso. Pegou no sono de rímel e os cílios colaram durante a noite. Os estrondos continuavam sem parar até NACIONAIS-ACHERON
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ela finalmente percebeu que vinham da porta. Alguém esmurrava a porta. Levantou correndo e só notou que seu pé esquerdo estava dormente depois de torcê-lo de forma desagradável. Destrancou a porta segurando o tornozelo. - O que eu lhe falei sobre trancar a porta? Sua mãe tinha uma assumida neura com portas trancadas, mas Samantha simplesmente havia esquecido depois de dois anos trancando a porta do quarto no apartamento do pai. - Me desculpe. - murmurou ela soltando o tornozelo e coçando os olhos. Passou pela mãe para alcançar o banheiro. Donna acompanhou a filha, a olhando em silêncio. Samantha parou na frente do espelho para escovar os dentes e se olhou. Estava pior do que pensava. - Como foi o primeiro dia? - perguntou a mãe, olhando agora para a filha com certa preocupação. - Não consegui falar com você ontem, quando cheguei sua porta estava fechada. Estava dormindo às 19h? - Sim, estava. Foi péssimo. - respondeu, sendo sincera. Donna sabia de toda a confusão da filha com David, e, obviamente, não podia ouvir o nome do garoto que já ameaçava processá-lo. As emoções da mãe ultrapassavam sua razão, e Samantha sempre tinha de lembrá-la que para isso precisavam de provas, e não tinham. A família de David tinha muito dinheiro, provavelmente se conseguissem de fato processá-lo ganhariam o caso e a quantia que elas receberiam não faria nem cócegas nos Young. Sim, as duas já haviam conversado sobre isso também. Samantha sentia-se ridícula quando lembrava que realmente considerou processar o garoto, mas o acontecimento fora de fato um tanto grave. - Por que péssimo? – Donna a observava com curiosidade e a preocupação materna natural de sempre. NACIONAIS-ACHERON
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- Você realmente não sabe? Mãe, fala sério. - Aquele garoto falou algum absurdo para você? - Claro que não. Nunca falaria com ele. Acontece que ele aparentemente virou o rei daquela escola. Ele está em todos os lugares, todos o amam. - Ora, disso eu já sabia. Samantha encarou a mãe assustada. Muito assustada. Seu silêncio e sua boca entreaberta foram interpretados por Donna e ela continuou, se explicando. - Sou uma advogada muito competente para a sua informação. Mantiveme a par da vida dele através do Facebook. - Você perseguiu o perfil dele durante dois anos? - Evidente que sim. Ela encarou o chão sem acreditar. Quando estava pronta para responder algo irônico a campainha tocou. Donna desapareceu pelo corredor e Samantha começou a tirar o pijama para entrar no chuveiro. Sua mãe sabia mais sobre David Young do que ela própria. O quão assustador era aquilo? Perguntou-se quando pararia de se surpreender com as coisas naquela cidade. Saiu do banho e começou a se maquiar quando ouviu vozes no andar de baixo. Três vozes distintas engatadas em uma conversa muito interessante, pelo visto. Terminou de se arrumar e desceu para o primeiro andar. Alex, Carter e sua mãe conversavam energicamente. - O que estão fazendo aqui? - resmungou ela passando reto por eles até a saída. - Sua casa é nosso caminho para a escola, por que diabos não pararíamos? NACIONAIS-ACHERON
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- perguntou Carter. Os dois se despediram de Donna, assim como Samantha, que acenou e sorriu sem ânimo. - Tanto faz. – murmurou em resposta, acompanhando-os enquanto desciam as escadas da entrada. - Anime-se! Segundo dia de aula, aventuras nos aguardam. - falou Alex apertando-a pelos ombros. Samantha virou a cabeça para o lado, lançando à amiga um olhar mortal. - Ah, não vai dizer que ainda está brava por causa dele. - Você ficou brava por causa do David? O que ele fez? - perguntou Carter ansioso. Podia facilmente imaginá-lo segurando um bloco de notas pronto para anotar as informações. - Bem, existiu, que tal? Ficou popular enquanto a gente afundou no esquecimento? - Ah, já nos acostumamos com esse status. Você também vai se acostumar, ele consegue ser tão arrogante que é impossível não se acostumar. Se ao menos ele fosse simpático, seria difícil esquecer do passado. Não é o caso. Samantha soltou um som gutural pela garganta, próximo à um rosnado agressivo. Carter riu de sua reação, continuando o pequeno discurso. - Não imaginou que ele continuava o mesmo David divertido de antes, né? Fala sério, não combina com o novo cabelo. - Vamos mudar de assunto, certo? Não quero mais gastar meus preciosos minutos falando sobre esse alienígena que assassinou e substituiu David. Caminharam o resto do percurso falando amenidades, ou melhor, Alex e Samantha ouvindo as últimas fofocas da West Newton, saídas do forno e repassadas por Carter, que só calou a boca quando o professor entrou na sala NACIONAIS-ACHERON
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de aula. Samantha não resistiu e conferiu todas as almas sentadas em volta, sentindo um alívio por nenhuma delas ser David. Menos uma matéria em que não eram colegas, aquilo aumentava minimamente suas expectativas para o ano letivo. Antes de ouvir o sinal tocar para o intervalo daquela manhã, Samantha ouviu um barulho estranho vindo do gramado principal. Estava longe da janela, então não foi um dos alunos que esticou o pescoço para ver do que se tratava. Mas podia jurar que tinha algo a ver com caixas de som. - ... eles vão fazer isso hoje? - conseguiu ouvir a voz conspiratória de Carter para Alex, que deu de ombros. - Achei que seria só no final da semana! - Do que está falando? - perguntou Samantha, tentando acompanhá-los no corredor amarrotado. Os dois se olharam apreensivos. - O que houve? - Hm, você vai ver. Ela odiava quando faziam isso. Você vai ver. Queria saber naquele momento! Alcançaram a saída do prédio e ela imediatamente notou uma concentração anormal de estudantes na parte direita do gramado. Aquilo era um palco? Percebeu que a maioria era composta por garotas aglomeradas, sentadas na grama em frente a um...era um palco. Com bancos e instrumentos musicais posicionados.
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CAPÍTULO 5 - O que é isso? - perguntou para os dois, que também olhavam curiosos para aquela direção, mas não tinham a mesma expressão de confusão. O número de pessoas que se juntava perto do palco aumentava a cada novo minuto. Nenhum deles precisou respondê-la quando David e seus três colegas de banda subiram no palco, rindo de algo e apontando para alguém que estava na primeira fileira de adolescentes sentados no chão. - Hm... bem... - Alex murmurou, olhando receosa para Samantha. - Quando vocês iriam me contar? O que mais eu preciso saber? Mas que droga! Que porra é essa agora? Glastonbury? - Ouvimos boatos... - começou Carter. - Não sabíamos que ia ser hoje! Eles vão tocar algumas músicas para incentivar a inscrição para a Batalha das Bandas. - concluiu Alex, os dois pareciam muito culpados. - Estou saindo daqui. Qualquer coisa me mandem uma mensagem. - Ah, fala sério, Sam! Samantha começou a se afastar mas Alex correu atrás dela, segurando-a pelo braço. - Não seja infantil! Vai ser engraçado. Olhe aquelas garotas lá na frente, elas são patéticas. Agem como se eles fossem famosos. - Não tenho nenhum interesse nessa droga. Bom show. Samantha não teve tempo nem de começar a se afastar. O som repentino NACIONAIS-ACHERON
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da guitarra a fez pular de susto e Alex segurou a risada. As duas voltaram a atenção para o palco. A banda havia começado um cover de "Revolution", dos Beatles, e estava assustadoramente semelhante a versão original da música. David era o mais assustador de todos, com aquela voz... idêntica. Samantha não conseguia sair do lugar, parecia ter sido grampeada na grama. Só notou no meio da música que eles não estavam usando uniforme. Achava que o uso do uniforme era obrigatório, porém ser David Young aparentemente tinha suas vantagens agora. Inclusive, estavam todos vestindo roupas que fariam Samantha derramar algumas lágrimas de admiração caso fosse outra banda com outros alunos. Estavam todos perfeitamente caracterizados como roqueiros dos anos 70, com camisas vintage e jaquetas de couro. A camisa creme de David era um pouco aberta no peito, fazendo Samantha entrar em um transe enlouquecido no qual a pele descoberta dele e o colar que usava eram a única coisa que ela conseguia enxergar. Sua raiva, durante aqueles minutos, havia desaparecido. Ela só conseguia pensar em... - Vamos sentar com Carter embaixo da árvore. - murmurou Alex, puxando Samantha pelo pulso, que foi retirada bruscamente de seu transe. A música tinha acabado e Alex a olhava com uma expressão irônica. Sentiu seu rosto queimar. Sua fascinação momentânea tinha sido tão descarada assim? Ela acompanhou a amiga sem falar uma palavra. Seu coração estava acelerado e ela estava se concentrando ao máximo para fazê-lo voltar ao normal. Aproximaram-se de Carter e ele olhava para Samantha com a mesma expressão de Alex. Só que Carter tinha algo a mais em seu sorriso, que era a conhecida e típica malícia. Samantha engoliu em seco e sentou ao lado de Alex na grama. Começaram a tocar a segunda música e ela sentiu um murro imaginário no NACIONAIS-ACHERON
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rosto. Agora estavam tocando "Twist and Shout". Oh, meu Deus. Se a tentação tivesse um som, seria o som da voz rouca de David. Algumas garotas nas pontas haviam se levantado e dançavam feito idiotas tentando chamar a atenção da banda. Pela primeira vez, não as julgou. Estava quase tirando a blusa. O que estava acontecendo? Cruzou as pernas, sentindo manifestações indesejáveis em partes de seu corpo que deveriam estar adormecidas em público. Nossa, ser uma adolescente com hormônios à flor da pele era incômodo. Quando David virava a cabeça e cantava olhando para uma das garotas, elas pareciam levar um choque. Todos os movimentos que ele fazia pareciam... irritantemente certos, demonstrando nenhum sinal de insegurança ou nervosismo por estar se apresentando no intervalo de uma escola particular de Londres, na frente de milhares de adolescentes críticos e prontos para rir de você. E eles estavam longe de estar achando o show ruim e engraçado. Terminaram a música e Samantha observou o jeito hipnotizante e sensual de David se abaixar e tomar um gole de qualquer-coisa-que-não-a-interessava de uma caneca branca. Ele parecia um verdadeiro astro de rock e aquilo a fez querer chorar de desespero. Naquele momento, ela foi capaz de sentir uma mistura de sentimentos distintos. Sentia uma absurda atração por David como nunca sentiu antes em sua vida. Porém, concluiu com má vontade que também sentia inveja. Ele havia se tornado um legítimo roqueiro, e ela, em dois anos, havia virado o quê? Uma antissocial rancorosa? O sentimento de injustiça se apossou dela mais uma vez. Não fazia sentido alguém que a tinha exposto de forma tão cruel para toda a escola se dar bem na vida. Ela quem deveria ter dado a volta por cima, não ele. Uma atitude NACIONAIS-ACHERON
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daquelas não era digna dessa mudança tão positiva. A pausa entre a música que terminou e a próxima foi curta. Samantha tentou controlar seu temperamento após raciocinar tudo aquilo em poucos segundos, e pela primeira vez percebeu o dilema de suas emoções. Não pode curtir aquela dor de cotovelo por muito tempo, pois o que aconteceu a seguir embaralhou todos os seus pensamentos. A voz de David invadiu o gramado antes de todos, e Samantha congelou.
Is there anybody going to listen to my story All about the girl who came to stay? She's the kind of girl you want so much It makes you sorry Still you don't regret a single day Antes que Samantha pudesse se recuperar da primeira frase da música, cantada por David de forma séria e concentrada – diferente do que ela havia visto até aquele momento, os olhos dele caíram sobre ela. Sua inspiração foi interrompida no meio do caminho. Ele não havia olhado para ela ou para a direção dela em nenhum momento. Mas, agora, a olhava como se soubesse que ela estava ali o tempo todo. David fitou Samantha durante toda a música, só parando quando fechava os olhos. Cantava com uma profundidade diferente das outras músicas, fazendo todos ficarem em silêncio na plateia. "Girl" era uma música quase dolorida, a letra era triste. Porém, havia algo de sensual que fez Samantha estremecer. Quando os olhos de David encontravam os dela, ela podia senti-lo. Uma desconfortável intimidade surgiu durante aqueles poucos minutos. Não falava com ele faziam dois anos, NACIONAIS-ACHERON
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mas a sensação que tinha quando o olhava era que nem um minuto havia se passado desde a última vez que ficaram juntos. Era como se ela estivesse sentindo as mãos dele percorrerem seu corpo bem ali, em público, na frente de toda a escola. Ele cantava e pronunciava as palavras de modo que aquela sensação tátil era real. Como ele estava fazendo aquilo ela não sabia, e também não sabia se outras garotas também sentiam o que ela sentiu quando ele manteve seus olhos nos dela. Mas não tinha visto ele fitar por tanto tempo outra pessoa como fez com ela, então sua confusão de sentimentos aumentou. Quando a música chegou no fim, o silêncio continuou por dois tensos segundos até todos aplaudirem. Algumas pessoas olhavam para trás, para a direção de Samantha. Todos notaram. - Que porra acabou de acontecer? – A pergunta sussurrada de Carter fez Samantha acordar do segundo transe. Era essa a palavra que definia o estado que ela ficou durante aqueles dois minutos e meio. Um transe entorpecente. Ela olhou de Carter para Alex. A amiga tentava segurar um sorriso malicioso. - Isso foi algo, hein? - falou Alex olhando para ela, que segurou as têmporas com os dedos enquanto seu braço estava apoiado no joelho. - Merda - murmurou, mais para si mesma. Ficou encarando a grama por mais alguns minutos, sem perceber que a apresentação terminara. As pessoas começaram a levantar, passando por ela e a encarando, mas ela não percebeu. Carter e Alex permaneceram em silêncio, ela sabia que eles estavam tão chocados quanto ela e todos que assistiram aquilo. No momento em que levantou a cabeça, encarou o palco a sua frente, agora vazio. Alguns professores e o comitê estudantil conversavam com a NACIONAIS-ACHERON
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banda, que agora estava em pé ao lado do palco. David vestia uma jaqueta preta de couro, prestando atenção no que um aluno falava. Não olhou mais para a direção de Samantha. - Antes de irem embora, gostaríamos de agradecer a presença de todos. The Walkers será uma das bandas que irá representar a West Newton na Batalha Intercolegial de Bandas de Londres, mas a sua banda também deve fazer parte disso... - a voz de Vicky no microfone, uma das integrantes do comitê estudantil, se dissipou na mente de Samantha. - Devemos falar sobre isso? - murmurou Alex depois de um tempo, agora o lugar estava bem mais calmo e o palco estava sendo desmontado por funcionários da escola. - É claro que devemos, eu estava só esperando você dar a deixa. - Carter começou a tagarelar e Samantha fechou os olhos. - Bom, acho que ficou óbvio para qualquer pessoa com um cérebro que David cantou "Girl" para Samantha. E, bem, se paramos para pensar, a letra tem algumas coisas em comum com a realidade. - Por favor, não comecem. Não foi para mim, ele só estava olhando para frente. - Ela mesma não tinha muita certeza disso. - Olhando para frente! Claro. Estava fitando dramaticamente a árvore atrás da gente, com toda a certeza. Ah, meu Deus, David Young quer transar com você. De novo! - CARTER! Por favor! - Samantha gritou alto demais, fazendo os funcionários que desmontavam o palco os encararem confusos. No passado, David Young e Samantha Hollow tinham uma relação muito peculiar, para falar a verdade. Eram melhores amigos, isso todos sabiam. Samantha era mais próxima de David do que de Alex e Carter. Mas não NACIONAIS-ACHERON
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namoravam, o que acontecia na verdade era exatamente o contrário. Ambos tinham casos com outras pessoas e eram muito felizes fazendo aquilo. Porém, quando acabavam em alguma noite regada a bebida e maconha, ficavam juntos. Alex e Carter estavam acostumados com aquela situação pois acontecia com frequência. Principalmente quando um deles estava na fossa. Eram amassos casuais e a relação dos dois funcionava muito bem assim. Um dia, um dos amassos ultrapassou os limites e eles acabaram transando. Aquilo se repetiu algumas vezes até o escândalo acontecer e eles nunca mais se falarem. - Imagine transar com o David de hoje em dia? - continuou Carter, com um sorriso malicioso. - Quer dizer, quando você dava para ele naquela época, eu até achava um pouco estranho. Muito, na verdade. Ele não era o que consideramos atraente, mas hoje em dia... meu Deus...do céu... - Você quer parar? Samantha olhou para Alex, pedindo socorro, mas a amiga estava sufocando de tanto rir. Aquilo deixou ela mais irritada ainda. - Impossível manter um diálogo com vocês. - Começou a se levantar, limpando a grama da bunda. Olhou discretamente para a direção onde David estava parado antes, porém agora não havia mais ninguém ali. - Sam, não precisa mentir para a gente. Seu rosto está vermelho. - Carter falou, levantando-se também. Alex o acompanhou, e os dois alcançaram Samantha, que havia disparado na frente tentando fugir da conversa. - Acho que 98% das garotas dessa escola é afim do David, portanto não sinta vergonha de um sentimento tão mundano. - disse Alex e Samantha a olhou com raiva. - Eu e Carter estamos dentro dos 2%, pois Carter faz parte da segmentação feminina, obviamente. NACIONAIS-ACHERON
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Carter tossiu teatralmente. - Hm, eu não seria tão definitiva assim. Posso não passar a manhã escrevendo "David Young" na parte de trás do meu caderno, mas pegaria com certeza. Sem dúvida alguma. Desculpa, Samantha, mas levanto uma bandeira chamada sinceridade desde que me entendo por gay. Gays tem essa obrigação com as amigas. - Por que está se desculpando? Eu não dou a mínima, case com esse demônio se quiser. - Cruzes, amiga. Quer uma massagem? Samantha rosnou e continuou andando, sendo seguida pelas risadas dos dois. Respirou fundo e teve a leve impressão de que teria de aguentar aquele tipo de situação por algum tempo ainda.
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CAPÍTULO 6 Uma paranoia assustadoramente real atingiu Samantha quando sentou em sua carteira para assistir a aula de História naquela mesma manhã. Acompanhou o professor entrando na classe e colocando sua pasta e livros em cima da mesa, logo pegando um giz e começando a escrever no quadro negro. Não conseguiria prestar atenção no conteúdo, como no dia anterior. Imaginou-se pegando recuperação em todas as matérias por ficar pensando nele e em como ele havia mudado. Fechou os olhos por dois segundos, tentando limpar a mente. Em vão. Não era colega de Alex nem de Carter naquela matéria e aquilo a fazia se sentir de certa forma vulnerável e desprotegida. Sabia que, quando os amigos estavam junto dela, todos os olhares maldosos lançados em sua direção tinham um impacto menor. Os dois costumavam fazê-la sentir como se o escândalo do passado não fosse grande coisa, quando na verdade era. As pessoas continuavam olhando em sua direção e fazendo comentários sussurrados, e depois daquele estranho incidente no intervalo, notou uma frequência maior de olhares. Abaixou a cabeça e encostou a testa na mesa, repetindo qualquer mantra de superação que conseguia lembrar. Não podia acreditar que aquelas pessoas ainda estavam remoendo o que David havia feito com ela há dois anos. Imaginou quantos deles de fato chegaram a ver alguma coisa. Todos? Nenhum? Era impossível saber, ainda mais depois de tanto tempo. A única certeza que ela tinha é que todos ouviram o acontecido. Sabiam pelo que ela tinha passado. A situação era muito mais constrangedora para ela, apesar de David também ter ficado exposto. Já havia pensado sobre NACIONAIS-ACHERON
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aquilo milhares de vezes e odiava cada vez mais a forma como a sociedade aplicava diferentes pesos nas ações dos homens e das mulheres. A mesma situação tinha consequências diferentes se você é um homem ou uma mulher. Sentiu as unhas cravadas nas palmas das mãos e tentou relaxar um pouco. A cena que presenciou nos segundos seguintes se desenvolveu lentamente em sua cabeça. Quando levantou a testa da mesa e encarou a frente da sala, sua pressão despencou até o inferno. Lá estava ele. Usando o uniforme novamente, que o deixava mais sexy do que qualquer outra roupa. Estava parado na porta, conversando com um garoto desconhecido que ela mal viu a cor dos cabelos. O professor parou de escrever e fez um sinal para os dois entrarem e fecharem a porta. Eles se desencostaram do batente e entraram na sala, assim mais alguns alunos entraram atrás deles. Samantha queria não olhar, forçava o cérebro para que este comandasse seus olhos para outra direção, mas simplesmente não conseguia. Ele era anormal, não era a mesma pessoa com quem ela teve tanta intimidade no passado. Todos os seus movimentos eram fluídos e naturais, ele caminhava sem nenhuma preocupação. Agora, vendo-o tão de perto e com tanta clareza, entendia o motivo de sua popularidade entre as garotas. Era impossível não desejá-lo. O tempo que David levou para caminhar até sua mesa e se sentar foi curto, mas a cena demorou o triplo do tempo na cabeça de Samantha. No momento em que ele atingiu a metade do caminho, já se encontrando entre as mesas, olhou em sua direção. Na hora, Samantha não conseguiu interpretar a expressão dele, pois suas emoções estavam colidindo dentro de seu peito. Mas, quando ele se sentou, ela olhou para as costas da pessoa que estava sentada na sua frente e raciocinou. NACIONAIS-ACHERON
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Havia grandes chances de ela estar enganada, mas tinha certeza que vira no olhar dele ironia. Os lábios dele não se mexeram, nem qualquer outro músculo de seu rosto. Porém, seus olhos... Sentiu o sangue ferver. O que ele estava fazendo? Por que estava agindo assim? Nada em relação a David estava claro em sua mente, não ainda, pelo menos. Ou ela era extremamente boa em interpretar olhares ou estava enlouquecendo. Ambas as opções a deixavam nervosa. Percebeu que estava encolhida. Ficara encolhida desde quando vira David parado na porta e ele provavelmente a viu naquela posição horrível e inferior. A raiva de si mesma naquele momento poderia até ser maior do que a raiva constante que sentia dele. Sentiu-se patética. Não suportaria aquela sensação por muito tempo. Durante todo aquele período o lado esquerdo de seu corpo queimou. O lado da sala em que David estava sentado. ✖✖✖ Estava se sentindo pior do que no dia anterior. Apesar de David tê-la provocado, a encarando durante a música, não estava se sentindo bem por isso. Tinha a leve impressão de que ele estava apenas se divertindo agora que era superior a ela dentro daquele lugar. E o olhar irônico... fez tudo piorar. Quando percebeu Alex parando ao seu lado na frente dos armários no corredor, preparou-se para o que vinha pela frente. Enfiou a cara para dentro da porta aberta, tentando procrastinar olhar no rosto de Alex o máximo possível. Samantha não era muito boa em esconder suas emoções, não conseguia fingir um estado de espírito. Não demorou para Alex ver sua cara de tragédia. NACIONAIS-ACHERON
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- Meu Deus, Samantha, o que você tem? Ela respirou fundo, sem tirar o rosto de perto do armário aberto. Pensou por um momento em inventar alguma dor, mas provavelmente iria esquecer da mentira durante o dia e acabaria se entregando. Uma risada histérica salvou-a da explicação. - ... quer provar um pedaço? As duas se viraram para os armários do outro lado do corredor. Uma cabeleira ruiva se encostava promiscuamente nos armários enquanto mordia uma maçã muito vermelha. Quando terminou de mastigar, limpou os lábios com a língua de forma demorada e, consequentemente, provocante. Os olhos dela estavam focados na segunda pessoa que a acompanhara, que agora estava mexendo em seu próprio armário. Ele olhou para ela com um sorriso malicioso e Samantha sentiu que poderia passar mal. - Deve estar muito boa mesmo. - murmurou David, suas palavras se arrastando despreocupadas pelo corredor. Ele então notou que duas pessoas observavam a cena, e, quando as reconheceu, voltou sua atenção para Penelope Woods, que segurava a maçã próxima do rosto dele. - Sabe que tem um jeito melhor de eu provar o gosto, não é? Penelope sorriu de forma selvagem. David segurou o queixo dela e abaixou o rosto em sua direção. Quando estavam prestes a se beijar, a garota empurrou-o com delicadeza pelo peito. - Por que não aparece lá em casa hoje à tarde? - perguntou ela, forçando uma atitude displicente, que era visivelmente falsa. Dava para perceber que ela estava louca para pular no colo dele. - Porque eu preciso ficar no comitê toda terça e quinta à tarde. - respondeu ele, afastando os cabelos dela do pescoço e acariciando a região descoberta. NACIONAIS-ACHERON
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- Então acho que vai perder a melhor tarde da sua semana. - rebateu ela, movimentando o tronco sensualmente. - Eu estava planejando te mostrar a nova dança que estamos montando para o próximo jogo. Samantha desconcentrou-se da indignação e do espanto que estava sentindo e riu pelo nariz, fazendo Alex perceber e sorrir também. Imaginou David entediado observando a nova dança das líderes de torcida, mas logo depois percebeu que Penelope não ia fazer dança nenhuma. Seu sangue voltou a borbulhar e ela voltou a ficar séria. - Seria muito inconveniente eu assistir amanhã? - perguntou David, com a expressão mais maliciosa que Samantha já vira na vida. Desejou por um milésimo estar no lugar daquela ruiva maldita. - Bem, eu posso abrir uma exceção... - murmurou ela, levando uma das mãos até um dos cachos na nuca de David. - Apareça lá pelas 16h, certo? - Pode ter certeza. - respondeu ele, fechando a porta do armário. Penelope girou teatralmente nos calcanhares e se afastou. Samantha pensou que só faltou a garota saltitar. Percebeu que Alex ainda encarava David com os braços cruzados e voltou sua atenção para o garoto. Ele arrumou a mochila nas costas e olhou para Samantha. Percorreu seus olhos pelo corpo da garota com muita calma, de cima a baixo. Quando seus olhares se encontraram, ele levantou de leve o queixo e sorriu, a desprezando descaradamente. Seguiu então seu caminho pelo corredor. As duas ficaram em silêncio por quase um minuto até Alex olhar para a amiga. Samantha se virou e bateu a porta do armário com toda a força. Alex pulou assustada, engolindo em seco logo depois. Samantha disparou pelo corredor, pisando forte.
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CAPÍTULO 7 - Sam! Espera! Alex acompanhou a garota durante o longo trajeto que ela fez. Samantha saiu pela porta da frente do prédio e atravessou todo o gramado, se afastando da multidão que se espalhava por ser horário de almoço. Deu a volta no prédio e caminhou mais dois minutos até chegar no campo de futebol cercado por uma pista de corrida e muitas arquibancadas. Sabia que o local estaria vazio. Subiu três andares da primeira arquibancada e atirou sua bolsa no degrau. Sentou e encolheu as pernas, sentindo as lágrimas começarem a escorrer. - Ok, não vou deixar você ficar assim por causa dele. - falou Alex irritada, jogando a própria mochila no banco e parando na frente da amiga, que estava com a cabeça abaixada entre os joelhos. - Samantha! Pelo amor de Deus! Você é muito melhor que ele, pare de dar tanta importância! Samantha levantou a cabeça devagar, encarando a amiga que estava vermelha de raiva. Seu pescoço estava cheio de manchas avermelhadas, como tinha a pele muito branca, acabava ficando assim quando se alterava. - Não consigo! – murmurou ela, sentindo mais lágrimas escorrerem. - As pessoas me olham torto desde aquele dia, Alex! Me olham como se eu fosse uma prostituta! Não vou aguentar mais nenhum dia assim! E, para completar, ele fica me provocando! Já o vi fazer isso três vezes hoje, estou me sentindo ridícula. Que tipo de pessoa faz isso, Alex? Destrói a vida da melhor amiga e, como se não bastassem dois anos longe da minha própria casa por causa dele, ele esfrega toda a situação na minha cara cada vez que me olha! NACIONAIS-ACHERON
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Enquanto ouvia o desabafo da amiga, a expressão irritada de Alex aliviouse um pouco. Pela primeira vez em anos estavam falando abertamente sobre como Samantha se sentia e aquele assunto sempre era muito delicado. Após deixar ela se recuperar do pequeno discurso ininterrupto, deu sua opinião: Ok, Sam, espera um pouco. Ele pode ter se tornado um tanto arrogante e ter começado a andar com pessoas podres, mas de onde você tirou isso? Ele só fez aquela cara para você porque estávamos encarando! - Como você é ingênua! Toda vez que ele me olha parece esfregar o quão melhor que eu ele se tornou. Eu sei disso, eu sei, dentro de mim. Acha que ele me encarou durante aquela música porquê? - Não sei, Sam... – Alex parecia um pouco incerta agora. - Eu sei. Para me deixar abalada, porque ele sabe que está gostoso. Fica usando isso a cada merda de olhada. E eu sou uma ridícula, porque ele está conseguindo. As duas ficaram em silêncio por alguns segundos, Alex agora concordando parcialmente com a amiga. A última olhada que ele lançou em Samantha foi um tanto óbvia, não tinha como enxergar algo diferente ali. Mas a loira foi em frente, quase um minuto depois de refletir sobre a situação. - Ele ainda gosta de você. O silêncio que se seguiu demonstrou o quão absurdo aquilo soava para Samantha. Ela então virou a cabeça devagar para lançar um olhar incrédulo a Alex, agora sentada ao seu lado. - Você está maluca? Ele praticamente fez sexo verbalmente com aquela garota na minha frente. - Exato. NACIONAIS-ACHERON
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Alex encarava o campo de futebol pensativa, concentrada em algum pensamento que Samantha não estava conseguindo acompanhar. - Do que você está falando? - perguntou, olhando irritada para ela. A outra suspirou, abrindo um sorriso de canto. - Não é óbvio? Ora, Samantha, não precisa ter muita experiência com relacionamentos para perceber o que está acontecendo. - Alex desviou sua atenção do campo olhou para ela, mantendo o sorriso estranho. Samantha continuou em silêncio. - Ele está te provocando porque sabe que você é a única garota da West Newton que não quer nada com ele. Ele sabe que você nunca ficaria com ele novamente, por causa do que ele fez. E, para completar, ele ainda está apaixonado por você. Samantha processou as palavras como se fossem uma equação de dificuldade elevada. Ainda descrente, se manifestou: - Não... não sei. Ele pode conseguir qualquer uma, literalmente qualquer uma. Existem garotas nessa escola muito mais bonitas que eu, por que perder tempo? A expressão entediada e irônica de Alex poderia ser o suficiente para responder a pergunta. - Você morou em uma caverna na Irlanda? Nunca ouviu falar que os homens gostam de um desafio? Sam, uma coisa eu digo e pode ter certeza que vai se concretizar. Ele vai continuar te tratando assim até você rastejar aos pés dele. Aquele jeito de malandro sensual que consegue o que quer vai acabar fazendo você cair direitinho. - NÃO VAI! - Samantha falou alto demais, espantada, se levantando e olhando indignada para Alex. - Você está louca? Olha o que ele fez com a minha vida! - Eu sei que você não vai cair. Mas ele não sabe. David está tão NACIONAIS-ACHERON
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convencido de que é a melhor pessoa dessa escola que deve estar achando que em um mês, no máximo, vai conseguir passar a noite com você. Um tempo deliciosamente desafiador, não acha? - Não me interessa o que ele deve estar achando que eu vá fazer. Ele é um idiota. - Você precisa fazer alguma coisa para reverter a situação. - concluiu Alex, ignorando o comentário da outra. - Caso contrário, vai enlouquecer. completou, encarando mais uma vez o campo na sua frente. De repente, seus olhos bateram em um cartaz pendurado nas grades que separavam as arquibancadas da pista de corrida. Era um cartaz que divulgava a Batalha Intercolegial de Bandas, incentivando todos a se inscreverem com suas bandas. - Acabei de ter a melhor ideia da minha vida. Alex se esticou e pegou seu celular no bolso de fora da mochila. Samantha a encarava ansiosa. Ela digitou por alguns segundos, até Samantha explodir. - Quer fazer o favor de falar? Ela parou de digitar e olhou sorrindo para a amiga. - Nós vamos entrar na Batalha das Bandas.
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CAPÍTULO 8 Samantha olhou para Alex como se ela tivesse falado o maior absurdo que ouvira nos últimos meses. E, provavelmente, era. - Está maluca? Por que raios isso reverteria a situação? Alex agora expressava um sorriso quase demoníaco, mas nada em sua aparência física revelava a Samantha o real motivo daquela ideia. Esfregando as mãos uma na outra para adicionar um pouco de drama, ela se explicou: Por que, minha cara, a Batalha das Bandas é a zona de conforto de David. A banda dele é o que ele mais deve gostar na vida, e essa competição deve estar sendo o evento do ano para ele. Imagine se você se inscrevesse também, com a sua própria banda, desafiando-o na sua própria zona de conforto? Afinal, vocês já foram da mesma banda um dia. Eu pagaria para ver essa rivalidade, na boa, Sam. Samantha por um momento lembrou das duas situações constrangedoras que havia passado naquela manhã, nas quais havia demonstrado uma completa inferioridade perante David. Lembrou-se do quão encolhida ficou sob o olhar dele, na sala de aula. Espere um momento, pensou ela, deixando a ficha cair de uma vez por todas. Nenhum homem deve fazer você se sentir inferior. E, no caso dela, muito menos. Ele já havia arruinado sua vida, agora tratá-la como inferior... não podia permitir aquilo. Uma vontade imensa de colocar David em seu devido lugar encheu seu peito. Ela era melhor do que ele. Não havia mudado a aparência e o estilo de vida para se encaixar em padrões sociais e conseguir fazer amigos relevantes. NACIONAIS-ACHERON
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Uma sensação de poder fez seus olhos brilharem na direção da amiga. - Vamos fazer isso. - falou Samantha sem olhar para Alex, que respondeu com um urro exagerado. - Então quer dizer que os Velvets estão de volta? A voz de Carter abaixo delas invadiu o local vazio. Agora ela tinha entendido porque Alex havia pegado o celular e se impressionou com a habilidade da outra de transmitir informações complexas em uma velocidade admirável. - Algum motivo em particular ou apenas a vontade de despertar o rock nesses adolescentes mornos? - continuou ele, cruzando os braços e as olhando em pé. Carter entendia mais do mundo do rock do que as duas garotas e era como um oráculo para elas em qualquer situação. Samantha gostava de seus amigos e gostava do que os Velvets um dia representaram. A liberdade de ser como você é e sair dos padrões era o principal ideal do grupo. Queria trazer aquilo de volta, queria se sentir viva novamente. Queria sentir que era capaz de tudo e que poderia ser tão relevante naquela escola quanto David. Mas queria ser relevante pelos motivos contrários aos dele. Alex explicou todo o drama de Samantha para Carter, que não precisou de muitas provas para concordar que David estava de fato a cutucando. - The Velvets de volta é uma grande ideia, mas temos um pequeno problema - falou Carter, depois de ficarem por dois minutos imaginando como seria o futuro se trouxessem a banda de volta. As duas o olharam apreensivas. - Não temos um guitarrista. Samantha não sabe tocar direito, ou você aprendeu? - Não. - respondeu ela, mal humorada. Uma sensação de inutilidade NACIONAIS-ACHERON
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arruinou sua empolgação. - Bom, você é uma ótima vocalista, mas acho que uma banda de rock precisa de guitarra. - disse ele de forma irônica, deixando Samantha ainda mais emburrada. Teve dois anos para aprender e jogou fora esse tempo. Ao contrário de David. A ideia morreu por um tempo na cabeça deles. Era impossível colocar alguém aleatório para substituir David, a pessoa não fazia parte da banda, seria estranho e desconfortável. Por um momento, não viram outra saída. - Alex! - exclamou Carter depois de minutos de desolação. - Você está pensando o mesmo que eu? A garota o olhou sem entender, porém bastaram alguns segundos para ela sorrir de forma demoníaca. Samantha tinha medo daquele sorriso. - Isso seria tão implicante... - murmurou ela, os olhos vidrados no gramado vazio. - Do que estão falando? – Samantha interrompeu o diálogo, ansiosa por entender o que estava acontecendo. - Por que eu sempre tenho a impressão de que vocês sabem mais do que eu sobre a vida? - Sabemos mais do que você sobre a West Newton, não sobre a vida. disse Carter mexendo as mãos com um floreio para indicar o ambiente a sua volta. - Eu tenho duas palavras para você, minha querida. Oliver Lynch. Samantha não entendeu a ideia no primeiro momento. - Oliver? Ele não trocou de escola? - Ele voltou. - disse Alex, sua voz estava arrastada e maldosa. Pensou que Alex estava com mais sangue nos olhos do que ela própria. Oliver Lynch fizera parte dos Velvets por um breve tempo, alguns meses NACIONAIS-ACHERON
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antes do escândalo de David e Samantha. Oliver entrou na banda como segundo guitarrista depois de fazer amizade com todos, inicialmente, sem exceção. Estava sempre com eles, não importa onde iriam. Era mais uma vítima da crueldade dos populares da West Newton na época, e fora acolhido por eles de muito bom grado, pois era um garoto quieto e engraçado. Porém, em poucas semanas, Oliver começara a demonstrar um interesse descarado em Samantha, grudando-se na garota em todas as festas que frequentavam na casa de algum aluno. Nunca chegou a tentar beijá-la, mas estavam sempre conversando. Aquilo começou a irritar David, que desenvolveu uma rivalidade infantil com o garoto. Trocavam farpas durante as conversas, estavam sempre lançando indiretas um para o outro. Chegou um dia em que Oliver havia sido exageradamente cruel e David o socou no rosto. Depois daquilo, a relação deles com Oliver não foi mais a mesma. Ele desapareceu no mundo, e apenas ficaram sabendo que ele havia sido transferido para outra escola, em um bairro distante. Samantha nunca mais vira o garoto. - O que você quer dizer como "ele voltou"? Está estudando aqui de novo? - perguntou, confusa. - Está, entrou no final do ano passado. Foi bem aleatório, para falar a verdade. Ninguém entendeu o porquê de ele ter entrado no final do ano letivo, mas não fez diferença. Ele não fala com ninguém. Aliás, eu estou com medo dele. - explicou Carter que, fazendo jus a sua fama, sempre sabia de tudo sobre todos. - Ele sempre está com uma expressão de que vai espancar alguém. Já percebeu? - perguntou para Alex, que concordou pensativa. Ela não havia parado para pensar naquilo, mas agora, verbalizando a impressão, concordava. Oliver estava amargo. - Bem, ele sempre foi um pouco introspectivo, pelo que lembro. - disse NACIONAIS-ACHERON
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Samantha, lembrando de como fora difícil puxar assunto com o garoto no início. - Sabe o que eu acho? Que ele entrou para o Satanismo. - falou Carter e as duas o olharam sem entender. - Ele só usa preto! E está sempre irritado. É possível... mas, enfim, os hábitos religiosos dele não o impedem de voltar para os Velvets. - Carter, pelo amor de Deus, ele não é satanista. - falou Alex, porém sua voz pareceu um pouco insegura. - Está com medo, é? - perguntou Samantha, rindo. - Pra falar a verdade, sim. Imagina se ele faz algum ritual contra a gente? - Se ele fizer algum ritual, vai ser contra o David. Capaz da Samantha participar. Vocês inclusive podem fundar um grupo de haters, eu participaria só para ficar falado mesmo. Odeio ser esquecido. - Impossível você ser esquecido, todos falam com você. - rebateu Alex. - Podemos nos focar na banda? Quem vai falar com ele? - Alex e Carter a olharam sem pensar duas vezes. - Ah, fala sério. Por que eu? - Porque ele era afim de você, se tiver de ser convencido a voltar para os Velvets, é mais provável que funcione através de você. Samantha revirou os olhos, mas não discutiu. Eles tinham razão. Ela poderia ser bem convincente se quisesse. Só não sabia se conseguiria atuar tão bem assim na luz do dia, em público. Especialmente aquele público. O plano estava montado, mas nenhum deles havia pensado em uma segunda opção. Se Oliver Lynch, por algum motivo, não quisesse fazer parte daquela ideia, voltariam para a estaca zero. Sem um guitarrista e, portanto, sem The Velvets. Samantha havia abraçado aquele plano com muita paixão. NACIONAIS-ACHERON
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A substituição de David por alguém com quem ele havia tido tantos atritos no passado parecia genial. No início soou absurdo, mas depois percebeu que a volta dos Velvets era movida por milhões de motivos muito convincentes. Essa volta representava tudo o que ela queria transmitir naquele momento, fosse para os outros ou fosse para si mesma. Representava a independência de um grupo excluído dentro daquela escola, que não teria vergonha de mostrar quem realmente era. Representava também sua vingança pessoal em relação a David. A vingança pela qual ela esperou durante dois longos anos. O momento havia chegado.
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CAPÍTULO 9 Depois de discutir de forma exaustiva com os dois amigos, Samantha decidiu colocar a primeira - e decisiva - parte do plano em prática depois do horário de almoço. A ferida que David havia feito nela mais cedo, ao desprezá-la em público, ainda estava aberta, e ela sabia que se esperasse mais tempo talvez desistisse da ideia. Odiava admitir a si mesma que, em muitos momentos daquela manhã, só teve vontade de se trancar no quarto e esperar que seu coração desistisse dele, nem que demorassem cinco ou dez anos. Porém, uma abençoada voz interior fazia a graça de lembrá-la de que se esconder não mudaria nada, o que mudaria era ir atrás do que acreditava. Foi com essa voz incentivadora que se encostou em uma das paredes do corredor que levava até a cantina e esperou que seus olhos reconhecessem Oliver Lynch, ou alguém muito parecido com o que lembrava dele. Não foi fácil, ela não fazia ideia de sua aparência nos dias atuais. Dezenas de cabeças passavam por ela causando típicas risadas estridentes, o som e o fluxo de movimento dos corpos a deixando tonta pelo nervosismo e ansiedade que estava sentindo. Começou a sentir a esperança se afastando, seria impossível reconhecê-lo no meio de tanta gente. Como lembraria de sua aparência exata? E, se o reconhecesse, como iria abordá-lo, de qualquer forma? Sentiu um desespero dramático tomar conta de seus pensamentos. Um calor anormal dominou várias partes de seu corpo, e ela, por um momento, desistiu de tudo. Odiava agir daquela forma, inconstante e precipitada, mas eram características inevitáveis de sua personalidade e precisava aprender a lidar com elas. NACIONAIS-ACHERON
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Mas, naquele momento, não conseguiu. Se desencostou da parede, prestes a entrar na corrente de corpos que se movimentavam para a saída do prédio da cantina, quando seus olhos cruzaram com ele. Samantha não soube como o reconheceu, ele estava completamente diferente, assim como David, mas dessa vez o identificou. Talvez mais pelo jeito introspectivo e individual de agir, ignorando todos a sua volta enquanto mexia no celular. Ele continuava o mesmo, apesar de ter mudado a aparência. Oliver usava a camisa do uniforme para fora das calças sociais, a gravata folgada em volta do pescoço e o blazer pendurado na bolsa de couro atravessada no tronco. Seus cabelos loiro escuros estavam mais curtos, diferentemente de como Samantha o conheceu há dois anos, grandes, claros e emaranhados. Ele parecia mais adulto apesar da forma displicente de vestir o uniforme, e, com um desespero, concluiu: Oliver Lynch também estava mais bonito. Seria tão mais fácil se os meninos adolescentes ficassem menos atraentes com o passar do tempo. O acompanhou mantendo certa distância até o garoto sair do prédio, seria mais fácil abordá-lo em um ambiente menos barulhento. Ou não, para falar a verdade, seria mais constrangedor. Observou seus movimentos enquanto ele tirava fones de ouvido do bolso da calça e conectava-os no celular. Era a hora de manter contato. Apressou o passo, quanto mais se aproximava mais seu estômago afundava. - Hm, Oliver? Praguejou consigo mesma, percebendo que havia grunhido mais do que pronunciado o nome dele. Ele se virou devagar, provavelmente em dúvida se havia escutado seu nome ou não. Suas sobrancelhas franzidas relaxaram quando ele colocou os olhos nela. Samantha esperou que ele sorrisse e deixasse aquela situação menos NACIONAIS-ACHERON
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constrangedora, mas não aconteceu. Oliver permaneceu impassível, pelo menos nos dez segundos seguintes. - Samantha - murmurou ele, percebendo que a garota havia empacado. Mais alguns desconfortáveis segundos de silêncio. - Quanto tempo! Queria se enfiar na grama abaixo dos seus pés. Que frase ridícula de se falar, o garoto estava visivelmente sem paciência. Quase saiu correndo, mas alguma força superior a manteve imóvel na frente dele e a salvou de passar uma vergonha irrecuperável. - Sim... - concordou ele, seus olhos a fitavam de forma profunda, a deixando muito desconfortável. Ele era muito intenso. - Voltou esse ano, certo? Agradeceu aos céus por ele ter iniciado uma conversa. Não saberia o que fazer se ele continuasse a encarando daquela forma intimidante. - Voltei! - respondeu ela, alto demais. Identificou um vestígio de sorriso nos lábios dele, devia estar a achando patética. - Você voltou ano passado? - Sim, no final do ano. - concordou ele, sem acrescentar mais nada. Ela esperava que ele revelasse o motivo, mas a conversa se dissipou enquanto ele a encarava, esperando que ela falasse logo o que queria. Samantha respirou fundo e pigarreou. - Bom, hm, eu queria conversar com você sobre uma ideia que tive... quer dizer, que tivemos... lembra da Alex e do Carter? - Sim. Meu Deus, ele era muito incomunicável. A vontade de sair correndo havia voltado. Ela remexeu os pés toda desconfortável enquanto continuava a falar. NACIONAIS-ACHERON
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- Então, tivemos a ideia de nos inscrevermos para a Batalha das Bandas com os Velvets, mas estamos sem um guitarrista. - Samantha por um momento pensou em mencionar que David estava em outra banda, mas percebeu que a menção daquele nome arruinaria tudo. - Lembramos, então, que você já tocou com a gente, e o consideramos para preencher a... - Não. Ela arregalou os olhos com a interrupção negativa. Sentiu seu corpo todo formigar de tanta vergonha ao ouvir aquela palavra. Não sabia como continuar depois daquele corte brutal, ficara sem reação alguma. Porém, não precisou pensar em algo para quebrar aquele constrangimento causado pela resposta mais inesperada que poderia imaginar. Depois de mais alguns segundos nos quais ele mexia no celular, voltou a olhá-la e complementou sua resposta. - Desculpe, não estou interessado em tocar com outras pessoas. Bem, isso não ajudara muito no desenvolvimento da conversa. Ela pigarreou mais uma vez antes de continuar. Não estava agindo de forma convincente, como achou que faria. Estava fazendo exatamente o oposto, emitindo grunhidos em vez de se comunicar como uma garota forte e independente. Percebeu, então, que não importava o que dissesse, ele não cederia. Oliver Lynch era como um muro alto, intimidador e impenetrável. - Tudo bem. Bom te ver de novo. - murmurou ela, e ele sorriu seco. Esperou que ele falasse mais alguma coisa, mas nada aconteceu. Oliver voltou a encarar seu celular e posicionou os fones nos ouvidos. Ela se virou e se afastou na direção do prédio principal. Não conseguia acreditar no fora que havia recebido. Enquanto entrava no prédio pela parte de trás, imaginou-se puxando sua NACIONAIS-ACHERON
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autoestima, que se arrastava pesada pelo chão. Sentiu que todos, com uma óbvia exceção de Alex e Carter, a odiavam naquela escola. Tinha uma mínima esperança de Oliver recebê-la de forma positiva, afinal não havia feito nada de errado em relação a ele. Pelo menos achava que não. Uma pessoa a mais que a tratasse bem naquele lugar não seria nada mal. Mas se sentiu idiota. Ele nunca a trataria bem, ela nunca o correspondeu da forma que ele esperava. Ao atravessar os corredores e tentar chegar em sua sala de aula o mais rápido possível, pois o sinal já havia tocado, reconsiderou mudar de escola pela quinquagésima vez. Percebeu que reconsideraria aquilo constantemente nos próximos dias. Ou meses. Avistou a porta da sala onde seria sua próxima aula fechada e gelou. O professor já devia ter começado. Girou receosa a maçaneta e, quando encarou o ambiente cheio, recebeu milhares de olhares de volta. O professor olhou na sua direção por alguns segundos, interrompendo o que parecia ser a chamada. Ela soltou o ar relaxando um pouco, e procurou Alex ou Carter pela sala. Os dois estavam sentados ao fundo, com um valioso lugar vazio na frente de Alex. Sentou na carteira, tentando evitar os olhares ansiosos dos amigos pela resposta de Oliver. Seu nome foi chamado e ela respondeu. Sentiu Alex a cutucando no ombro. - E aí? - Já era. Ele não quis. - murmurou em resposta, ouvindo os dois gemerem em desespero. - Aposto que você não perguntou direito - A voz um pouco dissipada por conversas paralelas de Carter chegou em seus ouvidos. NACIONAIS-ACHERON
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- Perguntei como qualquer pessoa perguntaria. Ele foi extremamente estúpido! - respondeu ela, virando-se para encará-los. - Ele deve remoer o passado ainda. - concluiu Alex. - Ah, você acha? - perguntou Carter sarcástico. - É óbvio que sim. Estamos fodidos, podem desistir da ideia. Sem Oliver não tem banda. Samantha grunhiu baixo. Era ridículo terem que depender de alguém para voltarem com os Velvets. Virou para frente e percebeu que David estava estirado em sua carteira do outro lado da sala, escrevendo despreocupadamente alguma coisa no caderno. Sentiu o corpo ferver de raiva. O maldito estava se dando bem mesmo não estando envolvido no plano deles. A raiva era tanta naquele momento em particular que lágrimas se acumularam no canto dos seus olhos. Como esperava, não conseguiu prestar atenção na aula. Mal lembrou que matéria era aquela quando o professor saiu da sala. Guardou seus materiais intocados e ouviu Alex vibrar atrás dela. - As inscrições terminam exatamente em um mês. Samantha encarou a amiga, que olhava sem piscar para a tela do celular. Se aproximou e percebeu que ela mexia neurótica na tela que mostrava o site oficial da West Newton. - Devo interromper e revelar para vocês que não faz diferença nenhuma? Não temos uma banda. - disse Carter colocando a mochila nos ombros e começando a se afastar. - Parem de se iludir. Samantha e Alex o encararam se afastar e depois se olharam. - Eu tenho um pingo de esperança - murmurou Alex, fazendo Samantha sorrir mais por pena da ingenuidade das duas, pois ela também tinha um NACIONAIS-ACHERON
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pouco de esperança. Não conseguia aceitar que o único plano perfeito para destruir David não havia nem sido colocado em prática para dar errado. Teremos de convencê-lo de alguma forma. - Não vejo como, ele foi bem... decidido. - Samantha queria usar alguma palavra como grosso e insensível, mas preferiu não exteriorizar seu rancor. Acompanhou a amiga para fora da sala. Alex ainda encarava a tela do celular com uma expressão de desolação, quando um som de notificação a fez acordar do transe patético. - Hm... - murmurou ela, sem olhar para Samantha, enquanto lia uma página que a outra identificou como um evento no Facebook. - Temos uma festa na sexta-feira! - O quê? - perguntou Samantha distraída, ainda estava um pouco chocada com a forma como Oliver a havia tratado. Aquele início de ano letivo estava se saindo pior do que imaginava. - O comitê estudantil está organizando uma noite de boas-vindas para os alunos do último ano. Ah, meu deus, Sam. Será na cobertura da Vicky, a presidente do comitê. Samantha encarou levantou os olhos para o rosto da amiga, que ainda não tinha olhado em sua direção. Quando o fez, ficou séria. - Qual o problema? – perguntou Alex, desconfiada. - O que passou pela sua cabeça ao imaginar que eu iria colocar meus pés em uma festa organizada pelo David? - Ah, não é organizada só por ele! É por todo o comitê. Você não precisa se sentir mal, ele é só um décimo da organização. Tá, ok, ele é o representante social. Tudo bem, ele deve coordenar as festas. - Não vou nem que você me arraste, já estou deixando isso claro pois sei NACIONAIS-ACHERON
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como você é insistente. - Vamos discutir isso depois. Samantha sabia que aquela discussão iria longe. Suspirou aliviada ao perceber que aquela havia sido a última aula do dia. Seus dois primeiros dias de aula haviam sido tão turbulentos que tinha a impressão de que havia se passado no mínimo uns quinze dias. As surpresas deram uma trégua para ela, pelo menos até a sexta-feira daquela primeira semana. David não olhava para o seu rosto, não desde a apresentação que a deixou desconfortável e confusa no intervalo do segundo dia. Achou melhor daquela forma, era mais fácil suportar a realidade quando ela não te olhava nos olhos. Pensou que talvez até conseguiria ter um ano letivo agradável se evitasse o garoto tanto quanto ele a estava evitando. Seus ânimos se renovaram e no final da aula daquela sexta-feira ela se pegou sorrindo. Iria chegar em casa, colocar os estudos em dia - os dois primeiros dias foram o mesmo que não ter ido nas aulas - e talvez assistir um filme bem assustador para distraí-la o máximo possível. Se sentiu bem pela primeira vez naquela semana.
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CAPÍTULO 10 Colocou o copo de refrigerante em cima da escrivaninha, ao lado do livro de Biologia aberto no capítulo de genética. Certos acontecimentos no início da semana a distraíram o suficiente para obrigá-la a repassar todo o primeiro capítulo e garantir que nada ficasse fora do seu raciocínio dali para frente. Nunca fora a melhor aluna da classe, mas também não poderia ser colocada no grupo daqueles que iam mal. Sempre estudava por conta própria e corria atrás do que não entendia, fora educada desde cedo e valorizava os esforços de seus pais para pagarem seus estudos. Não conseguiu nem terminar o primeiro parágrafo de seu resumo. O forte estrondo causado pela porta aberta do quarto fez a perna do "a" que estava escrevendo sair com mais de três centímetros, invadindo a linha de cima. Encarou o motivo de sua interrupção parado na porta, estreitando um olhar selvagem em sua direção. - É inadmissível você querer ficar em casa estudando numa sexta à noite! É sério, Sam, isso não é normal. Alex invadiu o quarto e começou a bater o salto alto no carpete de forma impaciente, parada entre a cama e a escrivaninha. Estava usando uma calça preta de couro falso bem justa, assim como sua blusa. Essa colocava seu decote em evidência e, muitas vezes, Samantha esquecia que a amiga o tinha. Não estava acostumada a ver Alex vestindo algo sensual, visto que seu guarda roupa diário era composto por jeans e camisetas largas. Depois de processar aquele furacão repentino, suspirou, tentando controlar a paciência. De fato, achou muito estranho o silêncio da amiga em relação NACIONAIS-ACHERON
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àquela festa ridícula de boas-vindas. Alex planejou abordá-la no último minuto. - É perfeitamente normal eu querer ingressar em uma boa universidade... não vejo o porquê do drama. Aliás, como entrou aqui? Samantha aproximou sua cadeira mais ainda da escrivaninha, num movimento involuntário em defesa de sua vontade de permanecer em casa. - Você está evitando ficar em público faz três dias. Acha que eu não percebi? Vou almoçar nas arquibancadas para retomar algumas matérias. Até parece! Está fugindo dele. É patético. - Ele quem? Não olhou para o rosto da amiga ao fazer aquela pergunta besta. Abriu o corretivo branco e começou a passar em cima da perna deformada da letra "a". - Acha que vai adiantar ficar evitando todos os possíveis lugares em que ele vai estar? É ridículo, Sam. Você está abrindo mão de fazer o que você quer por causa do David. Esperava muito mais de você, de verdade. Ao ouvir aquela verdade, Samantha respirou fundo por alguns segundos. Alex estava totalmente certa, mas ela não conseguia admitir para si mesma o que estava fazendo. Era verdade, estava inclinada a evitar aglomerações e planejava fazer aquilo durante todo o ano. Era uma atitude covarde, afinal ela era a vítima da maldade de David e não tinha nada do que se envergonhar, mas simplesmente achava mais fácil suportar tudo aquilo sem ter de olhá-lo. - Eu só quero tirar boas notas, só isso. Você é livre para ir onde bem entender e eu, inclusive, a apoio. Vá se divertir. O silêncio que se seguiu quase fez Samantha acreditar que Alex havia desistido, mas ela conhecia sua amiga o suficiente para saber que a maldita NACIONAIS-ACHERON
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não largava o osso por nada. - Eu não vou deixar você agir como um cachorro acuado. É sério. Fazendo isso você apenas vai evidenciar o poder que David tem sobre as pessoas. Vai deixar de ir em uma festa por causa dele? Vou, pensou Samantha irritada. Não dava a mínima se David iria se achar importante por ela não ter ido na festa, só queria evitá-lo o máximo possível. Ir naquela festa era o mesmo que decidir sair para se aborrecer. Já conseguia imaginar as cenas regurgitáveis de David se esfregando em alguma garota, ou melhor, na podre da Penelope Woods, que era seu alvo atual. Não havia possibilidade nenhuma de Samantha sair de casa para assistir aquilo. - Essa era a chance perfeita para você provocá-lo. Aquela frase estratégica ecoou densa pelo quarto. Samantha virou o tronco devagar na direção da garota, que já esboçava um sorriso convencido no rosto. Alex sempre conseguia atingir no maldito ponto sensível. - O que quer dizer com isso? Alex caminhou devagar até a cama de Samantha e sentou, cruzando as pernas em um movimento exagerado, forçando uma sensualidade desajeitada. A cena acabou sendo mais cômica do que sensual. Ela precisava trabalhar seu lado erótico, pensou Samantha, mas logo voltou sua atenção para as palavras que se seguiram. - Já que não podemos ter de volta a droga da nossa banda, você podia no mínimo usar seu corpo para provocar o idiota do David. É o mínimo que você pode fazer por você mesma e pelos seus amigos. Samantha de início não demonstrou nenhuma reação, mas seu cérebro estava trabalhando enlouquecidamente. Odiava admitir, mas aquela ideia era muito interessante. Só não tinha tanta certeza assim se o plano funcionaria na NACIONAIS-ACHERON
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prática, David Young ainda era um enigma desagradável para ela. - Eu sei o que está pensando. – Alex continuou, interrompendo o raciocínio inseguro da amiga. - David não está nem aí para mim. Se você tivesse acesso às imagens de todas as vezes que o peguei te olhando quando você estava distraída, não pensaria assim. Ele pode até tentar, mas não consegue. É até bem engraçado. É óbvio que ele não vai deixar você perceber quando te olha, o tamanho do orgulho dele não serve dentro daquela escola. Homens. - Considerando que isso seja verdade... - Ok, cale a boca. Para colocarmos qualquer tipo de vingança em ação precisamos assumir os fatos. É um fato, pare de resistir. Nossa, Samantha, você precisa ter mais autoconfiança. - Que seja, por que minha presença na festa vai provocá-lo? Ele vai passar o tempo inteiro se esfregando na Penelope, de qualquer forma. Não vai fazer diferença. - Há! O diabo sabe que vai e ele está rindo de você nesse momento. Amiga, você precisa ter um pouco mais de malícia. Ele pode estar namorando aquela garota, mas sua atenção não vai estar nela se você estiver lá. A ideia de David namorando Penelope fez seu estômago revirar. Às vezes tinha a sensação de que Alex e Carter entendiam muito mais do que ela sobre a vida e suas relações interpessoais. Por um momento Samantha se sentiu infantil e inocente. - Me dê quarenta e cinco minutos. - resmungou Samantha na má vontade, movida pelo constrangimento interno. Alex soltou um pequeno urro de vitória, batendo uma mão na outra e causando um barulho alto e grosseiro. NACIONAIS-ACHERON
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- Vou escolher um vestido para você, nem pense em reclamar. Eu estou administrando esse plano. Samantha a olhou assustada antes de sair do quarto. Levou meia hora para tomar banho, arrumar o cabelo e se maquiar, tentando ser o mais breve possível. Sabia que já estavam em cima da hora, aquela conversa demorara mais do que Alex deveria ter planejado. Quando voltou para o quarto, deu de cara com mais de cinco vestidos espalhados por cima de sua cama. A loira estava em pé, analisando os detalhes de cada um deles. - Você precisa usar algo despretensioso. Como se você não soubesse o corpo que tem. Bem, na verdade você não sabe mesmo... - Alex estava murmurando aquelas palavras mais para si mesma do que para Samantha, que a encarava sem reação. - Tudo bem, vai ser esse. Alex pegou de cima da cama um vestido justo azul marinho com um decote fundo e mangas compridas. Colocou-o na frente do corpo de Samantha e abriu um sorriso demoníaco. - Perfeito. - murmurou, esperando a outra segurar o cabide. Samantha revirou os olhos e arrancou o vestido das mãos da amiga. Abriu sua cômoda e pegou as roupas de baixo, depois deixou o quarto para se vestir no banheiro. Quando estava completamente vestida, encarou seu corpo no espelho embaçado nas bordas pelo vapor do chuveiro quente. Tentou conter um sorriso de satisfação, mas não conseguiu. Pela primeira vez em muito tempo se sentiu gostosa. Quando voltou para o quarto, tentou ignorar o escândalo que Alex fez, concluindo como ela que aquele plano na verdade seria bem mais fácil do que esperavam. Samantha calçou um salto alto nude e reuniu seus pertences em uma pequena bolsa. NACIONAIS-ACHERON
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- Vamos nos divertir um pouco, então. - disse Alex depois de abaixar o celular do ouvido. Ela soou como uma espiã internacional, fazendo Samantha segurar uma risada. O táxi levou cinco minutos para aparecer na frente da casa, buzinando meio impaciente.
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CAPÍTULO 11 Durante todo o trajeto até a cobertura de Vicky Brown, a presidente do comitê estudantil, Samantha sentiu sua ansiedade aumentar. Começou a perceber que a empolgação do plano estava tomando conta de seu corpo como o efeito do álcool faria caso estivesse ingerindo alguma bebida. Mas não estava. Só a possibilidade de provocar David e ser bem-sucedida a deixava entorpecida. Quando o táxi parou na frente do prédio, Samantha não conseguiu prestar atenção nos comentários de Alex sobre o quão luxuosa deveria ser a cobertura. Se estava entorpecida dentro do carro, agora estava nervosa e ansiosa. Sabia que estava atraente... mas ele também estaria. Ela não tinha dúvidas. Só conseguiria fazer o que planejaram no trajeto - atraindo olhares repreendedores do motorista - se estivesse sob os efeitos do álcool. Caso contrário, o nervosismo tomaria conta de seu corpo e ela ficaria parada encostada em uma parede durante toda a noite. Alex informou ao porteiro seus nomes e ele verificou o que pareceu uma lista de algumas páginas em uma prancheta. De sua cabine, ele destrancou o portão e as duas entraram. O "último andar" vociferado por ele pareceu uma informação meio desnecessária para as duas. Enquanto subiam pelo elevador, construído com certeza para proporcionar horror nas pessoas, pensou Samantha, ao observar pelo grande vidro a cidade diminuindo mais a cada segundo, Alex repetiu todas as suas instruções. Samantha não prestou atenção em nada. Realmente tinha problemas com NACIONAIS-ACHERON
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altura. Só conseguiu se recuperar do tenso passeio quando já estavam encarando Vicky, paradas na porta de seu apartamento. Ela segurava uma segunda lista em sua mão, que parecia ser tão grande quanto a do porteiro. Alex entregou as duas identidades para a garota, que confirmou a presença delas e deu espaço para entrarem. Quando Samantha conseguiu se concentrar no tempo real, não acreditou no que seus olhos focalizaram. O apartamento era absurdo. Nunca havia entrado em um lugar tão luxuoso, e a primeira coisa que passou pela sua cabeça foi o questionamento de porquê raios alguém daria uma festa para adolescentes irresponsáveis num lugar como aquele. Era bonito demais para ficar tão exposto. A sala de estar, onde estava de fato ocorrendo a festa, possuía dois andares. Rostos conhecidos dançavam por todos os cantos ao som de um pop atual. Percebeu que havia uma sacada além da sala de estar com uma grande piscina iluminada, não precisando ir até lá para se impressionar. Se morasse em um lugar assim não sairia de casa nunca. Sua atenção permaneceu por tanto tempo no ambiente que só foi perceber longos minutos depois que já segurava um copo com cerveja. Alex deveria ter socado em sua mão sem ela perceber, porque também segurava um. - É melhor você começar a beber. - murmurou a amiga alto demais em seu ouvido, não medindo a distância e a potência vocal necessárias para ser compreendida. Ela refletiu por um breve momento que o mais comum era melhores amigas falarem o oposto. Preferiu não pensar se aquilo era bom ou ruim, Alex podia ser bem estranha e maluca quando queria. NACIONAIS-ACHERON
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Começou, então, a dar pequenos goles no copo que estava cheio até a borda. Ao contrário das garotas comuns, cerveja era o tipo preferido de bebida dela e de Alex e as duas conseguiam beber um copo tão rápido quanto qualquer garoto. E foi o que aconteceu. Quando terminam, se olharam e soltaram uma risada. Para a sorte das duas, não precisaram se mexer para buscar mais um copo. - Olha quem saiu da caverna! Carter parou na frente das duas com duas long necks e entregou uma para cada uma. Era visível que já estava bêbado e desgrenhado. - Essa festa está tão anormalmente boa que eu mal reconheço os idiotas da escola. Ah, meu Deus! Eu amo essa música. Com a mesma rapidez que surgiu na frente delas, desapareceu para o meio da sala. Um número considerável de garotas se reuniu em volta dele e começaram a dançar, o acompanhando. Como era de se esperar, Carter fazia sucesso entre as garotas por ser engraçado e extrovertido. E bonito, mas esse fator não influenciava em nada para ele. Alex e Samantha ficaram por um tempo observado Carter rebolar e causar gritos e risadas femininas, até que Alex se pronunciou, entediada. - Vamos caçar, então. - falou ela e Samantha a olhou confusa. - Garotos. O seu já está ali e sozinho. O meu eu ainda não identifiquei, aliás, ele ainda não existe. Mas em breve existirá. Boa sorte. Samantha olhou na direção onde Alex havia apontado com o queixo e sentiu seu corpo perder as forças. Em parte por causa do efeito do álcool, em parte porque David estava muito bonito. Samantha concluiu, no meio de tantos pensamentos eróticos, que nunca o tinha visto tão atraente em toda a sua vida. Usava um blazer azul marinho e uma blusa azul clara por baixo. NACIONAIS-ACHERON
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Enquanto conversava com um cara que Samantha mal repousou o olhar, ele fumava um cigarro com uma das mãos e segurava uma garrafa com a outra. Naquele momento ela percebeu que ele não era mais um garoto, e sim um homem. Era impossível desviar o olhar dele, todos os seus movimentos atraíam a sua atenção. De vez em quando ele balançava o tronco no ritmo do rock que agora tocava, e aquilo fez as partes íntimas de Samantha ficarem inapropriadamente alarmadas. Sua respiração estava um pouco descompassada, deixando-a meio sem fôlego, e ela rezou para que ninguém percebesse. Porque parar de encará-lo simplesmente não fazia sentido. Alguém percebeu. - Sim, ele está muito gostoso. Vamos arranjar mais uma bebida para você antes que caía dura de tesão. Samantha arregalou os olhos, voltando para a realidade. Carter estava parado ao seu lado, olhando na direção de David sem nem se dar ao trabalho de disfarçar. - Para onde foi Alex? Ela não pode me deixar sozinha! O plano foi dela! Um desespero crescente começou a invadir seu peito. Não conseguiria fazer nada do que tinham planejado se a amiga não estivesse junto com ela. - Não só pode como deve. Alex tem suas próprias caças para se preocupar, e, afinal de contas, eu estou aqui e já estou ciente desse plano impressionantemente genial de vocês duas. Para ajudá-la a colocá-lo em prática, preciso embebedá-la. Você pode muito bem ser descontraída como vocalista de uma banda, mas quando se trata daquele garoto você empaca como um cão amedrontado. - Que banda? Não temos uma... - Não vamos discutir sobre esse fracasso hoje. Venha comigo. NACIONAIS-ACHERON
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Carter a arrastou pela cobertura até a cozinha, abrindo uma das cinco geladeiras que haviam ali, sendo guardadas por várias pessoas em diferentes estados de decomposição. - O quão bêbada você está? - perguntou ele, encarando as latas e garrafas de cerveja. - Mais uma lata e eu começo a rir. - respondeu ela, sendo sincera. De fato, já estava sentindo seus sentidos se misturarem e seu corpo amolecer. Carter entregou a ela uma lata e pegou outra para si. Os dois viraram o conteúdo entre risadas e em poucos minutos Samantha já estava sorrindo sem nenhum motivo em especial. - Vamos começar. David brigou com Penelope Woods e não consigo ver melhor oportunidade para provocar aquele demônio maravilhoso - falou ele, a puxando pela mão, sem antes pegar mais duas latas reserva. Se Samantha estivesse sóbria, provavelmente ficaria muito satisfeita com aquela informação, mas só conseguiu soltar uma risada sonora. David estava parado no mesmo lugar de antes, conversando de forma inalterada com o mesmo garoto. Carter encarou Samantha com um sorriso malicioso quando "Ooh Ooh Baby" da Britney Spears começou a tocar. Ele começou a se mexer sensualmente e Samantha começou a rir, o acompanhando. Em poucos segundos já estava movimentando seu corpo por conta própria. Samantha tinha curvas avantajadas, tanto embaixo quanto em cima, então qualquer movimento que remetesse a conotações sexuais chamavam a atenção. Carter se virou de costas para ela e ela compreendeu o que ele queria fazer, por mais zonza que estivesse. Grudou suas costas nas costas dele, ficando assim de frente para David. Quando conseguiu focar o rosto do garoto, ele a encarava sério. O cara com quem ele conversava havia NACIONAIS-ACHERON
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desaparecido e ele agora apenas segurava uma garrafa vazia na mão, os braços cruzados. Samantha sorriu, fechando os olhos logo em seguida. Percebeu que estava mordendo o lábio inferior e precisava ver a reação de David ao observá-la fazer algo tão ousado e provocante, afinal, não costumava ser assim. Ele continuava sério, mas passou a mão pelos cabelos, desconfortável. Samantha sorriu novamente, olhando para cima e voltando a fechar os olhos. Passaram-se duas músicas até que David se desencostasse do encosto do sofá onde estava apoiado e desaparecesse pelo apartamento, surpreendentemente irritado. Samantha parou de dançar, encarando Carter com o mesmo sorriso que ele a encarava. - Conseguimos alguma coisa, hein? Ele deve ter ido no banheiro, se é que você me entende - murmurou Carter, abrindo a cerveja que ainda segurava. - Eu daria tudo para ir junto - falou Samantha, percebendo logo em seguida que realmente havia dito aquilo em voz alta. Carter abriu a boca espantado. - Jesus, isso aconteceu mesmo? Samantha Hollow acabou de assumir o que todos já sabiam? O sagrado álcool! Agora que a extroversão havia dado uma trégua, Samantha pode pensar no que Carter havia lhe falado antes. David e Penelope haviam brigado. Seria porque ela o havia traído? Ou ele havia traído ela? Ou não tinha nada a ver com isso? Ou teria sido algo muito pior? Interrompeu seus pensamentos neuróticos. Se pensasse muito e trouxesse de volta sua sanidade dos confins do inferno, se arrependeria do que havia acabado de fazer. - Vou atrás de Alex, ela consegue fazer absurdos quando não está supervisionada. Já volto, não se preocupe. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha não teve tempo de choramingar que odiava ficar sozinha em festas e que o acompanharia. Carter desapareceu no meio das pessoas e ela o perdeu de vista. O amigo sempre fora inquieto, entediando-se das coisas com facilidade e precisando estar sempre em constante renovação. Pelo menos era isso o que ele falava quando questionavam sua energia em excesso. O fato era que depender de Alex e Carter como companhias fixas em qualquer evento social era arriscado. Como dois anos foram capazes de fazêla esquecer desse detalhe? Ah, claro, Samantha... quem costumava ficar com você nas festas? Hm, sim, David lhe fazia companhia. Que ótimo. Só tinha dois amigos agora e eles, para sua sorte, eram as pessoas mais inconstantes e ativas da West Newton. Sentiu pena de si mesma ao contar com a presença estável e confortável daqueles dois malucos. Deveria ter previsto que as chances de acabar ficando sozinha eram maiores do que as chances do plano de Alex ser bem sucedido. Depois de convencer a si mesma de que havia sido abandonada, resolveu procurar um banheiro para dar uma olhada na aparência e checar se, depois de tantos goles de cerveja, ainda estava inteira. Atravessou a extensa sala de estar, que parecia ter cada centímetro ocupado, identificando por entre os corpos um corredor que levava ao interior da cobertura. Será que sua presença era permitida ali? Aquele apartamento era tão intimidador que a fazia suspeitar se as regras comuns de house parties se aplicavam naquela situação. Normalmente, a circulação plena é permitida, a não ser que alguma porta esteja trancada. Se algo estiver trancado, você precisa respeitar e não invadir. Bom, pelo menos na teoria era assim. Na prática, acontecia as piores e mais nojentas violações de privacidade que se pode imaginar. NACIONAIS-ACHERON
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O corredor, alto e comprido, para sua surpresa, não estava tão cheio e tão barulhento quanto a sala. Uma sequência de portas em ambos os lados lhe trouxa certa esperança em sua busca pelo disputado banheiro. Arriscou uma das portas na parede direita, acertando em cheio. Entrou no ambiente, maior do que ela esperava – e ela lá tinha alguma moral para esperar algo de uma cobertura luxuosa? – e acendeu a luz, trancando a porta atrás de si. Para sua surpresa, ainda estava inteira. Quer dizer, comparando-se com algumas meninas e meninos do lado de fora, poderia ser uma modelo da Victoria’s Secret. Apertou os cachos nas mãos, endireitando seu volume proposital e natural, aproximando então o rosto do reflexo e limpando a pele embaixo dos olhos. Precisava encontrar algum fixador de maquiagem se quisesse usar rímeis que não fossem à prova d’água. Lá fora, uma música lenta e hipnotizante começou a tocar, causando certo alvoroço nos mais altos, que assoviavam. Adolescentes são mais infantis que as próprias crianças, está em sua natureza, mas quando bebiam atingiam todos os recordes. Era sensata o suficiente para se incluir nisso. Sua sobriedade estava voltando aos poucos - ainda estava um pouco tonta mas não ria mais de qualquer coisa – e ela estava começando a perceber o quão patética deveria ter sido ao tentar provocar David, minutos atrás. Se era para sair e passar vergonha, era melhor ficar em casa estudando. Apagou a luz do banheiro e destrancou a porta. Não teve nem tempo de sair direito e uma garota a atropelou, obrigando-a a dar espaço para ela entrar e trancar a porta. Deveria estar passando mal para deixar de lado as boas maneiras. Uma presença na parede oposta assistiu a cena em silêncio e quando Samantha levantou o olhar para identificar quem era, sentiu o estômago NACIONAIS-ACHERON
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afundar e os membros do corpo congelarem.
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CAPÍTULO 12 Oliver Lynch manteve o olhar impassível em seu rosto por mais de dez segundos antes de levantar as sobrancelhas, não demonstrando nenhuma emoção em particular. Ela não desviou a atenção, esperando que ele falasse algo. Pelo menos foi o que pareceu que ele iria fazer, a encarando daquele jeito profundo e intimidante. Os segundos se passaram e o silêncio se manteve. Por mais estranho que pudesse parecer, o momento que tinha tudo para ser estranho e desconfortável ultrapassou a normalidade. Não sabia se o álcool estava influenciando em sua espontaneidade, mas encarar Oliver e esperar ele se manifestar não foi constrangedor. Também poderia ser a música lenta tomando conta do ambiente, ela não saberia dizer. Só sabia que poderia esperar um pouco mais. Depois de quase um minuto estranho e envolvente, Oliver inclinou a cabeça para o lado, parecendo chegar em uma conclusão interna e pessoal. Seus braços estavam cruzados e o tronco apoiado na parede. Os cabelos loiro escuros, penteados para trás, lhe davam um ar mais adulto do que o que ela viu na escola durante a semana. - Seus cabelos ficaram mais bonitos assim – murmurou ele, mantendo a cabeça inclinada, como se a analisasse e refletisse sobre sua conclusão. Era como ser observada por um gato de rua curioso. - Obrigada – Samantha respondeu, tentando falar mais alto do que a música alta que tocava na sala. Nem sabia como havia conseguido entender o comentário dele. Leitura labial era uma habilidade necessária se você está NACIONAIS-ACHERON
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acostumado a frequentar festas. As mangas da camisa preta estavam dobradas e o colarinho estava com os primeiros botões abertos. Mais alguns segundos de silêncio, nos quais ele continuava observando-a como se ela fosse uma espécie diferente da dele, então ele se desencostou da parede e deu alguns passos em sua direção. Em um reflexo, Samantha deu alguns passos para trás, acabando encostada na parede oposta, ao lado da porta do banheiro. Oliver sorriu de canto e fez menção de seguir pelo corredor, mas desistiu no caminho, parando de costas para ela. Ela o observava com ansiedade, não sabendo o que esperar. Seu corpo alto e esguio virou-se para ela novamente e ele caminhou devagar até o seu lado, encostando o ombro na parede para poder observá-la de cima. A distância era segura, nada muito intimidante, mas ela não pode deixar de sentir uma tensão no pequeno espaço que os separava. - Me desculpe por ter sido grosso com você essa semana – O sorriso de canto ainda se mantinha, agora um pouco menos distante e mais humano. Não foi minha intenção. Ela demorou alguns momentos para processar o que havia acabado de ouvir. Quando se deu conta do que ele estava dizendo, os lábios se entreabriram sem saber como reagir. Gaguejou algumas sílabas desconexas antes de conseguir se expressar, ele a aguardava paciente. - Tudo bem. Achamos que... – Sua intenção era falar a verdade. Os Velvets não poderiam voltar sem Oliver Lynch, nenhum outro estudante da West Newton seria capaz de se encaixar na vaga. Será que deveria ser sincera? Se ele estava se desculpando, estava dando abertura... resolveu seguir em frente depois da pequena pausa. – Não podemos voltar com os Velvets sem você. Ninguém se encaixaria. NACIONAIS-ACHERON
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A música lenta ainda não havia chegado ao fim e somada ao jeito como ele analisou os detalhes do rosto de seu rosto antes de levantar as sobrancelhas mais uma vez, meio surpreso, a deixou nervosa e inquieta. - Sinto muito, Samantha. Não... – Ele franziu o cenho, desviando o olhar para o chão por um momento, pela primeira vez se mostrando desconfortável e vulnerável. – Não posso fazer isso. Boa sorte para vocês e me desculpe mais uma vez. Oliver desencostou o ombro da parede e deu alguns passos para trás, ainda observando a reação desapontada da menina. Abriu um sorriso desanimado e completou, em um tom mais alto: - Espero que esteja aproveitando a festa. Nos vemos na escola. Manteve sua atenção por mais alguns segundos na menina antes de virar o corpo e se afastar pelo corredor. Samantha precisou de quase um minuto para se recuperar da montanha-russa de informações que ele havia acabado de colocá-la. ✖✖✖ O grupo de meninas que gritava a letra da música enquanto pulavam, formando um círculo agitado e barulhento, não influenciaram no estado contemplativo e desatento de Samantha. Uma delas precisou jogar-se no sofá ao lado dela, empurrando-a acidentalmente, para que ela percebesse toda aquela confusão. Seu cérebro ainda processava o que Oliver Lynch havia dito. Ele havia negado o convite para fazer parte dos Velvets mais uma vez, isso deveria deixá-la devastada, mas não conseguia fingir que o alívio não existia. Ele havia pedido desculpas. Não a odiava. Saber que ele não tinha ressentimentos relacionados às investidas fracassadas do passado era tranquilizante. NACIONAIS-ACHERON
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Três pessoas não desprezavam Samantha na West Newton. Já era um bom começo. Era só ignorar a existência de David Young e de todos os outros formandos, e então ela poderia seguir em frente com o ano letivo de forma pacífica e até positiva. Talvez até poderia se reaproximar de Oliver e ter mais um amigo com quem pudesse contar. Era uma possibilidade, embora a forma como ele tenha deixado ela sozinha no corredor tenha parecido uma tentativa de se esquivar. Estava sendo muito neurótica? Ou todas aquelas sensações e inseguranças eram normais para quem havia passado por tudo o que ela passou? Como se um oráculo onipresente estivesse respondendo seus questionamentos internos, "Mirrors", do Justin Timberlake, começou a tocar, e ela sentiu todo o ânimo que conseguiu reunir ao trocar aquelas poucas palavras com Oliver ser arrancado de si. Era uma música muito emocional que, por algum motivo, a fazia lembrar de David. Pensar nele enquanto aquela música tocava a levou para um caminho obscuro e perigoso, até o sofá afundar mais uma vez ao seu lado, dessa vez com menos brutalidade. - Sabe, sempre te achei bonita. Samantha virou a cabeça devagar para o lado, dando de cara com um garoto magrelo que lembrava ser seu colega em alguma matéria, mas não sabia qual. - Eu voltei para a West Newton esse ano e não lembro de você do passado. – começou ela, desanimada, pronta para bloquear qualquer flerte constrangedor. – Não há como você sempre ter me achado bonita. Ele encarou a mesa de centro, tentando processar a lógica da resposta. Pareceu precisar de muito esforço para compreender o que ela havia dito. A linha tênue entre a chapação e a estupidez a impediu de interpretá-lo. NACIONAIS-ACHERON
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- Tem razão, mas dentro de mim eu sinto uma conexão entre a gente. - Ele colocou a mão no coração e aproximou seu rosto do dela. Samantha percebeu uma quantidade preocupante de espinhas não cuidadas no rosto dele e aquilo a fez ter de controlar uma careta. - Está afim de confirmar essa conexão? Sentiu vontade de chorar. Não acreditava que estava sendo cantada por um garoto desagradável que não sabia chegar em uma garota enquanto, em algum lugar daquela festa, David Young e Oliver Lynch estavam ocupando algum espaço. E nenhum dos dois, aparentemente, dava a mínima para ela. Não que ela tivesse algum interesse nos dois, mas no caso de David, por exemplo, era difícil administrar o ódio e os sentimentos antigos. E no caso de Oliver era difícil ignorar a vontade de tê-lo como amigo mais uma vez. - Não, obrigada, não existe conexão. – respondeu depois de uma pausa. - Eu tenho certeza que existe. – O garoto insistiu, parecendo ignorar a vontade dela. Samantha fechou os olhos e tentou se acalmar. Por mais mal educado e abusado que ele demonstrasse ser, talvez aquela fosse a única forma que ele conhecesse para investir em uma garota e ser grossa não levaria em nada. Era melhor levantar e deixá-lo sozinho para que refletisse sobre seu próprio fracasso. Foi o que fez, mas, no momento em que abaixou o vestido para cobrir as pernas, percebeu que ele levantou também. Começou a se afastar até a grande sacada que comportava um terraço desproporcional com a piscina – era grande demais para estar em uma altura daquelas. Sentiu o garoto a acompanhar e quis gritar para ele a deixar em paz, mas se controlou mais uma vez. O vento gelado da noite chocou-se contra seu rosto e aquilo a acalmou um pouco. Caminhou até uma das paredes externas do apartamento e se encostou, cruzando os braços. NACIONAIS-ACHERON
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O Espinhento parou na sua frente e começou a tagarelar sobre a "conexão" novamente. Quando ele apoiou uma das mãos ao lado da cabeça de Samantha, ela sentiu um cheiro ruim vindo dele. Pensou em fechar os olhos, mas aquela ação poderia ser interpretada equivocadamente pelo garoto. - Você poderia me deixar sozinha, por favor? – resmungou, o encarando sem ânimo, tentando evitar mirar em seus olhos para que ele não se sentisse encorajado. - Ah, vamos lá, Sam. Eu sei que você quer o mesmo que eu quero. – Era até engraçada a forma como ele estava se esforçando para soar sedutor, acertando em cheio no tarado assassino. Pensando bem, não era engraçado, não. - Não me chame de Sam, eu mal sei quem você é. Por favor, saia da minha frente. Precisou ser mais incisiva dessa vez, virando o rosto para o lado e permanecendo assim, rezando para que ele se afastasse. Um minuto depois, ele saiu resmungando e ela relaxou, respirando aliviada. Olhou para frente e se desencostou da parede, caminhando até o parapeito da sacada. Encostou os cotovelos para olhar a vista, evitando abaixar a cabeça. Era só o que faltava ter outro surto histérico interior para fechar a noite com chave de ouro. Uma voz conhecida tirou Samantha de seu transe provocado pelas milhões de luzes da cidade lá embaixo e ela sentiu seu estômago afundar. David estava escorado no parapeito a poucos metros dela, conversando com um de seus amigos. Ela não o havia notado até aquele momento, preocupada demais em se desfazer do Espinhento. Tomou coragem e olhou para a direção dele, levando um choque quando seus olhares se cruzaram por menos de um segundo. Ela o odiava com todas as forças pelo que ele havia feito, mas saber que ele ainda a olhava da mesma NACIONAIS-ACHERON
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forma que ela o olhava fez seu coração bater um pouco mais acelerado. Samantha sabia que deveria controlar aqueles pensamentos positivos em relação a ele. Agora encarava novamente a cidade lá embaixo. Um minuto depois, percebeu no canto do seu olho que um deles havia se afastado e o outro permanecido no mesmo lugar. Por um momento se sentiu mal ao imaginar que havia sido David a se afastar. Porém, a voz que acompanhou o vento até seus ouvidos fez seu coração acelerar a ponto de ela conseguir ouvir as batidas intensas dentro do ouvido, quase sobrepondo-se ao resto dos sons. - Você mudou bastante em dois anos.
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CAPÍTULO 13 Samantha prendeu a respiração, sentindo todos os sintomas de nervosismo e choque extremos se manifestarem em diferentes partes de seu corpo. Rosto quente, mãos frias, estômago ardendo, incapacidade de encontrar a própria voz. Era a primeira vez que David falava com ela em mais de dois anos. Achou que aquele momento nunca mais iria acontecer, mas estava ali, a poucos metros dele, e ele havia lhe falado alguma coisa. Sentiu suas mãos, agora, começarem a tremer, e percebeu que já o havia deixado sem resposta por muitos segundos. Engoliu em seco e virou a cabeça devagar em sua direção. No momento em que encarasse o rosto dele a olhando tão de perto, estaria perdida. Quando o olhar de Samantha percorreu as linhas faciais do rosto de David, ela sentiu uma tontura estranha e inexplicável. Já havia se passado um minuto. - Vindo de você é um elogio - respondeu, se arrependendo logo em seguida. Pretendia ser grossa, mas aquela resposta fez parecer que o estava elogiando. Não conseguia pensar enquanto ele a encarava. Seu cérebro havia cedido o lugar de privilégio para um grão de ervilha. - Foi um elogio. Ah, merda. Merda, merda, merda. Pensou em todos os palavrões que lembrou. Por que ele estava fazendo aquilo? Suas pernas perderam um pouco da força e então, desconfortável, NACIONAIS-ACHERON
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cruzou-as e voltou sua atenção para a cidade. Quando voltou a olhá-lo, percebeu que agora ele não tinha nada em mãos e não estava com os braços cruzados - suas mãos estavam nos bolsos da calça. Seu estômago afundou ao imaginar aquelas mãos em volta de si. Xingou-se mentalmente por pensar aquilo em um momento tão delicado. Voltou a olhar para o abismo na sua frente e lembrou do que ele havia feito com sua reputação. A raiva de sempre começou a crescer dentro dela, segura e agradável, a trazendo de volta para a realidade aos poucos. Uma rajada de vento trouxe até seu nariz o perfume masculino dele e suas emoções cederam mais uma vez. Ela fechou os olhos, mais irritada consigo mesma do que com o garoto. Precisava sair dali. Era o melhor a fazer. Deu dois passos para trás e se virou, pretendendo voltar para dentro do apartamento. - Vai ficar fugindo até o ano terminar? Ela parou de caminhar, paralisada de costas para ele. Sentiu seu sangue começar a ferver. Ele era tão convencido que estava achando que ela estava fugindo dele, pensou. Sem conseguir se controlar, fechou os punhos com força. Sim, ela estava fugindo dele, mas não era tão visível assim. - Engraçado você me notar logo hoje que está sozinho. – Começou a falar já sentindo o arrependimento no meio da frase. Quando estava com raiva conseguia ser muito infantil. Continuou, tomada pelo ódio. - Onde está sua namoradinha? Treinando coreografias da Britney Spears em casa? Não acreditou que havia dito aquilo. Era a resposta mais imbecil que dera em toda a sua vida, mas simplesmente não conseguiu se segurar. Agora estava de frente para ele, ainda com os punhos fechados. NACIONAIS-ACHERON
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David levantou as sobrancelhas, zombando em silêncio de sua resposta. Não poderia tirar a razão dele, mas também não conseguia raciocinar meio bêbada e com raiva. - Você me pareceu bem alegre dançando esse tipo de música há meia hora atrás. Hipocrisia é feio, Sam. Ele falou aquilo de propósito. Se ainda lembrava como ela era, sabia que o que Samantha mais odiava na vida era ser comparada com aquele tipo de garota. Ela era exatamente o oposto! - Cale a boca, não me chame de Sam. - murmurou ela em outra resposta infantil, dando alguns passos na direção dele. David pareceu se divertir mais uma vez com a reposta, um sorriso malicioso surgindo em seus lábios. - Como as pessoas mudam em dois anos, não é, Sam? Você não costumava usar esse tipo de roupa provocante. O que aconteceu? Ele a encarava com o rosto levemente levantado e os braços agora cruzados. - O quê? Você realmente está falando isso para mim? Já se olhou no espelho? Você está ridículo! Tudo bem, havia atingindo todos os limites das respostas infantis. Ele inclinou a cabeça para o lado, agora sorrindo como se olhasse para uma criança. Era óbvio que ele não estava ridículo e ele sabia que ela não achava aquilo. Samantha se deu conta de que ambos estavam com aparências que, há dois anos, desprezavam e faziam piadas. Não que aquela característica em comum amenizasse o ódio que estava sentindo. - Não estava falando mal da sua roupa. Tudo bem, rebolar daquele jeito é bem inapropriado, mas eu nunca desaprovaria esse vestido. - Ele abaixou os NACIONAIS-ACHERON
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olhos para suas pernas descobertas. - Pode usar na escola, inclusive. Combina com sua reputação. David não havia dito aquilo. Era demais. Ele havia acabado de desenterrar a droga toda com apenas uma maldita frase maldosa. Sentiu como se uma lança tivesse atravessado sua barriga. David nunca havia sido tão insensível e injusto como naqueles segundos em que pronunciou aquelas palavras. Todas as dúvidas que tinha em relação a arrogância dele, repetida muitas vezes para ela por Alex e Carter, haviam sido esclarecidas. Ele estava muito pior do que imaginou. Viu em seus olhos a última coisa que esperaria dele, o conhecendo há tanto tempo. Um vestígio de crueldade. Aquele garoto parado na sua frente não era o David Young que ela um dia conheceu. Ela respirou fundo, se controlando. Pediu a todas as divindades que a ajudassem a não derramar uma única lágrima, porque a decepção agora se misturava com o ódio. A ideia de que se mantivesse a calma acabaria saindo por cima naquela discussão ainda fazia algum sentido em sua cabeça. - Mais alguma coisa? - perguntou devagar. Sabia que David queria que ela explodisse. Não daria mais essa vantagem à ele. - Quer uma cadeira? Tenho a noite toda. - falou ele todo despreocupado, ainda encostado no parapeito. Samantha estreitou os olhos, conseguindo, para sua surpresa, se controlar novamente. Deu meia volta e começou a se afastar mais uma vez, sentindo orgulho de si mesma por conseguir ignorá-lo. Se ele queria provocá-la, não teria sucesso. O melhor a fazer era fingir que as merdas que saíam da boca dele não a atingiam de forma alguma. Estava quase alcançando a porta de vidro que dava para a sala de estar quando sentiu uma mão em sua cintura. NACIONAIS-ACHERON
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Ela se virou, furiosa, e o empurrou com força. - Tire suas mãos imundas de mim, seu idiota. Pare de agir como um filho da puta! Algumas pessoas em volta pararam o que estavam fazendo e transferiram sua atenção para os dois. - Pare de gritar, só estou tentando entender porque está tão estressadinha. Achei que tinha sentido a minha falta. Ao falar a última frase ele esboçou um sorriso irônico. Ela abriu a boca, sem acreditar na sequência de absurdos que saíam de sua boca. - Por que está fazendo isso? - perguntou Samantha em um tom mais baixo, esperando que ele parasse de agir como um idiota e a respondesse de uma forma civilizada. Não foi o que aconteceu. - Isso o quê? - perguntou David de volta, começando a rir dela. Era o limite do limite. Ele já havia arruinado sua vida uma vez, não iria conseguir de novo. Se aproximou dele e deu um tapa forte em seu rosto. Ela, pelo menos, julgou ser forte. Ele apenas voltou a encará-la depois da pancada, com os olhos arregalados e um meio sorriso. Um número bem maior de pessoas encarava a cena agora. - Meu Deus, Samantha! Você sabe que eu gosto de sexo selvagem, mas fora do quarto sou contra a violência. Acalme-se! Cada vez que ele abria a boca ela ficava mais chocada. Algumas pessoas riram em volta. Já havia ultrapassado a cota de respostas vergonhosas naquela noite, algumas a mais não fariam diferença. - Ah, é? Você gosta? Devo ser a única que ainda não sabe das suas preferências sexuais depois que virou essa merda! NACIONAIS-ACHERON
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Samantha estava descontrolada. Sabia que estava vermelha pois seu rosto estava muito quente. Uma garota que estava um pouco atrás de David ria e olhava para a tela do celular. - Ei, você! - chamou Samantha e todos olharam para a garota, incluindo David. Ela estava tão irritada que não conseguia refletir sobre suas decisões, apenas falou a primeira coisa que veio em sua mente, que pegava fogo e parecia receber combustível a cada novo segundo. - Você sabia que David gosta de foder igual um animal? Um silêncio constrangedor se instalou pelo local até explodir em risadas e gritos de incentivo. A menina olhou para Samantha e depois olhou para David, que estava curiosamente quieto. - Ah, sim... - respondeu, encarando David com um sorriso. Samantha abriu a boca sem acreditar que aquela pessoa aleatória realmente tinha transado com David. Ela só queria humilhá-lo e havia fracassado mais uma vez. Todos riam muito em volta dos dois, tinha a sensação de que toda a festa agora assistia a cena. David encarou Samantha meio assustado. Ela estava furiosa e sua expressão assustaria qualquer um. Sem pensar mais nenhum segundo, voou para cima dele, começando a estapeá-lo e socá-lo em todas as partes que conseguiu. Ele segurou os braços dela com uma facilidade humilhante. - Pare, Samantha! Eu nem conheço ela! - Você realmente acha que eu me importo com quem você transa? perguntou um pouco alto, fazendo as pessoas rirem e gritarem mais ainda. Seus pulsos estavam presos nas mãos dele, que fazia um mínimo esforço para contê-la. - Acho. - respondeu o garoto, e ela o atingiu com a única parte móvel de NACIONAIS-ACHERON
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seu corpo: o pé. Enfiou o salto na canela dele, que a soltou e deixou escapar um gemido alto de dor. - Samantha! Você está louca? A voz de Alex se sobressaiu em meio às risadas. Ela segurou os braços de Samantha e a puxou para trás. - Meu Deus, que vergonha. - ouviu Carter logo atrás delas se aproximando. Ele encarava David se recuperar do chute. Quando finalmente se endireitou - passando os últimos segundos esfregando o local atingido caminhou na direção deles e, sem parar de andar, murmurou, olhando para ela: - Você é patética. Samantha abriu a boca e começou a se mexer inquieta, querendo ir atrás dele. Carter ajudou Alex a segurá-la. - Pare! Por que está fazendo isso? - perguntou Alex, se esforçando para segurá-la e contê-la de uma vez por todas. - Ele me provocou! Vocês não fazem ideia dos absurdos que ele me falou! Muitas pessoas ainda olhavam para os três. - Vamos sair daqui. - murmurou Carter, empurrando as duas para dentro do apartamento. Encaminhou-as para o segundo andar, abrindo a primeira porta que encontrou destrancada. Era mais um banheiro. O silêncio fez o ouvido dos três apitarem pela ausência da música. - Por que raios você estava batendo no David?- perguntou Carter quase gritando. - Quantos anos você tem? Oito? - Eu não vou nem começar a listar a quantidade de ofensas que ele me lançou em menos de dez minutos! - Eu sinceramente duvido que ele tenha feito isso de graça. NACIONAIS-ACHERON
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- Mas fez! Eu estava quieta e ele veio puxar assunto, me provocando, insinuando que eu era uma vagabunda! Falando da minha reputação! Samantha encarou o chão por um momento, ouvindo a voz de David pronunciando aquelas palavras horríveis daquela forma tão fria em sua memória ainda fresca. Sentiu o coração apertar. Percebeu que ser maltratada pela pessoa que, odiava admitir, ainda era apaixonada, não causava uma das melhores sensações do mundo. Sentiu seu nariz começar a arder e os olhos se encheram de lágrimas rapidamente. - Nossa, espera aí, Carter... Sam? - perguntou Alex cautelosa, agora sentada na tampa do vaso. Se levantou devagar. Samantha levantou o rosto para a amiga e várias lágrimas caíram sucessivamente. Alex se aproximou dela e segurou suas mãos. - Por favor, amiga, não considere o que aquele garoto fala. Ele está louco, eu estou lhe falando. A popularidade subiu sua cabeça, ele não merece as suas lágrimas. Você é incrível e se sua imagem é mal interpretada pelas pessoas, o único culpado é ele. Não deixe ele continuar influenciando na sua vida. Carter ficava um pouco desconfortável com momentos emocionais como aquele, portanto apenas se aproximou da amiga e colocou uma mão em seu ombro, apertando carinhosamente. Ficaram em um silêncio mortal pelos minutos seguintes, esperando Samantha parar de fungar. - Nunca agi de forma tão ridícula - murmurou ela depois daqueles minutos pesados. - Não sei o que deu em mim. - Você estapeou o garoto. Meu Deus, que humilhação, eu quero me matar. - disse Carter, voltando ao normal e colocando as mãos no rosto. - Estamos condenados. NACIONAIS-ACHERON
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- Não seja insensível! A reação dela foi totalmente aceitável. Que tipo de garota escuta aquilo e fica quieta? – interviu Alex, tomando as dores de Samantha sem precisar de mais nenhuma explicação da parte da amiga. - Bom, mas poderia pelo menos ter nocauteado ele, então. Teria sido menos vergonhoso. As duas refletiram sobre aquilo, concordando em silêncio. Alex se pronunciou, ainda meio receosa, tentando deixar a conversa um pouco mais leve. - É, Sam, você podia ter escolhido alguma agressão mais eficiente. Por que não jogou o salto na cara dele? - Ela estava falando sério. Samantha olhou sem expressão para a amiga. - O que foi? Pelo menos ele iria apagar e você não iria ficar presa nas mãos dele feito uma menininha mal criada. - Como vocês queriam que eu pensasse racionalmente enquanto ele me lançava ofensas absurdas? Pelo amor de Deus! - Eu queria que você desse as costas para ele! - falou Carter corrigindo-a. Nunca incentivaria a violência, em nenhuma circunstância! Não falei sério quando disse para nocauteá-lo, pelo amor de Deus. Samantha passou as mãos no rosto, afastando então os cabelos para trás. - Tudo bem, tanto faz agora. Já aconteceu, eu devo estar com a reputação mais afundada do que nunca. Não dou a mínima. Vamos embora dessa droga de festa. Ela abriu a porta do banheiro e saiu, sem esperar por eles. Os dois se olharam receosos e a seguiram. Mal sabiam eles que aquela primeira briga não era nada perto do que viria pela frente.
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CAPÍTULO 14 "Sábado, 6 de setembro de 2014 O ano definitivamente começou na West Newton, meus caros leitores. Quem compareceu ontem à festa de boas-vindas no humilde apartamento da nossa querida representante do comitê estudantil, presenciou um dos maiores escândalos dos últimos tempos. Costumamos ter uma fofoca aqui, uma briga acolá, mas parece que esse ano vamos acompanhar uma verdadeira novela mexicana. Finalmente, porque vocês me deixam entediada. Como todos sabem, S.H. voltou recentemente da Irlanda, onde morou por dois anos sabe-se-lá-por-quê (na nossa opinião, como já sabem, foi por vergonha do delicioso escândalo). S. passou sua primeira semana reclusa, mal a vimos em aglomerações, e você precisa ser muito sagaz se a viu pelos corredores. Aparentemente, nesse final de semana, ela decidiu parar de se esconder e apareceu na festa da forma mais aleatória possível. E quem estava lá sozinho, vocês lembram? Ou beberam demais e já esqueceram? D.Y., isso mesmo. O garoto mais desejado da West Newton (e nosso boy preferido, é bom lembrar) brigou com seu affair P.W., segundo fontes seguras e, ao ver a exótica ex usando roupas provocantes, teve a brilhante ideia de tentar investir (não sabemos o que eles de fato conversaram, não somos moscas, mas bem que queríamos ser) e o fato é que acabou muito mal. Ou seu encanto não funciona mais com a ex (porém funciona com todas nós, quem nos dera, não é mesmo?) ou ela ainda não o perdoou e, inclusive, NACIONAIS-ACHERON
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está trazendo tudo de volta. Sem nem relutar ela deu na cara do garoto, seguindo com tapas diversos e um chute. É sério, isso aconteceu. Recebemos um vídeo que contém a cena logo após D. ser acertado no rosto, mas, como sabem, não podemos postá-lo, infelizmente. Nunca vimos algo tão engraçado. Quem iria imaginar, não é? O intocável e inalcançável prodígio apanhando da ex em uma festa? Esperamos tanto por isso! É até meio sexy. A gente queria agradecer a ela por ter retornado, provavelmente esse humilde blog vai ter muitas dessas cenas para descrever. Ah, vai, ele estava merecendo levar uns tapas. Quem deu a ele o direito de ser gostoso daquele jeito? A gente te ama por isso, S.. Bom, como todos sabem, D. adquiriu certa fama depois que se tornou o que é hoje (gostoso, resumindo). Mas parece que vai ter que suar muito a camisa se quiser encostar os dedinhos na louca. E pode tirar essa camisa depois, viu, D.? A gente gosta de ver o seu tanquinho na educação física. Realmente, S., se estivéssemos no seu lugar não saberíamos o que fazer. O que ele fez com você é meio que imperdoável, mas dá para dar uma trégua para aquele corpinho gostosinho, né? Nós daríamos. Vamos fazer bom uso dos atributos, meninas. Aguardem as próximas atualizações desse drama mexicano chamado Não Esqueci O Que Você Fez Há Dois Anos.
W.W."
O contraste da escuridão do ambiente com a luz forte proveniente do NACIONAIS-ACHERON
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celular nas mãos de Samantha fez seus olhos arderem do início do texto até o final. Foi obrigada a ler mais duas vezes para conseguir assimilar o tamanho do absurdo que, naquele momento, servia na palma de sua mão. Ou ela estava tendo um pesadelo terrível, ou realmente acabara de descobrir que a West Newton tinha um blog não oficial de fofocas internas chamado "West What". Carter a acordara com milhões de mensagens, incluindo o link para o tal do blog. Ela ainda estava processando a vergonha da noite anterior quando abriu os olhos e encarou o quarto escuro, iluminado pelas frestas de sol da janela. Mal tivera tempo de sentir o arrependimento vir como uma onda descontrolada. O texto era tão irreal que ocupou 100% de sua atenção no momento em que estava sendo lido. A sua vida se tornava cada dia mais ridícula, era quase inacreditável. As mensagens de Carter faziam o celular vibrar a cada cinco segundos, mas ela se recusou a sair daquela página até ler por cima todas as postagens dos últimos meses. A pessoa que administrava aquilo era extremamente observadora, ou tinha uma equipe muito desocupada, pois detalhavam situações embaraçosas de vários alunos. Samantha percebeu com desgosto que as postagens direcionadas a David eram no geral positivas, inflando o ego do garoto. Percebeu então que toda a mudança de David estava descrita naquele site, distribuída em postagens ao longo daqueles anos nos quais ficou afastada. Na verdade, tudo o que ela precisava saber estava descrito ali. Os fatos relevantes, pelo menos. Largou o celular na cama e se movimentou bruscamente até a escrivaninha, planejando ler com mais atenção os textos e os comentários. Era tudo tão difícil de acreditar que em alguns momentos podia jurar que NACIONAIS-ACHERON
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estava sonhando. Aquele blog acompanhou a ascensão de David como se ele fosse uma celebridade. Toda a vergonha que havia passado na noite anterior se esvaiu de sua consciência durante aquela hora em que passou lendo as postagens. "Quarta-feira, 15 de setembro de 2013 O melhor escândalo dos últimos anos ainda está fresco o suficiente para notarmos drásticas mudanças na organização social da West Newton. D.Y., conhecido pelo grupo de anônimos drogados The Velvets, não está mais tão anônimo assim, como já havíamos comentado muitas vezes. A crueldade do garoto inseriu-o na parcela de estudantes relevantes dessa escola e agora, com a expulsão de E.D., parece que D.Y. tomou as rédeas da elite. Ninguém esperava por isso, afinal, há um ano, ele não era ninguém. Muita coisa mudou, em todos os sentidos. Falo agora com vocês, meninas. Notaram como ele mudou fisicamente? Já havia falado sobre isso na última postagem que fiz sobre ele, mas depois das férias essa mudança se evidenciou. A gente precisa confessar: ele está lindo. E pensar que ninguém dava a mínima! Parece que um pouco de maldade fez bem a ele. Ou nós, da West Newton, elegemos nossos populares invejáveis de forma muito antiética. O que podemos fazer? Maldade gera fofocas, e fofocas geram assunto. E assunto é conteúdo. Queremos muito conteúdo. Continue assim, D., pelo menos até a sua culpa não te corroer! A gente está amando essa mudança. W.W."
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Essa era apenas uma de muitas postagens que descreviam a mudança de David nas costas do escândalo que mudou a vida de Samantha. A atual realidade ainda não havia feito sentido na cabeça dela, era impossível acreditar que o garoto com o qual ela teve tanta intimidade havia se tornado o que viu naquela primeira semana. Mas, depois de todos aqueles textos que especificavam a mudança de David, não podia mais negar a verdade. Viu suas iniciais serem citadas diversas vezes nos textos que contavam detalhes sobre a confusão entre os dois e sentiu-se mais mal falada do que nunca em sua vida. Aquilo estava exposto na internet, através de mais de uma mídia. Não tinha noção, até aquele momento, do quanto aquela história havia sido mastigada. Quantas pessoas devem ter falado dela durante o almoço? Durante a janta? Durante festas? E o pior de tudo é que ela não havia feito nada de errado. Leu minuciosamente os últimos textos feitos por aquela pessoa desocupada e percebeu que a sua volta à Londres havia sido citada em uma postagem daquela semana, com um breve resumo do escândalo pelo qual a fez ir embora. Os dois anos que morou em outro país não adiantaram em nada, ninguém havia esquecido o passado. Frustrada e arrasada, fechou o computador e atendeu o celular que vibrava em cima de sua cama. Comentou desanimadamente com Alex sobre o acontecimento da noite anterior e questionou a amiga sobre a demora em mostrá-la todos aqueles textos maldosos. Alex se defendeu, dizendo que queria evitar ao máximo encostar na ferida, pois sabia que a amiga ficaria mais chateada do que já estava. - Você não pode deixar de comentar comigo algo assim! Nunca! Samantha repetia, sua indignação crescendo cada vez mais. Tentou se acalmar, afinal, não era culpa da amiga tudo aquilo que estava acontecendo. NACIONAIS-ACHERON
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- Tudo bem, Sam, me desculpe. Achei que seria melhor você ficar afastada de comentários cruéis... - Alex, querendo ou não, é tudo sobre mim. Eu preciso saber! O que mais eu não sei? - Bom, eu recebi uns três vídeos da sua briga de ontem à noite. Além disso, nada de novo. - Me mande agora, por favor. - pediu, mais exausta do que nunca. O ano letivo mal havia começado e ela já estava cansada daquela exposição. Recebeu os três arquivos e assistiu-os, notando como estava parecendo uma garota histérica ao atacar David. Ela não era assim. Não era o tipo de garota que fazia aquilo, mas ele despertava nela tamanha raiva que ela conseguia se tornar outra pessoa. Observou a cena em que ele segurava os braços dela a impedindo de continuar os tapas e socos, logo depois enfiando o salto na canela dele. Se não fosse ela e toda a situação deprimente em que se encontrava, seria até bem engraçado. Se despediu de Alex e, pela primeira vez naquele dia, olhou com atenção as horas. A tarde já estava avançando e percebeu que ainda se encontrava dentro do quarto escuro. Para ser franca consigo mesma, não se importaria em ficar ali dentro pelo resto do ano. Tentou evitar as redes sociais no dia seguinte, permanecendo o dia inteiro no quarto e saindo apenas para as necessidades fisiológicas. Alex e Carter tentaram persuadi-la a fazer algo durante à tarde para tentar esquecer toda a confusão, mas ela rejeitou-os sem muita insistência. Agora, na luz do dia, quando relembrava da cena patética na qual tentava bater em David, começou a sentir a onda de vergonha tomar conta de si. Por NACIONAIS-ACHERON
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que não o ignorou? Por que não saiu andando, como planejara? Tinha a sensação de que a cada hora que passava conseguia se enterrar mais. Todo mundo dizia que o tempo era o melhor remédio para curar aborrecimentos, mas evidentemente no caso dela não estava adiantando. O efeito estava sendo o exato oposto. Como se tudo não soasse deprimente o suficiente, ainda tinha o principal fator de sua ruína: ela ainda era apaixonada pelo garoto. Na verdade, tinha a impressão de que, após vê-lo dois anos depois, o sentimento havia aumentado. Não fazia sentido. Deveria gostar dele pelo que ele era e não por sua aparência, mas ela simplesmente não conseguia ignorar tudo aquilo. Aquele corpo, aquele rosto. A voz, o perfume. Se pudesse, daria um tapa em sua cara, não na dele. Como conseguia sentir algo positivo relacionado a alguém que havia falado aquelas coisas e a tratado daquela forma na festa? Como podia gostar de alguém que havia arruinado sua reputação? Cada vez que refletia sobre esse sentimento podre, sentia vontade de arrancar os cabelos. E a vontade de arrancar os cabelos naquele final de semana foi constante.
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CAPÍTULO 15 - Eu ainda não consigo acreditar que você foi para cima dele. A cena fica se repetindo na minha mente, não tenho nem coragem de passar por esses portões. Carter, Alex e Samantha estavam parados do outro lado da rua, na frente da West Newton, naquela segunda-feira de manhã. Samantha encarou-o com os olhos apertados, não acreditando em sua insensibilidade. - Ele mereceu. Eu estava querendo fazer o que ela fez há bastante tempo, para falar a verdade. - comentou Alex, sem tirar os olhos da entrada. - Você fala como se ela tivesse dado uma porrada nele. Foi ridículo, ele conseguiu contê-la em cinco segundos. - Mas ela deu um tapa na cara dele, foi genial. Só porque você não viu não significa que não aconteceu. - Querem parar? Já remoí bastante essa situação, não preciso ser lembrada a cada cinco minutos. Os dois se calaram. Ela respirou fundo e atravessou a rua, sendo seguida pelos amigos. Mal pisara nas propriedades da escola e os olhares inquisidores caíram sobre seu rosto. Algumas pessoas riam e cochichavam, outras apenas sorriam triunfantes. Não entendeu quando um garoto sorriu e balançou a cabeça de forma aprovadora em sua direção, mas teve a leve impressão de que estava sendo parabenizada. A maioria das garotas olhavam para ela com cara feia, fazendo-a se dar conta de que David era assunto delicado para o sexo NACIONAIS-ACHERON
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feminino. - Elas estão bravas comigo? Não dá para acreditar! - falou Samantha, exausta de receber olhares furiosos, sentada no refeitório mais tarde naquele dia. Rastreou o ambiente com os olhos cansados, sua bandeja intocada descansando na sua frente. - Você deu um tapa na cara do queridinho delas, Sam. O que esperava? - Esperava que me agradecessem, na verdade. Ele deve tratá-las como lixo. - Na verdade... - Carter começou e as duas o olharam. Ele comia seu almoço de forma concentrada. Seus amigos levavam suas refeições muito a sério. - David trata bem as garotas que pega. Muito bem. Alex olhou para a amiga, que continuou encarando Carter sem expressão. Ele levantou os olhos para ela e deu de ombros. - O que quer que eu faça? Você acha que ele tem essa fama entre as meninas por quê? Por que as trata como lixo? Ele é arrogante, mas sabe como tratar uma mulher. Desculpa, já ouvi isso milhares de vezes de garotas que passaram por isso. Quer dizer, um estudante de escola secundária ser assunto entre universitárias? Por favor, não é de graça. O garfo de plástico quebrou na mão de Samantha. Para variar, não estava acreditando no que ouvia. - É, é isso mesmo que você está pensando. Don Juan e essa merda toda. continuou Carter, encarando o cabo quebrado do garfo na mão dela. - Olha, Sam, é meio óbvio, né? Caso contrário elas não iriam fazer todo esse drama em relação a ele. Estou dizendo, o garoto é uma lenda entre elas. - Eu já entendi. - murmurou Samantha, entredentes. - Só que da forma que ele me tratou na sexta-feira, é meio difícil de acreditar. NACIONAIS-ACHERON
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- Bom, você é você, não é qualquer uma. Sabe-se lá o que passa na cabeça dele. Deve ter algum motivo. - Eu já disse qual é o motivo, pelo amor de Deus. Ele ainda gosta dela. falou Alex, olhando para Carter enquanto levava o copo de suco até os lábios. - Então por que ele iria fazer o que fez? Os fatos não batem. - devolveu ele. Samantha olhava de um para o outro, tentando acompanhar sua vida sendo discutida. - Não sei se você lembra de uma pessoa chamada Oliver Lynch e de como David sentia ciúmes dos dois, Carter. Não finja que esqueceu. - Ei, espera aí! - interrompeu Samantha, indignada. - Nunca fiz nada com Oliver! - Nunca fez nada, mas vivia grudada nele. O garoto lambia o chão que você pisava e você dava corda, Samantha. - Eu não dava corda. Eu era educada! E ele era um cara legal, vocês queriam que eu fizesse o quê? Eu era propriedade do David e não sabia? Ele vivia pegando aquelas garotas estranhas e eu nunca falei nada. Nunca. Alex rolou os olhos e Carter apenas a encarou sem ânimo. Não conseguia acreditar que toda aquela história estava sendo discutida novamente. Na época do escândalo, os três discutiram variados motivos por David ter feito o que fez, e um dos principais era Oliver. Era a explicação mais plausível, mas na cabeça de Samantha não era justo. David e ela não namoravam, os dois tinham um relacionamento aberto, inclusive ele tirava mais proveito disso do que ela. Sentiu uma raiva inexplicável tomar conta de seus pensamentos enquanto diversas situações eram relembradas por seu cérebro.
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Samantha encarava com certa atenção uma das revistas de David sobre rock, deitada sob os cotovelos com o tronco em cima da cama dele, enquanto as pernas atravessadas estavam apoiadas no tapete. Virou a página. - Eu não fiz nada. Absolutamente nada para ela me tratar assim. David caminhava pelo quarto passando a mãos nos cachos desgrenhados. Samantha levantou os olhos do texto e olhou para ele entediada. Ele empurrou os óculos para cima, estavam sempre escorregando por serem grandes demais em seu rosto, e a olhou de volta. - O que eu fiz? - Como você quer que eu saiba? Vive dando atenção à todas elas. Quem sabe se você começar a se vestir como um típico garoto rico elas desistem de brigar por você? Irônica, estava se referindo a um grupo de garotas nerds, no qual David era sempre assunto principal. Elas tinham um certo fanatismo por ele, pelo fato de ele ter a aparência de um nerd bonitinho - mal sabiam elas que de nerd David só tinha a aparência mesmo. Samantha achava todas horríveis. Não que ela fosse a garota mais atraente da escola, mas sabia que era mais bonita que todas elas. - Muito engraçado. - murmurou ele, e seu olhar focou a barriga descoberta dela por dois segundos. Samantha estava deitada em uma posição na qual essa parte do corpo ficava descoberta. Ela percebeu o olhar dele e voltou a encarar a página, tendo a leve impressão do que aconteceria a seguir. Era típico de David. Revirou os olhos por trás da revista. Sentiu a cama afundar ao seu lado e continuou encarando a página aberta na frente de seu rosto. - Você já leu essa. Eu te emprestei mês passado. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu sei, só estou olhando uma coisa. Ela continuou passando os olhos pelas palavras, mas percebeu que David a encarava. Virou o rosto devagar na direção dele e, quando seus olhares se encontraram, ele sorriu de canto. Sempre começava assim. E ela, idiota, sempre caía... sempre. Nunca conseguiu resistir ao sorriso malicioso dele. A revista afrouxou na mão dela e ele arrancou bruscamente, jogando no chão. Quando levantou o tronco para arrumar a posição em que estava sentada, ele a puxou pela cintura e grudou os lábios dos dois. Odiava confessar para si mesma, mas adorava quando ele fazia aquilo. Era sempre a mesma coisa: ele reclamava de alguma garota por meia hora seguida e depois acabavam em um amasso quente.
Ele sempre fora sedutor, pensou ela, enquanto revia aquele dia em sua mente. Não importava se fosse um grupo de garotas nerds ou todas as garotas da escola, ele sempre tinha um público. E aquele sorriso... ele já sabia como agir, desde sempre. O maldito era encantador por natureza. Só não dava a mínima para isso naquela época. Tentou conter o sorriso ao lembrar da sensação boa que sentia ao beijá-lo. Ele era aconchegante, se encaixava perfeitamente nela. Sabia quando a tratar com carinho e quando ser mais agressivo no meio dos amassos. Ele sabia exatamente o que fazer. - Sam! Ouviu seu nome e tirou os olhos do vazio, olhando para o rosto de Alex. - Estou falando o seu nome há quase um minuto. O que te deu? NACIONAIS-ACHERON
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Precisamos ir para a aula. Carter já foi há horas. Samantha pegou sua bandeja e seguiu a amiga, ainda meio desnorteada. Nunca havia relembrado com tantos detalhes situações como aquela, passara os últimos dois anos tentando evitar aquele tipo de lembrança. Jogou o conteúdo quase intocado da bandeja no lixo e deixou a mesma dentro de uma caixa em cima da lixeira. Seguiu Alex pelo corredor de forma automática, ainda bastante abalada pela lembrança. Conseguiram se desfazer da multidão e alcançar o lado de fora do refeitório. - O que você estava pensando? Uma voz anasalada fez as duas pararem de caminhar e se virarem. Penelope Woods encarava Samantha com os braços cruzados, acompanhada por duas garotas loiras. - Desculpe? - murmurou Samantha, olhando para a ruiva sem entender. Penelope deu dois passos na direção dela. - Bater no David. Sério, garota? Quem você pensa que é? Samantha olhou por dois segundos para Alex, que estava igualmente boquiaberta. Penelope estava tirando satisfação. - Hm, quem eu preciso ser para fazer isso? Ele foi extremamente grosseiro. - Você só pode estar brincando. Se encostar um dedo nele mais uma vez, eu vou dar na sua cara. Estou avisando, vou acabar com você. - Espera, você está me ameaçando? - começou Samantha, segurando o riso. Alex não sorria. - Você nem estava lá. Eu faço o que eu quiser, e não vai ser alguém como você que vai me impedir. Não sabe nem da metade das coisas pelas quais eu passei por causa dele. NACIONAIS-ACHERON
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- Por causa dele? Tem certeza? Ou por que você é uma piranha? Samantha ficou sem reação. Toda a cena era inacreditável. Não conseguiu responder àquele absurdo. Penelope olhou para o lado e sorriu de forma falsa. Até parecia que estava atuando. David e seus três parceiros de banda aguardavam por Penelope. Ela olhou mais uma vez para Samantha com um sorriso desafiador e se afastou, sendo seguida pelas gêmeas inanimadas. David colocou o braço ao redor do pescoço de Penelope e olhou por um segundo para a direção das duas, sem nenhuma expressão em particular. Depois, todos se afastaram. As duas ficaram paradas no mesmo lugar por um bom tempo, tentando processar o que havia acabado de acontecer. - Essa garota é inacreditável. Samantha nem sabia o que falar. Tudo aquilo era tão ridículo que não conseguia formar uma frase que servisse como comentário para o acontecido. - Ignore, sério, ela não vai fazer nada. Nunca entraria em uma briga para correr o risco de machucar aquele rosto assustadoramente simétrico. - Eu... não dá para acreditar no que acabou de acontecer. Estou me sentindo em um filme exagerado. - Melhor se acostumar, ela vive batendo de frente com outras garotas por causa dele. Samantha olhou para Alex, que arrumava sua mochila nas costas despreocupadamente. - Eles namoram ou não? Eu não entendi até agora. Não que eu me importe. - Ah, sei lá, eles estão meio juntos desde o início do ano. Vão e voltam, sabe? Mas acho que nunca oficializaram. NACIONAIS-ACHERON
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- Que explodam juntos. - resmungou, começando a se afastar irritada. Alex a seguiu. - Onde está indo? Temos educação física agora. Samantha parou de caminhar e olhou para cima, sentindo uma exaustão antecipada. Não era muito boa com exercícios físicos, ficava cansada muito rápido. Sempre fora sua pior matéria – todas as notas altas que tirava nas outras aulas eram compensadas no fracasso do exercício físico. Caminharam em silêncio até o vestiário, localizado do lado oposto do campo de futebol. A matéria era dividida por sexos, e geralmente os garotos ficavam no campo e as meninas treinavam no ginásio. Entraram no vestiário feminino e se trocaram, colocando o traje esportivo da escola. Guardaram suas coisas nos armários e saíram novamente em direção ao campo. As duas encararam a aglomeração de ambos os sexos em uma das laterais do gramado e perceberam que naquele ano as coisas seriam um pouco diferentes. - Ah, claro, elas deram um jeito de ficar perto dos garotos. Samantha não entendeu o que Alex havia dito, mas agora havia percebido que Penelope e mais umas seis meninas vestiam os uniformes de líderes de torcida. - Elas podem ficar dançando aquelas idiotices enquanto a gente morre jogando? - Penelope consegue tudo o que quer. É óbvio que elas vão treinar as coreografias enquanto a gente morre. Ouviram o grito grave da treinadora e pularam assustadas. Se aproximaram da professora, assim como todas as outras meninas. Os meninos já estavam no meio do campo, ouvindo o professor. NACIONAIS-ACHERON
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- Comecem caminhando e depois acelerem. Se eu ver alguma de vocês parada, vou tirar nota. Estou controlando a velocidade de cada uma. Samantha olhou para Alex com uma expressão de sofrimento. Teriam de correr em volta do campo durante todo aquele período. Sentiu o olhar maligno de Penelope na sua direção e, quando encarou a garota de volta, a mesma lhe lançou um sorriso convencido. Então virou-se e se afastou com as outras líderes de torcida, rebolando até a quadra de basquete externa ao lado do campo. - Com certeza... isso é muito justo. - murmurou Samantha mais para si mesma do que para alguém, enquanto as observava organizarem o som e se posicionarem no meio da quadra livre. - Obrigado Deus, sou reserva, como sempre. Viraram-se e encararam Carter se aproximando, vestindo o mesmo uniforme dos outros garotos. - Você está muito hétero! - exclamou Alex, olhando o amigo de cima abaixo, que mexia sem interesse no celular. - Eu sei, não precisa ofender. - respondeu, sem olhar para elas. - Não vai acreditar no que Penelope falou para Sam depois do almoço. – continuou a loira, depois de soltar uma risada pela resposta do amigo. Carter levantou a cabeça ao ouvir as palavras mágicas. - CORRENDO! - O grito da treinadora fez as duas pularem de susto mais uma vez. Ele olhou-as se afastarem, pedindo piedade com o olhar curioso. Carter era atraído por fofoca e confusão na mesma intensidade em que um tubarão é atraído por sangue na água. As duas começaram a caminhar, porém, ao completarem a primeira volta, NACIONAIS-ACHERON
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foram forçadas a acelerar e correr pelos gritos enérgicos da professora. Samantha já estava ofegando nos primeiros dez minutos e não se impressionou ao perceber que Alex também não tinha o mínimo de fôlego. Seu corpo inteiro latejava e, quanto mais os minutos passavam, mais sentia um prazer estranho. Era bom correr, por mais que odiasse se exercitar. O cansaço lhe dava uma sensação entorpecente que quase a fez esquecer dos problemas. O que a impediu de se entregar por completo ao exercício e curtir aquela sensação boa foi a presença de David em campo. Era impossível completar uma volta sem repousar o olhar nele, jogando concentrado. Como era de se esperar, ele agora jogava bem. Se surpreenderia se descobrisse que ele era ruim em algo. Percebeu que Oliver também estava no jogo, no time oposto ao de David. Por um momento, sentiu muita vontade de sentar e assistir aquilo. Mas, para seu desgosto, Oliver parecia não dar a mínima para aquilo e só tocava na bola quando era muito necessário. Podia jurar que em um momento viu o garoto tirar o celular do bolso e mexer, no meio da partida. Com o período chegando ao fim, Samantha ouviu um coro de aleluia dentro de sua cabeça. Se aproximou com Alex do banco de reservas, onde Carter estava sentado desde o início do período. O garoto levantou, encarando um ponto fixo. - Atenção, é agora. Samantha o olhou sem entender e Alex revirou os olhos. Encarou a direção que Carter fitava com assustadora atenção e percebeu que a maioria das garotas também olhava. Era David, e a cena a seguir ocorreu em câmera lenta na cabeça de Samantha. Tudo foi extremamente surreal. Ele segurou a barra da camisa e a arrancou enquanto ria de algo que outro garoto falava, como se fazer aquilo fosse NACIONAIS-ACHERON
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natural. Muitos garotos também tiraram as camisas, mas não fazia diferença. Quando David fez aquilo, Samantha sentiu sua visão embaralhar por alguns segundos. Ele tinha um tanquinho agora. Com entradas. E seu calção estava mais abaixo do que seria aceitável, dado o local em que se encontravam. O suor em seu tronco fazia toda aquela cena parecer mais erótica do que deveria, e a garota sentiu a respiração aumentar gradativamente sua frequência ao observá-lo se movimentar. Era estranho imaginar que já havia tido relações tão íntimas com aquilo. Não era a mesma pessoa. Depois de tudo, ainda era capaz de duvidar. Uma sequência inesperada de imagens sexuais passou pela sua mente, situações que duravam dois segundos. David rasgando a camisa dela. David pressionando-a contra alguma parede. David deitado embaixo do seu corpo, enquanto ela passava a mão pelo tronco dele. David a segurando de costas e puxando seus cabelos. Era o tipo de cara que você olha em um filme e se sente idiota por desejar um famoso. Estava tendo essa mesma sensação. Por algum motivo, o fato de já ter feito sexo com ele não fazia muita diferença. Ela queria aquele ali. Sabia que ele deveria estar muito mais experiente, em todos os sentidos, se sua fama era realmente verdade. Queria ser dominada por ele, sentir todo o prazer possível nas mãos do novo David. Seus instintos estavam tão vivos que ela não lembrou de nenhum sentimento em relação a ele. Pouco importava se ela era apaixonada e ele a largasse logo depois. Não importava. Ela só queria poder senti-lo. Ali, agora. Na grama, se precisasse. Ela ofegava descaradamente e por sorte ninguém percebeu, todas as atenções não estavam nela. Só acordou quando ouviu a voz fraca de Carter ao seu lado. NACIONAIS-ACHERON
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- Querido Jesus, muito obrigado. - disse ele, não sendo o suficiente para distrair Samantha. Ela não queria parar de olhar. Não conseguia, na verdade. - Ah, pelo amor de Deus, querem parar? Por que não vão lá jogar moedas? - Alex interrompeu, falando meio alto e fazendo algumas garotas rirem. Samantha, quer parar de olhar? David é um escroto. - É. - concordou, mas na verdade nem tinha ouvido o que a amiga falara. Ele agora estava de costas e a visão era tão incrível quanto de frente. O que era aquilo? Que costas eram aquelas? Desde quando... Seu olhar escorregou para a bunda dele. Ficou, literalmente, com vontade de chorar. Queria gritar, queria soltar um gemido que estava preso em sua garganta. - Deixa eu limpar aqui. - falou a loira, esfregando o queixo de Samantha com força. Ela a empurrou, assustada, sentindo o local ficar dolorido. - Sai, Alex! - Você é idiota? Depois das merdas que ele te falou vai ficar dando moral? - Não estou dando moral! Ele nem percebeu que eu estava olhando. completou, sussurrando. - Desculpa, Alex, mas fala sério. Você sabe o que eu quero dizer. - Não estou nem aí se ele é gostoso. Pare de ter recaídas, sim? É patético. - Eu sei. - falou Samantha, voltando para a realidade agora que David havia desaparecido de vista. Começou a sentir uma pontinha de raiva crescer em sua consciência. - É muito injusto. - Sabemos que é, mas piora se ficar olhando. Evite olhá-lo. - Bem fácil... ele está em todas as nossas aulas, praticamente. Quero morrer. - Cale a boca, sua bunda é tão boa quanto o tanquinho dele. Pare de se NACIONAIS-ACHERON
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rebaixar, Samantha. Ela olhou para Alex assustada. A amiga estava com mais raiva que ela. - Você está brava porque o plano dos Velvets deu errado, não é? Eu sei como você queria voltar com a banda, eu também queria, mas não vai rolar. Alex rosnou, soltando o cabelo do rabo de cavalo que havia feito. - É nojento, Sam! Somos muito melhores que ele, não precisamos dele para sermos quem somos. Ela concordava com a amiga e se odiava por não ter aprendido a tocar guitarra enquanto morara na Irlanda. Não tinha como se sentir melhor que David sabendo que nem se esforçara para isso. Era ridículo terem de depender de outras pessoas para realizarem seu sonho. - Somos muito fracassados. - murmurou Alex, agora se afastando pela pista para entrar no vestiário feminino. Samantha sentiu uma culpa inexplicável dentro de si. Era culpa dela que os Velvets não podiam voltar. Sentiu-se mais patética ainda ao perceber que seus olhos estavam marejados enquanto seguia Alex, em um misto de raiva e culpa.
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CAPÍTULO 16 O sol já estava se pondo quando Samantha subiu os degraus do pequeno hall de sua casa simples, não muito afastada do centro da cidade e, portanto, bem próxima de sua escola. Colocou a chave na fechadura, notando a tinta vermelha descascada da porta antiga. Estava ciente de que a diferença entre ela e os outros estudantes da West Newton era monetariamente enorme, mas nunca se incomodou com isso. Sua mãe sempre fora uma mulher muito estudiosa e determinada a proporcionar para a filha estudos da melhor qualidade, pois valorizava o conhecimento antes de quase qualquer outra coisa. Portanto, trabalhava o dia inteiro para pagar a cara mensalidade da escola de Samantha. A garota sabia que o pai não ajudava muito, pois o pub que administrava não gerava tanto lucro assim, mas mantinha a pensão da filha em dia. Ignorou o pedaço de tinta seca que caiu da porta ao encostar o nó dos dedos ali e entrou, limpando os pés no tapete da entrada. Percebeu que as luzes da sala e da cozinha estavam acesas, sendo esses dois cômodos praticamente um só, pois a cozinha possuía uma bancada aberta para o segundo ambiente. Largou sua mochila em cima do sofá e encarou as costas da mãe, que estava parada na frente do fogão. A mulher virou o rosto para ela e sorriu, um sorriso triste, carregado de significado. Nada bom, pensou a garota consigo mesma. - O que houve? - perguntou Samantha, sentando na bancada da cozinha e NACIONAIS-ACHERON
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apoiando os braços na madeira rústica. Donna virou-se para a filha e a menina percebeu um longo suspiro seguido de um rápido olhar automático. Baixou seus olhos para a bancada e pigarreou. - Más notícias - começou ela, mexendo sem interesse em um bloco de notas que estava largado ali em cima. Samantha por um momento achou aquela atitude da mãe extremamente juvenil, como se estivesse tentando adiar o máximo possível a notícia. Poderia sorrir, pois conseguiu ver ela mesma na mãe. Era como se olhar em um espelho. Entretanto, a mulher estava visivelmente acabada, e aquilo tomou conta de todos os seus pensamentos. Ficou em silêncio até a mãe decidir continuar: - Fui demitida hoje à tarde, antes do final do expediente. Nos primeiros segundos, Samantha sentiu alívio. Não era uma notícia que envolvia algum tipo de tragédia, portanto podia ser superada. Soltou o ar que estava segurando enquanto a mãe se preparava para falar. Então, ligou os pontos e percebeu o que a demissão da mãe significava. - Sem problemas, mãe... Não se preocupe, vamos dar um jeito. Antes de falar isso, o que ela estava temendo era uma opção. Agora, com a expressão de desapontamento gradativo no rosto de Donna, Samantha concluiu que era a única saída. Era só fazer as contas. Teria de estudar em uma escola pública. - A pensão que seu pai lhe dá mal paga as contas dessa casa, querida. Eu sinto muito, sei como você gosta dos seus amigos e como o ensino da West Newton é incomparável, mas a princípio não tem outro jeito. Pelo menos não enquanto eu estiver desempregada. Samantha permaneceu em silêncio por alguns segundos, tentando engolir NACIONAIS-ACHERON
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o crescente desapontamento. - Tudo bem, mãe. Tem algumas escolas públicas pelas redondezas, tenho até alguns conhecidos que estudam nelas. Não é como se fosse o fim dos tempos. Donna segurou as mãos da filha e abriu um sorriso tímido, mas sincero. As duas possuíam uma cumplicidade tranquilizante, era muito raro Samantha não apoiar a mãe em suas decisões e vice-versa. Viviam sozinhas e precisavam daquela união, caso contrário ambas despencariam. Samantha sabia como era difícil ser uma mãe solteira, observou Donna durante metade de sua infância e toda a adolescência enquanto absorvia os esforços dela como lição de vida. Deu um longo abraço na mãe e repetiu mais uma vez que tudo ficaria bem. Ela era uma mulher muito competente e arranjaria um novo emprego mais cedo do que achava. Jantaram em silêncio, salvas pelo repórter na televisão da sala que prendera a atenção de ambas, deixando o clima um pouco menos pesado. Samantha ofereceu-se para lavar a louça, sugerindo à mãe que fosse descansar e esquecer daquele problema, pelo menos naquela noite. - Podemos falar com a coordenação da sua escola na sexta-feira. Amanhã marcarei um horário com eles. Use essa semana para conversar com seus amigos e aproveitar esses últimos dias. Falando isso, Donna subiu as escadas e foi para o seu quarto. Samantha estava agora sozinha secando os pratos e pode deixar a lágrima que estava segurando desde o início da noite escorrer solitária pelo rosto. Sentia-se um tanto envergonhada por ter feito uma quantidade absurda de dramas naqueles últimos dias por motivos que perto daquilo eram mínimos. NACIONAIS-ACHERON
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Sua mãe estava desempregada e seu pai não ganhava dinheiro suficiente para resolver todos os problemas que apareceriam. Com a pensão que ele fornecia, pagariam apenas as contas básicas e não sobraria quase nada. A decisão veio tão veloz quanto a rajada de vento sonora do lado de fora. Precisava fazer alguma coisa para ajudar sua família. Guardou a louça e correu para pegar seu celular dentro da mochila. Selecionou o nome do pai na agenda de contatos e iniciou a chamada. - Fala, meu docinho! A voz do pai automaticamente transportou-a para a Irlanda. Fosse pelo sotaque dele ou fossem pelas lembranças recentes dos dois anos que viveu naquele país. - Ela já te contou? Sentiu que foi meio rude ao abordá-lo daquela forma tão urgente, mas era um assunto que não comportava introduções educadas. - Ela quem? O quê?- Como deveria ter esperado, o pai soou confuso e perdido. Suspirou, odiando ser a primeira a transmitir más notícias. - Mamãe perdeu o emprego. Peter Hagan permaneceu em silêncio por cinco segundos, processando a informação. - Ah, droga. – murmurou ele, um pouco desconcertado. - Eu sinto muito, querida. - Devia falar isso para ela, não para mim. – Quando se separaram, os pais não chegaram a brigar, mas a distância que cultivaram depois da separação a incomodava. Parecia que não tinha como evitar. - A propósito, vou ter que mudar de escola. – Continuou, não querendo constranger o pai, o assunto não NACIONAIS-ACHERON
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era sobre a distância entre os dois. - Você sabe que eu ajudo vocês como posso, mas o ensino público não é tão ruim assim, Sam. Estudei minha vida inteira nele. Sua mãe que sempre teve essa obsessão com os estudos. Eu sobrevivi. - Não liguei para discutir as escolhas dela. Não a critique por querer me dar o melhor. – Sentia que era sempre uma obrigação defender as escolhas da mãe quando Peter a criticava. E era mesmo. Não se importava em confrontálo quando necessário. - Me desculpe. – Pode ouvir o homem suspirar, cansado, do outro lado da linha. Ignorou, precisava ir em frente com sua ideia. - É o seguinte: já tenho idade o suficiente para ajudar nossa família. Trabalhei no Hagan por dois anos e tenho um ótimo currículo para conseguir um emprego por aqui. Só preciso que você me recomende algum de seus amigos. Só isso. Sei que você tem vários amigos irlandeses que abriram pubs aqui em Londres. Foi assim que conheceu a mamãe, aliás. Através de um deles, não é? Como era o nome dele, mesmo? Frank Walsh? - Isso, Frank nos apresentou. Levava você no Walsh quando era bem pequena, quando o pai dele ainda administrava o pub aqui em Dublin. - Você poderia falar com ele? - Não sei se acho uma boa ideia você trabalhando sozinha em um pub. Aqui era diferente, eu estava sempre por perto. Sabe como o pessoal é estranho, Sam. - Pai, o que pode ser tão perigoso? Ainda mais quando meu chefe será um de seus melhores amigos? - Não é isso... é que... você sabe, Sam. Ser garçonete é um trabalho um tanto desafiador. Os homens são extremamente mal-educados, ainda mais NACIONAIS-ACHERON
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com jovens bonitas. - Eu sei me cuidar sozinha! Não é como se eu estivesse fazendo isso por vontade própria, o fato é que precisamos de mais dinheiro. Não vai ser o suficiente enquanto mamãe estiver desempregada. Você precisa aceitar isso, pai. Sei que é difícil, pois você não ganha muito por aí, mas eu vou ajudar. E consigo emprego rápido se for nesse ramo, pois tenho experiência. Ele manteve um silêncio decisivo ao ouvir os argumentos de Samantha. Não havia como ganhar dela naquele momento. - Bem, você tem um pouco de razão. - Um pouco? Pai, por favor. Você precisa encarar a realidade. Temos uma resolução simples aqui, não sei qual é o seu receio. Peter impressionou-se com a maturidade da filha, que ainda tinha dezesseis anos. Ela tinha a mesma ambição da mãe, disso ele não tinha dúvidas. Gostava daquela característica, apaixonara-se por Donna por milhões de motivos, sua ambição sendo um deles. - Falarei com Frank agora mesmo, ligo para você em meia hora. Samantha sorriu, agradecendo aos deuses gauleses por abrirem os horizontes de seu pai. Tinha consciência de sua determinação e de seu poder de persuasão em determinadas situações. Era ótima com argumentos e era muito difícil alguém superá-la nisso. Encerrou a chamada e largou o celular em cima do sofá, sentando logo em seguida. Ao esperar aquela meia hora passar, o único objeto que seus olhos focalizaram foi o aparelho ao seu lado.
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CAPÍTULO 17 Aquela manhã ensolarada fez o peso nas costas de Samantha diminuir, pelo menos naquele momento. Lembrou da resposta do pai na noite anterior, ele havia ligado de volta quarenta e cinco minutos depois, contando-lhe que Frank Walsh estava disposto a contratá-la como garçonete e que seria um prazer ter a garota como funcionária, já que a conhecia desde criança. Poderia começar na tarde seguinte, depois da escola. Teve a sensação de que, pela primeira vez na vida, estava retribuindo todo o esforço de sua mãe. O único problema é que a mulher ainda não sabia daquela novidade e provavelmente odiaria a notícia. Vestiu o uniforme da West Newton sob um clima melancólico. Odiava as pessoas, odiava o lugar. Entretanto, sabia que a transferência para uma nova escola pública naturalmente a afastaria de seus únicos amigos. Claro que eles continuariam tendo contato, mas não com a mesma frequência. Ouvir a voz dos dois todos os dias era aconchegante, sentia-se confortável e protegida quando Carter e Alex estavam ao seu lado. E... bem... tinha David. Desde o momento em que viu sua mudança, o desejou na mesma proporção em que quis se afastar dele. Considerou diversas vezes mudar de escola, mas agora que o fato havia se concretizado, percebeu que, por mais que odiasse admitir e por mais contraditório que fosse, sentiria certa falta dele. Como sentiu quando se mudou para a Irlanda, apesar de toda a confusão que ele causou. E agora, depois de dois anos, após ele tratá-la tão mal sem motivo aparente, ela ainda continuava sentindo falta dele. O garoto havia arruinado NACIONAIS-ACHERON
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sua reputação, usado isso a seu favor e agora a destratava cada vez que colocava os olhos sobre ela. E, mesmo assim, Samantha ainda queria ficar com ele. Não conseguia esquecer e superar os anos anteriores à confusão, quando eram melhor amigos e tinham a melhor relação do mundo. Ela lutava com aquilo diariamente, desejando com todas as forças que acordasse no dia seguinte não sentindo nada por ele, pois ele não a merecia. Não depois do que fez com ela e do que continuava fazendo. Mas, obviamente, ela não podia coordenar seu maldito coração insistente. Ao descer as escadas da pequena casa, encontrou sua mãe na bancada da cozinha em frente ao computador. Cumprimentou-a e sentiu toda a coragem que havia reunido enquanto se arrumava ir embora. Tossiu, tentando acordar a voz na garganta. - Mãe, preciso falar uma coisa. Donna levantou os olhos da tela e a lançou um olhar vidrado. Samantha percebeu grandes manchas escuras embaixo dos olhos da mãe, percebendo que ela provavelmente não havia conseguido dormir. Como a mulher continuou fitando-a sem emoção, esperando que falasse, ela pigarreou e se sentou em um dos bancos de frente para ela. - Com a ajuda do papai, consegui um emprego no pub do Frank Walsh, vou trabalhar de tarde e de noite, assim posso ajudar com as despesas. A mãe estreitou os olhos e fechou o computador devagar, parecendo que iria explodir de espanto. E foi mais ou menos o que aconteceu. - Você está louca? - murmurou ela, levantando o tom da voz na última palavra. - Como faz uma escolha dessas sem me consultar? Samantha! - Me desculpe, mãe, mas não posso ficar sentada enquanto você definha NACIONAIS-ACHERON
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até conseguir um novo emprego. Tenho mãos e pés, posso muito bem trabalhar. E não é como se fosse em um pub vagabundo, é no Walsh. - Não me interessa, Samantha! Pode ser no Hard Rock Cafe, você deveria ter conversado comigo antes! Como pode me trair assim? - Mãe! Que drama, meu Deus. De qualquer forma, eu iria fazer isso... você concordando ou não. Não há chances de eu ficar sentada assistindo suas olheiras de preocupação aumentarem. - Eu estou com olheiras? - perguntou Donna por um momento, passando a mão embaixo dos olhos. Voltou a olhar para a garota, agora mais calma. Eu... Sam, querida, nós não vamos passar fome. Nunca deixaria isso acontecer. - Eu sei, mãe. Mas com o salário que vou receber, poderemos ter uma vida mais tranquila. Você precisa concordar. - É claro que você tem razão, querida. Mas o fato de você ter de trabalhar para ajudar na casa me deixa devastada. Eu deveria estar fazendo isso. - Essas coisas acontecem, pare de se preocupar! Mês que vem você já vai ter conseguido algum emprego, muito melhor que o de antes. Quer apostar? - Deus te ouça, filha... Samantha levantou do banco e deu a volta no balcão, parando ao lado de Donna e a abraçando de lado. - Estamos ok? Frank disse que posso começar hoje, depois da escola. A mulher suspirou, fazendo a filha perceber seu receio. - Me ligue quando chegar lá, tudo bem? Ela sorriu concordando, dando assim um beijo no rosto da mãe e se despedindo para um de seus últimos dias de aula na West Newton. NACIONAIS-ACHERON
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✖✖✖ As vozes das dezenas de estudantes na entrada da escola eram ouvidas em um volume muito baixo pela distância que Samantha, Alex e Carter se encontravam. Os três estavam sentados nas mesmas arquibancadas que presenciaram a fracassada ideia de voltar com os Velvets. Agora, Samantha estava em pé na frente dos dois amigos sentados, todos encarando um vazio indeterminado após a garota dar a notícia de sua transferência por causa do desemprego da mãe. - Não sei o que dizer... - começou Carter, coçando o nariz, sem parar de encarar um ponto fixo do banco em que apoiava os pés. - Você acabou de voltar e já vai embora? - perguntou Alex, Samantha podia ver um verdadeiro desconsolo nos olhos da amiga. - Não, Sam. Não está certo. - Eu sei que não, mas não temos como continuar pagando essa mensalidade. Arranjei um emprego para tentar substituir parte do dinheiro que entrava através da minha mãe, mas obviamente não tem como continuar pagando a escola. - Onde vai trabalhar? - perguntou Carter, agora a encarando curioso. - No Walsh Irish Pub, o dono é amigo do meu pai. É um bom lugar, eu acho. - Sam... parabéns pelo emprego, mas... eu posso te ajudar... quer dizer, somos amigas em todos os momentos, certo? Tenho certeza que meu pai ajudaria sua família... - Alex sugeria aquilo meio constrangida, mas foi interrompida no mesmo instante pela amiga. - Alex! Você está maluca! Nunca aceitaria dinheiro seu! NACIONAIS-ACHERON
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- Nem meu? - Claro que não, Carter! Não somos miseráveis. Só não podemos pagar uma escola particular enquanto minha mãe estiver desempregada. Gente, eu vou me virar. Sério. Não é o fim do mundo. Alex e Carter tentavam abrir nem que fosse um resquício de sorriso para melhorar a situação da amiga, mas era complicado. Mal chegara e já estava indo embora? Passaram dois anos sem ela e, quando achavam que tudo estava bem novamente, não estava. Eles iriam se separar de novo. - Vamos jantar sempre no Walsh, certo, Carter? – Alex olhou para o garoto, um sorriso forçado no rosto desanimado e sem cor. - Você vai nos atender toda a semana. – Voltou sua atenção para Samantha, esticando ainda mais o sorriso. - Só se nos conseguir algum desconto. Minha mesada é ouro. - Samantha olhou boquiaberta para Carter. - Brincadeira! Vamos, sim. O sinal para a primeira aula tocou e três suspiros desconsolados saíram deles. Samantha sentiria falta das companhias, mas, como qualquer outra adolescente, não sentiria falta das aulas difíceis e rígidas. Valorizava-as, mas não gostava da maioria das matérias. Caminharam lado a lado pelos corredores amarrotados do prédio principal e, quando estavam prestes a entrar na sala de aula, Samantha encarou um cartaz da Batalha das Bandas no mural do corredor. Sentiu seu ânimo despencar, percebendo que a situação em que se encontrava piorava qualquer possibilidade de realizar aquele sonho. Pisar em um palco de verdade, ao lado de seus melhores amigos, representando um ideal que carregava consigo desde mais nova? Sem chance. Se perdeu em seus pensamentos enquanto analisava o pôster no mural, NACIONAIS-ACHERON
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ficando para trás. O layout era composto pela silhueta de uma banda qualquer, e, sobreposta a ela, o logo da Batalha Intercolegial das Bandas. O nome dos jurados ainda não havia sido revelado, portando as informações no papel eram escassas. Havia só a data limite de inscrição das bandas, na semana seguinte. Quando percebeu que estava sozinha do lado de fora da sala, com muitas pessoas ainda circulando atrás de si, seu celular começou a tocar. Desesperada em alcançá-lo antes que o toque parasse, acabou se enrolando toda. O fecho da bolsa de couro travou e ela iniciou uma luta histérica com o zíper. Depois de alguns segundos angustiantes, conseguiu tirar o celular de dentro do bolso e o atendeu, falando mais alto do que pretendia pelo desespero em não perder a pessoa do outro lado da linha. A pressa foi tanta que nem olhou na tela quem era, só descobriu ao ouvir a voz. - Sam? - seu pai perguntou por ela, mas a ligação estava ruim. A voz dele saiu entrecortada. Ela tampou o ouvido oposto para bloquear as conversas atrás de si e encarou o chão, esperando ele responder. - Pai? Está me ouvindo? O temor pela ligação ter alguma relação com seu novo emprego tomou conta de si. Precisava ouvir o que ele tinha a dizer, urgentemente. De forma instintiva, começou a andar na direção da porta de sua sala, ainda encarando o chão, sem piscar. Continuou chamando pelo homem, mas só ouvia recortes de sua resposta. Quando achou que algo tinha melhorado, andou um pouco mais rápido para frente. Foi quando deu um encontrão violento em alguém mais alto que ela, que saía da sala em alta velocidade. Ou ela que estava andando muito devagar, mas não fazia diferença. NACIONAIS-ACHERON
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Seu rosto bateu com força no peito do que ela reconheceu nos poucos segundos ser um garoto. Seu nariz doeu tanto que, na confusão, ela deixou o celular cair no chão. Quando olhou para cima com o objetivo de pedir desculpas, todo o seu corpo congelou.
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CAPÍTULO 18 David Young a encarava com uma expressão mal-humorada. O nariz de Samantha latejava de dor e seu celular estava meio despedaçado no chão, mas ela só conseguia pensar na camisa do uniforme dele aberta, mostrando a pele do peito e umas duas correntes com crucifixos. Ela havia encostado ali. - Olhe por onde anda, Hollow. - murmurou ele, esfregando o lugar onde ela havia batido com o rosto. Espera, "Hollow"? Aquela era nova. Muito nova. Ele nunca a havia chamado assim. Se não estivesse tão abalada com sua aparência perfeita, acharia graça. Foi quando sentiu o perfume. Só depois, bem depois. Estava ali o tempo inteiro, mas só conseguiu prestar atenção segundos depois. Jesus, que maravilha. Poderia fechar os olhos e ficar parada na frente dele, apenas inalando aquela essência hipnótica. Depois daqueles breves segundos de transe - que pareceram longos minutos - ela notou que precisava dar uma resposta no mesmo nível de sua arrogância. - Se você andasse como um estudante normal esse tipo de coisa não aconteceria. Ele sorriu com a resposta, a deixando paralisada. Que merda era aquela? Era para ele ficar irritado! Por que não conseguia provocá-lo do jeito que ele a provocava? - Ambos temos de concordar que não sou mais um estudante normal já faz NACIONAIS-ACHERON
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algum tempo, baby. Falando isso, ele segurou o queixo dela, levantando de leve seu rosto. Samantha viu alguns anéis de prata brilharem perto de seus olhos, não conseguindo analisar os detalhes. O seu sorriso irônico não se desfez, mas ele passou a língua no lábio inferior, umedecendo a pele. Então, se afastou pelo corredor. Samantha ficou, em média, trinta segundos parada no mesmo lugar, tentando colocar seus neurônios para funcionar. Quando olhou para dentro da sala, percebeu que boa parte das pessoas havia assistido a cena. A patética cena em que ela caía nos encantos baratos de David e ficava com cara de imbecil. Alex e Carter estavam entre essas pessoas, parecendo tão paralisados quanto ela. Abaixou-se e juntou o celular, que havia perdido a capa de segurança. Montou-o e entrou na sala, evitando olhar em volta e tentando ignorar algumas risadinhas inconvenientes. Sentou-se na carteira mais afastada possível do resto da turma e começou a tentar ligar o celular, que havia desligado com a queda. Precisava ocupar sua mente com algo, se não desmaiaria de nervosismo ali mesmo. - Que porra acabou de acontecer? - perguntou Carter, sentando na frente dela. Alex sentou na outra fileira, ao lado de Samantha, ainda a encarando assustada. Samantha levantou os olhos para Carter, rezando para que não estivesse com o rosto vermelho. - Nos batemos sem querer. - respondeu, simplesmente, tentando passar indiferença ao fingir que nada incomum havia acontecido. - Meu Deus, Carter... - começou Alex ao seu lado. Samantha fechou os olhos, já prevendo a análise da situação. - David está maluco. Estou falando NACIONAIS-ACHERON
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sério. - Para mim isso tem outro nome, você sabe, não é? - Psicopatia? - Vontade. De. Dar. Uns. Amassos. - Cala a boca. - murmurou Samantha, sentindo seu rosto voltar a esquentar. - Ele está agindo como um idiota porque ele virou um. Acha que é o Mick Jagger. - Bom, ele meio que está conseguindo, se esse é o objetivo... - retrucou Carter, sorrindo. Samantha o ignorou. - Até eu fiquei meio abalado. Juro. Estou meio tremendo. - Pare de exagerar. Por que vocês reagem de forma tão histérica a tudo que esse garoto faz? Seu inconsciente soltou uma gargalhada. Como se você não estivesse gritando internamente, não é, Samantha? Você disfarça muito mal, querida. Pare com isso. - Por que é assim que todo mundo reage quando ele faz algo dessa natureza, oras. As pessoas adoram assisti-lo, ele é uma atração deliciosa. Samantha o olhou com uma expressão de nojo. Tudo bem, não podia negar, realmente, David estava chamando a atenção e estava tão inumano que merecia aquele tipo de comentário. Algumas garotas ainda riam com sorrisos maliciosos e olhavam para Samantha do outro lado da sala. - Sam... - começou Alex, e a garota a olhou. O professor já havia começado a escrever no quadro e David ainda não havia voltado. Não que Samantha estivesse controlando ou algo assim, mas as coisas dele estavam em uma das carteiras perto da janela. As conversas paralelas anulavam a voz NACIONAIS-ACHERON
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de Alex e aquilo a tranquilizou um pouco. Ela sabia que a amiga iria começar um novo tópico do mesmo assunto. - Você precisa reagir melhor a esse tipo de situação. Quer dizer, é você, sabe. Não é qualquer fangirl do David. Precisa reagir. - Que diferença faz? Não vou mais estar aqui semana que vem. Aquela resposta encerrou a discussão. Sabia que Alex não contestaria um argumento tão deprimente como aquele. Samantha tirou o estojo e o caderno da bolsa, abrindo o último e começando a rabiscar qualquer coisa na parte trás. Sabia que deveria copiar o que o professor estava escrevendo no quadro, mas simplesmente não conseguia se concentrar. Precisava de um tempo para respirar e colocar os pensamentos em ordem. A sala já estava parcialmente silenciosa agora, com a maioria dos estudantes copiando o texto do quadro. A porta então foi aberta e Samantha levantou o rosto para observar quem era, como muitos outros, já sentindo o estômago afundar. David entrou no ambiente, caminhando despreocupado com um implicante sorriso irônico no rosto. Ainda não o tinha desfeito desde o encontrão com Samantha. Fechou a porta atrás de si e encarou primeiro dois de seus colegas de banda, que estavam sentados perto do seu lugar. Samantha olhou para os dois e percebeu que todos compartilhavam sorrisos significativos pelo mesmo motivo, mantendo uma cumplicidade maliciosa nos olhares. Arrastando os pés pelo chão da sala, David voltava para sua classe, mantendo o olhar em algumas meninas sentadas na primeira fileira. Elas o fitavam com uma adoração exagerada, fazendo Samantha notar que era disso que ele se alimentava. David nutria-se de olhos brilhantes e respirações ofegantes. NACIONAIS-ACHERON
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- Young, coloque esse blusão logo e sente no seu lugar. O professor havia parado de escrever e agora o encarava sem paciência. Samantha só notou que David segurava seu blusão quando o homem mandou ele colocar. Deveria ter saído para buscá-lo, pensou. A West Newton não permitia alunos sem o uniforme completo dentro das salas de aula, uma regra besta que deveria ser respeitada por todos, caso contrário não poderiam assistir a aula. David fez questão de vestir o blusão na frente das garotas vidradas. Quando levantou os braços, parte de sua barriga ficou descoberta. Samantha percebeu duas das meninas trocarem olhares espantados, os lábios entreabertos deixando o choque mais claro ainda. Devidamente vestido, ele continuou se arrastando sensualmente até sua carteira. Samantha então soltou o ar que estava segurando, relaxando com o fim da demonstração do poder que David tinha em relação aos hormônios de suas colegas. Quando virou o rosto para encarar Alex e filtrar o que a amiga estava pensando, viu os olhos de David sobre si. Foi menos de dois segundos, mas esse tempo existiu. Ele se jogou na cadeira displicentemente e abriu o caderno. Samantha viu o rosto de Carter virar para a direção de Alex, que estava com uma expressão de tédio. Presumiu que David criava aquele tipo de situação com frequência, assim ganhando sua fama entre as meninas. Ele dava atenção à elas, como um ídolo dá atenção às suas fãs e faz elas o amarem mais ainda. Suspirou e, antes de começar a anotar o que estava escrito no quadro, olhou para a direção dele uma última vez.
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CAPÍTULO 19 Conseguindo arrumar seu celular no intervalo daquela manhã, Samantha descobriu que o pai só havia ligado para lhe desejar boa sorte. Suas palavras lhe deixaram um pouco mais animada, considerando toda a situação somada com a cena patética entre ela e David. Faltava pouco, pensou, para que não precisasse mais passar por aquilo. Em quatro dias provavelmente nunca mais o viria em sua frente. Era reconfortante, mas ao mesmo tempo meio deprimente. Ainda era apaixonada por ele e agora só poderia lamentar pelos caminhos que a vida havia lhe colocado. Por volta das 15h, Samantha se despediu dos amigos e caminhou até a estação de metrô mais próxima da West Newton. O Walsh não era longe, mas não era perto o suficiente para ir a pé como fazia quando ia para casa. Em vinte minutos, conseguiu descer na rua onde ficava seu novo emprego. Notou que haviam vários bares e pubs naquela região, provavelmente havia se tornado um ponto em potencial para aquele tipo de serviço. Algumas pessoas circulavam pelas calçadas, apesar de o horário de almoço já ter ficado para trás, elas saíam dos estabelecimentos para voltar ao trabalho ou o que quer que estivessem fazendo. A garota caminhou pela rua, relembrando vagamente já ter frequentado aquele lugar quando era bem pequena. Conseguiu enxergar a placa do Walsh de longe, nas cores preto e verde. Parou na frente da porta preta e a empurrou, fazendo certo esforço. Impressionou-se com o tamanho do estabelecimento. Como frequentou o lugar quando era pequena, era impossível lembrar dos detalhes. As luzes eram fracas e toda a decoração NACIONAIS-ACHERON
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mantinha as mesmas cores do logo na placa da entrada. Os ouvidos de Samantha foram tomados pelas batidas já familiares de alguma música de rock dos anos 80, sua década musical favorita. Sorriu, satisfeita, sentindo-se automaticamente em casa. Tocava "Rock of Ages" do Def Leppard, e concluiu em menos de um minuto dentro do local que amaria trabalhar ali. O pub possuía dois ambientes, sendo o segundo mais elevado que o primeiro. No final do segundo ambiente, Samantha notou um palco até bem grande, mas naquele momento vazio. O balcão era preto e ocupava toda a lateral esquerda, havendo algumas pessoas sentadas ali, bebendo e comendo. Nas mesas, que preenchiam os dois ambientes de elevações diferentes, mais pessoas comiam e conversavam. Quatro garçons circulavam pelas mesas, carregando garrafas e pratos em bandejas. - Bem-vinda ao Walsh! Samantha ainda estava parada perto da entrada quando a voz chamou sua atenção. Uma garota com traços indianos a olhava sorrindo do balcão enquanto secava um copo. Ela sorriu de volta e se aproximou. - Olá! - falou, empolgando-se com a boa receptividade da garota. - Hm, vim aqui por causa da vaga de garçonete. Frank falou com meu pai ontem, pedindo para que eu começasse hoje. - Ah, você é a Samantha! Ele falou para esperarmos por você. Vou chamálo, ele está no escritório. Samantha agradeceu e sentou-se em um dos bancos em frente ao balcão, pretendendo aguardar até ser atendida. Bastaram três minutos e a menina que a recebeu voltou acompanhada de uma figura bastante peculiar. Frank Walsh tinha altura mediana, gorducho, cabelos e barba ruiva. Suas bochechas rosadas incharam ao sorrir para Samantha. NACIONAIS-ACHERON
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- Não vejo você há quase dez anos! Meu Deus, Sam, mal deve lembrar de mim. Venha comigo até meu escritório, vamos conversar! Como está seu pai? Também não o vejo faz tempo. Fiquei feliz quando ele me ligou ontem à noite. Preciso voltar à Dublin e visitá-lo. Enquanto Samantha caminhava até o final do balcão, em direção a uma grande porta verde escura, percebeu que Frank tinha um brinco em uma das orelhas. Sorriu, o imaginando em seus tempos joviais. Ele, seu pai e mais alguns irlandeses tinham uma banda de rock quando tinham por volta de vinte anos, Samantha lembrou instantaneamente das histórias que seu pai lhe contava. Tocavam nas noites de Dublin, mas nada além disso. Seu pai, Peter Hagan, era o vocalista. Foi assim que sua mãe, Donna Hollow, conheceu-o em uma viagem com amigos para Dublin. Apaixonou-se no primeiro show que assistiu e depois disso só voltou para Londres junto dele e já com Samantha nos braços. A garota adorava aquela história, mas o final dela não a agradava tanto. Eles tinham personalidades muito distintas, sua mãe era extremamente focada nos estudos e na carreira de advocacia, uma verdadeira trabalhadora compulsiva. Já Peter, como podem imaginar, era uma alma livre. Suas ambições acabaram entrando em conflito e ele voltou para Dublin, abrindo seu próprio negócio para ajudar a sustentar Samantha e sobreviver. Essa era a parte desconfortável da história, que a trazia de volta para a realidade. Nada dura para sempre, concluía, sempre que pensava no assunto. Frank empurrou a porta e Samantha entrou atrás do homem. Era uma sala pequena, lotada de pôsteres de bandas e marcas de cerveja. Lembrava muito o apartamento do pai em Dublin. Ele indicou a cadeira de madeira simples em frente à sua mesa e sentou na sua. A desorganização em cima da superfície NACIONAIS-ACHERON
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que os separava também remetia seu pai. Milhares de revistas misturadas com documentos e, claro, duas latas vazias de cerveja. Já estava acostumada com ambientes assim. - Então, vamos começar a trabalhar? - começou ele, apoiando o queixo na mão. - Trabalhar para o Pete por dois anos não foi o suficiente? Deus sabe como ele é desorganizado. - Samantha percebeu que ele estava sendo irônico e o acompanhou na risada. - Estamos passando por dificuldades em casa, então resolvi ajudar. - Frank ficou sério, os olhos castanhos sinceros lhe dando espaço para continuar. Minha mãe foi demitida. - Ora, mas que droga. - concluiu ele, depois de alguns segundos de silêncio. - Sua mãe é uma ótima profissional, vai conseguir um novo emprego logo! - Samantha concordou com um sorriso murcho. - Sei que você tem experiência o suficiente para dar conta da vaga que estou abrindo. Fazia as bebidas quando estava com o seu pai, certo? - Era só isso que eu fazia, ele não me deixava servir as mesas porque me achava muito nova. Achava que eu ia derrubar tudo. Uma besteira. Deve pensar isso ainda. Frank soltou uma risada de gordinho, meio asmática, e Samantha segurouse para não rir do som que a risada fez. Lembrou da risada clássica do cachorro Muttley. - Então você pode começar como bartender, ajudando Myra. Nada complicado, vai ser divertido! - Perfeito. - falou Samantha, sorrindo sincera. Gostara de cara da garota e sabia que se dariam bem. Passou os minutos seguintes assinando os documentos de contratação e NACIONAIS-ACHERON
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combinando os horários do expediente. Frank levou em consideração seus estudos, diminuindo seu período noturno, que terminaria antes da meia noite. Foi então apresentada aos outros funcionários quando o fluxo de clientes diminuiu. Myra lhe mostrou o vestiário e seu novo uniforme. Em uma semana seu crachá com nome estaria pronto e ela poderia prendê-lo na roupa. - Nos finais de semana bandas muito boas tocam aqui. O lugar lota! comentou Myra, agora as duas estavam de volta no balcão. Samantha estava ajudando a garota a lavar alguns copos usados na hora do almoço. - É mesmo? - respondeu ela, interessando-se pelo comentário. - Sim. O bom é que podemos assistir daqui. Quer dizer, é claro que continuamos trabalhando, mas podemos assistir ao mesmo tempo. - Isso é demais! - comentou Samantha, sendo sincera. - Durante a semana, quando o fluxo é menor à noite, Frank dá chance para novos artistas se apresentarem. Ele é um cara muito legal e sabe como administrar o Walsh, por isso sempre tem movimento. Seu pai tinha uma banda com ele, certo? Samantha contou à garota sobre a história que conhecia, como seus pais se conheceram e como ela acabou nascendo. - Você veio de um berço musical, então! Sabe cantar, como seu pai? - Sei, mas... não tenho tempo para isso. Não mais. Myra a olhou compreensiva. - Ah, você é nova. Ainda terá muita chance pela frente. Samantha concordou com a cabeça, evitando comentar sobre seu drama com os Velvets, a banda que não podia existir. Queria evitar aquele assunto o máximo possível, lembrar a deixava deprimida. NACIONAIS-ACHERON
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A noite foi se aproximando e o movimento começou a aumentar. Samantha dividiu a preparação das bebidas com Myra, fazendo aquelas que considerava mais fáceis. Muitas pessoas sentavam em sua frente e a observavam preparar as bebidas. Alguns caras puxavam assunto, como esperado, mas ela não se importava. Na verdade, era até interessante ouvi-los reclamar das vidas enquanto ficavam bêbados. Mais casos estranhos para a sua coleção de histórias dramáticas que coletou enquanto trabalhou com seu pai. - Sabe o que é mais difícil? - falava um homem moreno em uma das muitas revelações que ela ouvira. Ele tinha por volta dos trinta anos. Samantha preparava uma Margarita para o homem, considerava mais fácil de fazer do que as bebidas típicas irlandesas, as quais Myra dominava melhor. Esconder da família. Eles estão sempre nos rondando. Samantha sempre falava frases genéricas de consolo enquanto misturava os líquidos. Quando a noite se aproximou das 22h, um artista solitário subiu no palco e começou um show de música folk. De fato, era bem divertido assistir e trabalhar ao mesmo tempo. Perto da meia noite ela voltou para casa, percebendo que não seria tão ruim assim trabalhar para ajudar sua mãe. Na verdade, seria o contrário. Não era sua profissão dos sonhos, mas era, em suma, agradável. Era um ambiente confortável para ela. Fez um relatório completo de seu expediente três vezes, para sua mãe, seu pai e Carter e Alex, que insistiram em ligar o Skype de madrugada. Sua mãe diminuiu suas preocupações em quase nulas depois que Samantha descreveu as vantagens que Frank havia dado a ela por ainda ser uma estudante. Alex e Carter prometeram ir ao Walsh naquela sexta-feira, empolgando-se com o prometido show dos finais de semana. Samantha também estava curiosa, para NACIONAIS-ACHERON
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falar a verdade. Seu novo emprego era bom demais para ser verdade, com shows de rock e colegas de trabalho simpáticos. Nem todo mundo tinha essa sorte. Sabia que o fato de seu pai ser amigo íntimo de Frank ajudava e muito em sua contratação, mas não se importava. Daria seu melhor e mostraria para seu novo chefe que contratá-la havia sido uma boa ideia. E o salário era bom, melhor do que o que recebia de seu pai. Muito melhor, para falar a verdade. Aliviaria as despesas consideravelmente.
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CAPÍTULO 20 Samantha já estava no seu terceiro dia de trabalho no Walsh, ou seja, um dia antes de pedir transferência da West Newton para uma escola pública. Já havia aceitado aquela situação de bom grado, pois estava adorando trabalhar como bartender ao lado de Myra. Combinara com a mãe de falarem com a diretoria da escola no primeiro intervalo da sexta-feira de manhã. De fato, seria o melhor para ela, em todos os sentidos. Ficaria longe da Batalha das Bandas e não precisaria assistir David alcançando o sonho que também era dela. Imaginou-se estudando na West Newton durante o período da competição e concluiu que sofreria muito mais do que se estivesse em outro lugar. Na verdade, a transferência era a solução perfeita para aquele sonho destruído. Às 17h daquela quinta-feira, Samantha ofereceu-se para ajudar um dos garçons a limpar as mesas e prepará-las para a noite. Qualquer indício de pró atividade que demonstrasse era positivo, queria muito ser reconhecida naquele lugar e provar a todos e a si mesma que continuaria trabalhando ali por seu próprio esforço e não por causa da amizade que o pai tinha com Frank Walsh. Passava um pano em uma das mesas próximas ao palco enquanto cantarolava "Have A Nice Day" do Bon Jovi, sorrindo ao concluir que a playlist daquele dia estava ótima, como sempre. Olhou para Myra e percebeu que a garota mais velha também cantava, atrás do balcão. As duas se olharam e começaram a rir. Voltou sua atenção para a mesa que limpava, concentrando-se em uma maldita mancha de ketchup que estava custando a sair. Esfregou a mancha por quase cinco minutos e, em meio a luta contra sua NACIONAIS-ACHERON
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rival, percebeu que uma sombra havia se aproximado dela e ficado por ali durante alguns segundos até ela levantar o rosto. Seus olhos a estavam pregando uma peça, ele não podia estar ali. A boca de Samantha abriu alguns milímetros pelo espanto, enquanto o garoto coçava a nuca e olhava desconfortável para o chão. Ela levantou o tronco e se aproximou dele. - Oliver? O que está fazendo aqui? Ele pigarreou e finalmente a encarou. Seus olhos escuros estavam muito diferentes da primeira vez em que ela tentou conversar com ele. Também estavam diferentes de quando eles trocaram um olhar longo demais na festa e ele se desculpou. Oliver era capaz de adquirir estados de espírito diferentes dependendo da situação. Da primeira vez estava completamente fechado, próximo a um animal selvagem que havia tido seu habitat natural invadido. Da segunda vez, na festa, parecia um felino curioso, mas, ainda sim, receoso. Agora Oliver Lynch estava humano. Ele demonstrava em seus movimentos um misto de desconforto e insegurança, ela percebeu que ele tentava manter a postura de sério e introspectivo que lhe era típica. Achou aquilo engraçado, pois não estava funcionando muito bem. - Eu, hm, preciso conversar com você. Samantha continuou parada, sem saber como reagir. Oliver precisava conversar com ela? Notou que ele estava esperando ela concordar em conversar com ele, então olhou para os lados e não identificou Frank ou ninguém observando a cena. Guardou o pano no avental do uniforme e cruzou os braços, concordando meio incerta e demonstrando que ouviria ali mesmo. Não podia sair no meio do expediente. Oliver pigarreou mais uma vez e botou as mãos nos bolsos das calças, NACIONAIS-ACHERON
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voltando a encarar o chão todo desconfortável. - É sobre os Velvets. Desde quando você veio falar comigo, me convidando para voltar a tocar com vocês, eu pensei no assunto. – Ele fez uma pausa, levantando o rosto e finalmente olhando para a garota. - Toco sozinho desde... bom, desde quando eu troquei de escola. Aprendi muito, foi ótimo, mas acho que chegou a hora de colocar o que aprendi em prática. Não vejo oportunidade melhor para isso, ainda mais agora com a Batalha Intercolegial das Bandas. Você tem uma ótima voz, pelo que me lembro, e acredito que Alex e Carter também aprimoraram suas habilidades com o tempo. Se nos juntarmos, temos alguma chance. – Uma última pausa para ele abrir um sorriso discreto. - Quer dizer, bom, temos o mesmo gosto musical. Isso não seria um problema. Samantha ouviu tudo o que ele tinha a dizer sem piscar. Não estava acreditando que aquilo estava acontecendo. Que aquela pessoa estava na sua frente falando aquelas coisas para ela. A única pessoa que, naquele momento, poderia tornar The Velvets real novamente estava aceitando voltar a tocar com eles. A reação de Samantha foi sem sentido. Não conseguiu pensar em nenhum outro empecilho ou na situação em que sua vida se encontrava. Ela não estaria mais na West Newton, não faria diferença se ele aceitasse voltar agora para a banda, mas ela esqueceu desse detalhe. A notícia era tão boa, depois de tantas desagradáveis, que só conseguiu imaginá-los em um palco de verdade e ignorar sua realidade atual. Depois de dez segundos processando aquele bando de informações, de forma totalmente instintiva, jogou seus braços em volta do pescoço do garoto e o abraçou forte. Oliver ficou sem reação, levando um tempo para corresponder o abraço e começar a rir da reação dela. NACIONAIS-ACHERON
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Ela se afastou um pouco, sem tirar os braços de seu pescoço, e ele pode ver a lágrima de alívio que estava escorrendo na bochecha dela. - Sam, meu Deus, se eu soubesse que era tão importante assim teria vindo falar com você muito antes! - Oliver ainda estava com os braços em volta da cintura dela e Samantha percebeu a posição constrangedora na qual se encontravam. Não tinham mais intimidade há anos e estavam abraçados como namorados. Ela o soltou e limpou o rosto com os dedos, recuperando também sua sanidade habitual. Aproveitou as curtas lágrimas para disfarçar as bochechas coradas consequentes do abraço inesperado. - Oliver, é... é ótimo, de verdade, que você tenha aceitado voltar para os Velvets, mas... isso não pode acontecer. Não mais. O garoto franziu o cenho, confuso. Ela continuou a explicação. - Minha mãe perdeu o emprego e vou sair da West Newton, não temos mais condições de pagar a mensalidade. Vou para uma escola pública. Por isso estou trabalhando aqui. E, pelo regulamento da competição, apenas alunos de escolas particulares podem participar. Oliver relaxou suas linhas faciais e demonstrou compreensão. Ficaram em silêncio por um minuto, ambos pensando em coisas diferentes. Ele, então, quebrou a pausa. - Espere... você não precisa estudar em uma escola pública. Eu já passei pela mesma situação que você. - Samantha ouvia com atenção, começando a entrar em uma nova onda de surpresa. - A West Newton valoriza as notas dos alunos mais do que qualquer coisa e oferecem bolsas se os bons alunos solicitarem. Eles analisam a sua situação financeira e suas notas, e assim decidem se você se encaixa nos padrões da bolsa. Consegui uma bolsa NACIONAIS-ACHERON
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quando entrei porque tinha as melhores notas quando estudava na minha antiga escola. Se você conversar com a diretoria e explicar sua situação, tenho certeza que eles vão ajudar. Você estuda lá há anos. Ela o observou até ele terminar de falar. Era inacreditável. Oliver havia aparecido naquela tarde com a solução para todos os seus problemas. Era realmente muito difícil de acreditar que aquele momento estava acontecendo. - Eu... não sei, como você pode falar com tanta certeza? - Por que funcionou comigo e, como eu, você sempre tirou notas boas. Samantha colocou o polegar na boca e começou a roer a unha, nervosa. Não tinha esse hábito, mas por algum motivo aquele momento fez com que fizesse isso. Oliver abaixou a mão dela devagar, com certa delicadeza, fazendo-a encará-lo. Uma estranha tensão emocional se instalou entre eles. - Sabe que assinar um contrato com a City Records vai melhorar a sua vida financeiramente, certo? Eles irão se responsabilizar por toda a divulgação da banda vencedora. É um grande prêmio. Era óbvio que Samantha havia pensado sobre as grandes vantagens do prêmio, mas não havia relacionado isso com o novo estado financeiro de sua família. Fazia todo o sentido entrar para a Batalha das Bandas agora que Oliver mencionara o prêmio. E se, por um belo golpe do destino, eles ganhassem e ficassem famosos? Muito famosos? A probabilidade era pequena, mas existia. Não podia simplesmente deixar uma oportunidade dessas passar só porque era improvável. E se existia a possibilidade de ela conseguir uma bolsa na West Newton, por que não tentar? - Você tem razão. - murmurou ela, depois de mais um minuto de silêncio fazendo aquelas considerações. - Vai ser difícil convencer a minha mãe. NACIONAIS-ACHERON
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completou, sorrindo sem ânimo. - Precisa tentar, só assim vai saber. Explique para ela a situação, se acredita em você e no seu talento, vai te dar uma chance. Samantha concordou, mas não achou uma boa ideia usar o argumento da Batalha das Bandas com a mãe. Com certeza funcionaria com seu pai, mas não com ela. Donna não gostava muito da ideia da filha em uma banda de rock, casara-se com um músico e sabia das dificuldades e tentações daquele mundo. Usaria a qualidade do ensino da West Newton como argumento, com toda a certeza. - Obrigada, Oliver. De verdade. Você... meio que acabou de mudar a minha vida, se esse plano funcionar. - O garoto abriu um sorriso orgulhoso. Mas não fique se achando! - completou ela e os dois riram. - O que posso fazer para agradecer? - Bom, pode me servir um refrigerante, já que aparentemente eu ainda sou uma criança perante a lei. E você também. - Por pouco tempo! Em breve faremos dezessete anos, e então dezoito. E aí poderemos comprar e beber a bebida que quisermos. - Você está bastante otimista para quem tem dezesseis míseros anos. Ainda tem bastante estrada pela frente. - Ora, temos que pensar positivo! Venha, vou lhe servir uma bebida infantil. Oliver soltou uma risada e a acompanhou. Samantha lhe alcançou uma Coca-Cola do balcão e, sob o olhar curioso de Myra, conversou um pouco com ele sobre música e estudos. Vinte minutos depois ele anunciou que precisava ir embora. - Muito obrigada novamente, Oliver. Amanhã de manhã vou falar com a NACIONAIS-ACHERON
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coordenação. Mas antes preciso passar pela minha mãe. - Vai dar tudo certo, você vai ver. Podemos marcar um primeiro ensaio no final de semana, o que acha? Samantha sorriu com a positividade dele. Sua bolsa não estava garantida, mas mesmo assim ele falava como se estivesse, visivelmente tentando animála. - Claro... se... - Você vai continuar na West Newton, não tenho dúvidas. - disse o garoto com um sorriso no rosto. - Até amanhã. Ele levantou do banco e saiu porta a fora. Myra a olhou curiosa e Samantha explicou toda a história com Oliver. Havia cultivado uma parceria confortável com a garota naqueles poucos dias, portanto sempre se sentia à vontade quando falava sobre sua vida. Myra não deixou de comentar como achou Oliver atraente para a pouca idade que ele tinha e Samantha concordou, pensando no que a garota falaria se visse David. Em menos de um dia seu destino seria resolvido e talvez uma grande oportunidade surgiria na vida dela. Uma enorme oportunidade, para falar a verdade. As perspectivas de seu futuro haviam sofrido uma grande mudança naquela tarde, tudo graças a Oliver. O que era bem estranho, pois ele era a última pessoa que Samantha imaginava a salvando de alguma situação. Ainda mais uma situação tão séria como aquela. Agora, tudo dependia de seu próprio esforço para que as peças se encaixassem da forma como estava planejando.
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CAPÍTULO 21 Os passos apressados da mãe de Samantha eram quase impossíveis de se acompanhar. A garota fechou o sobretudo azul marinho, que fazia parte do uniforme da West Newton, encaixando os primeiros botões dourados. Aquela manhã de sexta-feira estava especialmente fria e ela decidiu vestir o uniforme completo da escola em uma tentativa de impressionar a direção o máximo possível. Na noite anterior, Samantha explicara tudo o que Oliver havia lhe contado, deixando a mãe em um choque quase maior que o dela quando conversou com o garoto. Donna praguejou inúmeras vezes, culpandose por não ter tido aquela ideia antes. - Ora, mas é claro! Como não pensei nisso antes? A menina percebeu que a mulher estava até se sentindo um pouco culpada por não ter considerado ela mesma todas as opções que tornassem possível a continuidade dos estudos particulares de Samantha. - Ah, uma bolsa de estudos na West Newton não é tão comum assim, mãe. Só em casos especiais. Você não teria como saber. Não adiantava. Qualquer argumento que Samantha tentasse usar para acalmar a mãe piorava a situação. Donna realmente preocupava-se demais com estudos. Era um pouco assustador. Agora, as duas atravessavam o ar frio e estático do gramado frontal da escola, Donna dois passos à frente de Samantha. Em poucos minutos os estudantes iriam começar a sair das salas de aula para o intervalo, lotando toda aquela extensão. NACIONAIS-ACHERON
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A mulher obrigara a filha a calçar sapatos azul marinho de veludo, os quais Samantha adquirira há muitos anos como parte do uniforme. Ninguém usava aqueles sapatos, pois sapatos não eram parte obrigatória do uniforme oficial, mas Donna insistira que todos os detalhes faziam a diferença. Ainda mais para Samantha, que havia passado por tanta exposição desagradável. Todo esforço para causar uma boa impressão era bem-vindo. Estavam atingindo mais da metade do caminho em direção ao prédio principal quando o sinal para o primeiro intervalo tocou. Em menos de um minuto, dezenas de estudantes começaram a preencher as escadarias na direção oposta à que as duas estavam andando. Donna continuou seu percurso impassível, como se ninguém estivesse obstruindo seu caminho (e não estavam mesmo, pois a mulher passava certa confiança típica de uma advogada, ninguém se atrevia a atravessá-la), mas Samantha começou a encarar os rostos inquisidores e diminuir a velocidade dos passos, com o objetivo de desviar da repentina corrente de pessoas vindo ao seu encontro. Sentiu a insegurança crescer dentro de si. Tirou as mãos dos bolsos e cruzou os braços, tentando manter-se mais quente. Ao voltar a olhar na direção da mãe, foi interrompida por uma figura mais alta que ela. - Sam! Oliver havia parado em sua frente com um sorriso de canto nos lábios. A camisa do uniforme estava para dentro das calças, sobreposta pelo blusão de lã azul marinho, e o nó da gravata listrada de dourado e azul-marinho estava devidamente posicionado no colarinho. Nada comum da parte de Oliver. A versão alinhada era tão atraente quanto a desleixada. Samantha sentiu o estômago afundar um pouco, mas sorriu de volta. Ele estava bem bonito, concluiu, tentando se concentrar em seu rosto. - Estou indo falar com a direção. - começou a garota, observando por cima NACIONAIS-ACHERON
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do ombro dele a mãe, que agora parara de caminhar e a olhava impaciente. Samantha encarou o rosto do garoto. - Vai dar tudo certo, não se preocupe. - disse ele, colocando a mão no braço dela e a acariciando de leve, a reconfortando. - Se eu consegui, você consegue. Donna se aproximou dos dois e olhou para Oliver com uma expressão de curiosidade. Samantha percebeu que a mãe o estava reconhecendo do passado, mas com certa dificuldade. Oliver a olhou e sorriu tímido, aliviando a expressão franzida de Donna. Samantha detectou um brilho nos olhos da mulher. - Você é Oliver, autor da nossa salvação! Samantha encarou a mulher com os olhos estreitos. A mãe conseguia ser mais dramática que ela quando queria. Oliver sorriu mais envergonhado ainda. - Bom, era o mínimo que eu podia fazer depois do convite... - Oliver também já conseguiu uma bolsa temporária antigamente, como eu havia mencionado - Samantha interrompeu o garoto na mesma hora. Donna não sabia nada sobre a quase certa volta dos Velvets e ela ainda não havia planejado como contar para a mãe sem causar uma reação histérica na mulher. Qualquer distração para os estudos da filha era considerada uma ameaça, ainda mais algo tão intenso como o rock n' roll, que ela conhecia bem. - Oh, é claro. Oliver querido, não sei como agradecer. Você realmente nos ajudou. Não havia nos ocorrido nada parecido. - Sem problemas. Bom, boa sorte de qualquer forma. Mas tenho certeza que tudo vai dar certo. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha perdeu sua atenção da conversa dos dois e seus olhos foram como ímãs até a figura de David, que estava encostado no tronco de uma árvore próxima, observando a cena. O garoto fumava, fazendo Samantha se perguntar se aquilo era permitido dentro das áreas da escola. Todo o seu corpo recebeu uma descarga de calor, iniciando pelas extremidades e percorrendo a superfície de sua pele já sensível pelo frio. David conseguia provocar estímulos físicos na garota simplesmente por estar parado a alguns metros dela. Seu jeito onisciente de agir, adquirido apenas depois do escândalo, o tornava mais atraente do que nunca. Sua forma de se movimentar demonstrava uma superioridade e uma certeza anormal para um adolescente de dezessete anos. Samantha sabia que David utilizava o fato de ser um ano mais velho do que todos a seu favor. A vantagem na idade com certeza o fazia se sentir superior agora, mesmo que isso não fizesse diferença nenhuma no passado. Quando eram melhores amigos e mantinham uma relação mais íntima, nenhum fator externo influenciava a harmonia que existia entre eles, nem mesmo a idade avançada de David. Ele tirou os olhos dela por um momento e tragou o cigarro com tranquilidade, logo depois tornando a olhar em sua direção, não demonstrando desconforto algum por observá-la enquanto ela o encarava de volta. Samantha desviou sua atenção dele no momento em que uma rajada forte de vento bateu em seu rosto e a trouxe de volta. Virou-se para a mãe e Oliver, que pareciam ter engatado uma rápida conversa sobre bolsas de estudo. - Vamos, Samantha? Não podemos perder o horário. A garota concordou com a cabeça, se despedindo de Oliver com um sorriso nervoso, e ele devolveu com uma expressão reconfortante, NACIONAIS-ACHERON
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estimulando seu ânimo. Voltou a acompanhar a mãe e entraram no prédio. ✖✖✖ Donna falava há quase cinco minutos, sem interrupção. O diretor da West Newton, um senhor grisalho intimidante pela exagerada elegância, fazia Samantha tremer, mas não sua mãe. Nada fazia Donna Hollow tremer, muito menos um diretor de escola secundária. A mulher conduzia seus argumentos de forma clara e objetiva, mantendo toda a atenção do homem, que ouvia educadamente. A garota não prestou atenção em praticamente nenhuma frase. Não conseguia, era muita pressão. Admirava a mãe por manter o controle em situações como aquela, pois ela tinha muita dificuldade. Não nascera para enfrentar aquele tipo de situação. A mãe tirou alguns papéis de uma pasta depois do homem solicitar. Ele ainda não havia aberto nenhum sorriso, deixando Samantha apreensiva. As mãos da garota tremiam fechadas em seu colo. Ele não podia citar o escândalo de dois anos atrás, simplesmente não podia. Não sabia nem se o homem lembrava, ou havia em algum momento ligado os nomes, mas apenas rezava para aquilo não acontecer. Era apenas isso que estava obrigando-a a controlar a hiperventilação, a possibilidade de o diretor vê-la como todos os outros alunos a viam: uma vagabunda exposta. Ele pigarreou e levantou a cabeça para encará-las. - Está tudo em ordem, senhorita Hollow. - começou o homem, depois de permanecer dois minutos inteiros analisando os papéis que Donna havia lhe entregado. - Não vejo porque não abrir essa exceção. As notas de Samantha sempre foram acima da média, incluindo os dois anos que estudou na Irlanda, como posso ver aqui. Bons alunos são sempre bem-vindos na West Newton, e se algum deles está passando por alguma dificuldade, a escola os ajuda com NACIONAIS-ACHERON
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o maior prazer. Samantha não piscava. Agora havia prestado atenção, muita atenção, na verdade. Identificou um sorriso no rosto de Donna, que consequentemente fez com que o diretor sorrisse também. Aquilo era inacreditável. - Muito obrigada, diretor. O senhor não faz ideia de como estamos agradecidas. - É nosso o prazer, senhorita Hollow. Samantha pode continuar a frequentar a escola como fez até agora. Só lembre de ficar longe de problemas. - O homem a olhou e a garota congelou. Não sabia se ele estava se referindo ao escândalo ou se estava apenas fazendo seu papel de diretor e dando avisos óbvios, mas pouco importava agora. - Não tenha dúvidas disso. - concordou Donna, levantando da cadeira, assim como o homem. Eles apertaram as mãos de forma profissional. Ao sair do escritório da direção, que se localizava no último andar do grande prédio principal, Samantha percebeu que não havia trocado uma palavra com o homem. Mas, na verdade, era até bom que não o tivesse feito. Poderia muito bem arruinar tudo com a frase errada. - Mais fácil do que imaginamos, hein? - comentou a mãe, depois de alguns segundos de silêncio embasbacado das duas. A mulher abraçou a filha com força, quase a sufocando. - Nem posso acreditar! Precisamos agradecer direito aquele garoto. Samantha ainda estava processando todo o ocorrido. Não seria mais transferida para uma escola pública. Continuaria estudando na West Newton pelo resto do ano e, o mais importante de tudo... The Velvets poderia voltar. Finalmente poderia voltar. Conteve-se o máximo que conseguiu na presença da mãe. Queria gritar NACIONAIS-ACHERON
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pelos corredores que sua banda estava de volta. Foi quando percebeu que Carter e Alex não estavam sabendo de nada que havia acontecido nas últimas vinte e quatro horas. Não havia contado nada aos amigos de tão ansiosa que estava. Não sabiam da conversa com Oliver, nem da mudança de planos da reunião com o diretor. Sentiu uma onda de euforia crescer dentro de si, concluindo que precisava encontrar os três naquele exato momento. Acompanhou sua mãe até os portões frontais da escola, notando que a mulher ainda esboçava um orgulhoso sorriso no rosto. Aquela bolsa era tão importante para ela quanto era para Samantha, só que ambas tinhas motivos diferentes para valorizá-la, e a garota sabia que o seu motivo seria muito difícil de ser engolido por Donna. Talvez, na verdade, ela nunca engoliria. Despediu-se da mãe com um abraço forte, a agradecendo pelo apoio naquela manhã. Nunca teria conseguido ter nem metade da segurança de Donna naquela situação, por mais que tentasse, ainda era uma garota de dezesseis anos cheia de inseguranças como qualquer outra. O sinal que indicava o final do intervalo já havia tocado, mas alguns estudantes ainda se enrolavam para entrar no prédio e voltar para as salas de aula. Samantha subiu as escadarias principais tentando não embolar os pés e cair de boca no chão, tanto era sua ansiedade em encontrar sua banda, cuja metade ainda não tinha consciência dessa existência. Subiu dois lances de escadas internas, sempre desviando com certa pressa de todos. Recebeu alguns olhares atravessados quando, ao localizar Oliver em frente ao seu armário lendo seu horário na porta aberta e pegando os respectivos livros, desviou violentamente de todos no corredor amarrotado. - Adivinhe? - murmurou ela, parando ao lado dele e o observando olhá-la um pouco surpreso. Podia interpretar em sua expressão que ele não esperava ser procurado. NACIONAIS-ACHERON
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- Você conseguiu? - perguntou ele com uma ansiedade sincera. Ela fixou seus olhos nos dele por dois segundos antes de sorrir e balançar a cabeça afirmativamente. - Eu sabia! - continuou ele, surpreendendo-a ao puxá-la para um abraço. Ela envolveu a cintura do garoto com seus braços, e, dessa vez, não se sentiu desconfortável. - O quê... está acontecendo? Sam? Eles se soltaram e encararam Alex, que os observava assustada com Carter ao seu lado. Pelas expressões, os dois pareciam observar um crocodilo e um coelho tomando chá. - Bom... - Samantha começou a falar e olhou para o rosto de Oliver. - Não caiam para trás, mas... os Velvets estão de volta. Alex e Carter permaneceram imóveis por dez segundos, até Carter abrir um sorriso receoso. Oliver assistia a conversa com um sorriso de canto e os braços cruzados. - Espera... mas... você vai... ir embora... - Carter murmurava as palavras que se confundiam e se atropelavam, mas seu sorriso não havia se desfeito. - Conversei com a diretoria, eles me concederam uma bolsa de estudos até a situação financeira da minha família melhorar. Desculpem por não ter contado nada, mas Oliver veio falar comigo ontem no final da tarde e sugeriu essa ideia. Não consegui falar com ninguém. Alex colocou as duas mãos na boca de forma dramática, como se fosse começar a chorar. Na verdade, Samantha podia jurar que os olhos da amiga estavam resplandecentes. Carter jogou-se em cima de Samantha, esmagandoa contra o armário atrás de si. A garota deu um grito, não esperando aquele ataque brusco. Quando Carter a largou, Alex se aproximou devagar, ainda com as mãos na boca. Colocou os braços em volta do pescoço da amiga e NACIONAIS-ACHERON
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Samantha a ouviu fungar. - Alex! Você está chorando? - perguntou Samantha, se desvencilhando da amiga e a olhando. A garota estava vermelha, como em todas as situações de emoção extrema. - Não... consigo... acreditar...Você vai... continuar aqui? E os Velvets estão de volta? - nessa última pergunta, virou o rosto para Oliver, que concordou sorrindo. Alex largou Samantha e abraçou Oliver, que a recebeu assustado. Se Samantha e Oliver não tinham nenhuma intimidade, Alex e ele tinham menos ainda. - Cara, é sério, você não sabe o que isso significa para a gente. Ela soltou ele. - De verdade, você é muito bem-vindo na melhor banda do mundo. - É, Oliver, valeu mesmo. A gente estava no maior sufoco. - completou Carter, mais afastado. - Vocês todos sempre foram muito legais comigo, não vejo como poderia negar esse convite. Fiquei um pouco receoso no início, mas agora estou certo. Quero fazer parte disso. A Batalha Intercolegial das Bandas é algo grande na cidade, nas últimas edições bandas muito boas surgiram no mercado. Eu não tenho dúvidas de que vamos mandar muito bem. - Oliver, sério, você... não consigo acreditar. - Alex ainda demonstrava espanto. Era a vez de Samantha rir da amiga, depois de ser alvo das risadas dela tantas vezes naquele início de ano letivo. - Precisamos marcar o primeiro ensaio. - disse Samantha, voltando para a realidade. - Não sabemos nada sobre nós mesmos, vamos demorar um pouco para entrar em sintonia. - Eu tenho a melhor solução do mundo para isso. - disse Carter, atraindo a atenção de todos. - Conto para vocês depois, a aula já começou. NACIONAIS-ACHERON
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Os três praguejaram, fazendo Carter rir. Ele e Oliver tinham o próximo período juntos em outro andar, portanto se afastaram iniciando uma conversa animada sobre música. Alex olhou para Samantha, voltando a emocionar-se. - Amiga, é sério, como você não me contou algo assim? Acho que é a melhor notícia da minha vida! - Acalme-se, Alex! A melhor notícia da sua vida vai ser quando a gente ganhar do David na Batalha das Bandas. Por enquanto, estamos na estaca zero. - Bom, ontem eu não tinha uma banda. Agora eu tenho! Isso é um grande passo. - Samantha concordou, sorrindo. - Oliver foi falar com você? Onde? A garota contou toda a história do dia anterior para a amiga, aproveitando para acrescentar as desculpas de Oliver na festa de Vicky Brown, que acabaram sendo ofuscadas pela cena desnecessária com David. Alex, meio ofendida, a acusou diversas vezes por não compartilhar uma novidade daquela gravidade no minuto em que teve a chance. Samantha explicou que ficara tão nervosa com a perspectiva de sua bolsa não ser concedida que não conseguiu se concentrar em mais nada. E era verdade, nunca passara uma noite tão agitada como a anterior. Alex, então, convenceu-se de que a omissão daquele acontecimento não era proposital, e as duas entraram na sala de aula com largos sorrisos nos rostos rosados de agitação.
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CAPÍTULO 22 O ambiente tumultuado e barulhento não impedia Alex de conversar com Samantha enquanto a mesma preparava uma das muitas bebidas que teria de fazer naquela noite no Walsh. Colocou a dose de tequila em um copo alto, já preenchido com as doses de suco de laranja. - Agora, a parte mais bonita. - murmurou Samantha, atraindo mais ainda a atenção da amiga. A cliente, uma mulher mais velha de cabelos loiro escuros, conversava com um homem ao lado de Alex enquanto esperava. Samantha posicionou uma colher no topo do copo, assim derramando cuidadosamente o xarope de groselha. Alex esticou o corpo sobre o balcão para ter uma visão melhor da técnica que desconhecia. O xarope escorregou para o fundo do copo, criando assim um dégradé que se iniciava do vermelho e acabava no amarelo. - Wow, isso é demais. - Samantha sorriu, achando engraçado o encanto da amiga por algo tão comum para ela. Fazia no mínimo cinco Tequila Sunrises por dia, pelo menos no seu turno e incluindo os dias de semana, pois era uma das bebidas mais populares e que mais saíam no Walsh. Cortou uma fatia de laranja e posicionou-a na beirada do copo, logo depois entregando para a cliente. Alex bebericou sua Coca-Cola pelo canudo, sem tirar os olhos do belo copo. Ele desapareceu nas mãos da mulher, que também desapareceu no meio da aglomeração formada pelos poucos minutos que faltavam para o início do primeiro show daquela noite de sexta-feira. Voltou então a encarar Samantha, que já havia iniciado a preparação de outro pedido, este agora de cor azul. NACIONAIS-ACHERON
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- Você passa o dia fazendo bebidas alcoólicas sem poder experimentar, como aguenta? - A possibilidade de ser demitida me torna uma bartender muito resistente. - respondeu ela, rindo. - É tão injusto. - murmurou Alex, voltando a tomar mais um gole do refrigerante. - Já sou responsável o suficiente para poder escolher minha própria bebida. Uma mão desconhecida surgiu entre elas e começou a servir um líquido transparente no copo de Alex. As duas encararam assustadas o cantil preto. - Pare de choramingar e tome providências! Carter sorria convencido, agora tampando o cantil preto discretamente. Alex o olhou de boca aberta, assim como Samantha. - Carter! Eu posso ser demitida! - Não se você for esperta como eu. Seus problemas acabaram, Alex. Beba. - De onde você surgiu? - perguntou Samantha, enquanto Alex sugava o canudo com mais intensidade, agora que o refrigerante havia se tornado uma Cuba Libre improvisada. - Da entrada, é claro. Nossa, esse lugar lota nos finais de semana. As duas concordaram, olhando em volta. O Walsh estava amarrotado, tanto nas mesas quanto na área mais elevada em frente ao palco. Um grande número de pessoas se encontrava parado em pé, conversando, à espera do show. Alguns roadies circulavam pelo palco organizando os instrumentos. - Você convidou Oliver? - perguntou Carter, desviando a atenção do ambiente mal iluminado e voltando a olhar para Samantha. - Afinal, agora ele é meio que parte do nosso pequeno grupo. Teremos que incluí-lo em nossas NACIONAIS-ACHERON
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atividades sociais para que ele se sinta confortável na banda. - Mandei uma mensagem para ele pelo Facebook, mas ele mencionou algo como ajudar o pai com a mudança. Disse que nos encontramos no ensaio. - Nossa, falando nisso, você ainda não nos explicou o que tinha em mente hoje na escola. - Alex falou, olhando para Carter. Ela havia terminado o copo de refrigerante mais rápido do que se o líquido não estivesse batizado. - Tentem não me amar tanto, porque eu tenho o lugar perfeito para ensaiarmos nos finais de semana. Vocês lembram de uma casa antiga da minha família? Aquela velha, acho que fomos lá uma ou duas vezes para fumar. Oliver já andava com a gente. Alex tinha medo de ir no banheiro sozinha porque a geladeira fazia um barulho estranho que se propagava pela casa inteira. - É óbvio que lembramos! - exclamou Samantha, empolgada. - É o lugar perfeito! Rodeada por dois terrenos vazios! - Sim... eu sei, eu sei. Eu sou incrível. - Cara, você mandou bem mesmo. - murmurou Alex, meio grogue. - Mas não tem nenhum parente seu morando lá agora? Lembro que na época um primo seu estava para chegar, então a gente não podia ficar invadindo toda hora. - Essa é a parte boa: não vai aparecer ninguém até o ano que vem. Nem nos feriados de fim de ano, porque aparentemente vamos passar o Natal fora de Londres. - Abençoada seja a sua família rica que viaja no Natal - falou Alex. Podemos fazer da sala de estar um pequeno estúdio. Levamos nossos amplificadores e você instala a bateria. - É ótimo, porque não precisamos voltar para as nossas casas para dormir. NACIONAIS-ACHERON
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Lá tem quartos... empoeirados, mas, ainda assim, quartos. – comentou Samantha, voltando sua atenção para a mistura dos líquidos na sua frente. - Não temos desculpas para fracassarmos, sinceramente. Estamos com a faca e o queijo nas mãos. - concluiu Carter. - Meu... Deus... - Alex e Carter olharam paralisados para Samantha, que os encarava de volta com uma expressão de horror. - Não nos inscrevemos na Batalha das Bandas. - Segunda-feira é o último dia. - disse Alex, olhando a data na tela bloqueada do celular. - Não podemos esquecer por nada nessa vida. Imaginem só, perder pelo motivo mais estúpido de todos. - Relaxem, vamos estar dentro segunda-feira. A frase de Carter perdeu-se no instante em que as luzes se apagaram e palmas e assovios invadiram o ambiente. A banda apareceu no palco gradativamente, cada integrante causando um alvoroço diferente. Samantha nunca os tinha visto na vida, mas aparentemente eram bastante populares por ali. O guitarrista iniciou o primeiro riff, sendo acompanhado pelo baterista. Em poucos segundos o público já estava imerso na atmosfera entorpecente que o rock sempre causava nas massas. Samantha observou todos dançando e cantando, completamente envolvidos com a música que estava sendo tocada. Vibravam por aqueles caras desconhecidos, entregavamse com prazer ao som produzido por eles. Colocou os olhos no vocalista, que tinha cabelos compridos até os ombros e um jeito cheio de floreios. Apoiava-se no microfone como se o pedestal fosse a única coisa que o mantinha em pé. O público parecia adorá-lo, incluindo algumas garotas que assoviavam na frente do palco. Samantha NACIONAIS-ACHERON
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estreitou os olhos, não deixando de sentir uma ponta de inveja. Adquiriu o ponto de vista do vocalista e rastreou todo o ambiente enérgico de sua altura agora privilegiada. Fechou os olhos quando o solo começou, alimentando sua euforia com as vozes que gritavam o seu nome abaixo dela. Cada vez que seu apelido era pronunciado, sua energia era deliciosamente renovada. Sentia-se completa lá em cima, pela primeira vez na vida. Pela primeira vez na vida tinha a sensação de que era capaz de tudo. Por um breve momento, as paredes do pub desapareceram e, quando ela abriu os olhos para voltar a cantar, encontrou-se em um estádio lotado. Pessoas lá embaixo esmagavam-se para tentar chegar o mais perto possível dela, sacrificando o conforto para poder respirar o mesmo ar que ela. Garotas choravam descontroladamente enquanto exibiam o mesmo estilo de Samantha. O mesmo cabelo, as mesmas roupas. Pela primeira vez as pessoas queriam ser como ela, porque ela era boa em algo e era amada por aquilo. Abriu os olhos e encarou o palco de trás do balcão do pub, agora a banda já tocava a segunda música. Sentiu uma presença ao seu lado e percebeu que Myra assistia ao show também. - Não falei que era ótimo trabalhar e poder assistir ao show? Samantha sorriu amarelo para a colega, concordando com a cabeça. Ela não queria servir bebidas e assistir a shows de trás de balcões. Ela queria ser o show. Olhou para trás e percebeu que Frank Walsh assistia à apresentação um pouco afastado delas, bebericando uma cerveja. Foi quando teve uma ideia maluca, porém possível. Precisava esperar o show terminar para falar com ele. Alex e Carter assistiam a banda com demasiada atenção, analisando cada qual seu integrante de interesse. O baixista era mais agitado que o guitarrista e o baterista era um pouco entediante, fazendo os julgamentos de Carter NACIONAIS-ACHERON
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provavelmente explodirem de tanta incredulidade. Quer dizer, fala sério, você é o baterista! O mínimo necessário para sustentar essa posição é ter energia. O garoto deveria estar pensando que conseguia ser muito melhor que aquilo, pensou Samantha, já que ela mesma considerava Carter uma figura mais chamativa e enérgica do que aquele baterista de final de carreira. As músicas que eles tocavam não eram ruins, concluiu ela, mas definitivamente não faziam o seu estilo. Eram melosas demais, românticas demais. Se existia um estilo que Samantha era distante, este era o estilo romântico. Não ouvia músicas lentas, a não ser que fossem de alguma banda que ela gostasse, e mesmo assim preferia sons um pouco mais agressivos. Principalmente nos últimos dois anos evitara qualquer tipo de música que remetesse a alguma emoção amorosa, mantendo-se longe de bandas e artistas assim. Não entendia como as pessoas gostavam de ouvir músicas tristes depois de passarem por alguma decepção, não fazia sentido na cabeça dela. Preferia se afastar de qualquer estímulo enquanto vivia na Irlanda, enterrando seu passado a sete palmos da superfície. Porém, agora que voltara, fora obrigada a desenterrar aqueles ossos e finalmente chegara a hora de queimálos, destruindo o espírito maldito que a perseguira por tanto tempo. Queimaria aquele escândalo da forma mais honrosa que conseguiria, e essa forma seria através da música. O show chegou ao fim e a banda desapareceu, deixando o público descansar um pouco para a segunda apresentação que aconteceria naquela noite. O ambiente se iluminou e todos voltaram a circular, conversando e fazendo fila na frente do balcão, que ficara tumultuado a ponto de obrigar Alex e Carter a darem espaço para as pessoas fazerem seus pedidos. Myra e Samantha tentavam preparar ou alcançar as bebidas o mais rápido possível, evitando deixar os clientes esperando por muito tempo. Você NACIONAIS-ACHERON
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precisa servir o ser humano para se dar conta de que somos uma espécie muito impaciente, e se as duas já estavam se sentindo pressionadas por servir bebidas, imaginem servir comida. Somos, sim, uma espécie extremamente selvagem. Entre uma bebida e outra, Samantha secou o suor da testa com as costas da mão, virando-se para trás e monitorando a presença de Frank. Quando o segundo show da noite começasse ela iria abordá-lo, estava decidida. Era um tiro no escuro, pois o homem podia interpretar o pedido como pura pretensão e despedi-la na hora, mas a sua intuição gritava para ela ir em frente. Afinal de contas, Frank Walsh era uma pessoa bastante acessível e a conhecia há muito tempo. Não custava arriscar. Em quarenta e cinco minutos a segunda banda entrou no palco e o balcão esvaziou-se, trazendo Alex e Carter para perto de Samantha novamente. - Vou fazer um pedido muito arriscado para o meu chefe, se algo der errado, talvez eu perca o emprego. - murmurou ela do outro lado do balcão, entre os amigos, que encaravam o palco. Os dois a olharam confusos. - O quê? Que pedido? - perguntou Alex, ansiosa. - Vocês já vão ficar sabendo. Samantha queria fazer uma surpresa para os dois se a proposta funcionasse. Alex fora a responsável pela ideia da volta dos Velvets e Carter havia oferecido um ótimo local para ensaiarem. Era a vez dela fazer algo pela banda. Afastou-se dos dois, que observaram a amiga de forma curiosa e apreensiva, e se aproximou casualmente de Frank, que continuava imóvel no mesmo lugar, só que agora bebia um copo grande de chope. Ele a olhou e sorriu. - E aí, pequena Sam, o que está achando de sua primeira sexta-feira aqui? Samantha pigarreou, tentando forçar uma naturalidade nas expressões NACIONAIS-ACHERON
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faciais. - Estou amando! De verdade, Frank, você tem um ótimo público por aqui. Foi sua ideia trazer bandas para animarem as noites? - Ora, você sabe como eu sou apaixonado por música, assim como o seu pai. Não poderia deixar de continuar participando do cenário musical de alguma forma. Cá estou, dando chance para ótimas bandas que estão iniciando suas carreiras. Quer dizer, nos finais de semana a gente traz algumas mais conhecidas para atrair o público, mas os dias de semana são dos amadores. A garota sorriu empolgada. Era a deixa perfeita. - Então, falando nisso... - começou, atraindo o olhar do homem que havia voltado sua atenção para o show enquanto falava. - Sabe, eu e meus amigos temos uma banda... - Você está brincando! - interrompeu Frank, derramando boa parte do chope no chão. Samantha precisou pular um passo para fugir do líquido. Desculpe. É sério? - Bem, sim. Eu sou a vocalista, como deve imaginar, o sangue não nega. O caso é que não somos nada e precisamos de... sabe... ajuda. - Você quer saber se pode tocar com seus amigos aqui? - perguntou ele, e ela identificou um sorriso paternal no rosto barbudo do homem ruivo. - É. Quer dizer, obviamente tocaríamos nos dias e horários menos movimentados... - Claro que podem, Sam! Você achou que eu não ia apoiar a banda da filha do meu melhor amigo? Qual o nome? Samantha sentiu como se um vento fresco aliviasse dias de peregrinação NACIONAIS-ACHERON
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pelo deserto. Ouvira bem? Não estava sonhando? Acabara de conseguir um local fixo para a banda se apresentar e ensaiar em um mercado real para a Batalha das Bandas? Precisou recompor-se para responder. - The Velvets. Dois deles estão ali. - ela apontou para Alex e Carter, que acompanhavam a cena com intensa curiosidade. Frank acenou para eles de forma cômica e os dois acenaram de volta, completamente desnorteados. Samantha segurou a risada. - Ótimo nome, muito marcante. Vocês jovens estão se saindo melhor do que a encomenda. Quero ouvi-los tocar semana que vem! A quinta-feira é de vocês, 21h. A banda que ocupava esse horário desistiu ontem, deram sorte! Samantha ficou boquiaberta. Era um horário consideravelmente movimentado, pois era véspera de final de semana e muita gente frequentava bares e pubs naquele dia. - Nossa, Frank, tem certeza? É um horário bem importante... - Confio em você. Se a gente era bom, vocês também são. - concluiu ele, convencido, fazendo a garota rir. - Muito obrigada, sério. Não sei como agradecer! Ele estreitou os olhos e balançou a cabeça, demonstrando que ela não precisava agradecer. Pareceu se dar conta de algo e levantou as sobrancelhas, continuando: - Seu pai sabe dessa banda? Samantha balançou a cabeça de um lado para o outro. - Não sabe que estamos levando a sério agora. - Precisa contar para ele! Vai morrer de alegria. – Os olhos arregalados do homem transmitiam uma empolgação que ela não esperava. Samantha concordou com um sorriso. Frank deu dois tapinhas amigáveis NACIONAIS-ACHERON
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nas costas dela e voltou a assistir o show. A garota então se aproximou dos amigos, que ainda estavam perdidos. - Adivinhem? Se estávamos com a faca e o queijo nas mãos, agora temos também o garfo. - Os dois estreitaram os olhos para a péssima adaptação do ditado e ela os ignorou. - Consegui um horário semanal para tocarmos aqui. Todas as quintas, às 21h. Podem me amar, eu deixo. Alex olhou para Carter com os olhos arregalados e o garoto abriu um sorriso de tubarão. - Mentira! MENTIRA! - berrou ele, correndo para dar a volta no balcão e abraçá-la. Frank observava a reação deles de longe, rindo como um Papai Noel. - Samantha! Você é genial, garota! - Alex puxou a amiga pela nuca por cima do balcão, abraçando o que conseguiu do corpo dela. - Eu quero choraaaaaaar... - continuou Carter, colocando a mão na boca e contemplando o vazio com olhos sonhadores. - Tudo bem, vamos focar. - murmurou Samantha, tentando se fazer ouvir através da música alta vinda do palco. - É incrível? É. Mas precisamos fazer isso dar certo. Não tivemos nenhum ensaio ainda, estamos todos enferrujados, a não ser por Oliver. Temos menos de uma semana para entrar no ritmo. - Vamos ensaiar como condenados neste final de semana. Sorte sua que é a vocalista e não precisa de nenhum instrumento, pois seus horários estão bem apertados agora que está trabalhando. - falou Alex, preocupando ambos. Samantha ainda não havia pensado nisso. Seria difícil arranjar tempo para ensaiar durante a semana. - Só precisamos decidir as músicas e eu me viro. Decorar é fácil para mim. NACIONAIS-ACHERON
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- Os dois concordaram, agora mais tranquilos. - Estou com um ótimo pressentimento. - completou ela, sorrindo para os amigos. Os três voltaram sua atenção para o segundo show da noite. Três corações eufóricos e esperançosos assistindo uma possibilidade real e mais alcançável do que nunca de um futuro dos sonhos.
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CAPÍTULO 23 Gritos estridentes explodiam os tímpanos de Samantha enquanto ela tentava carregar o amplificador de Alex para a garagem da amiga. Austin e Gunter, os irmãos gêmeos de cinco anos de Alex, subiam e desciam as escadas da casa da família Frost em uma perseguição agoniante. Samantha concentrava todos os esforços de seu corpo para conseguir carregar a caixa pesada sem derrubá-la até o carro da mãe da amiga. A senhora Frost gritava diferentes alertas a cada minuto, porém sem nenhum real esforço de fazer aquela bagunça parar. Aparentemente, havia perdido as chaves do carro e não conseguia encontrar em lugar nenhum. Alex tentava segurar o estojo do baixo com uma mão e um pedestal de microfone na outra, sendo equilibrada pela mochila pesada nas costas. Carter havia pedido para as duas levarem mantimentos suficientes para dormir de sábado para domingo na casa antiga que agora seria seu estúdio. Pijamas, salgadinhos, notebooks e muita concentração. Como Samantha não precisaria levar nenhum instrumento, ofereceu-se para ajudar Alex no carregamento de suas coisas, assim já pegaria uma carona com a amiga. Mentira para a mãe falando que iria dormir na casa de Alex e atualizaria seus estudos. A culpa desaparecera na primeira hora, pois a causa era aceitável. Quando fossem famosos, Donna iria agradecer por aquela mentira. Ou, provavelmente, não, mas naquele momento foi esse pensamento que aliviou o peso da garota. - QUEREM PARAR? O berro de Alex quase fez Samantha derrubar a caixa. A senhora Frost NACIONAIS-ACHERON
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exclamou alegre, encontrando finalmente as chaves do carro, enfiadas entre as almofadas da sala de estar. - Qual de vocês colocou-as aqui? - perguntou, encarando os dois garotos loiros e pálidos. Eles se olharam e voltaram a subir as escadas correndo. - Se não pararem vou aumentar o castigo! Dois meses! - Mãe, consegue abrir o carro para a gente? - murmurou Alex com uma expressão de sofrimento. - Estou meio morrendo aqui. - Acalme-se, seus irmãos foram para o quarto? - disse a mulher, esticando o pescoço para enxergar o mínimo do segundo andar da casa. - Gregory vai cuidar deles, você já combinou isso trinta vezes com ele. - A mãe continuava com o pescoço esticado e os olhos estreitos. - Mãe, por favor! - Tudo bem, tudo bem. Veronica Frost caminhou apressada até a cozinha, sendo seguida pelas duas garotas. Abriu a porta branca que dava para a garagem e destrancou o carro com o controle. Alex caminhou de forma rápida e desajeitada, fazendo Samantha segurar o riso, e abriu o porta-malas. Depositou o baixo e o pedestal, ajudando a amiga a colocar também o amplificador. - Tenho certeza que Gregory não vai prestar atenção neles. Da última vez pintaram todas as paredes do quarto. Alex tinha três irmãos. Os gêmeos de cinco anos e um mais velho de quinze, Gregory. Convivia constantemente com homens e essa convivência explicava muito de sua personalidade. Samantha adorava aquela família adoravelmente desorganizada. - Papai vai chegar antes de você voltar, corta o drama, mãe. - disse ela, entrando ao lado do motorista e fechando a porta. Samantha entrou atrás e NACIONAIS-ACHERON
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Veronica fez o mesmo na frente, dando então a partida no carro. - Não se droguem, eu vou ficar sabendo. - Alex soltou o ar exausta, deixando escapar um gemido. - Estou falando sério, Alexis. - Você foi adolescente nos anos 70, fala sério. Fumou um baseado em uma rodinha com o Iggy Pop e quer ditar regras. Por favor, Veronica. - A última frase foi falada com uma voz anasalada, fazendo Samantha rir. - Olhe como fala, garota! - reprimiu ela, mas Samantha identificou um sorriso convencido no rosto da mulher. - Ah, meu Deus. Alex realmente está falando sério? - perguntou Samantha à beira de um surto na parte de trás do carro. - Pode ser que sim, pode ser que não... - respondeu a mulher, saindo com o carro para o dia nublado e chuvoso e o sorriso convencido estampado nos lábios. Aquilo sim era uma revelação das boas. - Sim, Sam. É verdade, ela adora se gabar disso. - Como... quando... por quê...? - balbuciou, não acreditando que alguém do seu ciclo social tenha participado de tal momento. - Ah, meninas, naquela época as coisas fluíam de uma forma incrível e natural. Quando você se dava conta... Alex encarou Samantha pelo espelho retrovisor com os olhos espremidos, Samantha segurava uma risada exagerada. Como não amar a família de Alex? - Isso não quer dizer que vocês possam fazer o mesmo. Se eu descobrir alguma coisa, juro, Alexis, confisco esse seu baixo até o ano que vem. - Relaxa, eu nunca conseguiria ser tão descolada como você. Nem me atreveria a tentar. Vamos tomar refrigerante e comer salgadinho. Veronica soltou um murmúrio de aceitação e Alex voltou a olhar para a NACIONAIS-ACHERON
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amiga pelo espelho com um sorriso esperto. Era óbvio que eles iriam fumar muita maconha, se bem conhecia Alex e Carter. No passado, quando costumavam fazer isso com mais frequência, era sempre um deles que conseguia esse tipo de coisa. Era só pedir, eles sempre tinham. Samantha nunca arriscou perguntar como conseguiam com tamanha facilidade e preferia não ficar sabendo. Levaram quase uma hora para chegar devido ao já esperado trânsito da cidade grande. Quando Veronica finalmente localizou a casa - demoraram uns bons vinte minutos só rondando as ruas em volta - a tarde já estava em seu ápice. Alex desceu do carro, uma Journey espaçosa, e tocou a campainha do interfone. Os portões pretos que separavam a velha casa da rua afogavam-se no gramado não aparado há provavelmente uns seis meses, no mínimo. Samantha percebeu que os terrenos vazios que circundavam a casa estavam tão abandonados quanto aquele gramado e um arrepio passou pela sua espinha. Ninguém respondeu, então Alex começou a bater palmas descontroladamente, gritando o nome de Carter. - Jesus! Você é uma marginal! - O garoto apareceu alguns segundos depois, acompanhado por Oliver. Samantha sentiu um aperto no estômago ao colocar os olhos nele. Seus cabelos desgrenhados estavam especialmente atraentes naquele sábado, combinando com sua camisa xadrez vermelha. Os olhos dele se apertaram quando atingidos pela claridade do dia nublado. Andou pelo caminho de tijolos até elas, acompanhando Carter, com uma naturalidade admirável. Parecia que morava ali há algum tempo de tão tranquilo que era cada passo que dava. Nossa, pensou ela, em uma repentina epifania. Ele era de fato muito gato. Percebeu então o motivo de ele estar tão calmo. Eles já tinham começado. NACIONAIS-ACHERON
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Sim, aquilo. Elas sentiram o cheiro e se olharam assustadas. - Mãe! Não precisa descer, os meninos vão ajudar! Alex fez um sinal brusco para eles irem até o porta malas e retirarem as coisas de lá. Quando Oliver passou por Samantha abriu um sorriso preguiçoso, fazendo-a congelar. Ou derreter, como preferirem. Alex olhava irritada para Carter. - Tinha que começar antes de mim? Sabia que ela ia me trazer! - Relaxa, Alexis. - murmurou ele, simplesmente, agora carregando o baixo da amiga e a mochila nas costas. - Olá, Veronica! - gritou, acenando. A mulher acenou de volta. Alex o fuzilou. - Entre, agora! Está maluco? Oliver já havia pegado o restante e agora fechava o porta-malas. Os quatro se despediram da mulher e entraram na casa, Alex resmungando que havia sido traída pela curtição antecipada. - Tem bastante para você, maninha, pode ficar tranquila. - Se ela sentisse... você ia ver só uma coisa! Ela é um agente da Scotland Yard para identificar maconha. - Então deveria ser mais discreta. Alex bufou e eles entraram na casa. Estava, primeiramente, escura e nebulosa. Carter acendeu a luz, revelando uma aparência clássica. Uma grande lareira e um extenso tapete chamavam a atenção para a sala de estar. Os sofás vitorianos haviam sido afastados para que a bateria de Carter pudesse ser instalada no centro do ambiente, assim como o amplificador de Oliver um pouco à frente. Samantha percebeu que a decoração toda seguia o mesmo estilo antigo, NACIONAIS-ACHERON
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com quadros emoldurados e vasos pintados enfeitando mesas de canto, mas a estrutura da casa havia sido modificada. A cozinha parecia mais nova do que o resto, aberta para a grande sala de estar. Escadas separavam os dois ambientes, fazendo a garota concluir que era uma construção maior em altura do que em largura. E muito fria, notou, abraçando os próprios braços. Os dois garotos começaram a instalar o amplificador de Alex e o microfone de Samantha, e as duas se sentaram no sofá empoeirado que havia sido afastado. Alex olhou sorrindo para Samantha. - Ser garota tem suas vantagens. - Abriu os braços e os apoiou no encosto, observando os dois como uma cafetina poderosa. - Vamos passar à noite aqui? - perguntou Samantha, encarando as escadas de madeira que levavam para um segundo andar escuro. Sentiu calafrios ao imaginar-se circulando à noite pela casa. - Se você quiser, pode dormir no capim ali fora, é bem macio. - murmurou Carter, depois de plugar o baixo de Alex. - Estou brincando, Sam, não se preocupe, já queimei sálvia por todos os cômodos. - Sério? - perguntou a garota, esboçando um sorriso agradecido. - É claro que não, mas queimamos outra erva e tenho certeza que essa vai deixar os fantasminhas muito mais contentes. - Não faça piadas com isso, Carter. - disse Alex, olhando em volta e encolhendo os braços. - Não matem nosso clima com essa história de assombração. É sério, não temos tempo para isso. - disse ele, sentando em uma poltrona do outro lado do ambiente. NACIONAIS-ACHERON
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- Oliver, ele te contou as boas novas? Shows garantidos toda a semana e tal? Quase nada, né? - falou Alex com os olhos brilhando de empolgação. - Contou, vocês são muito pró ativos, de verdade, caras. Estou sentindo que isso vai dar muito certo. Samantha sorriu convencida. Por algum motivo impressionar Oliver passou a ser um pouco importante. Ele era gato e sabia tocar um instrumento valioso dentro da banda, portanto, quanto mais sentisse que eles estavam a fim, melhor seria. - Podemos começar, certo? - perguntou Carter depois de alguns minutos de silêncio nos quais Alex e Samantha se acostumavam com o local e faziam perguntas frívolas. - Certo. O que vamos tocar? - questionou Samantha. Todos se encararam por alguns segundos e então Oliver se levantou, indo até a sua mochila jogada em um canto da sala embaixo de uma das janelas e tirando de dentro dela um caderno de composições. O abriu e parou no meio dos instrumentos montados, olhando para os três. - Bom, tomei a liberdade de pensar em algumas opções para tocarmos, considerando os estilos de todos e a voz de Samantha, que tem um bom alcance e ainda assim é rasgada. Samantha observava Oliver falar como um completo experiente e um sentimento adolescente e bobo começou a crescer dentro de si. Ele era bom naquilo. Em ter uma banda. Uma fangirl descabelada iniciou um ritual histérico dentro de sua mente enquanto ele entoava possibilidades de músicas que poderiam fazer covers. Oliver estava chapado e ainda assim soava como um erudito do rock n' roll. Ela então começou a sentir-se um pouco entorpecida, mas forçou-se a se concentrar. Era a vocalista, precisava se NACIONAIS-ACHERON
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concentrar. - O que acham? - perguntou ele com um sorriso tímido depois de ler toda a lista. Samantha não havia prestado atenção em nenhuma das músicas. - AC/DC com certeza. Quer dizer, é muito nós. Tipo, muito. Carter e Oliver concordaram em silêncio e olharam para Samantha. Ela olhou para os três e concordou apressada. Sim, sim, AC/DC. É, sim, claro. - Acho que a voz da Samantha está no meio do caminho entre Taylor Momsen e Hayley Williams. - disse Carter. - Podemos arriscar ambas. São boas bandas femininas atuais. Podemos fazer covers de músicas atuais e antigas para mostrarmos que podemos fazer tudo, sabe? Somos flexíveis dentro do nosso segmento. Eles haviam começado. Era para valer, estavam todos discutindo de forma séria e Samantha só conseguia pensar em beijar o pescoço de Oliver. Sua idiota, concentre-se. - É, eu acho que podemos arriscar Joan Jett, também. É bem previsível, mas esses caras de competição gostam do óbvio. Eles querem ter uma imagem concreta da banda na frente deles. Querem nos compreender de cara. - Samantha finalmente conseguiu falar algo que prestasse. Todos concordaram, impressionados com sua repentina experiência em batalhas de banda. - Eu pensei sobre isso ontem. Faz sentido, não é? - Claro que faz. – Oliver concordou. - Bom, não sabemos quantas músicas temos que tocar, portanto podemos ensaiar algumas para garantir. Deixá-las prontas. Sabem alguma do AC/DC sem precisar olhar as notas? Ou a letra, no seu caso. - completou ele, olhando para Samantha. Os três se olharam com um sorriso, compartilhando uma parceria existente desde muito tempo. Fala sério! Se havia alguma banda que eles soubessem décor, essa banda era NACIONAIS-ACHERON
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AC/DC. - Nós sabemos algumas. - respondeu Alex, ainda mantendo o sorriso. Vamos começar com "You Shook Me All Night Long", tem uma áurea de esperança emocionante nessa, vai dar sorte sendo o nosso primeiro cover. Veremos se a pequena Sam ainda dá conta do recado. - Você só pode estar brincando... - respondeu Samantha, estreitando os olhos. Alex sorriu desafiadora e os três se levantaram. Carter sentou no banco em frente ao seu instrumento e Alex e Oliver vestiram as alças do baixo e da guitarra. Samantha parou em frente ao seu pedestal, o microfone já conectado anteriormente pelos meninos no amplificador extra de Carter. Oliver perguntou se todos estavam prontos e começou a tocar. Os primeiros acordes oficiais dos Velvets fizeram o corpo tenso de Samantha se arrepiar. Uma empolgação crescente começou a tomar conta da garota, a fazendo se esforçar para conter um enorme sorriso. Era difícil de acreditar, mas estava ali, parada em frente ao microfone, com sua banda em volta tocando AC/DC. Carter entrou, batendo forte com seu pé direito no pedal do bumbo enquanto administrava a caixa e o chimbal. O garoto estava muito concentrado, apesar do sorriso de canto nos lábios. Alex só entraria com o baixo no refrão, portanto começou a dançar de forma engraçada, fazendo Oliver e Samantha rirem. Estava chegando a hora de Samantha começar a cantar e por um momento esqueceu a letra. Breves milésimos de completa imersão em um vazio escuro e desesperador. Mas, um segundo antes, tudo voltou ao normal e ela soltou a voz. Já nos primeiros versos Oliver e Alex trocaram um olhar chocado, despercebido pela garota que já estava na segunda dimensão da concentração. Sua voz era melhor do que ela esperava, emergindo alta e forte do amplificador. Não havia falhas, nem mesmo desníveis nos tons. Era muito NACIONAIS-ACHERON
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difícil cantar aquele tipo de música e manter o equilíbrio, mas ela estava conseguindo. Os anos que passou ouvindo vocalistas como Dio e Ian Gillan fizeram-na adquirir um vibrato controlado no final de certas palavras, deixando as frases cantadas mais poderosas. Ela sabia quando usar sem exagerar e suas escolhas deixaram os amigos boquiabertos. Quem iria dizer que Samantha, uma garota comum sem experiência no verdadeiro mundo do rock n' roll, conseguia liderar a banda de forma tão profissional? A música chegou ao seu final e todos se encararam ofegantes. Os quatro adolescentes tinham algo em comum. Algo que, naquele momento, os fez ter certeza de que estavam exatamente onde deveriam estar. O sorriso estampado no rosto deles transmitia o que estavam sentindo. Conseguiam, finalmente, enxergar uma possibilidade de arrasar. Todos, sem exceção, tinham um talento que fluía naturalmente. Oliver conseguia ocupar seu importante papel de modo impecável, ele era realmente bom, não era qualquer garoto que toca guitarra porque acha que um dia vai ser alguém. Ele colocava sua alma em cada corda e fazia a intensidade transparecer através dos riffs. Ele sabia o que estava fazendo. Em apenas um cover eles perceberam que podiam ganhar aquilo. Não era superestima, era simplesmente... confiança. - Tudo bem, desde quando você controla a voz assim? Não esperava algo nem perto do que você fez agora. Cara, sério, você manda muito. - Alex olhava para a amiga com olhos translúcidos de emoção. - Meu Deus, a gente é muito foda. - Calma, Alex, precisamos ensaiar muito para conseguir atingir o mesmo ritmo. Ficamos atrasados ou adiantados várias vezes. Isso não pode acontecer de jeito nenhum. - Carter estava em pé atrás da bateria com as baquetas apertadas nas mãos. - Quer dizer, sim, a gente tem muita chance, quase NACIONAIS-ACHERON
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nenhuma banda amadora consegue o que a gente acabou de fazer, mas precisamos ficar perfeitos. - Não exagere, foram só umas três vezes. Resolvemos isso em mais uma música. - Pessoal. Os três olharam para Oliver, que coçava a têmpora despreocupadamente. Ainda mantinha o mesmo sorriso de quando finalizaram a música. - A gente pode ganhar isso. Eu estou falando sério. Samantha, você... - Ele fez uma pausa, olhando para a garota que o observava com as mãos na cintura. - Sua voz é incrível. De verdade, não tenho nada a acrescentar. Continue fazendo isso e podemos chegar a algum lugar. Alex, você consegue fazer exatamente o que uma baixista precisa, dá para perceber que você faz parte do ritmo. Você pertence ao baixo. Carter, cara, você conduziu a música muito bem. Vocês dois possuem uma sintonia necessária para isso dar certo. Com muito ensaio podemos, de fato, conquistar os juízes. - Obrigada, Oliver. - disse Alex, os outros dois a acompanhando. - Você também não é de se jogar fora. - completou ela, fazendo todos rirem. - Vamos tocar mais uma vez e ver se corrigimos os errinhos eventuais que apareceram. Todos concordaram e eles repetiram "You Shook Me All Night Long" até Carter, portador do famoso transtorno obsessivo compulsivo, se dar por satisfeito. Foram necessárias cinco vezes no total. Jogaram-se, então, cansados nos sofás empoeirados, Alex e Carter em poltronas em lados opostos da sala e Samantha e Oliver no grande sofá que ficava de frente para os instrumentos montados. - Sabem o que eu pensei enquanto tocávamos? - começou Samantha e todos a olharam, ainda tentando controlar a respiração ofegante por tantos NACIONAIS-ACHERON
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minutos de esforço sem pausa. O dia lá fora já estava escuro e provavelmente mais frio do que durante as primeiras horas da tarde, mas agora estavam todos suando e desejando o vento gelado que balançava as árvores do jardim mal podado. - Bom, precisamos falar sobre nossos principais rivais em algum momento. Os Walkers. Alex olhou para Carter e Samantha percebeu que compartilhavam algum pensamento. Oliver apenas a encarou sem nenhuma expressão que fosse possível ser desvendada. - O que tem eles? - perguntou Carter, voltando a olhá-la, agora curioso. - Pelo que percebi, eles representam um estereótipo de simetria no comportamento bem visível. Fazem covers de uma banda que, no seu auge, era considerada o sonho das mães para as filhas. Garotos bonitinhos dentro de ternos e com penteados bem cortados. Bem, até certa época, quer dizer. Depois começou toda aquela loucura dos anos 70, mas eles nunca deixaram de ser... perfeitos. Então, querendo ou não, os Walkers são a cara da West Newton. Porque todos nós sabemos que, por trás daqueles ternos e letras fofas, os Beatles eram como qualquer outra banda jovem de rock. Os mesmos problemas e as mesmas vulnerabilidades. Pensem comigo, acham que as mães vão preferir que suas filhas escutem Beatles ou Black Sabbath? A diferença entre as bandas é que o Black Sabbath dá a cara a tapa e é mais direto. Mas são todos iguais. E por isso amamos todas as bandas de rock, porque sabemos que eles são iguais. Os três a acompanhavam fascinados pela coerência daquele discurso. Samantha tinha razão. The Beatles era simetria, Black Sabbath era caos. Ela deu alguns segundos para eles processarem seu argumento e continuou: - Eu sugiro o seguinte... vamos assumir o caos. Vesti-lo com orgulho. Os Walkers não são os alunos perfeitos que todas as mães querem como genros? Vamos NACIONAIS-ACHERON
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ser o oposto. E, na verdade, estaremos sendo nós mesmos, ou seja, qualquer adolescente que tem algo a dizer. Podemos ganhar uma visibilidade absurda assumindo esse oposto. Ou podemos ser odiados também, o que não é de todo ruim. Olhem para mim. A última frase da garota fez os amigos soltarem o ar desconfortavelmente, se mexendo nos seus lugares como se estivessem sendo cutucados. - Você está sugerindo esfregar na cara do David que não é hipócrita e que não se importa em ser chamada de vagabunda porque o escândalo nada mais é do que a realidade de qualquer adolescente com hormônios. - Samantha olhou assustada para Carter, assim como Alex. Ele olhou para Oliver e revirou os olhos. - Precisamos ser diretos agora, sinceramente. Não podemos mais falar através de códigos, somos uma banda, somos um só. Se vamos vestir uma ideologia, vamos deixá-la bem clara. Você está tipo "já que me chamam de vagabunda, eu vou ser uma?". Tipo a Emma Stone em Easy A. - Se quiser colocar dessa forma... é óbvio que eu não gosto de ser chamada de vagabunda, mas se fazer o que eu fiz é considerado putaria, então que seja. Eu não estava fazendo nada de errado e não pedi para o escândalo acontecer. E já que todos parecem se importar tanto com essa droga, vamos abraçá-la de vez. É isso que eles querem ver, afinal de contas. - É genial. Os três viraram os rostos para Oliver, que encarava Samantha com um olhar visionário. - Quer dizer, a ideia de ser o oposto dos Walkers. Obviamente, o escândalo vai ajudar a afirmar essa posição, mas que seja. - Então precisamos de músicas tão desafiadoras quanto nossa nova ideologia. Precisamos da Samantha tendo um orgasmo no microfone. NACIONAIS-ACHERON
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- Alex! - exclamou Samantha, sentindo o rosto corar. - Que foi? Vocês falaram para sermos diretos. - Ela está certa, Sam. - continuou Carter. - De uma forma ou de outra, precisamos disso mesmo. Não estou falando para você cantar nua, mas podemos fazer algo mais sensual, entende? Que dê a entender o que queremos. Nós queremos ser honestos, verdadeiros adolescentes descarados. E foda-se o diretor, é a Batalha das Bandas, se ele ameaçar nos expulsar nem vai conseguir. Esse tipo de competição deve ter alguma licença poética. - Por mim tudo bem. Sensualidade é meu nome do meio mesmo. murmurou Alex e os três a olharam sérios. – Tudo bem, preciso praticar um pouco. - Vocês meio que vão ser as responsáveis por isso. Tratem de ensaiar essa sensualidade, o que vi até agora foram duas árvores com braços e pernas. falou Carter e as duas o olharam espremendo os olhos. - Estou mentindo, Oliver? As duas olharam para o garoto, que passou as mãos nos cabelos com certo desconforto. Pigarreou antes de falar. - Eu... olha, vocês são garotas muito atraentes. Só precisam mexer os quadris e essas coisas. Interagir comigo, quem sabe? - A última frase foi acompanhada de um sorriso malicioso. Alex jogou uma almofada empoeirada na cara dele, fazendo uma nuvem de pó afogá-lo. - Não é uma má ideia, na verdade. - disse Samantha, depois percebendo que realmente havia dito aquilo em voz alta. Oliver olhou para o lado esquerdo, onde Samantha estava, com um sorriso. - Ok, estamos atingindo áreas interessantes nessa conversa. Vou pegar algumas cervejas e depois continuamos, mas com uma nova música. Alex, NACIONAIS-ACHERON
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quer me ajudar? A garota concordou e os dois levantaram, se afastando até a cozinha. Samantha sabia que eles estavam fazendo complô para deixá-la sozinha com Oliver. Na verdade, os amou por isso. Não totalmente, pois a cozinha era aberta, mas meio sozinhos já fazia seu sangue esquentar. Olhou devagar para o lado, percebendo que Oliver já estava encarando seu rosto. Os cabelos dele estavam um pouco grudados perto das têmporas por causa do suor e aquilo o deixava mais sexy ainda. Era uma aparência meio pós amasso, os primeiros botões da camisa abertos mostrando a pele do peito. Ele sorriu, um sorriso enviesado, e tirou do bolso da camisa um cigarro de maconha e um isqueiro. Ofereceu para ela com um movimento displicente e ela negou com a cabeça, se desencostando do sofá e apoiando os cotovelos nos joelhos. Mexeu nos cabelos volumosos tentando disfarçar o vermelhão que estava se iniciando no pescoço e rosto. Oliver era realmente muito atraente. Ele ascendeu o baseado e colocou na boca, tragando sem pressa. Depois, esticou os braços e os apoiou no encosto enquanto soltava a fumaça de olhos fechados. Samantha voltou a observá-lo e ele percebeu, colocando seus olhos sobre ela. Se precisaria ser sensual no palco, poderia começar naquele momento. Apontou seu queixo na direção do cigarro e o garoto a entregou. Ela aproximou da boca e encostou os lábios lentamente, abrindo um sorriso curto ao perceber que ele encarava sério o movimento. Encostou-se novamente no sofá, porém com o corpo de lado, virada para ele. Apoiou o braço direito, que segurava o cigarro, no encosto também. Tragou e, então, soltou a fumaça para baixo. Oliver sentou na mesma posição, aproximando então seu rosto do dela. Tinha de novo o sorriso esperto no rosto e, mantendo ele, tirou o cigarro NACIONAIS-ACHERON
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delicadamente das mãos dela. Colocou na boca com uma demora proposital e puxou a fumaça, atraindo toda a atenção da garota, que aguardava curiosa seus próximos movimentos. Aproximou-se mais ainda de Samantha, segurando a nuca da garota por baixo dos cabelos. O toque de sua mão na pele dela a fez estremecer. Com a boca quase encostando na dela, soprou a fumaça. A garota sentiu os lábios dele roçarem de leve nos seus e um arrepio que se iniciou em suas partes íntimas percorreu todo o seu tronco e foi parar embaixo dos dedos dele, na sua nuca. Tentou manter a calma e não se precipitar, Alex e Carter ainda estavam ali e seria um pouco constrangedor começar a beijar Oliver na frente dos amigos. Ele soltou o pescoço dela e se afastou com um sorriso enviesado estampado no rosto. Ela endireitou-se no sofá, cruzando as pernas para tentar ser o mais casual possível quando os dois voltassem. - É esse o espírito que devemos mostrar no palco - disse Oliver de repente, a olhando de forma irônica. Ela sorriu de canto. Alex e Carter voltaram, entregando uma garrafa para cada um e já bebendo as suas. - Tudo bem, considerando nossa mais nova ideologia, nos ocorreu uma música do último álbum do The Pretty Reckless que podemos acrescentar ao setlist. - Carter começou a falar e Samantha e Oliver voltaram sua atenção para o garoto. - Já ouviram "Heaven Knows"? A letra é mais ou menos tudo o que a gente discutiu. E a música ficaria incrível na voz de Samantha, é claro. - Não, preciso olhar a cifra - respondeu Oliver. - Eu já, sei a letra - disse Samantha, que considerava a banda uma das melhores lideradas por uma garota da atualidade. Enquanto Oliver lia a cifra em seu notebook, os três ficaram pensando em músicas que os representassem. Começaram a surgir muitos nomes, tanto de NACIONAIS-ACHERON
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bandas antigas como de bandas mais novas. A lista ficou grande e eles tiveram que começar a descartar, entrando em muitas discussões. Ensaiaram diversas opções durante o final de semana, repetindo as que mais funcionavam entre eles. De fato, a repetição os fez melhorar com o passar das horas, mas sabiam que precisariam trabalhar bem mais para conseguir superar os malditos Walkers. Não bastava apenas duas garotas sensuais e dois garotos de jaqueta de couro para ganhar a Batalha das Bandas, eles precisavam fazer música boa. E era isso que iriam fazer.
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CAPÍTULO 24 As três pintas no pescoço de Samantha a estavam deixando irritada o bastante para perceber que nunca as tinha odiado tanto. Elas haviam aparecido quando a garota tinha por volta dos seis anos, simetricamente distribuídas, formando um pequeno triângulo. Nos últimos tempos, a maioria dos acontecimentos eram favoráveis para que ela repugnasse a simetria em todos os seus sentidos. Encarou o pedaço comprido de veludo preto, recortado de um vestido velho que comprara em um brechó qualquer em uma rua qualquer, havia mais ou menos três meses. Segurou-o pelas pontas e posicionou-o em volta do pescoço, de modo que o tecido escondesse as três marcas simétricas. Deu um nó bem forte atrás da nuca, como se a força que aplicasse naquela ação demarcasse a intensidade que seria a nova fase de sua vida. Ela estava de volta, e agora seria diferente. Ninguém a olharia da forma como a olharam há dois anos, julgando-a por seus atos absurdamente expostos pela pessoa que, agora, mais odiava no mundo. Samantha iria mostrar quem era e provar um gole daquela bebida que ficava melhor com o passar do tempo. Ela podia sentir o gosto nos lábios. O gosto da vingança. Percebeu que mordia com exagerada força a parte interior de seu lábio. Sentiu o gosto metálico do sangue e, ao invés de fazer uma careta de dor, sorriu. Seus dentes manchados com o sangue do corte a assustaram, fazendoa acordar daquela cerimônia dramática. A campainha tocou, e ela ouviu sua mãe gritando o nome de seus aliados. Ou melhor, seus amigos. Samantha conseguia ser teatral quando queria. NACIONAIS-ACHERON
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Abaixou a cabeça e abriu a torneira, fazendo um gargarejo e torcendo para o sangue parar. Voltou a encarar o espelho e sorriu, aliviando-se ao ver o branco dos dentes sem vestígios vermelhos. Aquilo estava subindo um pouco à sua cabeça. Apagou a luz do banheiro e passou pelo quarto, pegando sua bolsa. Olhouse pela última vez no espelho de corpo inteiro e percebeu um brilho maligno nos olhos que costumavam ser elogiados por serem doces e sinceros. Deu as costas para sua imagem e foi ao encontro de Alex e Carter. ✖✖✖ - Eu me sinto... completa. E livre. Dá para entender? Os três amigos caminhavam por uma das geladas ruas da área da cidade onde a West Newton se localizava e assim, consequentemente, suas casas, espalhadas em diferentes ruas não tão distantes uma da outra. Assim como eles, podia-se ver um considerável número de pessoas, principalmente adolescentes, se deslocando à pé para suas respectivas escolas. Enquanto Alex caminhava, agora de braços abertos ao proferir pela milésima vez como estava se sentindo, Carter ainda encarava o rosto de Samantha, intercalando de vez em quando com o da outra garota. As duas, durante o apogeu dos planejamentos de como seria o marketing dos Velvets durante aquelas semanas anteriores à primeira apresentação da Batalha das Bandas, decidiram que iriam começar a se maquiar para frequentarem a escola. Ambas nunca usavam quase nada, a não ser o rímel ou corretivo, itens básicos. Agora, além do básico, a boca de Alex estampava um vermelho vivo em completa sintonia com seus cabelos platinados e sua pele branca. Samantha NACIONAIS-ACHERON
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optara por um vermelho escuro, e as duas haviam aplicado considerável esforço no risco do delineador. A gargantilha de veludo que Samantha improvisara representava, para ela, essa nova fase da vida. Não tiraria mais ela do pescoço, seria sua marca, as pessoas iriam reconhecê-la por aquele símbolo provocante. Gargantilhas chamavam a atenção para o pescoço e todo mundo sabe que pescoço é um ponto erótico. Se era para fazer aquilo, ela iria fazer direito. Tirou os óculos escuros redondos da bolsa e os colocou, fazendo Carter espremer os olhos. - Vocês estão realmente levando isso a sério. Estou impressionado, nem parecem os dois corpos inanimados que andavam comigo. Pegaria as duas em um mundo paralelo, parabéns, viu? Alex e Samantha se olharam com as sobrancelhas arqueadas. De fato, estavam bem diferentes. Ou melhor, estavam bem mais atraentes. - Não é o Oliver ali? - perguntou Alex, alguns minutos de silêncio depois. Eles haviam dobrado uma esquina e começado a caminhar na calçada de uma nova rua, onde Oliver caminhava despreocupadamente mais a frente. O garoto segurava em uma das mãos uma lata de energético e na outra um cigarro. Samantha olhou para Alex com um sorriso malicioso e a outra apenas concordou com a cabeça, deixando Carter novamente meio confuso. Meninas. Samantha apressou o passo e, quando estava mais perto de Oliver, correu o suficiente para conseguir pular em suas costas. O garoto foi com o corpo para frente com o encontrão, derramando metade da bebida. - Mas que... - começou ele, olhando para o lado e dando de cara com o rosto de Samantha ao lado do dele, sorrindo divertida. - Nossa, você está diferente. Ela fechou as pernas em volta da cintura dele e ele segurou-as, colocando o NACIONAIS-ACHERON
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cigarro na boca antes. Aquela repentina intimidade era estranha, mas, de certa forma, parecia certa. Era confortável. A mochila de Oliver separava o corpo da garota do tronco dele, fazendo-a agarrá-lo com mais força pelo pescoço. - Decidimos levar essa coisa sensual a sério, eu e a Alex. A amiga concordou, agora ela e Carter haviam alcançado os dois, parando um de cada lado dele. - Ei, Oliver, tem uma dessas pra mim? - perguntou Alex, se referindo ao energético. Ele concordou, murmurando sons desconexos por causa do cigarro na boca. Samantha entendeu "mochila" e o ajudou, abrindo a mochila do garoto e encontrando ali um estoque com mais três latas. Abriu uma e tomou um gole, entregando para Alex. Logo todos estavam devorando as latas como se aquilo fosse um néctar divino. Em poucos minutos suas energias haviam sido estimuladas e Alex já estava nas costas de Carter também, induzindo uma corrida a ser iniciada. Apostavam pontos nas ruas em que passavam e corriam, os dois garotos tentando equilibrar Alex e Samantha. Em um momento, Carter chegou a perder o equilíbrio e quase derrubou a amiga, fazendo todos pararem para rir e recuperar o fôlego. O primeiro ensaio daquele final de semana já havia sido o suficiente para evidenciar a conexão existente entre os quatro, mas, agora, enquanto corriam pelas ruas gargalhando e ofegando pelo cansaço e esforço ao soltar as risadas, percebiam que realmente formavam um verdadeiro grupo unido pela mesma paixão. Era possível ver o rock n' roll exalar daqueles jovens esperançosos tanto quanto era possível perceber a expectativa em cada risada sonora. Estavam, de certa forma, experimentando aquilo pela primeira vez. Eram, finalmente, uma banda genuína, e nada nem ninguém tiraria aquilo deles. NACIONAIS-ACHERON
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Os Velvets estavam de volta. Acabaram notando que, depois de quase meia hora apostando corridas desenfreadas, se atrasaram para a primeira aula. Agora precisavam correr para valer. A porta do prédio principal foi empurrada com os corpos inteiros de Alex e Carter, que se jogaram como bêbados nas grandes superfícies planas com janelas de vidro. Aquela atitude eufórica, na verdade, era resultado das energias renovadas e não de álcool, fazendo com que os quatro percorressem o restante do caminho até a West Newton como se estivessem fugindo da polícia. Oliver jogou o final de seu cigarro na primeira lata de lixo que encontrou, assim como Alex, que o havia acompanhado. Samantha tinha a leve impressão de que a mistura de energético com cigarro não era a melhor combinação do mundo, mas quem se importava? Os Velvets estavam de volta, cara! Estavam de volta e precisavam se inscrever na Batalha Intercolegial das Bandas naquele exato momento, independente da aula que estivessem perdendo. Graças ao berro beirando à histeria de Alex, ninguém iria lembrar desse pequeno detalhe. Era o último dia de inscrição e nenhum deles conseguiria assistir suas respectivas aulas sabendo que ainda não estavam inscritos no evento que definiria seus futuros. Antes de começarem a deslizar pelos corredores em direção a secretaria, Carter notou um cavalete de informações que chamava a atenção, um pouco depois da entrada, e fez todos pararem por um segundo.
"Todos os veteranos devem se encaminhar para o auditório no primeiro NACIONAIS-ACHERON
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período da manhã, onde ocorrerá a primeira reunião do comitê estudantil."
Os quatro se olharam assustados, percebendo que o mesmo terror passava pelas suas mentes pulsantes de agitação. Naquele momento, todo os formandos deveriam estar discutindo os principais eventos e mudanças a serem feitas pelo comitê, e nisso incluía-se com certeza a Batalha das Bandas. Recomeçaram sua maratona escorregadia, agora em direção ao auditório da escola, que deveria estar parcialmente lotado. A ideia causou a mesma reação nos quatro, sendo assimilada segundos antes de empurrarem a porta do grande salão cheio de fileiras com cadeiras e um palco. Começaram a rir como condenados, talvez ainda fosse o efeito estimulante do energético, ou talvez fosse apenas a típica manifestação de hormônios, ninguém saberia dizer, mas invadiram a reunião deixando escapar risadas que se propagaram pelo grande ambiente silencioso. Todos os veteranos, e isso incluía por volta de cem pessoas, escutavam o que o comitê estava falando. Mais especificamente, o que David falava, e o mesmo acabara de ser interrompido por quatro risadas estridentes. Todo o salão encarou a entrada e os Velvets os encararam de volta, ainda controlando os sorrisos. David Young, Vicky Brown e todo o comitê estava localizado em cima do palco, mas para Samantha pareceu uma reunião mais descontraída, pois nenhum professor ou supervisor encontrava-se no auditório. Alguns estavam sentados no palco com os pés para fora, outros estavam em pé, outros em cadeiras colocadas lá em cima. A garota agradeceu mentalmente a si mesma por ainda estar de óculos escuros e poder analisar com tranquilidade cada integrante em cima da superfície elevada. NACIONAIS-ACHERON
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David estava sentado mais para a frente na ponta do palco, com uma perna para baixo e a outra para cima, e nessa ele apoiava um braço que segurava uma folha. A outra mão segurava um microfone, que se manteve firme enquanto ele encarava os quatro. Ao seu lado encontrava-se Penelope Woods, que estava sentada com as duas pernas para baixo e as mãos apoiadas atrás do corpo, olhando com uma expressão vaga para eles, como se estivesse observando, embasbacada, vikings invadindo um mosteiro. Vicky Brown estava sentada elegantemente em uma das cadeiras, ela era a presidente e aparentemente estava tentando demonstrar alguma falsa compostura. O restante do comitê estava espalhado, variando as posições, não mais de seis pessoas. Samantha então percebeu que, do outro lado de David, localizava-se sua banda e, pela primeira vez, notou cada um deles. Bem ao lado de David estava um garoto de cabelos castanho claros e um cavanhaque por fazer, seu rosto apresentando algumas sardas acompanhadas de olhos verde-escuros. Ele era perceptivelmente mais baixo que David, porém mais forte, pelo menos nos braços, que eram visíveis através da camisa do uniforme. O garoto era muito atraente, comparado ao resto mortal de adolescentes. Ao lado dele, Samantha notou com uma risada interior, estava um garoto comprido e ruivo deitado displicentemente com as mãos na barriga e os joelhos dobrados. Ele encarava os quatro de forma sonolenta, com se ainda estivesse em sua cama e acabara de ser acordado por um bando de desconhecidos. O que chamou a atenção dela foi seu nariz tão comprido quanto seu corpo, sua pele quase transparente e seus olhos verde claros. Por alguma razão ela teve a sensação de que ele deveria ser uma pessoa agradável de se conviver. Por último, sentado de pernas cruzadas, estava um garoto de pele morena e cabelos escuros e compridos que caíam na altura de seus ombros. Ele tinha olhos escuros espantosamente sedutores e Samantha nem NACIONAIS-ACHERON
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precisou de alguém para lhe dizer que ele deveria soltar cantadas baratas para qualquer coisa que se movimentasse. Seu jeito displicente era evidenciado pela camisa do uniforme com os primeiros botões abertos e a gravata folgada no pescoço. Terminando sua análise que, em tempo real, durou poucos segundos, percebeu que eles formavam um grupo odiosamente atraente. Todos chamavam a atenção por algum motivo em particular, fossem os cabelos ruivos ou o olhar arrasador. Eles tinham tudo para serem famosos, só faltava a oportunidade, que, na verdade, era exatamente a mesma dos Velvets. Uma sensação desesperadora de competição invadiu seu peito e ela refez o sorriso no rosto, agora acrescentando um toque de malícia. Era hora de começar a agir. Olhou por cima dos óculos para Alex, Carter e Oliver, que imediata e surpreendentemente conseguiram interpretar o que ela faria a seguir. The Velvets existia há poucos dias mas já bastava apenas um olhar para que as coisas fossem compreendidas entre eles. Começou a se movimentar despreocupada pelo corredor que acabaria no palco, sob o olhar da multidão de veteranos que já iniciara pequenos burburinhos concentrados em diferentes regiões da plateia. Manteve-se firme, repetindo o mantra de que agora era uma nova Samantha. Agora, ela era Sam, a vocalista dos Velvets, banda que desafiaria os queridinhos da West Newton. Arrumou a postura e estufou o peito, fazendo questão de manter o sorriso provocante nos lábios. Lembrou-se então do conselho de Oliver durante o ensaio: movimentos sensuais. Sabia que todos tinham os olhos sobre ela e aquilo não tornava as coisas mais fáceis, então resolveu o problema do seu jeito – “Cherry Pie”, do Warrant, começou a ecoar pela sua mente e sentiu sua coragem ser alimentada. Nada como um bom clichê para fazer você entrar no clima. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha Hollow dos Velvets estava finalmente entrando em ação. Evidenciou os movimentos do seu corpo suavemente, fazendo a saia do uniforme balançar e, quando alcançou uma distância considerável do palco, notou o olhar de David sobre si. Levantou de leve uma das sobrancelhas enquanto ainda mantinha o sorriso de canto.
Look so good bring a tear to your eye, sweet cherry pie...
Atingindo a parte frontal do auditório, parou na frente de David e abaixou os óculos escuros em uma velocidade lenta e dramática. Se estivesse assistindo a cena sentada no sofá de casa, com certeza estaria rindo. Ela sabia que, se fosse na semana anterior, não conseguiria agir daquela forma. Rasgou sua insegurança em milhões de pedacinhos e fechou os óculos escuros, pendurando-os no colarinho da camisa abotoada. - A que devo a honra de tão ilustre presença? - perguntou David com os olhos semicerrados e um sorriso desafiando-a na mesma intensidade. Ela podia jurar que ele agora precisava lutar um pouco para alcançar o nível da provocação dela, devido aos pequenos sinais de insegurança, como a saliva sendo discretamente engolida. Controlou-se para não rir. O público respondeu à pergunta dele com uivos e risadinhas. Esperem só, ameaçou Samantha mentalmente. - Não só minha como da minha banda, se ainda não percebeu. - respondeu ela, depois de uma pausa de poucos segundos, ocupada pela manifestação dos outros alunos. Ao responder, esticou o braço num sarcástico floreio que arrancou algumas risadas dos mais próximos. Percebeu que foram risadas positivas e não de zombaria. Aquilo estimulou sua coragem. NACIONAIS-ACHERON
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Sua resposta causou reações diferentes no ambiente. A maior parte dos estudantes uivou, incentivando as farpas trocadas por David e Samantha, e alguns riram com descrença. Os mais baderneiros soltaram assovios do fundo da plateia. David recebeu aquela informação com dois segundos de atraso, interpretados por ela como choque. Então soltou sua já esperada gargalhada, que era irritantemente melodiosa, jogando sua cabeça para trás. Penelope Woods o acompanhou, mantendo a risada por mais tempo do que o necessário. Cada vez que a ruiva se manifestava mais Samantha achava que ela parecia estar fazendo algum teste de atuação. O garoto ao lado de David olhava de um para o outro com um sorriso espantado, não acreditando no que acabara de acontecer. O ruivo espremeu os olhos mais ainda, quase os fechando, como se aquele movimento ajudasse seus neurônios a trabalharem. O moreno de cabelos compridos soltou uma risada cruel, porém contida. - Você só pode estar de brincadeira. Fale logo o que quer, tenho uma imensa quantidade de tópicos para abordar, está atrasando a reunião. Ela cruzou os braços, demonstrando que não sairia dali tão cedo caso ele não a levasse a sério. Os burburinhos e comentários continuavam a todo o vapor atrás dela. - Está com medo da competição, Young? Porque é o que parece, negando o que acabei de dizer dessa forma infantil. Mais uivos e assovios. A discussão era como um disputado jogo de basquete, cada vez que um time marcava pontos o outro o alcançava rapidamente. A tensão era constantemente renovada em poucos segundos. - Não estou negando nada, só não tenho tempo para esse tipo de NACIONAIS-ACHERON
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palhaçada, Hollow. De fato, é impressionante você conseguir reunir os três panacas e voltar com a banda. Parabéns, esforço válido, só lamento dizer que é inútil. Acha que vai conseguir passar da eliminatória sem mim? Samantha abriu um sorriso maior do que esperava, seu rosto estampando o desprezo em relação ao que ele acabara de falar. A manifestação da plateia já havia se tornado música ambiente para seus ouvidos. O sorriso de David havia diminuído em uma porcentagem notável, agora demonstrando uma visível irritação. Era o estímulo que ela precisava. - Seus dias de reinado estão contados, David. Não duvide das minhas palavras, ou vai acabar tão embaixo como nunca esteve em toda a sua vida. respondeu ela, cada palavra sendo dita com mais firmeza do que a anterior, independente da reação desaprovadora da plateia. Samantha percebeu que a parcela que a desaprovava era em seu todo feminina. É claro. Os garotos em sua maioria assoviavam, mas ela não se importava se o escândalo e sua reputação injusta eram os principais motivos daqueles assovios. Ela não dava mais a mínima. O que importava agora era deixar David Young desconfortável em sua posição de representante social e representante dos imbecis. E, inegavelmente, estava conseguindo o que queria. Continuou, aproveitando-se do surto de coragem: - Ah, e antes que você continue relutando como uma criança chorona, acredito que a regulamentação da escola e da Batalha Intercolegial das Bandas não permite que os comitês interfiram nas inscrições. Você não pode fazer nada a não ser aceitar a nossa inscrição. Naquele momento, as reações mudaram drasticamente. Ela acabara de chamar David Young de criança chorona na frente de todos os veteranos e eles pareceram achar aquilo extraordinário. Ninguém fala assim com David Young por motivos óbvios, ele era o garoto mais popular da West Newton, e NACIONAIS-ACHERON
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se você era corajoso o bastante para colocar sua reputação em risco desafiando alguém tão relevante, aquilo era no mínimo instigante. Samantha deu as costas para o palco e começou a caminhar novamente pelo corredor, indo sentar onde os Velvets já estavam sentados, assistindo a cena com sorrisos maravilhados. O mais surpreendente de tudo foram as parciais palmas enquanto ela voltava para seu lugar. Sentou-se na cadeira da ponta de uma das últimas fileiras ocupadas, sem antes olhar triunfante para cada um de seus amigos. David, ou o que restara dele, bufou como um touro inconformado e desceu do palco, pegando uma prancheta e colocando um papel nela. Samantha observou todos os seus movimentos sentada confortavelmente em seu lugar. Ele caminhou até ela da forma mais carrancuda que conseguiu e, quando aproximou-se o suficiente, esticou a prancheta para a garota. Enquanto ela pegava, ele lançou um olhar fulminante para Oliver, que estava bem ao lado dela. Oliver continuou inexpressivo, como um típico adolescente metaleiro entediado. Samantha o amou como nunca naquele momento, controlando-se para não abraçá-lo pelo pescoço enquanto David se afastava. As conversas paralelas se propagaram até que David retomou seu discurso, antes interrompido pelos Velvets. Samantha começou a preencher a ficha de inscrição, ignorando grande parte da baboseira sobre festas e eventos da escola que ele continuava explicando e dando espaço para os veteranos darem suas opiniões. Na ficha, campos como o nome da banda e o nome completo dos integrantes da banda e seus respectivos e-mails deveriam ser preenchidos, assim como o estilo musical que tocavam e alguns nomes de artistas nos quais se inspiravam. Era solicitado também o número do documento de identidade de cada um, então Samantha teve que, silenciosamente, recolher NACIONAIS-ACHERON
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de cada um de seus amigos o grande conjunto de números. Ao finalizar todos os campos vazios, seu olhar voltou-se novamente para David. - O último tópico a ser discutido hoje é a tão aguardada Batalha Intercolegial de Bandas, que será sediada pela West Newton pela primeira vez. A partir de hoje, as inscrições estão oficialmente encerradas, e ficamos bem felizes com o número de bandas inscritas. - David levantou-se novamente do palco e começou a caminhar de um lado para o outro, na frente das fileiras de cadeiras, que abrigavam estudantes agora compenetrados nas palavras do garoto. - Foram oito bandas inscritas no total, considerando a última banda inscrita agora de manhã. Foi solicitado pela organização do concurso que revelássemos algumas mudanças ocorridas na edição desse ano apenas após o encerramento das inscrições, para que essas informações não influenciassem na decisão de participação dos alunos. "A Batalha das Bandas veio adquirindo grande notoriedade pela City Records desde quando eles entraram como patrocinadores e incentivadores. A novidade deste ano é que a City Corporation, corporação britânica voltada para o entretenimento e proprietária da City Records, decidiu comprar todos os direitos da Batalha Intercolegial de Bandas, originalmente organizada pela rádio Jam, e fazer com que a competição tome grandes proporções. O que quero dizer é que a Batalha será televisionada pelo famoso canal CMC, o City Music Channel, também propriedade da corporação." A última frase proferida por David causou um enorme alvoroço coletivo, obrigando o garoto a esperar todos se acalmarem. Carter, Alex, Samantha e Oliver estavam imóveis encarando o adversário, sendo necessários bons segundos de digestão para que se entreolhassem paralisados. David acabara de dizer que a Batalha das Bandas passaria em um dos canais mais famosos de música do Reino Unido, concorrência direta da MTV UK. Era meio NACIONAIS-ACHERON
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inacreditável. - Se todos ficarem quietos eu posso explicar melhor como tudo vai funcionar. - resmungou ele sem elevar a voz no microfone e o grupo se calou. - Eles pretendem televisionar a competição em um formato próximo a um reality show, mostrando os bastidores das bandas e pequenas entrevistas sobre o processo de ensaio anterior às fases. Na verdade, é uma ideia que tiveram para atrair um público mais jovem, considerando que esse tipo de programa está na moda hoje em dia. Porém, existe um único detalhe. A primeira fase de eliminação não entrará no programa, ou seja, não passará na televisão. Apenas as bandas que forem aprovadas na primeira fase aparecerão no programa. Faz sentido, eles não podem se arriscar e exibir algo que desconhecem. "Toda a escola poderá assistir a todas as fases da Batalha, incluindo a eliminatória, que ocorrerá na primeira sexta-feira do mês de outubro. Obviamente, na eliminação, apenas alunos da West Newton estarão na plateia. Nas outras fases, quando as bandas das outras escolas começarem a competir com as nossas, o público vai aumentar. Os ingressos serão vendidos para o público de fora, o que quer dizer que não serão apenas alunos na plateia. A cada nova fase, a tendência do público é aumentar, pois as bandas vão ficando mais conhecidas e ganhando fãs. Será um evento grande, com um palco externo montado no campo de futebol. Apenas três bandas serão aprovadas na fase eliminatória, portanto ensaiem bastante se querem fazer parte dessa incrível oportunidade. A divulgação organizada pela CMC começará amanhã, eles farão um estande no intervalo e entregarão panfletos e pendurarão banners pelos murais. Prêmios também serão sorteados para estimular os alunos a acompanharem a competição pela televisão. O comitê e a escola contam com vocês para fazerem parte do NACIONAIS-ACHERON
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público, escolham seus favoritos e torçam." David pigarreou, limpando a garganta seca de tanto falar, e então finalizou: - Encerramos aqui a reunião de hoje. Por favor, veteranos que inscreveram suas bandas: vocês receberão um e-mail com a data do encontro com os jurados, produtores e equipe de organização da Batalha, o pessoal da CMC e da City Records. Nesse encontro eles especificarão as regras para a primeira fase de eliminação. Todos então começaram a se levantar e sair aos bandos do salão. Alguns paravam na frente do palco e trocavam algumas palavras com David ou com algum membro do comitê. Samantha esperou o local esvaziar parcialmente e caminhou até o garoto, esticando o braço de forma displicente e entregando a prancheta. David, que estava agora de braços cruzados falando algo para seu colega de banda ruivo que ria sonolento, encarou a prancheta e então encarou o rosto da garota. Um leve sorriso desafiador surgiu em seus lábios. - Com medo, Sam? Não esperava por isso, não é? Ainda dá tempo de desistir. Samantha suspirou e esperou, com o braço esticado, ele pegar de volta a prancheta. - Apesar dos seus incontáveis esforços na manhã de hoje para nos tirar da competição, não, eu não vou desistir. Pode se acostumar com a volta dos Velvets, que estão com uma formação muito mais capacitada do que a anterior. Ele soltou um riso frouxo anasalado e pegou a prancheta, arrancando da mão dela bruscamente. - Aquele verme do Lynch? Você está muito engraçada hoje, Samantha. NACIONAIS-ACHERON
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Bela tentativa de me substituir. Vai ser interessante vê-los passar vergonha na frente de toda a escola. Ah, mas você já está acostumada com isso, não? Samantha só conseguiu manter seus olhos firmes no rosto zombeteiro de David. Era inacreditável. Depois de todo esse tempo ele era sempre o primeiro a trazer o escândalo à tona. - Eu estou acostumada a ser motivo de comentários, sim, pelos corredores dessa hipocrisia que você chama de escola. E tudo isso graças a você. Muito obrigada, David, por me tornar alguém relevante o suficiente para nunca ser esquecida. Apesar de não ter pedido para que aquilo tivesse acontecido, não tenho vergonha, de forma alguma. Na verdade, eu tenho vergonha de você e do que você fez. Samantha deu as costas ao garoto, que permaneceu paralisado por uns bons dez segundos até ela se afastar consideravelmente. Ela percebeu, antes de deixá-lo sozinho refletindo sobre o que acabara de dizer, que agora ele não sorria mais.
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CAPÍTULO 25 - Agora sim podemos ficar nervosos. Carter foi o primeiro a se manifestar depois que os quatro estavam já fora do auditório andando pelo corredor em direção ao gramado principal. - Não consigo decidir se isso é extremamente incrível ou uma tragédia. As palavras de Alex flutuaram pelo corredor parcialmente vazio. - Imagine, se passarmos pela primeira fase, vamos aparecer na televisão. Quer dizer, só isso já é um grande passo para sermos reconhecidos. Nem precisamos ganhar a Batalha. Mas também podemos passar vergonha em rede nacional, o que não é nada bom. - Vocês ouviram o demônio do David, são oito bandas. Precisamos ser melhores do que, no mínimo, quatro. - completou Carter, olhando de um para o outro. - Se nos dedicarmos conseguimos passar, galera. É tudo questão de esforço, de verdade. - falou Oliver. Os três olharam para Samantha, que estava em silêncio. - O que aquele idiota te falou? Ele falou alguma coisa, eu vi. - Alex olhava para o rosto da amiga com visível ansiedade e uma raiva crescente. - As mesmas merdas de sempre. Não me importo mais. Mas, na verdade, é claro que ela se importava. Acabara de passar por duas situações desafiadoras com David, uma delas exposta para mais de cem veteranos famintos por fofocas. Lembrou da cena e abriu um sorriso satisfeito. Se saíra bem, para falar a verdade. Na semana anterior, com NACIONAIS-ACHERON
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facilidade David a deixara com cara de idiota, mas agora era ele quem estava engolindo em seco, por mais disfarçadamente que fosse. De alguma forma, a volta dos Velvets a fortaleceu. E com a nova perspectiva de talvez ser realmente famosa, estava mais confiante ainda. Precisou conter seu sorriso de ansiedade, resultado da crescente onda de empolgação que começou a crescer dentro do seu peito. - Como está se sentindo? - A voz de Alex interrompeu a retomada mental de toda a situação que acabara de presenciar. Era tudo tão surreal que precisaria de umas boas horas refletindo o quão incrível havia sido a mudança em sua atitude. Algo dentro de Samantha havia acordado após a primeira música tocada com os Velvets naquele final de semana, alguma energia adormecida que não via a hora de entrar em ação. Ela sabia que estava ali, só aguardando o momento certo... sempre soube, lá no fundo. Só precisava de um estímulo forte o suficiente para trazer sua coragem enterrada desde o escândalo, e esse estímulo era o rock n'roll. Samantha estava, finalmente, pronta para enfrentar qualquer negatividade, principalmente vinda de David. - Ótima, para falar a verdade. - respondeu, percebendo que Oliver e Carter estavam agora um pouco afastados, andando na frente das duas e já alcançando a porta principal do prédio. Olhou no rosto da amiga com um sorriso contido de ansiedade. A verdade foi que na medida em que David a provocou dentro do auditório e duvidou de sua capacidade em liderar uma banda, ela ficou mais empolgada e ansiosa para esfregar em sua cara o quão bons eles eram. Porque ela sabia disso também. Além de ter certeza de que sua energia estava apenas adormecida, também tinha certeza de que eles iriam detonar no palco. Não era convencida nem nada do tipo, era apenas confiante e NACIONAIS-ACHERON
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esperançosa. Os quatro eram bons, só precisavam acertar a sincronia e ajustar a performance. Técnica todos tinham, sem dúvidas. Agora bastava polirem a si mesmos. Alex segurou a porta que acabara de ser aberta por Carter, e todos saíram para o gramado principal, já começando a ser preenchido pelos veteranos e estudantes de outras séries que estavam entrando no intervalo. - Devo confessar que ver você enfrentando David como um verdadeira lead singer foi o ápice da minha semana que mal começou. - falou Alex, jogando um de seus braços em volta do pescoço de Samantha. - Quero ver muito mais disso, Sam, você não faz ideia do poder que tem. Ninguém tirou os olhos de você enquanto colocava o idiota em seu devido lugar. - Seja pelo escândalo ou por eu estar agindo com dignidade, estou feliz por ser notada. – Samantha deu de ombros, sendo sincera. - É bom para os Velvets, porque quanto mais as pessoas comentarem sobre a gente, mais conhecidos ficamos. - Por mais deprimente que seja o seu passado, ele está de certa forma nos ajudando. Sua rivalidade com David caiu como uma luva! Vamos levar essa rivalidade para o palco. - Finalmente esse maldito acontecimento está sendo útil para alguma coisa! - Samantha começou a rir e Alex a acompanhou. Estava decidida a tratar aquilo de uma forma mais leve e usar a seu favor, mas de um modo justo e honesto, ao contrário de David. Esse era o único jeito de superar os traumas do passado. As duas acompanharam o caminho de Carter e Oliver e sentaram na frente dos dois no gramado, próximos de uma grande árvore, mas distantes o suficiente para ficarem expostos aos tímidos raios de sol que surgiam por entre as nuvens. NACIONAIS-ACHERON
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- Olha, Sam, preciso dizer que deveria ter feito um cartaz com o seu nome para levantar durante o duelo de provocações com o Young. – Oliver esticou os braços, espreguiçando-se, sentado na grama assim como os outros três. De verdade, você meio que arrasou com o cara. Arrasou e manteve o estilo, e é assim que a líder dos Velvets precisa ser. Arrase e mantenha o estilo no palco também. - Na última frase, Oliver piscou enquanto pegava um cigarro do maço que acabara de tirar da mochila. Colocou nos lábios e alcançou o isqueiro do bolso traseiro da calça, acendendo. Alex concordou com a cabeça e estendeu a mão, pedindo silenciosamente um para si. Oliver entregou um novo cigarro para a garota e lhe alcançou o isqueiro. - Estou emocionado por diversos motivos nessa manhã dramática. Um deles é pela performance lacradora de Samantha, e o outro é por vocês incorporarem a rebeldia dos Velvets e fumarem nas fuças da direção. Continuem assim, meus caros. - Carter comentou, sem tirar os olhos do celular. Digitava compulsivamente, seus dedos pareciam estar se movimentando com o dobro de velocidade. - Já vi David fumando nesse mesmo gramado... não é permitido? Samantha lembrou da manhã fatídica em que acompanhara a mãe na conversa com a direção. - Não, mas David Young tem alguns privilégios, assim como outros diversos sobrenomes na West Newton. Entenda, quanto mais as famílias ajudam a escola, doando quantias generosas, mais eles ficam isentos de certas punições. É assim que funciona o nosso mundinho maravilhoso, lembra? respondeu Carter, ainda digitando de forma vidrada. - Na verdade, quando eu fui embora, esse tipo de privilégio não era muito usado por nós. Quer dizer, a gente tinha quatorze anos. Quase ninguém fumava ainda, ou o que quer que façam de irregular por aqui. NACIONAIS-ACHERON
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- É, não é de graça que temos fama de drogados. - murmurou Alex depois de soltar a fumaça de forma contemplativa. - Vocês lembram? Quando descobriram que a gente fumava maconha foi um boicote maluco, as patricinhas nos olhavam com nojo. Olhe agora, um bando de hipócritas viciadas. - Penelope Woods é uma puta de uma viciada, falando nisso. Aposto que não imaginavam, certo? Pois sempre duvidem dessas malucas. - Os três olharam curiosos para Carter, que falava ainda digitando. - Achava que as líderes de torcida tinham que ser saudáveis e essa merda toda. - disse Alex. - Há! É o que elas querem que vocês pensem. Um bando de patricinhas ricas? Vocês acham que elas gastam o dinheiro da mesada só com bolsas e sapatos? Fala sério. - Cada dia eu me impressiono mais com a falsidade dessas pessoas. De verdade, cara, nos crucificaram na época por um monte de coisas e agora fazem muito pior. - Samantha estava pronta para iniciar um discurso justiceiro quando foi interrompida por um grupo de garotas que passava. Os olhares que colocaram nos quatro foram tão pesados que dava para sentir a pele pinicar. Sem tirar os olhos deles, começaram a sussurrar com sorrisos maldosos nos rostos. - O que estão olhando? - perguntou Alex, de repente, fazendo-as expressar caretas e olhos arregalados. Carter começou a rir enquanto Oliver mantinhase impassível, tragando o cigarro e olhando todas com os olhos semicerrados. Samantha percebeu um sorriso sedutor no canto dos lábios dele, logo depois tornando a olhar para cada uma delas. Três devolveram o mesmo sorriso de forma empolgada. Oh, meu Deus. Algo estava se iniciando naquele exato momento. Algo NACIONAIS-ACHERON
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que Samantha ainda não havia pensado a respeito, mas que era óbvio que surgiria eventualmente. A tietagem de Oliver havia começado cedo. - Eu não acredito! Oliver! - Alex exclamou, tirando o cigarro dos lábios depois que as garotas se afastaram. - Nem fizemos nenhum show ainda! - Bom, eu estava lá com vocês... Sei lá, elas devem ter visto. Não entendo como funciona a mente das garotas. - Eu entendo muito bem. - murmurou Samantha, tentando controlar a picada de ciúmes que começou a se alastrar pelo seu corpo. - Garotas de dezesseis anos são como peixes famintos aguardando por iscas para tietar. Estou falando sério, elas são incontroláveis. Devem ter notado que Oliver vai tocar na banda e já iniciaram o processo obsessivo. - Isso não é bom? - perguntou Alex, agora confusa. - É ótimo. - Carter respondeu com um sorriso interesseiro, atraindo a atenção dos três. - Bem-vindos ao início da nossa subida gradativa até a popularidade. - Espere, não suba no salto alto ainda. Sei como você é obcecado por popularidade, mas calma, tem muita gente que me odeia, ou seja, vai nos odiar. - Samantha respondeu. - E haters geram o quê mesmo? Ah, sim... popularidade. Por mais que tente evitar, querida Sam, só temos um único caminho inevitável. Nos odiando ou nos amando, essa gente vai comentar. Carter não tirava o sorriso convencido do rosto, automaticamente convencendo Samantha, que concordou em silêncio. Ele tinha razão, afinal de contas. Independente da empatia entre os Velvets e os alunos da West Newton, eles já estavam na boca de todo mundo. Principalmente Samantha, depois da cena inesquecível no auditório. NACIONAIS-ACHERON
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O inevitável proclamado por Carter fora notado pelos quatro durante os períodos de aula seguintes ao intervalo. Os olhares analíticos sobre Samantha já eram frequentes antes, mas agora parecia que estava sentada nua em classe. Alguns garotos até sorriam para ela, que decidira devolver da melhor forma sensual que conseguia. Se ela queria mudar sua forma de agir e firmar-se como uma verdadeira lead singer, não se intimidaria com sorrizinhos de moleques de dezesseis anos. Melhor que não se intimidar, ela devolveria os sorrisos e os deixaria boquiabertos. Percebeu que, na verdade, era muito mais divertido ser assim do que viver tentando evitar os olhares maldosos. O tempo passava mais rápido quando ela lidava com as críticas de forma mais superficial, o que fazia todo o sentido, pois agora não se importava em gerar sussurros de garotas que não sabia quem eram. E olhe só que engraçado: todas sabiam quem ela era! Durante o último período antes de almoço, começou a pensar em como seria depois que eles já tivessem se apresentado na frente de toda a escola. Será que ganharia algum admirador? Era impossível não pensar nisso. Todo mundo que entra de cabeça em uma banda quer ter no mínimo admiradores. Fãs, então, era muito surreal. Saberia lidar com a nova popularidade? Saberia lidar com possíveis pessoas a admirando, caso isso acontecesse? Estava, de fato, ansiosa para a eliminação da Batalha das Bandas, quando todas as suas dúvidas seriam sanadas. Naquele último período antes do almoço era colega de David e passou boa parte da aula o observando disfarçadamente. Viu que ele não olhara em sua direção nem por um milésimo de segundo, e aquilo a fez abrir um sorriso convencido. Ele estava irritado, ela sabia disso. Sabia que David não estava suportando sua nova atitude, era muito mais fácil provocá-la quando ela demonstrava insegurança. Será que finalmente havia se livrado dele? Era NACIONAIS-ACHERON
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muito bom para ser verdade. Bem... será que era bom mesmo se livrar dele? Tentou ignorar a vozinha irritante em sua consciência. Claro que era! Era maravilhoso, podia finalmente respirar com tranquilidade. Mas... mesmo assim... quando ele a olhava... argh, pare com isso! O almoço não foi diferente dos períodos das aulas. Sentados sozinhos em uma mesa, os quatro eram alvo de todos os tipos de expressões faciais. Sorrisos de flerte, caretas de nojo, olhares estreitos... quem mais estava se dando bem com aquilo tudo era, por enquanto, Oliver, que de alguma forma havia sido notado por um número considerável de meninas que antes não sabiam de sua existência. O que irritava um pouco Samantha, odiava admitir. Sabia que não tinha direito algum sobre Oliver, mas notara que o garoto era atraente muito antes daquelas tietes amadoras. Hm... espera aí... algo muito semelhante já acontecera antes... não era a mesma história com David? Que azar dos infernos ela tinha! Os únicos garotos que provocavam algo nela estavam passando pelo mesmo processo de reconhecimento feminino. O que Samantha não percebia era que ela mesma estava passando por um processo de reconhecimento pelo sexo oposto e só perceberia muito mais à frente. O fato de provocar raiva em David era instigante para a maioria dos meninos. O que aquela garota tinha que fazia David Young tratá-la de forma diferente das outras meninas? Estava claro para a maioria dos adolescentes os possíveis sentimentos mal resolvidos entre os dois, mas também estava claro que Samantha havia voltado e estava começando a recuperar todas as respostas que devia a David. Samantha era a primeira garota a enfrentar o cara mais popular da West NACIONAIS-ACHERON
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Newton, respondendo a altura qualquer frase desafiadora. Era, definitivamente, algo que chamava a atenção de todos, em especial dos meninos que gostavam de garotas decididas e destemidas, características que eram raras na maioria das adolescentes. A vocalista dos Velvets ainda não sabia, mas era a responsável pelo início de algo muito importante naquela escola, algo que tomaria proporções inimagináveis.
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CAPÍTULO 26 A região próxima às têmporas de Samantha latejava de forma que obrigou a garota a sair do refeitório, depois daquele almoço desconfortavelmente observado, e dirigir-se ao primeiro banheiro feminino que encontrou no corredor. O café que pegara na saída do refeitório estava demorando para esfriar e ela precisava ficar passando o copo de uma mão para a outra, tentando não queimar os dedos. Odiava aqueles malditos copos que eram projetados para manter o calor do líquido vivo por mais tempo. Como se alguém fosse servir-se de café e tomar duas horas depois. Resmungando consigo mesma, empurrou a porta do banheiro, lutando para equilibrar o café em uma das mãos e a bolsa no ombro. Sentindo o corpo e a mente relaxarem ao entrar no lugar vazio, olhou embaixo de todas as cabines, confirmando a rara solidão em um banheiro próximo ao refeitório no final do horário de almoço. Geralmente ficava lotado de meninas tagarelando. Para garantir que seu descanso não seria interrompido, entrou em uma das últimas cabines e abaixou a tampa do vazo. Trancou a porta, sentou e abriu a bolsa, ainda tentando equilibrar o café na mão. Tirou de dentro do bolso interno uma cartela de remédio para dor, destacando uma pílula e engolindo. Bebeu o primeiro gole de café para ajudar a engolir e queimou a língua, quase derrubando tudo no colo. Permaneceu sentada, bebendo o café aos poucos e encarando a porta branca da cabine por pelo menos dez minutos. Começou a analisar os diversos desenhos e frases na superfície branca, sentindo uma ponta de raiva. Todos aqueles estudantes ricos não tinham educação suficiente para controlar os instintos rebeldes e riscar portas que NACIONAIS-ACHERON
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não eram deles. Eram tantos desenhos e frases que ela não conseguia se concentrar em nenhum, mas um deles, no canto inferior esquerdo, chamou sua atenção a ponto de fazer seu coração acelerar. Alguma garota havia tido a ideia e escreveu, com sua letra, o início da brincadeira. As outras continuaram, com caligrafias diferentes. David Young é: 1. Gostoso. 2. Gostoso pra porra!!! 3. Me fode, seu canalha desgraçado. 4. Amiga, acalme-se. 5. Dizem que curte dar umas palmadas naquelas horas. 6. Como você saberia? Até parece que já transou com ele! 7. Eu já, ele é delicioso... haha, piranhas taradas. 8. Melhor que Edward Duncan (transei com os dois). 9. Bem dotado. 10. Te fode forte, mas é um querido. 11. Ele já me trouxe café na cama. 12. MENTIROSA. 13. Filho da puta. 14. Haha, essa se apaixonou, coitada... 15. Womanizer. 16. Já lavei minha roupa naquele tanque. 17. Samantha Hollow voltou, agora vai colocar coleira nele. 18. Quem se importa? 19. Ninguém coloca coleira nele, sua ingênua. 20. Ninguém coloca coleira nele, sua ingênua. (2) 21. Vocês queriam ser ela, admitam. 22. Aquela puta exposta? Só se for você, querida. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha leu a lista três vezes, sem conseguir acreditar nos itens. Estava mais do que ciente de que as pessoas comentavam sobre ela, mas nunca havia tido contato com algo tão concreto como aquilo. O West What apenas formalizava o que era comentado pelos banheiros femininos, pensou, chocada. Puta exposta a deixou um tanto nervosa, mas precisava aprender a suportar aquele tipo de expressão. Haviam se passado dois anos e ela ainda se sentia ofendida. Bom, ser ofendida em uma porta de banheiro não é uma das coisas mais fáceis de engolir no mundo. Refletiu sobre cada item durante cinco minutos até ser interrompida pela porta do banheiro sendo aberta. Duas vozes preencheram o ambiente e Samantha observou sombras pararem em frente ao grande espelho em cima das pias. - Estou falando, tenho certeza que David Young ficou mais forte depois das férias. A respiração de Samantha se interrompeu e ela tentou levantar as pernas da forma mais silenciosa que conseguiu, abraçando os joelhos e se equilibrando na tampa fechada da privada. - Bom, de qualquer forma, bom para a gente... - A segunda garota respondeu, provocando risadas na outra. As bolsas foram abertas e objetos começaram a ser colocados em cima da pia. Samantha colocou a mão na frente da boca para diminuir o som que sua respiração provocava. Desejou com todas as forças que aqueles banheiros tivessem música ambiente. - Para a gente? Quem me dera! Só de imaginar ele malhando aquele corpo maravilhoso já fico meio tonta. - Eu também, pensou Samantha ironicamente, logo depois se repreendendo. - Por que é só isso que a gente vai conseguir nessa vida, imaginar... NACIONAIS-ACHERON
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Aquela última palavra ficou no ar pelo minuto seguinte, elas deviam estar concentradas se maquiando. Após a pausa, uma delas continuou: - Nem sei o que eu faria para poder passar uma noite com ele. - Nossa, sei lá, eu já me dava por satisfeita com um único beijo. - Só um beijo? Você se contenta com pouco, amiga. Dizem que ele tem uma pegada e tanto. Eu quero aquelas mãos passeando pelo meu corpo, me desculpe. - Se eu tivesse que escolher entre um beijo ou nada, escolheria um beijo, oras. - Ok, isso é óbvio. Mais alguns segundos de silêncio usados para que uma delas desse continuidade à conversa. - Na verdade... eu queria saber qual é a sensação de ser Samantha Hollow. Já notou como ele dá uma atenção absurda para ela? - Sim, dando patadas e sendo grosso. Não, obrigada, eu passo. - Bom, deve ter um motivo, não acha? Ele trata bem todas as garotas... ela é a única com quem ele é grosso. Deve ter alguma coisa a ver com aquele escândalo... não foi por isso, de qualquer forma, que ele ficou popular? - Sim, nas costas dela, inclusive. Ou você acha que ele não teve culpa? Fez aquilo para se promover. Ele era um nada, lembra? Ninguém dava a mínima para ele. - Não sei, Laura... não consigo acreditar que ele tenha feito aquilo. É tão... cruel. Eles eram melhores amigos. - Meio minuto silencioso se passou enquanto as duas refletiam sobre a índole de David. - Imagina ser melhor amiga dele? NACIONAIS-ACHERON
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- Bom, obviamente eles não eram apenas amigos... - É sério, imagine se Samantha continuasse tendo essa amizade colorida com ele hoje em dia? Seria a garota mais sortuda do mundo. Mas a briga foi feia. - Ela faz bem em não se relacionar com ele, depois de tudo o que ele fez... Na verdade, se parar para pensar, é a única garota da West Newton que o esnoba. Eu sou meio fã dela por isso. De verdade, o que foi aquela cena na reunião com o comitê? Ela é demais! - É, bem... será que eles não sentem nada um pelo outro? Quer dizer, os dois são atraentes... - Sim, ela é muito bonita, eu sou apaixonada pelo estilo dela. David é um idiota tratando-a desse jeito. Ela é a minha rainha enquanto esnobá-lo, pois é o que ele merece. Ele pode ser lindo e tratar as garotas bem, mas Samantha não é qualquer uma. Há alguma coisa entre eles para se tratarem dessa forma. - É bem estranho ver o David tratando alguma menina assim, não é? Ele é tão educado. Essa implicância só tem uma explicação. Ficaram em silêncio por mais um minuto, deixando aquela suposição flutuando pesada pelo ambiente. Samantha estava ouvindo de camarote sua vida ser discutida por duas pessoas estranhas. - De qualquer forma, mesmo se eles sentirem algo um pelo outro, vai ser difícil para ela. Fala sério, ele é o maior galinha dessa escola. - Não me importaria, é o David e está a fim de mim. O que mais eu poderia querer? - Não se importaria se ele namorasse você e dormisse com três garotas ao mesmo tempo? Foi o que ouvi. Pegaram ele e mais três meninas em uma cama. - A outra começou a rir. - É sério, Bethany, eu nem sabia que isso NACIONAIS-ACHERON
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realmente acontecia na vida real. Ainda mais com um garoto da idade dele. - Ele não aparenta ter dezessete anos, para falar a verdade. Passaria por vinte e poucos tranquilamente. – Mais uma pausa e um suspiro. - Meu armário fica perto do dele e hoje pegamos nossos livros na mesma hora. Quase morri, juro. Não consigo ficar ao lado dele, me dá um negócio... - Duvido você puxar assunto com ele no Facebook. - murmurou Laura, depois de mais uma pausa que durou alguns instantes. - Nossa, eu também. - respondeu Bethany, irônica. - Estou falando sério! Só para ver se ele dá conversa para garotas mortais como a gente. Você tem peitos grandes, aposto que daria. - Não, nunca me arriscaria. E se ele me rejeitar? Eu tenho fortes sentimentos por esse garoto, não conseguiria conviver com essa realidade. - Já estive onde você está, amiga. Melhor mudar seu foco, é inútil. Ele é inalcançável, pode até ficar com você em alguma festa, mas algo mais do que isso já é absurdo. Passou o rodo em todas as líderes de torcida e Penelope Woods foi a única que conseguiu manter um relacionamento com ele. Deve gostar dela para valer. Imagine que sonho ter intimidade com ele? Bethany suspirou, sonhadora. - Ai, Laura, mas ele é tão... perfeito. Já sorriu pra mim duas vezes, olhando nos meus olhos, e ele nem sabe direito quem eu sou. - Sabe qual é o diferencial dele? Ok, ele é lindo, simpático e sedutor, mas... ele não era nada, entende? Era outra pessoa. O fato de ele ter evoluído tanto o faz ganhar muitos créditos entre as garotas. - Sem falar na quantidade de seguidores que ele ganhou nas redes sociais. Bom, é totalmente compreensível. Ele é gostoso e canta bem. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu não entendo como ele ainda não é tipo... famoso. - Já viu o último vídeo que ele postou no Instagram? Eu juro que fiquei assistindo sem parar por uma hora seguida. Laura murmurou que não e Bethany procurou o vídeo em seu celular, dando play em seguida. Samantha sentiu suas entranhas começarem uma violenta roda punk. A voz de David invadiu o ambiente, cantando uma música que Samantha amava. Aquele maldito garoto não errava nunca. O sinal para a primeira aula depois do almoço soou e as duas meninas guardaram suas coisas, logo depois saindo do banheiro, já conversando sobre outro assunto. Samantha abaixou as pernas, que agora doíam, e soltou o ar dos pulmões. Bastaram alguns segundos encarando o chão depois daquela conversa irreal e ela caçou seu próprio celular dentro da bolsa. Entrou em seu Instagram, que em sua maioria eram fotos de Dublin, e procurou a conta de David. Foi fácil, qualquer um que ela conhecia daquela escola seguia ele. Abriu o perfil do garoto e encarou o número absurdo de seguidores para alguém de seu ciclo social. Mais de 10 mil pessoas acompanhavam suas fotos e vídeos. Começou então a olhar o mural da conta. Ele não aparecia em todas as fotos, mas em boa parte e, nas que ele aparecia, havia em torno de 2 mil curtidas para cima. Havia um bom número de fotos de David em festas com amigos, assim como vídeos. Clicou no vídeo mais recente, que uma das garotas havia comentado, e assistiu. Era um cover da música "Lady In Black", da banda Uriah Heep. Uma das músicas preferidas de Samantha, e ela sabia que ele sabia, pois sempre gostou, desde mais jovem. Não queria se sentir importante o suficiente para pensar que ele estava a provocando, mas não conseguiu evitar. Com tantas músicas no mundo, tantas, ele tinha que escolher logo a música dela? E tinha que cantar com aquela voz maravilhosamente rouca? Era NACIONAIS-ACHERON
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impossível evitar aquele pensamento ao ouvir as palavras serem cantadas com a já conhecida profundidade que David aplicava nas letras. Mas essa, em especial...
She came to me one morning One lonely sunday morning Her long hair flowing in the midwinter wind I know not how she found me For in darkness I was walking And destruction lay around me From a fight I could not win Os quinze segundos do vídeo foram preenchidos com a primeira estrofe, que introduzia a história de uma mulher misteriosa, provavelmente uma deusa, aparecendo repentinamente na vida do homem e o aconselhando. Era uma letra maravilhosa, carregada de conteúdo mitológico, e era esse o motivo por Samantha amar tanto aquela música. Ela conseguia visualizar perfeitamente as palavras cantadas em sua mente, podia sentir o vento batendo no seu rosto e seus cabelos acompanhando a fria corrente. Por um breve momento, sentiu uma vontade desesperadora de assistir David cantando a música inteira bem na sua frente. Queria vê-lo interpretar sua canção favorita da mesma forma verdadeira que estava fazendo no vídeo de poucos segundos. Esse era um dos fatores pelos quais Samantha não conseguia se desfazer daqueles sentimentos... David era verdadeiro quando cantava... ele era o mesmo David de antigamente. Quando a melodia tomava conta dele, era como se nada o houvesse mudado. Se ela conseguia perceber isso através de um vídeo, seria difícil ignorar aquela sensação ao vivo. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha então voltou para a realidade e começou a ler as centenas de comentários no vídeo, em sua maioria garotas surtando enlouquecidamente. Nem deviam dar a mínima para a música, pensou, irritada. Só estavam fazendo aquele escândalo porque ele era bonito. Foi atrás de outro vídeo, nesse ele fazia um cover de uma música dos Beatles. Os covers dos Beatles tinham o dobro de curtidas, pois a semelhança das vozes era meio assustadora. Continuou descendo o feed de fotos e começou a sentir um ciúmes sem sentido. Queria ser uma das pessoas que estavam com ele nas fotos. Queria estar ali, se divertindo com ele, nas fotos de festas ou noites com os amigos. Reconheceu em várias fotos os colegas de banda dele e odiou admitir que eles deveriam ser divertidos. Teve o humilhante desejo de ser amiga de todos. Amiga dos amigos de David. Fazer parte da vida dele. Respirando fundo, saiu do aplicativo e bloqueou o celular. Levantou da privada, se sentindo meio patética. Estava sentada dentro da cabine de um banheiro olhando o Instagram de David. Abriu a porta e parou na frente do espelho, apoiando-se na pia. Encarou seu rosto, agora maquiado, e teve um leve orgulho de si mesma. Estava, de fato, mais atraente. Ouviu em sua mente a voz de uma das meninas que conversavam sobre ela.
"Ela é a minha rainha enquanto esnobá-lo..." "Ela é muito bonita, eu sou apaixonada pelo estilo dela. David é um idiota tratando-a desse jeito."
Repassando toda a conversa em sua mente, percebeu que, por causa do que David havia feito, havia se tornado um tanto relevante naquela escola. Podia ser chamada de puta ou piranha, mas acabara de descobrir que também NACIONAIS-ACHERON
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era admirada. E ainda não havia feito nenhum show com os Velvets. Por causa dele, ela havia se tornado o mais novo assunto sussurrado pelos corredores e postado no blog de fofocas da West Newton. Um sorriso se formou no canto de seus lábios enquanto empurrava os cabelos para trás. Presenciar comentários reais sobre si mesma pareceram ter um efeito decisivo em Samantha. A nova perspectiva de lidar com o escândalo do passado estava, agora, mais viva do que nunca. Iria se aproveitar da fama que havia adquirido por causa da crueldade de David. As pessoas precisavam começar a entender que as mulheres possuem os mesmos direitos dos homens e não podem ser mal vistas enquanto eles ganham uma boa imagem. Chegara a hora de alguém fazer alguma coisa dentro daquela escola. Ela iria sacudir a falsa moral e os bons costumes que mascaravam a verdade. Todo adolescente era igual, ninguém era santo naqueles corredores. Chegara o fim de ser julgada injustamente. Samantha Hollow seria tão popular quanto David Young.
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CAPÍTULO 27 A Dança Húngara número 5 de Brahms espalhava-se pelas paredes perfeitamente limpas de todos os três andares da grande mansão dos Young. O ritmo progressivo e agitado podia ser ouvido em cada pequeno canto, e podem acreditar, haviam muitos cantos. E é claro, o segundo andar, que abrigava os quartos dos filhos, não era exceção. David bateu a porta do quarto atrás de si enquanto coçava os olhos, antes espremidos pelo incômodo do alto volume da música. Quando parou com o movimento agressivo, que durou quase um minuto, deu de cara com o rosto sorridente de Katrina Young, que também fechava a porta de seu próprio quarto, já vestindo o uniforme da West Newton e mochila nas costas. - Por que ela tem essa absurda necessidade de chamar a atenção dentro da própria casa? - resmungou David, deixando a irmã passar na sua frente para ambos se dirigirem até as escadas. - Sabe como ela nunca vai te perdoar por você seguir suas vontades e não ceder aos sonhos dela... - Katrina andava pelo corredor, passando a mão no papel de parede que continha um motivo vitoriano em marrom e dourado, cores que estavam presentes em muitos aspectos da decoração clássica do ambiente. David observou o movimento e pensou, no seu íntimo, ela enlouquecendo ao ver dedos humanos manchando suas paredes perfeitas com a natural oleosidade da pele. - Era para esse tipo de atitude ser comum, não acha? Quer dizer, nos dias de hoje... parece que ela ficou presa no passado. - Deus sabe como ela queria que estivéssemos no século passado, assim NACIONAIS-ACHERON
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poderia comandar as nossas vidas sem se justificar. David grunhiu em resposta, agora os dois já desciam as grandes escadarias que levavam ao vasto hall de entrada, com o chão de mármore branco tão lustroso que era possível ver o reflexo de quem caminhava sobre ele. Katrina deu uma rápida arrumada nos cabelos lisos e sedosos antes de entrar no salão de jantar, fazendo David rolar os olhos. A irmã ainda não conseguira se desfazer totalmente dos hábitos doentios de tentar agradar a mãe, porém, havia feito um progresso considerável desde quando David decidira seguir suas próprias vontades. O garoto sempre fora um grande exemplo para ela, principalmente no que se tratava do seu espírito livre. Felicia Young encontrava-se impassível sentada na mesa branca de jantar, segurando uma xícara de chá enquanto seus olhos permaneciam fechados. Um pequeno sorriso era perceptível nos lábios da mulher, que vestia um impecável Dior azul claro. Seus cabelos escuros estavam presos em um penteado que certamente levara bons minutos, o que não fazia sentido para David - acordar cedo para se arrumar e ficar sentada em uma sala. - Você sabe que não está sozinha em casa, certo? - perguntou David, largando a mochila ao lado da cadeira e sentando na mesa. Katrina o olhou um pouco ressaltada mas ele a ignorou, continuando a encarar a mãe até ela abrir os olhos, o que não aconteceu imediatamente. - Tire sua mochila do chão e coloque a camisa para dentro das calças. murmurou ela sem abrir os olhos. O garoto franziu o cenho para a irmã, que demonstrava a mesma expressão de estranhamento. Como ela sabia se nem abrira os olhos? David fez o que a mãe mandou e então a mulher fez um sinal com a mão para o nada. Uma criada surgiu de uma das portas que David não conseguiu identificar e, tirando do avental um controle remoto, abaixou o volume. - Se você tivesse o mínimo de bom senso, não reclamaria de algo NACIONAIS-ACHERON
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tão... magnífico. Prefere ficar tocando aquelas insanidades... eu nunca vou... - Ao contrário da senhora, eu consigo apreciar todos os tipos de música, faz parte da minha educação musical. Mas nem por isso precisamos ficar surdos. Felicia manteve o olhar vidrado no rosto do filho, sem dar uma única piscada. Seu rosto era tão imóvel quanto a estátua de mármore localizada no jardim, e a comparação valia também no quesito sinais da idade. Ela não aparentava ter quarenta e seis anos, e a menção desse número era proibida quando estavam em sua presença. - Desde que aquela moribunda voltou você anda me respondendo de forma deplorável. Se não fosse pela música, o silêncio cortante cairia sobre a sala iluminada com grandes portas de vidro para o vasto jardim verde. David trocou um olhar rápido com Katrina antes de engolir em seco e se servir de suco, precisando fazer um sinal para a criada não se dar ao trabalho de fazer isso por ele. A mesa estava posta com os mais diversos pães e bolos, apesar de nem um terço ser consumido em uma refeição. Para a mãe, era essencial uma linda mesa de café da manhã, caso alguma vizinha aparecesse repentinamente para desfrutar da fartura visual e depois fosse espalhar para as amigas que a família Young possuía um gosto invejável. - Eu estou certa, afinal de contas. Pode pensar o que quiser de mim, David, mas eu sempre sei o que se passa pela sua cabeça avoada. - Você não faz a mínima ideia... - começou o garoto, seu pescoço ficando vermelho, mas fora interrompido no mesmo instante. - É tentadora a vontade que tenho de perder meu precioso tempo discutindo sobre essa gente, mas infelizmente meu café da manhã é muito NACIONAIS-ACHERON
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mais importante. A mulher fechou os olhos novamente, o sutil sorriso voltara a estampar-se no rosto liso feito marfim. Ela levantou a xícara de chá até a altura dos lábios e bebericou. - Aproveite seu precioso café da manhã sozinha, senhora Young, a solidão lhe cai muito bem. - David levantou bruscamente da mesa e começou a se afastar na direção da porta. Olhou para trás uma única vez, fixando-se em Katrina, que olhava espantada de um para o outro. Ela fez menção de levantar mas Felicia abriu os olhos e a fuzilou. - Não ouse. - proclamou a mulher, e a garota se sentou novamente. - Hm, mamãe, não posso me atrasar, se não perco a chamada e não entro na sala de aula... A mulher pousou a xícara no pires em cima da mesa e refletiu por um momento, o olhar preso na mesa branca. Alguns segundos se passaram e ela levantou a mão, fazendo sinal para Katrina sair. - Nossa, fazia um tempo que ela não pegava tão pesado. Katrina fechou a porta da Bentley preta, após percorrer o hall de entrada externo da mansão dos Young. Sentou ao lado de David e o motorista deu a partida no carro, começando a se deslocar pelo caminho de pedras ainda dentro da propriedade. Logo estavam passando pelos portões e iniciando o trajeto matinal para a West Newton. - Na sua frente, pelo menos. - resmungou David em resposta, sentado de forma displicente enquanto mexia no celular, digitando com habilidade. - Ela fala sempre assim da Samantha? - perguntou Katrina, simplesmente, fazendo o garoto tirar os olhos da tela do celular e encarar desconfortável o banco do motorista. NACIONAIS-ACHERON
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- Quem disse... do que está falando? - Bom, a única menina que voltou e é importante o suficiente para mamãe ofender é Samantha Hollow. Mas... ela meio que tem razão, você anda bem estranho. - Eu estou como sempre estive, pare de entrar na paranoia dela. Eu nem sei de quem a louca estava falando. David voltou a digitar no celular, esperando a previsível resposta inconformada de Katrina. Irmãs mais novas costumam ser muito insistentes. Porém, nenhuma palavra saiu da boca da garota, fazendo David virar a cabeça na direção da irmã. Ela esboçava um sorriso irônico. - Claro que não sabe, seu rosto ficou vermelho por causa do desconhecimento mesmo. Nada de mais. Como você pode suportar mamãe falando assim da garota por quem você sempre foi apaixonado? - Quer parar? Eu nem falo mais com ela, não sei se lembra, mas tivemos uma briga bem decisiva. - E se lembro... não só da briga como de tudo... eca. Gostaria de não lembrar. - Ninguém mandou você ir atrás daquilo. - Eu não fui atrás... estava em todos os lugares... mas, se quer saber, eu acho ela incrível. Samantha, quero dizer. Pelo que ouvi sobre a reunião do comitê, ela deu uma surra em você, não deu? Fala sério, isso é demais. Daria tudo para poder ver a sua cara. - Não, eu não quero saber. Mas já que tocou no assunto, vamos deixar as coisas claras: Samantha Hollow é a última garota que merece a minha atenção naquela escola, ou melhor, a nossa atenção. Gostaria que você parasse de falar dela agora, mamãe já deu um show memorável e o dia mal NACIONAIS-ACHERON
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começou. - Por quê? De verdade, David, eu não entendo... nunca vou entender. Você era apaixonado por ela, era até meio insuportável... - Katrina, pelo amor de Deus... hoje não. - Nunca entendi de quem foi a culpa, quem fez o quê... - E vai ficar sem entender, esse assunto não lhe diz respeito. Katrina bufou e voltou a se encostar no banco do carro, já que até agora estava virada completamente para o irmão. Cruzou os braços e voltou sua atenção para a janela escura, agora considerando começar a ir a pé para a escola. Qual era o sentido de acompanhar o irmão se ele não conversava com ela e não se abria? Não era para isso que serviam os irmãos? Ela nunca engoliu essa emissão de fatos. David nunca explicara nada para ela sobre o escândalo entre ele e Samantha, então só restavam os boatos e o que era postado no West What. Sentia-se ridícula por fazer parte da família dele e saber o mesmo que o resto das pessoas. Não era nada justo, ela tinha direito de saber o que realmente havia acontecido entre eles, sempre apoiara David em todas as suas decisões e o defendia durante as brigas com os pais. Katrina era insistente o suficiente para tocar no assunto pelo menos uma vez por semana, e os resultados que conseguia eram sempre os mesmos. Um grande e belo monte de nada. Vinte minutos depois o motorista parou na entrada principal da West Newton. Katrina abriu a porta do carro e saiu voando, pisando forte ao atravessar a rua. David se despediu do homem e fechou a porta, ignorando a reação mimada da irmã. Entendia o lado dela, mas simplesmente não se sentia confortável em conversar com ninguém sobre o escândalo, muito menos com sua irmã de quinze anos. Aquilo envolvia uma situação muito NACIONAIS-ACHERON
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pessoal, pessoal o bastante para decidir manter tudo só para si. Era a escolha dele, afinal, tinha esse direito. Atravessou a rua seguindo os passos da irmã e passou pelo portão, cumprimentando com um sorriso simpático todos que o olhavam no rosto. O fato de ser representante social lhe exigia uma simpatia fora do comum e em muitos dias precisara atuar essa alegria para as pessoas. De longe, percebeu Katrina passando reto por Scott, dando um encontrão proposital em seu amigo. Estreitou os olhos e se aproximou do grupo, que encarava Katrina com espanto. - Desde quando ela me trata assim? - perguntou Scott McMillan, o guitarrista dos Walkers. - Achava que Katrina ainda era meio a fim de mim. - Parece que nem o seu encanto natural foi o suficiente para fazer a irmãzinha do David abrir um sorriso hoje. - Alfie Meadows bagunçou os cabelos ruivos. O baixista dos Walkers era o mais alto da banda, obrigando todos a levantarem um pouco a cabeça para o olharem. Sua pele branca estava especialmente ofuscante naquela manhã ensolarada. - Calem a boca, ela está assim porque eu não quis explicar para ela sobre... vocês sabem, aquilo. De novo. Ela sempre tenta arrancar alguma coisa de mim. - David explicou, suspirando. Cumprimentou com um sorriso de canto algumas garotas que estavam insistentemente o encarando por uns bons segundos. Todas abriram sorrisos radiantes e se olharam empolgadas. - Se você não explica nem para nós, quem dirá para sua irmã mais nova. Jack Trevino tinha um cigarro pendurado nos lábios enquanto se manifestava na conversa, porém não colocou os olhos sobre os amigos. O baterista estava sempre ocupado dando uma boa olhada na comissão feminina da West Newton, que correspondia suas levantadas de sobrancelha na mesma intensidade. NACIONAIS-ACHERON
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Na verdade, os Walkers não podiam reclamar quando o assunto era garotas. Era muito raro levarem um fora, incluindo Alfie, que aparentemente fugia dos padrões de beleza. Fosse o fato de estar em uma banda, ser amigo de David ou ter um bom papo, qualquer um dos motivos o fazia ganhar a garota que queria. Porém, os campeões de arrancadas de suspiro eram David e Jack, sempre fora assim, desde quando os quatro começaram a andar juntos. O vocalista e o baterista exalavam uma espécie de encanto anormal, prendendo a atenção de qualquer adolescente que cruzava com um dos dois nos corredores. Embora ambos estivessem consideravelmente enrolados com garotas, não deixavam de flertar sempre que tinham a oportunidade. Agora que Samantha estava de volta, ela não era só alvo dos olhares de David como também de seus pensamentos. E ela não era qualquer estudante da West Newton. Eles haviam tido um passado conturbado e acontecimentos relacionados ao escândalo eram motivo suficiente para ele ignorar a existência dela, mas agora, tendo de conviver com a garota todos os dias, parecia impossível ignorar seus sentimentos contraditórios. A cena patética na reunião do comitê acontecera em menos de vinte e quatro horas e ele já começara a ouvir todos os tipos de rumores sobre ele mesmo e Samantha. - Estava demorando... - murmurou Scott, depois de alguns minutos sonolentos compartilhados entre os quatro. Ele levantou o celular, mostrando a tela para todos. Saíra uma nova postagem no blog de fofocas West What, descrevendo e comentando o dramático acontecimento do dia anterior, durante a primeira reunião do comitê estudantil. David suspirou e abriu a página no seu próprio celular para poder ler com mais privacidade. "16 de setembro de 2014 NACIONAIS-ACHERON
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Como era de se esperar, a volta de S.H. já começou a gerar frutos suculentos para o nosso paladar há tempos descansado. Se não bastara uma estreia digna de comprar ingressos na festa de boas-vindas organizada pelo comitê estudantil, os casuais encontros dela com D.Y. nos corredores são como tv spots para os verdadeiros episódios que já começaram a acontecer. Para uma ex-anônima vítima da ambição do melhor amigo rico, S. está se saindo muito bem. É óbvio que a gente já sabia que isso ia acontecer: os Velvets estão de volta. O antigo grupo drogado, do qual o próprio D. fazia parte, decidiu se inscrever para a Batalha das Bandas, e o melhor de tudo não é isso. D. foi deliciosamente substituído pelo seu antigo rivalzinho, se não lembram, ambos já brigaram por causa de, é claro, S. A menina está se saindo muito melhor do que a encomenda, e eu vou estar na primeira fila da eliminatória pra ver a gloriosa cara de D. assistindo dos bastidores sua examada tomando conta do palco. A primeira reunião do comitê hospedou o primeiro triunfinho de S. sobre D., ao inscrever sua própria banda ao vivo e a cores na frente da escola inteira. E, se isso não é o suficiente, espero que já tenha chegado aos seus ouvidos o já histórico "criança chorona" proclamado por S., palavras mais do que ousadas direcionadas ao ocupante atual do reinado da West Newton. Como não amar essa menina que mal voltou e já está pisando em cima do ex-traiçoeiro? Desculpa, D., a gente morre de amores por você, mas o que você fez nunca vai ser esquecido. Muito menos agora que estamos tendo acesso a uma nova temporada do escândalo. E eu tenho o leve pressentimento de que essa temporada vai ser muito melhor que a anterior. Uma salva de palmas para a primeira e, provavelmente, única garota da West Newton capaz de deixar D.Y. com cara de bosta na frente de todos os veteranos. A gente estava aguardando esse momento chegar. A gente está NACIONAIS-ACHERON
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sempre aguardando esse tipo de coisa chegar. Continue assim, nobre S., e, por favor, não nos deixe esperando por muito tempo o novo episódio. A gente vive por isso. W.W."
David levantou o rosto para os amigos, cada um agora lia a postagem em seu próprio celular. O baterista, Jack, esboçava um sorriso cômico no rosto, acompanhado pelo baixista Alfie. Scott devolveu o olhar do amigo com uma seriedade cúmplice, sempre fora o mais próximo dele e sabia como Samantha era assunto delicado, apesar de nunca ter descoberto os verdadeiros segredos do escândalo. David então olhou em volta, percebendo que a maioria dos estudantes encarava seus celulares e ria, intercalando com olhadas para a direção dele e... de Samantha. A garota estava parada do outro lado do caminho de pedras que cortava o gramado, rodeada por parte dos Velvets. O que mais chamou a atenção de David naquele momento, além de sua aparência absurdamente atraente, fora o grande sorriso irônico nos lábios dela. Samantha o encarava sem vergonha nenhuma, enquanto Carter e Alex se entreolhavam e se juntavam ao resto dos alunos, rindo dele. O idiota do Lynch, felizmente, não estava presente, deixando tudo um pouco menos humilhante. Por um breve momento, sentimentos antigos invadiram sua mente agitada. Sentimentos que ele tentara lutar durante aqueles dois anos, responsáveis por inúmeras lágrimas de raiva. Ele estava sentindo a mesma sensação novamente, sentira na reunião com o comitê e tentara esforçadamente controlar, mas agora parecia impossível. Samantha estava gostando daquilo. Ela não fazia ideia de como ele se NACIONAIS-ACHERON
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sentia... ninguém fazia. E, se dependesse dele, nunca faria. O sorriso fixo nos lábios dela era tudo o que ele precisava para ter certeza. Agora ele estava decidido. Ela nunca saberia a verdade. David começou a andar na direção de Samantha, não havia atingido nem metade do caminho e sentiu Scott puxando-o pelo ombro. - Dave, pare. Não foi ela quem escreveu isso, não faz sentido descontar na garota. Ele olhou para o amigo e depois olhou em volta. Praticamente todo o gramado o encarava, esperando ansiosamente seus próximos passos. Samantha continuava com o sorriso impassível, porém agora com as sobrancelhas levantadas em falsa surpresa. Não importava quem havia escrito aquilo, o que importava é que ela estava adorando. Se desvencilhou de Scott e continuou a se aproximar da garota, podia ouvir risadas altas em volta de si, mas nada era tão importante quanto falar o que estava pensando. Quando alcançou uma distância constrangedora o suficiente para ela se sentir mal, parou. O que não esperava era que ela não se movesse um centímetro e não demonstrasse nenhum sinal de fraqueza. Por isso, ficaram quase grudados, ela olhando para cima com olhos desafiadores e o mesmo sorriso, porém agora um pouco mais suave. - Você está se divertindo, não é? - murmurou ele, tentava controlar a respiração ofegante enquanto percebia o equilíbrio invejável da menina. - Dave... - sussurrou ela, inesperadamente, fazendo-o abrir os olhos mais do que o normal. A garota diminuiu os centímetros que os separavam, aproximando o rosto do dele a ponto de quase encostarem os lábios. - Eu estou amando. - Você é inacreditável. - resmungou ele, dando um passo nervoso para NACIONAIS-ACHERON
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trás. A proximidade que ela criou entre eles era o suficiente para fazer as partes íntimas dele acordarem. Tentou ignorar, precisava voltar a liderar a situação. - Não devia ter ido embora, você ia adorar aproveitar a fama que conseguiu. Mas, pelo jeito, já está recuperando o tempo perdido. - Estou, sim. Esperei dois anos por isso, se quer saber. Valeu cada minuto. David sorriu, conseguindo finalmente começar a tomar conta da provocação. - Nem precisa dizer que passou dois anos pensando em mim. Samantha devolveu o mesmo sorriso sarcástico, fazendo-o voltar uma casa atrás. Quando David achava que estava por cima, ela subia novamente. Havia esquecido o quão determinada ela era. - Não exatamente em você, meu amor, mas em uma forma de fazer você sentir tudo o que eu senti. E está começando a dar certo, mas você não viu nada ainda. - Se acha que vai continuar com essa patética tentativa de chamar a minha atenção, está extremamente enganada. Seus esforços são inúteis. - Ah, é? Por que está parado na minha frente, então? David engoliu em seco e soltou o ar preso nos pulmões há alguns segundos. Deu as costas para a menina e começou a se afastar da aglomeração, empurrando quem quer que estivesse em sua frente. As derrotas nas discussões com Samantha estavam começando a ficar consecutivas e aquilo o irritava profundamente. Ninguém ganhava de David Young em uma discussão. Ou melhor, ninguém falava daquela forma com ele. Os dois anos de sua ascensão foram intensos o suficiente para ele se acostumar a ser a estrela dos tumultos, sempre deixando seus adversários inferiores. Porém, agora... pela primeira vez em muito tempo as coisas NACIONAIS-ACHERON
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estavam tomando outros rumos. Rumos pelos quais David estava disposto a seguir e segurar as rédeas novamente.
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CAPÍTULO 28 O garoto empurrou a pesada porta da entrada principal do prédio e entrou o mais rápido que conseguiu, deixando-a bater atrás de si. Sentiu o corpo relaxar um pouco ao perceber que o corredor estava parcialmente vazio, apenas com alguns estudantes em seus armários. O pensamento de que às vezes era bom não ter ninguém o encarando foi interrompido bruscamente. - David! Como você está? Katrina surgiu do banheiro feminino daquele primeiro andar com o seu celular em mãos. Ele fechou os olhos, tentando se acalmar. O que menos precisava naquele momento era sua irmã mais nova o importunando. - Estou esplêndido. - respondeu sem a olhar, continuando seu caminho pelo corredor. Não fazia ideia de onde iria, mas qualquer lugar vazio seria de bom uso. - Não acredito que ficou irritado com aquele texto idiota! Sério, David, você já esteve em situações muito piores. Lembra quando... - David! Eu não acredito que você estava falando com aquela vagabunda barata! A voz de Penelope atravessou a frase de Katrina, vinda da entrada. Todos os poucos que estavam no corredor agora os observavam. Era tudo o que ele precisava, realmente, Katrina e Penelope nos seus ouvidos enquanto um pequeno público assistia à cena. - David, eu estou falando com você. Quer fazer o favor de parar e me escutar! - ele parou de andar, respirou fundo e se virou para ela. Katrina NACIONAIS-ACHERON
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olhava para Penelope com uma expressão de nojo. Nunca gostara da atual namorada de David, sempre trocavam farpas nas jantas formais na casa dos Young. - Achei que eu tinha deixado claro que não era para você falar com aquela garota imunda. Falo sério, David, eu vou acabar com ela. - Você não vai acabar com ninguém, Penelope. E não se preocupe, não me darei mais o trabalho de gastar meu tempo com ela. Pode ficar tranquila. - Ele vai, sim! - Katrina falou, chamando a atenção dos dois mais velhos. Os estudantes em volta estavam tão atentos à discussão quanto quem discutia. - Penelope, você não tem o direito de decidir com quem David vai conversar. - Katrina! Dá para você sair daqui? Vai encontrar seus amigos, droga! - Escute aqui, garotinha... - começou Penelope, mas parou ao perceber o olhar repreendedor no rosto do namorado. - Esse assunto não é do seu interesse. - É mais do meu do que do seu, se quer saber. Eu sou da família dele. - Eu sou a namorada dele, querida. Acorde. - Infelizmente - resmungou Katrina, e David se aproximou dela, colocando uma das mãos nas costas da irmã e começando a conduzi-la para longe. - Por favor, Katrina, não provoque a Penelope. Já pedi milhões de vezes. Os dois agora estavam afastados o bastante para a ruiva não ouvi-los. - Eu não consigo entender porque você defende ela! Aliás, por que namora ela? Você nem gosta dessa garota! Katrina encarava o irmão com olhos carregados de injustiça. Ele podia ver através deles a indignação cada vez maior que transpassava para todo o rosto da menina, que antigamente era sua maior confidente. Hoje já não era mais a mesma coisa. Não compartilhava mais com ela seus segredos e suas razões, NACIONAIS-ACHERON
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agora notara que ela também não lhe contava mais muito sobre sua vida pessoal. - Não posso te explicar, Kat. Eu queria, de verdade, mas você não precisa se envolver com esse tipo de assunto. - O que quer dizer com isso? Fale comigo, Dave! Por favor... eu sou sua irmã. David engoliu em seco, tentando resistir àquele pedido tão sincero. Katrina era uma das pessoas que mais considerava na vida e, ainda assim, não podia se abrir com ela. - Não, vá para sua sala de aula. Te encontro no almoço. A menina espremeu os lábios demonstrando sua inconformidade e se afastou pelo corredor que, agora, começara a encher por causa do horário próximo ao início das aulas. Penelope, que o observava, deu uma olhada em volta e percebeu que a pequena plateia de curiosos havia aumentado. Afastou os longos cabelos para trás e suspirou, toda teatral. - Por que o West What está dando tanta atenção àquela garota? – Sua voz era alta, fazendo-se ouvir por quem estava em volta. David engoliu em seco, esforçando-se para manter sua mente em ordem. – Deveriam falar da gente! Penelope agarrou o braço dele e o olhou, forçando um bico falso com os lábios rosados. Entretanto, ela era tão bonita que nenhuma expressão que fizesse a deixaria com uma verdadeira careta. Como ele não a interrompeu, ela continuou: - Por favor, me prometa que não vai mais perder o seu tempo com Samantha Hollow. Você não me ama, David? David percorreu com seus olhos o rosto da garota, que agora estava abraçada em um de seus braços. Ele sorriu, desanimado. Pigarreou, buscando o volume da voz nos confins da garganta. As pessoas continuavam os NACIONAIS-ACHERON
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encarando, obcecadas. - Eu... prometo, Penelope. Você sabe que eu te amo. Penelope abriu um sorriso convencido e carregado de prazer. Puxou David pela nuca e grudou os lábios dos dois em um beijo elaborado para todos assistirem. ✖✖✖ O período anterior ao intervalo não havia atingido ainda sua metade quando três batidas interromperam a fala arrastada do professor, que se encontrava sentado em sua mesa lendo um trecho do livro que tinha em mãos. Olhou para a direção das batidas por cima dos óculos de leitura, não diferente de toda a turma que encarou ansiosa a revelação do sagrado barulho. Existe sempre uma curiosa expectativa nos alunos quando as portas das salas de aula são batidas e interrompem o professor. Além de ser um agradecido alívio, ninguém pode reclamar de uma pausa. E, dessa vez, o aluno que mais estava agradecendo mentalmente pela pausa era ninguém menos que David. Sabia que não prestara atenção em nenhuma palavra proclamada pelo professor e era melhor mesmo que tudo se interrompesse. Vicky Brown abriu a porta e colocou metade do corpo para dentro. - Com licença, professor Bones, o comitê estudantil tem a permissão da dispensa de David Young na aula de hoje. O homem voltou seu olhar para David, que não movera um músculo. Podia sentir a atenção da turma inteira sobre si e, de uma forma estranha, dessa vez não estava gostando de ser o centro da situação. Não hoje, não depois da cena humilhante que passara na frente de Samantha. Ele então encarou o professor de volta, que assentiu preguiçosamente, então, pegando NACIONAIS-ACHERON
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suas coisas, atravessou a sala sem olhar para os lados e se juntou a Vicky. - O que você tem? - perguntou a garota, andando um pouco na frente dele. Vicky Brown às vezes parecia, para David, uma professora vinte anos mais velha. Ela era a escolha certa para a presidência do comitê, uma garota extremamente centrada e responsável. - Não estou me sentindo muito bem - murmurou o garoto em resposta. Era mais fácil mentir algum mal-estar do que assumir o real motivo de sua fixa expressão desconfortável. No caminho, parou em seu armário e largou sua mochila. - Tome algum remédio, precisa estar bem para o intervalo. O pessoal da City Records já chegou e estão com o estande pronto no gramado principal. É uma barraca gigante com sofás, vão até distribuir refrigerante. David olhou para o rosto da garota, ela estava radiante. Queria, de verdade, compartilhar daquela alegria, pois aquele evento era realmente muito incrível, mas sua cabeça não conseguia se desfazer da cena que ocorrera mais cedo. Samantha estava se tornando popular, ele podia perceber isso. As pessoas não a estavam mais olhando torto, ela estava começando a agradar. E David sabia que, trancado em uma gaveta escondida dentro de sua mente, estava o medo de Samantha se tornar desejada o bastante para conseguir um fã clube masculino. Engoliu em seco ao coloca-la em seu lugar e imaginar um bando de pirralhos flertando com ela, olhando o seu corpo quando passasse pelos corredores, sussurrando cantadas baratas em seu ouvido. Vicky Brown empurrou a porta principal do prédio e a luz forte cegou David antes que ele conseguisse focalizar o impressionante estande da City Records ocupando boa parte do gramado esquerdo. Até ele, que estava por dentro da organização da Batalha das Bandas, não esperava que tudo fosse NACIONAIS-ACHERON
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tão profissional. Uma grande barraca escura estava posicionada no centro, abrigando sofás de couro vermelhos, alguns pufes e um tapete com o logo da empresa havia sido colocado, formando um protótipo de sala de estar. O garoto só percebera minutos depois, ao se aproximar do local e cumprimentar todos os envolvidos, que havia uma grande tela de plasma instalada e embaixo dela duas guitarras do Guitar Hero estavam posicionadas em seus pedestais. Imediatamente previu um grande número de adolescentes se estapeando para jogar e iniciando brigas que levariam para a vida toda. As pessoas levavam o jogo muito a sério, e era genial trazerem isso para divulgar o evento. Uma faixa colocada no topo da barraca mostrava os dizeres em vermelho vibrante "City Records e CMC apresentam: Batalha Intercolegial de Bandas". Dentro, havia também uma mesa com milhares de brindes expostos, desde camisetas e copos até mini guitarras infláveis. - David Young? David se virou e deu de cara com uma garota baixa, cabelos castanhos e lisos até a cintura e olhos notavelmente grandes. Ela usava uma camiseta da City Music Channel, assim como uma credencial que pendia em seu pescoço. - Eu mesmo, em que posso ajudá-la? - respondeu David com seu sorriso sedutor voltando ao seu lugar de direito: seus lábios. Uma garota bonita pode melhorar o ânimo de qualquer um, não? A menina enrubesceu na hora e engoliu a saliva de forma nervosa. - Pediram para eu lhe entregar a credencial do evento, todos do comitê estudantil estão usando. E também mandaram avisar que no final do intervalo você pode pegar comigo a sacola com seus brindes promocionais. David abriu um sorriso maior ainda. Fala sério, brindes e garotas bonitas. NACIONAIS-ACHERON
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Ele cruzou os braços e molhou os lábios com a língua, fazendo a menina sorrir de volta e botar o cabelo atrás da orelha. - Ser do comitê estudantil tem suas vantagens, não é? - murmurou ele e ela riu, desviando os olhos do rosto dele. O garoto percebia quando as meninas tinham uma queda por ele, principalmente as tímidas. Eram as mais fáceis de identificar. - Qual seu nome? Trabalha na CMC? A garota paralisou. Não esperava por aquilo, de forma alguma. Depois de alguns segundos de respiração intensa, olhou novamente nos olhos dele. - Jessica, sim, estou estagiando. - respondeu, David percebeu que ela não parecia confortável com seus próprios braços. - Sabe, eu te sigo nas redes sociais. Sempre acompanho seus vídeos e os vídeos dos Walkers. Com certeza vou torcer por vocês. Ora, por aquilo ele não esperava. Parece que aquela manhã não estava sendo tão ruim assim. - Nossa, muito obrigado, Jessica! Mas nem passamos pela eliminação ainda. Há chances de você não nos ver na televisão. - Eu duvido muito! Sua voz é incrível, David. Nem sei como dizer isso, vai soar meio psicótico, mas quando você canta parece que meus problemas desaparecem. É muito inexplicável. Hm, err, você pode me dar um autógrafo? E nem esperava por aquilo, também. Já havia dado autógrafos na vida, as estudantes mais novas da West Newton poderiam ser bem dedicadas aos Walkers quando queriam. Porém, uma garota de fora era novidade. Uma ótima novidade. Ele se aproximou dela e colocou um braço em volta de seus ombros, deixando-a completamente inanimada. - Claro que sim! Vamos ali pegar um papel e uma caneta. - Ele a conduziu NACIONAIS-ACHERON
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até sua própria mesa de brindes e a garota passou para o lado de dentro, se abaixando e começando a mexer em suas coisas. - David! O que vai fazer hoje? A voz de Scott estava próxima deles, fazendo David e a garota olharem. Scott se aproximou, acompanhado por Alfie. Jessica, a estagiária, congelou, abaixada no chão. - Ora, não é que está com sorte, Jessica? Três Walkers para lhe darem autógrafo! Scott olhou confuso para a menina abaixada e Alfie encarou o rosto de David com um sorriso cúmplice. Era possível ler um invisível "tietes" piscando na testa de um David sedutor. Jessica se aproximou deles e entregou o papel para David, que escreveu: "Para os olhos mais belos que tive o prazer de conhecer. Com amor, David Young."
Logo abaixo da frase, escreveu o número do seu telefone celular. Quando passou o papel para Scott, o garoto começou a rir. - Poeta - murmurou entre risos frouxos. Escreveu apenas seu nome e desenho uma carinha sorridente. Alfie pegou da mão dele sem nem esperá-lo terminar a linha do sorriso e leu a frase e o telefone de David com uma expressão engraçada. Escreveu seu nome e, abaixo, a frase "Alfie, o Grande". Começou a rir sozinho, atraindo os olhares agora curiosos dos três que o encaravam. Ele entregou o papel para a menina, que leu tudo com os olhos brilhando. Depois, seus olhos se levantaram timidamente para David e ela dividiu um sorriso particular com ele. Agradeceu aos três e se afastou para trás da mesa. NACIONAIS-ACHERON
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- Cara, eu te amo, sabia? - disse Scott, enquanto os três saíam de dentro da barraca. David soltou um riso pelo nariz e vestiu sua credencial. Os estudantes agora começavam a lotar o gramado e não demorou para se iniciar uma fila no Guitar Hero. Quem vencesse a batalha de duplas ganhava uma camiseta ou um copo de brinde, e esse era apenas um estímulo extra para a competitividade dos adolescentes. Estava subentendido que os Walkers precisavam ficar por ali fazendo presença e representando o comitê estudantil, portanto Jack Trevino logo estava com seus três companheiros. Seus cabelos estavam especialmente bagunçados e seu rosto estava amassado, revelando uma possível noitada deslocada no meio da semana. - Eu te desafio, Scott. - David ouviu Alfie falar para o amigo. Scott o olhou com as sobrancelhas franzidas. - Vamos jogar, aposto que ganho de você. - Ponha-se no seu lugar de baixista, Meadows. - falou Scott, porém mantinha uma expressão desafiadora. - Está com medo de perder, é, florzinha? Ia pegar mal mesmo um guitarrista perder para um baixista no Guitar Hero. Não quero fazer você se sentir mal no meio das fãs. - Vamos. David rolou os olhos, assistindo Scott e Alfie se afastarem e invadirem a enorme fila formada por estudantes. Muitos já estavam jogados no sofá tomando os refrigerantes gratuitos. Os dois convenceram, com a lábia que tinham, todos a passarem na frente e prometeram uma digna apresentação de rock. Começaram então a jogar e os estudantes em volta pareceram se empolgar com o fato de dois pseudo-astros estarem mostrando suas NACIONAIS-ACHERON
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habilidades. Gritos de incentivo para ambos podiam ser ouvidos. David assistiu de longe por um minuto, até ser interrompido. - David? Ele olhou para o lado, dando de cara com quatro pré adolescentes ansiosas de olhares vidrados. - Olá, meninas, tudo bem? - Só queríamos dizer que vamos torcer para os Walkers. - começou uma delas, a mais ansiosa de todas, atraindo expressões reprovadoras de outras duas delas. - Não é só isso, a gente ama vocês, mesmo. - completou outra. David acompanhava-as com um sorriso simpático, porém não sedutor. Elas eram muito novas para flertar. - Achamos que deve voltar com a Samantha, ela é muito bonita. Vocês formariam um lindo casal. - Ai, Rebecca, pare de falar por nós quatro. Olha, David, acho você e a Penelope maravilhosos. - Cale a boca, você está estragando tudo. A gente combinou que ia falar para ele voltar com a Samantha. - Meninas, meninas... - David interrompeu a cômica discussão das quatro, tentando manter o sorriso simpático e fingir que quatro crianças se intrometendo na sua vida pessoal era muito divertido. - Fico feliz que gostem dos Walkers, realmente, muito obrigado pelo apoio. Mas podem deixar que eu cuido do resto, tudo bem? As quatro concordaram, abrindo largos sorrisos satisfeitos pela educação dele e se afastaram, recomeçando a discussão sobre a vida pessoal de David. NACIONAIS-ACHERON
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Ele precisava praticar melhor a tolerância, sabia que se queria ficar famoso iria passar por milhões de momentos como aquele. A perspectiva de ser reconhecido na rua, chamar a atenção dos paparazzi e ter de atender fãs cada vez que decidisse sair de casa não incomodava David. Na verdade, ele até queria fazer parte desse mundo. Ser reconhecido pelo seu talento era algo que nem em seus sonhos mais iludidos ele conseguira experimentar, até agora, mas com todas essas vantagens vinha também a superexposição de sua vida pessoal e seus relacionamentos. Não é como se ele já não passasse por isso, principalmente através do blog de fofocas da West Newton, mas ainda acontecia em proporções consideravelmente inofensivas. Era apenas um seleto grupo que tinha acesso àquelas informações, pois ele ainda não era conhecido o suficiente para atrair atenções externas. Enquanto pensava sobre isso, entrando em um significativo transe no qual a grama era o ponto de descanso para seus olhos, não percebeu o que começara a acontecer na barraca da gravadora. Quando levantou seu olhar para o ponto onde Scott e Alfie antes jogavam, sentiu seu corpo inteiro formigar devido à crescente raiva que se iniciara ao identificar Oliver Lynch posicionado no local onde antes Alfie estava, jogando agora contra Scott. Seu melhor amigo estava compartilhando um momento de diversão com a pessoa mais desprezível daquele lugar, pois ambos riam enquanto acertavam ou erravam as notas. Eles estavam rindo. Scott estava rindo com Oliver Lynch.
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CAPÍTULO 29 Observou aquela cena ridícula até o final, forçando-se a cravar seus pés onde estava parado. Não iria até lá, não iria se envolver. Se Scott queria confraternizar com o inimigo, que fosse. Era problema dele. Porém, ao conseguir identificar o resultado da partida e assistir Oliver se vangloriando nas fuças de Scott, que ria de forma simpática de sua nota inferior à do guitarrista dos Velvets, David não conseguiu suportar. Era tudo extremamente absurdo, a Batalha das Bandas nem havia começado e Scott já estava se humilhando na frente de um inimigo. Às vezes David podia levar competições muito a sério, mas para o inferno com aquilo. Andou rápido até a barraca, enfiando-se bruscamente por entre o público que assistia, e parou ao lado dos dois garotos, no meio da pequena sala montada. Agora, podia perceber o resto dos Velvets ali, antes encobertos pela grande aglomeração. Samantha, é claro, assistia sua reação enfurecida com uma expressão irônica. - Me dá isso - resmungou David ao parar na frente de Scott. O amigo o encarava com os olhos um pouco arregalados, espantado com o que estava prestes a acontecer. - David, é só um jogo - responde Scott, porém já começara a tirar a guitarra dos ombros. David ignorou a tentativa de Scott de apaziguar a situação e vestiu o instrumento, forçando-se a olhar finalmente para o rosto de Oliver, que estava sério, diferente de seus colegas de banda que riam da situação. - Escolha a música - resmungou David, voltando sua atenção para a tela. NACIONAIS-ACHERON
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- Não precisamos fazer isso - A voz de Oliver era contida, porém, de certa forma, honesta. - Está com medo? - perguntou David, olhando novamente para ele. Oliver não demonstrou nenhuma emoção aparente, apenas devolveu o olhar ao garoto. De repente, Samantha se aproximou e sussurrou algo no ouvido de Oliver. Não, ela não tinha feito isso. Não. David podia imaginar uma cena exagerada de explosão de raiva, na qual ele começava a socar Oliver como já havia feito no passado. Porém, precisava manter a compostura na frente da equipe da City Records e da City Music Channel, então simplesmente respirou fundo e aguardou. Oliver concordou com a cabeça, respondendo qualquer que tenha sido a frase que Samantha sussurrara, e começou a escolher as configurações do próximo jogo. Antes de focar sua concentração na tela de plasma na sua frente, David olhou por um reflexo para Samantha, que sorriu. Nunca a vira tão convencida em toda a sua vida, e olha que passara por muitos momentos competitivos com a garota no passado. Os braços das duas guitarras apareceram na tela e a música teve início. Oliver escolhera "Lay Down" da banda Priestess, e David lembrou que já havia jogado aquela. Tinha o jogo em casa, mas preferia passar seu tempo tocando de verdade. Por sorte, pegou o ritmo rápido e não ficou para trás. Oliver era realmente muito bom, admitiu em seu profundo interior, o garoto mal se movia e não demonstrava nenhum esforço, mas ele próprio também era. Os dois empatavam no quesito agilidade. Se parasse para analisar, a situação toda era bem ridícula, mas preferiu se concentrar no desafio que havia proposto. Começara a sentir o suor escorrer pelas têmporas quando a música atingiu sua segunda parte e estava se NACIONAIS-ACHERON
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encaminhando para o solo. Nos momentos em que conseguia olhar para o jogo de Oliver, percebia que o garoto não errava nada. Era tudo muito exato e estranhamente natural para ele. Naquela hora, David percebera que seu substituto era bom no que fazia. Enquanto franzia o cenho pelo esforço e sentia as próprias mãos suadas no instrumento, fora obrigado a admitir interiormente que Oliver Lynch devia tocar muito bem. Apesar de não aparentar, David sabia que fazia julgamentos justos a respeito das pessoas, e isso o fazia ter também uma personalidade raramente humilde. Porém, nas circunstâncias atuais, suas boas qualidades não teriam uma oportunidade para prevalecer, pelo menos não na frente dos Velvets. A música chegara ao seu fim, fazendo ambos relaxarem e largarem as guitarras, fazendo-as pender nos corpos. As pessoas bateram palmas e gritaram, e apenas agora David podia notar que possuía uma torcida considerável. Não identificara nada, durante toda a música. Sua concentração fora tão obsessiva que tudo ao seu redor sumira naqueles três minutos de jogo, tudo, exceto ele, Oliver e o fato de Oliver possivelmente ser tão bom quanto ele. Ou talvez até melhor. As notas e a porcentagem não demoraram para aparecer na tela. Quando todos compararam os números, as reações foram silenciosamente idênticas. Assim como as notas. Eles haviam empatado, era inacreditável. David tirou a guitarra dos ombros e entregou para qualquer um que estivesse em volta. Se afastou mais irritado do que quando havia se aproximado, não podia suportar o fato de ser comparável àquele verme. Dentro de sua mente não havia problemas em se comparar com ele, afinal ninguém mais tinha acesso a isso, mas aqueles números estampados na tela comprovavam publicamente o terror particular do garoto. Oliver, o parasita da West NACIONAIS-ACHERON
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Newton, poderia vir a ser um forte adversário na Batalha das Bandas. E, o que mais o incomodava, excluindo todas as questões técnicas: Oliver Lynch estava mais íntimo de Samantha Hollow do que David Young. Aqueles pensamentos fizeram os punhos do garoto se fecharem enquanto se afastava, evitando olhar para a garota, pois já podia imaginar sua expressão facial. Já tivera bastante daquilo naquela manhã, mais um de seus sorrizinhos o enlouqueceria. - O que foi isso? Scott segurou seu ombro quando David atingiu uma distância segura da aglomeração, podendo dar início a uma D.R. sem bisbilhoteiros em volta. O garoto rolou os olhos, e logo depois os estreitou para o amigo, agora parado na sua frente já que ele próprio se virara para encará-lo. - O que foi isso? Vamos ver... - David fez uma pausa dramática proposital para irritar Scott, fingindo pensar na resposta. - Eu tentando salvar a sua imagem quando você tem a brilhante ideia de confraternizar com o inimigo e, para completar, perdendo para ele em público. - David, quer parar de drama? Você acha que eu vou olhar feio para eles só porque são nossos adversários em uma competição? Quantos anos você tem, dez? - Você sabe que não é só isso. - murmurou David, se aproximando mais do amigo. Cruzou os braços e fitou o rosto de Scott de forma mais séria agora. Eu me dou extremamente bem com todas as outras bandas que se inscreveram. - Tudo bem, reformulando, só porque a vocalista da banda é a sua ex eu preciso cuspir na cara do guitarrista? - Seria bom. - respondeu com um sorriso irônico. Scott fez menção de se NACIONAIS-ACHERON
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afastar e David colocou a mão na frente de seu peito, obstruindo o caminho. Você realmente não vai entender o meu lado? Scott, fala sério, cara, você é meu melhor amigo. - Eu teria o maior prazer em te compreender se você agisse como meu melhor amigo e me contasse tudo o que aconteceu relacionado ao escândalo. Mas você quer que eu odeie um grupo de pessoas sem justificar o porquê... cara, desculpa, se você não confiar em mim eu não vou compactuar com sua rivalidade inexplicável. Scott finalizou sua resposta e deu de ombros, começando a se afastar novamente. - Não é um grupo! - David olhou em volta antes de gritar o resto da frase. São só aqueles dois... Praguejou ao observar Scott continuar seu caminho sem nem olhar para trás. David tinha plena noção da indignação das pessoas próximas a si que o consideravam o suficiente para querer compreendê-lo. O problema era que não conseguia se sentir confortável e compartilhar tudo o que acontecera naquele dia... quando se tratava de seus sentimentos, ele podia ser extremamente fechado. Nunca fora incentivado a se abrir, seus pais sempre foram duas pessoas muito frias e distantes que não davam importância para esse tipo de coisa. Na família Young, o que importava era sua aparência nos jantares formais e nos eventos sociais, assim como seus contatos e suas alianças. Quem se importava com os sentimentos do único garoto da família, se mal davam importância para o das meninas? A família de David era constituída por cinco pessoas, sendo que ele tinha duas irmãs. Katrina Young tinha quinze anos e estudava com ele na West Newton desde quando ele entrou; e Savannah Young, a irmã mais velha de NACIONAIS-ACHERON
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vinte e cinco anos, já estava terminando a faculdade. A garota mais velha sempre fora a preferida dos pais, ele tinha plena noção disso. Ela era a única dos filhos que se submetia completamente as vontades superficiais da mãe, sendo a perfeita menina rica e bonita, meio vazia e com sonhos previsíveis. Até a maldade da mãe Savannah herdara, sempre fora uma irmã muito cruel e de difícil convívio, e isso se comprovara quando Katrina nasceu, já nos seus primeiros anos de vida. Savannah não deu atenção nenhuma para a nova irmã e, na esperança de ser apenas um ciúmes inicial, a família achava que a negligência desapareceria com o tempo. Porém a repulsa apenas aumentou, e era difícil dizer qual dos dois Savannah menos gostava, pois David imediatamente se aproximou da pequena irmã, agradecendo imensamente o destino por dar a ele uma nova chance de criar laços com uma irmã, já que seus laços com Savannah eram inexistentes. Era até bem difícil de acreditar como David e Katrina haviam conseguido crescer e tornarem-se adolescentes consideravelmente decentes, se comparados com a irmã mais velha. David sabia que a proximidade da irmã mais nova influenciava e muito na sua personalidade decente e vice versa. Com o passar dos anos os dois cultivaram uma intimidade vital e eram os únicos Young que tinham noção do quão errados eram os valores da família. Talvez por terem liberdade de discussão e terem um ao outro para conversar e reclamar dos absurdos da mãe, ou talvez eles simplesmente haviam escapado do gene podre, era difícil dizer, mas David sabia que seu relacionamento com a irmã fora muito importante para o seu desenvolvimento social. Porém, nem a presença de Katrina fora o suficiente para substituir a ausência de libertação emocional que deveria ser estimulada pelos pais na família. David adquirira um bloqueio emocional que o impedia de compartilhar seus sentimentos com as pessoas, por isso nunca dividira com NACIONAIS-ACHERON
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ninguém o que realmente aconteceu naquele dia fatídico e muito menos como se sentia em relação a isso. O resultado disso era a indignação das pessoas próximas a ele, mas sabia que se conseguira manter os fatos para si mesmo por dois anos, conseguiria por mais um. Pelo menos até se formar... mas, com Samantha de volta e seus antigos sentimentos devidamente enterrados sendo escavados bruscamente, era difícil garantir.
✖✖✖✖✖✖ - Então você decidiu ignorar a promessa que fez a Penelope... A claridade através da camada fina de pele de suas pálpebras já estava estabilizada e confortável, porém a voz que veio de cima obrigou David a abrir os olhos e espremê-los. Katrina sentou-se ao lado de seu corpo completamente deitado no jardim da mansão dos Young. Era um jardim anormalmente vasto para uma casa considerada dentro da cidade grande, com uma extensão grande o suficiente para alguém se perder à noite, talvez por entre as coníferas de diferentes tipos. O garoto observou a irmã sentada por alguns segundos antes de responder a sua frase. Seu vestido branco fora parcialmente encoberto por um sobretudo azul-marinho, muito parecido com o qual ela usava para frequentar a escola. Notou o cuidado que a menina tinha em não sujar o tecido branco, logo depois olhando para si mesmo, estirado displicente na grama com uma camisa também branca e uma calça de cor coincidentemente azul-marinho. O sol fazia com que ele não sentisse o frio que deveria estar sentindo naquela época do ano, ou talvez sua mente estivesse muito agitada para lembrar de sentir frio. Os irmãos sentados na grama poderiam ser confundidos com um belo NACIONAIS-ACHERON
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quadro minuciosamente planejado, onde as roupas e as posições dos dois entravam em harmonia com os arbustos de peônias rosas e brancas ao fundo. David segurou uma risada ao notar o quão perfeitos eles estavam, mesmo sentados no chão. De vez em quando aquela coincidente perfeição não programada comum nas famílias ricas de Londres o irritava, mas era a sua vida e ele não podia fazer nada a respeito disso. - Do que você está falando? - perguntou David de volta e com um dos olhos fechados pela claridade. - Escutei você falando para ela no corredor que não perderia mais seu tempo com Samantha, porém sua partida contra Oliver Lynch no Guitar Hero hoje no intervalo foi exatamente o oposto disso. David suspirou profundamente, fechando os olhos ao tentar buscar alguma vontade perdida dentro de sua mente de continuar aquela conversa. Sabia que a volta de Samantha provocaria muitas tentativas de Katrina em iniciar conversas sobre a garota, mas a vontade de ignorá-la era tentadora. - Exatamente, eu joguei contra Oliver Lynch, e não Samantha Hollow. - Eu posso ter quinze anos e parecer ingênua, mas eu sei ligar os pontos, maninho. Você estava tentando provocá-la e provar a ela que era melhor que ele. - Katrina, por favor, não interrompa o belo som dos passarinhos para falar asneiras. - Ora, Dave, acabou que vocês empataram. Acho que foi pior do que se você tivesse ficado na sua. Com certeza o West What vai fazer uma postagem venenosa e ainda vai insinuar que Samantha e Oliver estão tendo um caso, o que eu acho bem provável porque eles aparentam ser bem próximos... - Se eu quisesse um relato deturpado de toda a situação, eu lia aquele blog NACIONAIS-ACHERON
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medíocre. Mas como eu não tenho o mínimo de interesse, eu imploro que você não me importune com isso. - Até quando você vai evitar conversar comigo sobre ela? - Até quando eu quiser, Katrina. Ouviu o ar da respiração da irmã ser soltado com uma impaciência acompanhada de cansaço. Tinha de reconhecer os esforços da menina durante aqueles dois anos, tentando arrancar informações de todas as formas possíveis. Katrina daria uma bela jornalista. Ela permaneceu sentada ao seu lado, agora em silêncio, puxando pedaços de grama distraidamente. Quando David estava pronto para fechar os olhos e reiniciar sua tentativa interrompida de relaxar, seu celular vibrou no bolso da calça.
"Scott McMillan: Ensaio às cinco aqui em casa, resolvi te lembrar porque fatos recentes podem ter deixado você meio nervoso e desatento"
David suspirou de forma impaciente e começou a digitar a resposta para o amigo.
"David Young: Eu estou calmo e atento como sempre estive. Atento o suficiente para saber que precisamos sincronizar a performance, caso não tenha notado. Ficaremos aí até tarde." NACIONAIS-ACHERON
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Os Walkers estavam ensaiando como verdadeiros condenados naquelas semanas antecedentes a primeira fase da Batalha das Bandas. O talento dos meninos não era gratuito, e se já estavam sendo reconhecidos antes do início da competição, era por merecerem. Porém, o que ninguém sabia, era que eles estavam preparando algo nunca visto nos dias atuais. Algo incomum para meninos de dezesseis e dezessete anos que decidiam formar bandas de rock, aquelas mesmas bandas com os mesmos sons. Os Walkers estavam planejando se destacar no meio daquele previsível ciclo vicioso adolescente, e todos os quatro estavam dispostos a esfolar os dedos - e os pés - para alcançar a perfeição e a tão cobiçada sincronia.
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CAPÍTULO 30 Aquela costumava ser sua foto preferida deles juntos. Além de ser extremamente divertida, fazendo-a rir ao lembrar do exato momento do clique, era verdadeira. Nenhum dos dois estava preocupado com o que o outro iria achar, ou até mesmo com o que o resto das pessoas iriam achar, estavam apenas sendo eles mesmos de forma natural. Nenhum fator externo influenciava suas ações e ninguém se importava com o relacionamento deles a não ser eles mesmos. Há dois anos, eles eram assim. Há dois anos, Samantha Hollow e David Young poderiam ser invejados pela perfeita sintonia e nada além disso. Popularidade, respostas provocantes, negações, inveja, ciúmes, olhares distantes... não combinava com eles. A garota analisou o rosto de David na foto e não repreendeu seu próprio sorriso, afinal ninguém a estava observando. Ele fazia uma careta enquanto ela mesma tinha um acesso de risos ao lado, inclinada para trás segurando a barriga. Os dois estavam fantasiados para uma festa de Halloween que iria acontecer na casa de um colega da escola, ambos caracterizados como vampiros maltrapilhos. Era provavelmente a pior fantasia que eles encontraram de última hora, que incluía dentaduras muito falsas. Lembrou que, momentos antes da foto ser batida, eles passaram por um momento nojento e babado ao experimentar as dentaduras e começarem a rir, deitados na cama do quarto de Alex. Na foto, estavam apenas com as capas horrorosas, blusas e calças pretas e sangue feito de caneta vermelha no canto dos lábios. Nos dias de hoje, nunca sairia de casa daquele jeito. Mas na época... pouco importava, para falar a verdade. A companhia de David e do NACIONAIS-ACHERON
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resto dos amigos era mais importante do que sua aparência e do que achariam de sua fantasia. Haviam várias polaroides espalhadas pelo chão do quarto de Samantha, em volta de seu corpo sentado de pernas cruzadas. Ela decidira mais cedo ler as suas revistas velhas de rock e, ao abrir uma Rolling Stone com Ozzy Osbourne na capa, viu um conjunto de fotos caírem aos seus pés. Não sabia por qual motivo as colocara ali, nunca fora a pessoa mais organizada do mundo, mas o fato era que aqueles momentos antigos a fizeram parar por um tempo e relembrar. Na época, Alex havia ganhado de aniversário uma nova câmera fotográfica e eles exageraram no uso, até o irmão mais novo dela, Gregory, deixara cair e estragar. Fotos de diversos momentos do grupo estavam no chão, incluindo uma apenas de David e Oliver. Sim, essa foto existia. Acontecera bem no início da entrada de Oliver para os Velvets, quando os dois ainda se davam bem e podiam ser considerados amigos. Outra foto mostrava os cinco sentados em um sofá desconhecido, provavelmente pediram para alguém bater. Na ordem, Alex, Oliver, Carter, Samantha e David posavam, cada um fora pego fazendo algo diferente. Alex tentava lamber o rosto de Oliver enquanto o garoto se afastava com uma expressão de nojo; Carter estava sério com a mão no queixo, simulando uma pose de modelo falha; David fazia cócegas em Samantha, que se apoiava com as costas em Carter, tentando fugir. Pela primeira vez depois de sua volta sentia saudades da formação antiga dos Velvets. A saudade era da relação entre eles, que poderia ser invejada por qualquer pessoa. Um grupo de amigos como o deles era incomum, sabia que nem todo mundo tinha aquela sorte. Quis chorar, porém esforçou-se para não passar por aquilo. Não precisava NACIONAIS-ACHERON
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daquela saudade, não agora. Os Velvets estavam de volta e a relação deles era tão boa quanto antes. A única diferença era que, agora, não poderia ficar no mesmo ambiente que David, senão começavam a brigar. Mas a ausência de um integrante não fazia tanta diferença assim. Ora, quem queria enganar. A ausência de David era quase impossível de suportar. Ele era o Velvet mais próximo dela, passavam horas e horas seguidas juntos, fosse assistindo filmes ou fosse conversando em alguma praça do bairro. Longas conversas sobre a vida, o futuro, as escolhas que fariam... e quem diria que acabariam assim? Era deprimente. Por um momento quis levantar do chão e caminhar até a casa de David, ignorando aquela mãe louca dele que provavelmente a impediria de entrar, mas entrando mesmo assim e indo até o quarto dele, abrindo a porta e falando logo tudo o que estava sentindo. Pediria uma trégua, imploraria para que as coisas voltassem a ser como eram. Não se importaria mais com escândalo nenhum, era tudo uma grande besteira... Mas, não, não era uma grande besteira. David havia traído a amizade deles e agido como qualquer outro garoto rico sem caráter da West Newton. Havia se tornado o tipo de garoto que fazia Samantha de boba no passado, enquanto o próprio David falava para ela esquecer eles e ficar com alguém melhor. David havia se tornado o que mais criticava. Não, não havia se tornado... sempre fora assim, e Samantha achava que ele era diferente. Seu olhar, aos poucos, se perdeu no tapete vermelho do quarto.
O reflexo das nuvens na superfície estática do lago era mais atrativo do que a verdadeira imagem do céu nublado. Ao mesmo tempo em que não era real, misturava-se com a incerteza da calmaria aplainada. Samantha desviou NACIONAIS-ACHERON
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sua atenção da lividez mesclada com a escuridão cinzenta e colocou os olhos nas pontas dos tênis. O All Star preto estava levemente manchado de terra nas pontas brancas, causando na garota um breve desespero. Não ganharia um tênis daqueles tão cedo se o arruinasse. Começou a raspar uma das pontas na grama úmida que circundava o lago, na esperança de trazer o branco novamente a vida. As risadas distantes de seus amigos eram apenas mais um dos muitos sons que sua audição identificava. Se alguém lhe perguntasse, responderia que estava odiando aquele dia. Na verdade, estava odiando os últimos dias de sua vida. Não estava se divertindo nem metade do que seus amigos estavam, em vista da cena alegre protagonizada por Alex e Carter a alguns metros dela. Ambos estavam com um punhado de folhas secas nas mãos, tentando fazer com que elas grudassem nos cabelos um do outro. Voltou a atenção para seus tênis manchados. - O que você tem hoje? Samantha impressionou-se com a demora daquela pergunta. Ele geralmente identificava seu mau humor mais rápido. David parou ao seu lado e observou sua tentativa de limpeza fracassada. - Como assim? Eu estou ótima. Samantha continuou esfregando o tênis na grama, sem sucesso, fazendo David continuar encarando aquela ação impulsiva e inútil. - Não vai conseguir limpar assim, na verdade, vai sujar mais ainda. Ela parou o movimento e o olhou, sem emoção. O rosto de David estava rosado em algumas partes pela temperatura fria, porém sem vento, daquela tarde. Ele esboçou um sorriso de canto, tentando animá-la. Não fazia ideia NACIONAIS-ACHERON
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do motivo pelo qual Samantha estava desanimada, porque era um garoto, e garotos nunca fazem ideia de nada. Ela continuou séria, mas sentiu-se pressionada pelo olhar compreensivo dele. Sempre quando estava triste e era questionada, não conseguia segurar as emoções. Parecia que quando alguém lhe perguntava o que estava acontecendo, tornava tudo mais real, evidenciando sua tristeza. Acontecia muito com sua mãe, e, naquele momento, estava acontecendo com David. Uma lágrima escorreu pelo rosto dela, fazendo a expressão do garoto se fechar. - Ei, Sam... – Ele se aproximou o suficiente para alcançar a bochecha da garota e limpar a lágrima com o dedo. – Você sabe que pode me contar as coisas... todas elas... Qual o problema? - Josh Nolan. David levantou uma sobrancelha, surpreendendo-se pela rapidez que a convencera a se abrir. Garotas geralmente demoravam um pouco, prolongando o sofrimento. - O que tem esse cara? Samantha revirou os olhos. - Tudo. Sabe o que ele fez comigo. Agora foi a vez de David revirar os olhos, logo depois a encarando significativamente. - Você realmente vai ficar triste por um idiota popular? Aliás, o que você viu nele? - Não vou te explicar essas coisas. - De qualquer forma, você acha que ele merece o seu tempo? Ou melhor, NACIONAIS-ACHERON
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as suas lágrimas? Josh Nolan merece essa tarde que está perdendo com os seus amigos? Samantha ficou em silêncio, abaixando a cabeça e suspirando. Ele não entendia. Ela estava triste por muito mais do que um simples fora. Estava triste por não se sentir atraente e ser considerada uma perdedora na escola. - Você é linda. A garota arregalou os olhos, sem os tirar da grama. David lia pensamentos agora? Levantou o rosto devagar, encarando o sorriso tímido dele. - O quê? - Você é a garota mais bonita que conheço, mas é claro que não precisa de mim para saber disso. Deveria ter certeza. Nem sei porque você fala comigo, para falar a verdade. Quer dizer, olhe para mim ao seu lado. Chega a ser meio vergonhoso. - Pare com isso. Não sou bonita como as garotas da escola, não precisa mentir para fazer eu me sentir melhor. Sou realista. - Eu também estou sendo. Você é incrível. Só porque não se veste como elas ou porque não usa quilos de maquiagem não significa que é inferior. Gosto de você exatamente por isso, Sam. Você é você. Samantha pigarreou, sentindo-se desconfortável com aquela declaração. Seu estômago começou a apertar. David era seu melhor amigo e mesmo assim sentia alguma coisa por ele, o que era meio idiota. Sabia que ele só estava falando aquilo para animá-la, era o papel dos amigos. Ele tinha as garotas dele e ela nunca faria parte daquele grupo. Sentia-se patética por levar a sério aqueles elogios. Deu um passo para trás e olhou novamente para o lago. NACIONAIS-ACHERON
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- Tudo bem, se não quer acreditar em mim e prefere perder o seu tempo com aquele tipo de cara... - Tá, David, eu estou bem. Ouviu o garoto suspirar ao seu lado e se afastar aos poucos. Duas lágrimas escorreram pelo seu rosto enquanto observava a figura de David diminuir na medida em que caminhava para longe. Lágrimas densas, uma depois da outra.
Odiava aquelas lembranças detalhadas, tão claras que chegavam a doer os olhos. O escândalo revelou a verdade por trás de todos aqueles elogios incisivos de David. Ele a estava preparando para o terrível dia em que a usaria durante um momento íntimo e apaixonado da parte dela para finalmente conseguir a tão desejada popularidade que antes desprezava. David era um grande poço de mentiras. Como um garoto de quinze anos conseguira planejar algo tão cruel sozinho? Como conseguira atuar por tanto tempo, de forma tão verdadeira? Nunca suspeitara da falsidade dele, era tudo tão real... Os elogios, os abraços, as conversas... ele era um perfeito mentiroso. Achava que essa habilidade vinha junto com a herança dos garotos ricos da West Newton. David Young fingira ser seu melhor amigo por anos só para a apunhalar pelas costas e a usar para seu próprio benefício. Evitara até aquele momento pensar sobre a situação de forma tão detalhada. Odiava analisar o escândalo, odiava relembrar como havia sido tão inocente por tanto tempo. Era um fato, fora inocente por muito tempo. Entretanto, estava disposta a mudar. Já estava mudando... ninguém mais a faria de fantoche. Samantha Hollow era dona da própria vida e não seria enganada novamente por um NACIONAIS-ACHERON
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garoto rico de vida fácil. Ela sabia como era viver sob pressão e sob condições monetárias difíceis, coisa que David nunca saberia. Ele não precisava se preocupar com nada, era só estalar os dedos que todos os seus desejos se realizavam. Ele podia ter tudo o que queria sem precisar correr atrás de nada. Samantha estava pronta para mostrar a todos que superara a traição e que a garota inocente não existia mais, essa havia dado lugar a uma garota forte, batalhadora e independente. E, principalmente, esperta. David podia sentar e começar a assistir seu antigo plano ir por água abaixo. - Samantha! O que está fazendo acordada? Ela jogou uma das revistas em cima das fotos e olhou para a mãe parada na porta do quarto, tentando disfarçar o susto. Se recompôs da raiva e do ressentimento em poucos segundos. - Querida, você tem aulas de manhã e trabalha pelo resto do dia agora. Deveria dormir quando chega em casa... - Eu sei, mãe, só estava procurando uma coisa. - Ah, vou aproveitar que você está acordada... não temos muito tempo para conversar durante a semana. O que acha de convidar Oliver para jantar aqui? Ele merece um gesto de agradecimento por ter lhe ajudado tanto. Sem ele você não estaria na West Newton ainda. Samantha processou a informação com certa demora. Sua mãe estava planejando preparar um jantar para Oliver, o quão constrangedor era isso? Pelo amor de Deus. - Não sei, não é melhor eu comprar uma camiseta para ele ou algo assim? É bem mais fácil... - Avise-o para vir daqui dois sábados, à noite. – Donna ignorou totalmente NACIONAIS-ACHERON
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a tentativa de Samantha de sugerir outro tipo de agradecimento. A mãe podia ser determinada até demais de vez em quando. – Boa noite, querida. - Mãe... Donna lhe lançou um sorriso e ela pode ver assustadoras segundas intenções. O que estava acontecendo? Aquilo era sua mãe tentando criar um clima entre ela e Oliver? A mulher bateu a porta, deixando Samantha encarando espantada a madeira escura. O que... raios... acabara de acontecer? Sabia o que era. A resposta veio como um espasmo ansioso. Donna estava tomando as dores da filha, era óbvio. Como uma perfeita advogada, estava articulando seu pequeno plano em silêncio, o plano para tentar fazer com que Samantha e Oliver tivessem alguma coisa e a menina esquecesse de vez aquele garoto medíocre. Lembrava quase todos os termos que a mãe usara para se referir a David depois do escândalo, era até meio engraçado. Delinquente ambicioso, traidor dissimulado, pirralho ardiloso... poderia fazer um glossário de tão longa que era a lista. Tinha a plena certeza de que Donna odiava David muito mais do que ela mesma. Claro que sim, afinal ela não cultivava fortes sentimentos por ele mesmo depois de tudo o que aconteceu. Por um momento quis trocar de lugar com sua mãe e sentir apenas ódio de David. Seria muito mais fácil. Considerou abrir a porta do quarto e ir atrás de Donna, proclamando que nada adiantaria, Samantha ainda seria a mesma idiota apaixonada por David. Por mais que Oliver fosse perigosamente atraente e ela sentisse seu estômago explodir de ansiedade quando o olhava.
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CAPÍTULO 31 Seu corpo fervendo e seu peito subindo e descendo podia definir muito bem aquela última hora. Olhou para seu lado direito e sorriu satisfeita ao encarar Alex, que estava com parte dos cabelos loiro platinados grudados no pescoço de tanto suor. A amiga sorriu de volta e ela pode jurar que identificou lágrimas de felicidade na parte inferior dos olhos dela. Alex, com aquele jeito de menina durona, poderia ser bem mais emocional que ela mesma de vez em quando. Voltou sua atenção para o pequeno, mas significativo, público que acabara de assistir à estreia dos Velvets no Walsh, pub no qual Samantha amava trabalhar cada vez mais. Homens e mulheres de diversas idades gritavam palavras de incentivo, ela percebia que estavam sendo sinceros. Aquele público era extremamente crítico por estar, em sua maioria, ali pela qualidade da música prometida. Odiava fazer essa comparação invejosa, mas sabia que parte das fãs dos Walkers e principalmente de David o eram principalmente pela atração física. Não precisava ser um especialista para perceber isso, era só observar as meninas mais jovens olhando para David como se ele fosse o único na vida delas. E assim, ao receber o primeiro feedback de um público real, notou que com os Velvets seria diferente. Era óbvio que eles acabariam por ter algumas tietes se viessem a ser conhecidos, mas o que prevalecia era a qualidade musical. A vibração proveniente do grupo que os acabara de assistir deixava isso muito claro. NACIONAIS-ACHERON
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Os quatro escolheram por fazer a primeira apresentação com uma pegada mais acústica, pois haviam chegado à conclusão de que impressionariam mais aquele público em especial se fizessem algo mais orgânico. Haviam acertado o alvo em cheio. A voz de Samantha ecoara pelo ambiente de forma a envolver cada alma presente, deixando claro que ela tinha o talento natural e só o estava deixando dar uma voltinha. A verdade era que nem pareciam um grupo amador. Nem parecia que tinham apenas dezesseis anos e estavam fazendo seu primeiro show. Os Velvets tinham uma áurea extremamente profissional e real, e não forçavam aquilo. Era como se eles fossem um só ao fazer suas decisões de performance. Como agir no palco, como se movimentar, como responder aos aplausos das pessoas... Eles haviam nascido para estar ali e ninguém pensava diferente. Todos desceram do palco pela escada lateral, Samantha notou Frank Walsh os esperando próximo ao início do balcão do bar com um grande sorriso no rosto. - Você não mencionou em nenhum momento o quão bons são, garotinha. Está querendo me matar do coração? Se quer saber, já até liguei para o seu pai. Ele quer ver vídeos da apresentação. Samantha arregalou os olhos pela velocidade tecnológica de Frank, que agora mostrava a tela de seu celular com imagens deles mesmos no palco. - Muito obrigada, Frank. Estava com medo que você não gostasse! - Está brincando? Você parecia ter uns trinta anos ali em cima, meu Deus, o sangue não nega mesmo. Vocês detonaram. Frank parecia realmente muito impressionado, dado o seu olhar que se perdia no meio das frases e voltava para o palco agora vazio. Samantha não NACIONAIS-ACHERON
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conseguia parar de sorrir. Olhou para o lado e viu Carter se aproximando. - Garoto! Onde aprendeu a tocar daquele jeito? – Frank encarava Carter com certa urgência. – Não via alguém tão jovem dominar a bateria de forma tão habilidosa, sem nenhum esforço, há anos... - Nossa, muito obrigado, senhor Walsh, fiz algumas aulas, mas depois continuei estudando sozinho mesmo! - Frank, me chame de Frank, por favor, vocês estão com a vaga mais do que garantida aqui, nas quintas à noite. Vou falar com aquele guitarrista e a baixista, Oliver e Alex, certo? - Sim. Eles vão ficar bem felizes com as suas palavras, sua opinião é importante para nós, Frank – respondeu Samantha, ainda sorrindo. Frank sorriu carinhoso, agradecendo em silêncio ao colocar a mão no ombro dela e se afastou. Ela e Carter se olharam com a mesma expressão visionária. - A gente está sonhando? Me belisca, Sam, agora. Ela riu, dando um beliscão por cima da camisa jeans de Carter. Ele sorriu aliviado ao sentir a dor, que naquelas circunstâncias, mostrou-se deliciosamente real. - Eu disse para você relaxar, a gente ia fazer tudo direitinho. - Eu sei, eu meio que sabia disso dentro de mim, mas ensaiamos tão pouco... Você paralisou todo mundo na hora de “Gold Dust Woman”. Sério, eu fiquei observando. Umas pessoas até levantaram... - Você é a vocalista, certo? Carter e Samantha foram repentinamente interrompidos por um homem e uma mulher. Ambos tinham idades por volta dos trinta anos, jaquetas de couro, camisetas de bandas clássicas. A forma como o cara abraçava a mulher NACIONAIS-ACHERON
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demonstrava que eram um casal. - Sou, eu mesma! – respondeu Samantha, sorrindo de forma simpática. Mexeu nos cabelos, tentando deixá-los mais comportados, mas era impossível. Aqueles cabelos pertenciam ao caos, assim como os Velvets. - Você é inacreditável, menina. Quantos anos você tem? – a mulher falou, com uma expressão... Samantha ousou identificar como apaixonada. - Nossa, muito obrigada! Tenho dezesseis, por enquanto. Não vejo a hora de fazer dezessete, se querem saber. Ou melhor, dezoito. Os dois riram da tentativa de Samantha de ser engraçada. - Estamos falando sério, nunca ouvimos uma voz como a sua. E tão jovem! Qual seu nome? – Agora era o homem que falava. - Samantha Hollow, mas podem me chamar de Sam. - Sam, vocês tem alguma rede social para acompanharmos o trabalho de vocês? Samantha paralisou. Eles estavam realmente querendo saber mais sobre os Velvets! Adultos estavam gostando deles! Oh, meu Deus. Mas, espere. Eles ainda não tinham nenhuma rede social da banda. - Ainda não fizemos nenhuma página... começamos agora, para falar a verdade. - Pois tratem de fazer! Sua voz é uma mistura hipnotizante... Stevie Nicks e... - Janis? - Talvez. Bonnie Tyler. Mas tem algo só dela, nunca vi igual. Chega a ser meio transcendental. NACIONAIS-ACHERON
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Ela observou os dois entrarem em uma discussão séria sobre sua voz e precisou conter as lágrimas. Pela primeira vez em sua vida estava sendo reconhecida por algo que fazia, a sensação era indescritível. Adultos estavam discutindo sobre o seu talento. Se precisasse usar as mãos naquele momento, todos perceberiam que estava tremendo de emoção. - De qualquer forma, podemos te adicionar no Facebook? – perguntou a mulher, depois de um minuto de discussão com o namorado. - Claro! Procurem por Samantha Hollow, mesmo. Quando fizermos uma página da banda, eu aviso vocês! - Fechado. Parabéns pelo show, de verdade. Vocês mandaram muito bem. Queremos ouvir mais dessa voz! - Muito obrigada, gente. Mesmo! Estaremos aqui todas as quintas à noite O casal agradeceu, confirmando presença semanal nos próximos shows, e deu as costas à ela, voltando a discutir de forma empolgada sobre o que haviam assistido. Carter voltou a se aproximar, havia se afastado para deixar Samantha aproveitar seu momento sozinha. - Ouvi tudo. – O garoto a abraçou de lado com um sorriso orgulhoso. – Você merece ouvir tantas palavras como essas! Sam, você é incrível. A gente tem muita sorte de ter você como vocalista, eu nem sei como me expressar. - Acho que vocês estão exagerando um pouco, mas obrigada, Carter. - Exagerando? Sam, dois adultos estranhos vieram elogiar sua voz. Adultos. - Eu sei, eu sei. Nem consigo acreditar. Seu olhar se perdeu por entre as pessoas agora em pé, em volta do bar, que conversavam e comentavam sobre o show, de vez em quando os olhando com sorrisos de admiração. Era estranho ser olhada daquela forma, pensou NACIONAIS-ACHERON
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Samantha, devolvendo os sorrisos. Os olhares que recebia na West Newton eram bem diferentes. Oliver saiu do meio da aglomeração ao lado do palco com certa facilidade e caminhou até os dois, enquanto Alex continuava conversando animadamente com Frank e mais duas pessoas que haviam se juntado a eles. O garoto estampava um sorriso confortável nos lábios enquanto se aproximava, com os olhos sobre Samantha. Ela sabia que palavras não eram necessárias entre eles, ela tinha uma conexão estranha com o guitarrista. Era bom... muito bom. Ele parou por um momento na sua frente, sem desmanchar o sorriso, e então os dois se abraçaram. Ela envolveu o pescoço dele com os braços e sentiu um beijo no próprio. Estava tão feliz que não conseguiu congelar ou sentir qualquer outra sensação causada pela tensão sexual sempre presente entre eles. Tudo bem, sentiu uma pequena pontada, mas foi estranhamente natural. - Eu queria ter ficado lá embaixo, sabe. – começou ele quando se desvencilharam. Ele manteve as mãos na cintura dela. Ela o olhou sem entender a frase e ele continuou. – Para te assistir sem ter que tocar. – Samantha sorriu, incrédula. – Estou falando sério! Deve ser muito bom te assistir, prestar atenção na sua performance. Você é singular. A forma como Oliver se expressava era poética. Fosse sua voz profunda e baixa ou fosse a forma como pronunciava as palavras... algo poético havia ali, ela tinha certeza. Imaginou-o recitando algum poema e sentiu um arrepio na espinha. - Obrigada, Oliver, mas, sabe, eu meio que preciso de você do meu lado. A frase de Samantha soou um tanto ambígua, ambos perceberam, mas ela não se importou. Não se importava mais com o que Oliver iria achar dela. Em NACIONAIS-ACHERON
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poucos dias haviam construído uma relação íntima, e isso era o suficiente para ela poder falar o que quisesse. - Em nenhum momento eu tive a intenção de sair do seu lado, Sam. Ela abriu um sorriso, voltando a abraçá-lo. E, de repente, percebeu que a falta que David fazia nos Velvets poderia ser temporariamente suspensa. Oliver, de fato, preenchia aquele vazio de forma diferente mas muito boa. Não era como se ele estivesse substituindo, de fato, David. Era como se ele tivesse conquistado seu próprio espaço nos Velvets. - Sam! Oliver e Samantha desfizeram o abraço e olharam para a direção de onde seu nome foi chamado. Myra, sua colega de trabalho e também bartender, encarava-os impressionada. - Você não me falou que eram tão bons assim! – ela hesitou por um momento e, então, deu um abraço em Samantha, que a recebeu alegre. Aquela noite estava sendo a melhor dos últimos dias. – Parabéns, de verdade. - Frank falou a mesma coisa... Bom, se vocês estão dizendo... acho que somos decentes, certo? - Decentes? – O olhar de Myra se perdeu em Oliver. E naquele momento Samantha percebeu que estava tudo perdido. O ciúmes que sentiria de Oliver precisaria ser controlado, mas sabia que seria difícil. A colega de trabalho o encarava como se estivesse em outra dimensão. Uma dimensão muito melhor do que a que estavam, onde apenas o prazer poderia ser sentido. Myra fora transportada e precisava voltar, imediatamente. O sorriso de Samantha se desfez. - Olá. – Oliver murmurou, o olhar fixo de Myra havia se tornado um pouco constrangedor agora. NACIONAIS-ACHERON
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- Ah, oi... você é... muito bom...mesmo! Os dois ficaram se encarando por mais alguns segundos e Samantha rolou os olhos, se sentindo um pouco patética. Myra estava tietando Oliver na sua frente. Tudo bem, a garota não era obrigada a saber que Samantha cultivava fortes atrações por Oliver, mas mesmo assim... Faça-me o favor... Oh, meu Deus. Oliver estava correspondendo ao olhar intenso de Myra. Samantha fuzilava o garoto de forma incrédula. Mas, espere... eles não tinham nada, certo? Que direito ela tinha sobre ele? Nem haviam se beijado nem nada. Em sua ingênua mente romântica ela imaginou que Oliver tornarase meio exclusivo por compartilharem uma conexão inexplicável... Ora, quanta besteira. Ele estava flertando com sua colega de trabalho na frente dela. Não ficaria brava. Não tinha o direito de ficar, afinal de contas, ainda era apaixonada por David. Nunca deixou de ser, nem quando a conexão com Oliver começou a surgir. Resolveu dar as costas aos dois para não perfurar mais ainda seu ego, antes inflado, mas que agora começara a murchar. Procurou Alex com os olhos e a encontrou, sentindo um alívio momentâneo. Iria se divertir com sua melhor amiga e não iria perder seu tempo sentindo ciúmes do colega de banda que não devia nada a ela. Carter se aproximou de Alex rindo e ela sorriu, sentindo uma injeção de alegria. Seus melhores amigos eram o melhor remédio para um ego prejudicado.
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CAPÍTULO 32 Ela estava na chuva, não estava? Era o que parecia. A primeira gota de água escorreu pelo seu rosto, percorrendo o caminho de sua têmpora até a ponta do queixo, pingando no chão logo em seguida. Praguejou em voz baixa, tentando decidir se polarizava sua raiva para si mesma ou para o tempo, que não poderia ter escolhido manhã melhor para fechar. Acordou atrasada naquela sexta-feira, dadas as circunstâncias da noite anterior. A visão de Oliver e Myra mantendo uma conversa sensual a fez beber o cantil inteiro de Carter minutos depois de se juntar aos amigos, tentando escapar do ciúmes. Agradeceu na hora pelo garoto carregar aquilo onde quer que fosse, realmente conseguiu aliviar sua tensão que fora substituída por risadas exageradas e histéricas, mas agora a raiva daquele cantil idiota prevalecia. Não fosse por ele, o maldito cantil, não teria acordado atrasada e de ressaca. Era o dia da reunião com a produção da City Music Channel, canal que iria transmitir a Batalha das Bandas para todo o Reino Unido. Iria conhecer os organizadores, os jurados e as regras para a primeira fase eliminatória. E, é claro, tinha que começar a chover faltando alguns metros para entrar no prédio principal da West Newton. Conseguira percorrer o caminho inteiro de sua casa até a escola sem se molhar, mas nos últimos segundos o tempo lhe pregara uma peça. A bolsa de couro que carregava apoiada no seu ombro direito o estava NACIONAIS-ACHERON
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esquentando de forma anormal. Era uma reação psicológica na qual seu cérebro era responsável pela sensação próxima da realidade, mas, na verdade, o conteúdo dentro da bolsa era o verdadeiro causador daquela impressão. Nela continha a autorização para poder participar da Batalha das Bandas, teoricamente assinada por sua mãe. Conseguiu falsificar perfeitamente, mas a ideia de mentir para a produção de um canal importante de música lhe causava calafrios. A mãe ainda não sabia da existência dos Velvets, Samantha conseguira administrar a mentira de forma habilidosa, inventando diversas desculpas quando surgia alguma suspeita. Porém, se até seu pai, que a compreendia completamente, concordara em omitir a existência da banda até ela se sentir confortável o bastante para contar para a mãe... Bem, ele também não sabia da Batalha das Bandas, mas mesmo assim... Aquela emissão não era tão grave assim, certo? Mas falsificar a assinatura da mãe era o ápice daquela mentira. Era uma transgressão bem séria e, se descoberta, poderia causar a desclassificação. Pare, comandou seu cérebro. Ninguém vai descobrir. Você é uma Velvet, seja audaciosa uma vez na vida. E, afinal, se estava na chuva, não era para se molhar? Já se encontrava dentro do prédio principal, caminhando pelo primeiro corredor rápido o suficiente para não chegar atrasada e parecer uma desleixada, mas devagar o bastante para não escorregar a sola molhada do sapato no chão. Ao atingir a entrada do auditório, identificou a silhueta de Alex caminhando de um lado para o outro na frente da porta. - Onde estava? – perguntou a amiga, ansiosa. - Aquele maldito cantil do Carter... - Vamos, eles vão começar a qualquer minuto. Trouxe a autorização? NACIONAIS-ACHERON
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- Trouxe, mas você sabe... - Cale-se, ninguém precisa saber. Sua mãe assinou e ponto final. Alex a puxou pelo braço através da porta enquanto ela tentava controlar os cabelos de forma a não parecer que havia atravessado uma selva até chegar ali. O local estava parcialmente cheio, ela identificou imediatamente as bandas concorrentes espalhadas desorganizadamente pelas cadeiras. Ainda não havia começado, concluiu, ao colocar os olhos na frente do palco e ver umas quinze pessoas com ar profissional conversando distraídas. Algumas eram até bem peculiares. Seus olhos foram como ímãs até os cabelos azuis compridos de uma mulher tatuada, na casa dos trinta, que ria descontraída de algo que um homem negro, talvez mais jovem que ela, falava. Ele tinha dreads tão dignos que atraíram a atenção de Samantha por longos segundos. Quis conhecer aquelas pessoas, quis se apresentar e fazer parte da conversa. Eles eram... lindos. Extremamente encantadores, destacavam-se de todos no ambiente. A única visão capaz de fazer Samantha parar de encarar aquelas duas pessoas magníficas enquanto Alex a puxava para onde Carter e Oliver conversavam sentados foi, para variar, David. O garoto conversava com dois homens que faziam parte do grupo parado na frente da plateia, deveriam ser da produção. Ele estava completamente inserido naquele contexto que era novo para Samantha. Um dos homens, o que usava um blazer preto muito elegante, colocou a mão no ombro de David ao falar algo para ele. O garoto sorriu simpático ao responder e então a viu. Por um breve momento sua expressão foi leve, quase aliviada, ao ver Samantha entrando no auditório. Foram poucos milésimos, ela poderia muito bem pensar que havia imaginado, pois logo depois ele fechou a cara e voltou seu olhar para o homem. NACIONAIS-ACHERON
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Ela sentiu então um peso sobre os ombros. - Exagerou ontem, não? Oliver a conduziu até uma das cadeiras nas fileiras do lado direito do auditório. Por que as pessoas a estavam conduzindo desde que chegara? Pelo amor de Deus, ela estava perfeitamente bem! - Na verdade, não, eu estou ótima. – soltou-se do abraço dele e se sentou, voltando sua atenção para David, que continuava conversando com os estranhos. Tudo bem, ela ainda estava um pouco emburrada pelo fato de ele ter flertado com sua colega de trabalho. Pela primeira vez naquele ano estava trocando a atenção de Oliver pela de David. Fala sério, Samantha. O homem elegante de blazer escuro testou um microfone e então todos se calaram, começando a se ajeitar nas cadeiras. David se afastou, passando pelos Velvets e encarando Samantha e Oliver. No momento em que David colocou seus olhos nos dois, Oliver esticou o braço e abraçou Samantha pelos ombros novamente, ambos já estavam sentados. Ela o olhou sem entender. Ele sorria desafiador para David, que fez uma expressão arrogante e continuou seu caminho até os Walkers. - O que está fazendo? – murmurou ela, encarando o rosto de Oliver mais perto do que esperava. O perfume do garoto misturado com um leve odor de tabaco invadiu suas narinas e ela se sentiu entorpecida por alguns segundos. - Ora, ele me parece bastante incomodado com a gente. É até bem engraçado. Olha, eu não sou de criar intrigas, mas a partir do momento que ele me desafiou no Guitar Hero eu percebi o quanto ele se importa com você. – Samantha arregalava seus olhos a cada nova palavra sussurrada em seu NACIONAIS-ACHERON
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ouvido. – E já que ele arruinou sua reputação e continua te tratando mal, vamos dar a ele um motivo real para se incomodar. Samantha ponderou, esquecendo completamente seu ciúmes remanescente da noite passada. Oliver estava mostrando um lado que ela não conhecia, ele poderia ser um garoto tranquilo, mas também sabia ser malicioso. Ela sorriu, gostando da ideia. David não passava o tempo inteiro se esfregando com aquela ruiva magrela? Era a vez de Samantha provocá-lo. E quando os Velvets decidiam provocar, eles faziam isso direito. Mordeu o lábio inferior com certa força, empolgada com a ideia que acabara de ser sugestionada pelo poético Oliver Lynch, o garoto misterioso que a surpreendia cada vez mais. O homem de blazer elegante pigarreou no microfone, roubando a atenção de todos os presentes. - Alunos da West Newton, sejam muito bem-vindos à nossa casual reunião que tem como objetivo esclarecer todas as suas dúvidas sobre a Batalha das Bandas, agora transmitida pela City Music Channel. Me chamo Adam Chadwick e sou o produtor do programa que vocês farão parte. Os rostos dos integrantes das oito bandas inscritas esbranquiçaram simultaneamente, compartilhando um medo coletivo da seriedade inesperada de toda aquela situação. A produção de um canal importante de televisão estava falando com eles, e três bandas ali passariam pela eliminatória e apareceriam em rede nacional. Era, realmente, meio assustador. - Antes de iniciar os esclarecimentos, quero apresentar para vocês parte da equipe responsável pelo programa. Adam Chadwick nomeou o diretor de cena, o assistente de direção, o coordenador musical e o CEO da City Records, Owen Close, este último faria parte do júri do programa. Um homem de meia idade, grisalho, jaqueta de couro, um brinco pendendo na orelha esquerda e braços cruzados fazia NACIONAIS-ACHERON
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Samantha achar que ele sabia o que estava fazendo. As outras três vagas do júri eram compostas por personalidades importantes da música, sendo elas Jasmine Rivers, conhecida produtora musical inglesa que trabalhou com diversas bandas dos anos 80; Joe Elliot, professor universitário de música que carregava diversos prêmios junto com ele; e Callum Fay, famoso publicitário especializado no ramo musical. Cada jurado teve a chance de falar por um momento, com o objetivo, segundo Adam, de os alunos poderem saber o que cada um buscaria nas bandas que dariam as notas. Samantha sentiu as extremidades congelarem quando Jasmine Rivers pegou o microfone e começou a falar. A mulher tinha cabelos loiros de corte chanel, deveria ter por volta dos cinquenta e poucos anos, pele branca rosada, olhos castanhos e uma personalidade simpática. Sua beleza não eliminava a tensão que provocava na garota. Samantha não parava de pensar que precisaria agradar muito aquela jurada em especial, e queria agradá-la. Sabia que a mulher se interessaria pelo estilo musical dos Velvets e eles precisariam conquistá-la. Após Callum Fay, o último jurado a falar, terminar seu pequeno discurso, ele entregou o microfone novamente para Adam e este iniciou a explicação das regras. - Como já devem ter sido informados, a primeira fase da Batalha das Bandas será uma eliminatória que não será transmitida no programa. Vocês precisam estar entre as três bandas com melhor pontuação para, então, passarem para a segunda fase que será transmitida nacionalmente. Na eliminação, vocês apresentarão três músicas, e só três. E serão julgados a partir de três quesitos: repertório, performance e técnica. “Repertório é a escolha musical que vocês vão fazer, ou seja, os covers que tocarão; performance é a presença de palco e o carisma da banda; e NACIONAIS-ACHERON
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técnica é, obviamente, a técnica de cada integrante em sua respectiva posição. Esses vão ser os quesitos julgados durante toda a competição, portanto pensem em cada um separadamente. Cada um dos jurados dará uma nota de 1 a 10 em cada quesito, as notas são acumulativas até o final da Batalha. Em cada fase, bandas são eliminadas. Na segunda fase, apenas duas bandas de cada escola continuam e nas fases seguintes todas competem entre si. As bandas serão filmadas nos bastidores, em alguns ensaios e os integrantes darão alguns depoimentos para a edição dos episódios do programa. Pretendemos fazer da Batalha das Bandas um programa jovem e divertido, que atraia muita audiência da idade de vocês. ” Adam explicava tudo detalhadamente, cada nova frase assustava mais ainda os alunos inscritos. Menos, é claro, David Young. Samantha esticou o pescoço, perdendo sua atenção do discurso do produtor para analisar a reação de seu principal inimigo. O garoto estava impassível, como se estivesse assistindo uma aula comum de História. Seu sangue ferveu. Por que ele tinha que ser tão... bom naquilo? Ele parecia onisciente à tudo que envolvesse música, parecia que tinha anos de experiência. - Agora, a parte que talvez alivie um pouco a tensão de vocês perante toda essa informação. – Adam continuou, Samantha voltou a olhá-lo, curiosa. – As bandas que forem selecionadas na eliminatória para a segunda fase vão contar com um conselheiro musical, que os ajudará nos ensaios e os aconselhará sobre a competição. Como vocês são, sem exceção, pré-adolescentes com pouca ou talvez nenhuma experiência, precisarão de uma ajuda profissional. Temos aqui três profissionais recém-formados em produção musical, cada um deles escolherá uma das bandas para aconselhar. O mesmo processo ocorrerá com as bandas das outras escolas, que também terão seus respectivos conselheiros. NACIONAIS-ACHERON
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Os olhos de Samantha brilharam na direção da mulher com cabelos azuis. Era ela, agora tinha certeza. Uma das conselheiras, assim como o cara dos dreads. - Desdemona, ou simplesmente Dee Blue; Rhys Randall e Leon Beck serão os seus conselheiros. Dee Blue sorriu de forma divertida, os cabelos azuis compridos espalhados pelo tronco magro e braços tatuados. Rhys, o cara dos dreads, também sorriu, fazendo um gesto engraçado com uma das mãos. O último, Leon, apenas fez um aceno seco com a cabeça, demonstrando uma tranquila superioridade. Ele era atraente, tinha um corte de cabelo moderno e usava uma blusa de gola alta escura, mas Samantha temeu que os Velvets fossem a banda escolhida dele, caso passassem da eliminatória. Queria com todas as suas forças ser aconselhada por Dee ou Rhys. Qualquer um dos dois seria uma amável surpresa. Adam direcionou seu discurso para o final, já havia passado quase uma hora. Informou a todos que receberiam as regras especificadas por e-mail e desejou boa sorte as bandas, pois teriam de se apresentar por conta própria e sem nenhum aconselhamento na eliminatória. Pediu que todos entregassem as autorizações para o assistente de direção do programa antes de saírem do auditório. - Estou enjoada de tão nervosa. – murmurou Alex ao lado de Samantha, enquanto os quatro se levantavam para seguir as instruções do produtor. Carter rolou os olhos para a amiga. - Se você for fazer drama antes de cada fase da Batalha não vai chegar viva na final. Porque, obviamente, eu pretendo chegar na final. Nem que eu tenha que te arrastar pelos cabelos. - Nossa, Carter, você podia ter um pouco de sensibilidade com o meu NACIONAIS-ACHERON
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nervosismo de vez em quando. Alex e Carter começaram uma discussão de casal caricata e a mantiveram até que todos os quatro alcançassem o assistente de direção e entregassem as autorizações. As mãos de Samantha suavam frio e ela precisou controlar a tremedeira ao entregar o papel para o homem. Soltou o ar aliviada quando ele pegou o documento de sua mão e voltou sua atenção para o próximo aluno. Caminhou encarando o chão até a metade do corredor entre as fileiras de cadeiras, ignorando totalmente se o resto de sua banda a acompanhava. Só queria sair dali e poder respirar sem obstruções emocionais novamente. Era muita informação, muita assinatura falsificada e muito David confiante para administrar. Três corpos pararam na sua frente, a impedindo de continuar. Ela levantou a cabeça devagar e deu de cara com os três colegas de banda de David, os outros Walkers. Todos sorriam de forma assustadoramente simpática, até meio cômica. - Olá, Samantha, acho que já deve saber quem somos por sermos seus rivais nessa batalha sangrenta e intensa. Sou Scott e esses são Alfie e Jack. Só queríamos desejar boa sorte a vocês, com toda a sinceridade. Ela encarou o garoto por cinco segundos, em silêncio, sem saber o que responder. - O quê? – Samantha conseguiu murmurar, fazendo um sorriso estranhamente querido surgir no rosto do tal do Scott. Ele era até bem bonitinho. - Olha, a gente só quer dizer que não compactuamos do ódio do David por você. Ele só te odeia por causa daquela... – o garoto moreno de cabelos escuros começou a falar, mas foi interrompido pelo ruivo que o olhava meio NACIONAIS-ACHERON
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assustado. - Jack, pelo amor de Deus. David não odeia você... ele só... nossa, como você é grosseiro, cara. - O que eles querem dizer é que se você e David não se falam, não quer dizer que as bandas não podem conviver em harmonia. Não temos nada contra você ou seus colegas de banda. – Scott parecia estar sendo sincero, seu sorriso diminuíra um pouco e ele agora falava com seriedade. - O que querem? A voz agressiva de Alex surgiu no meio de todos, fazendo Samantha fechar um dos olhos e engolir em seco. Scott riu da reação dela. - Se estão aqui para intimidá-la, caras, podem desistir. Samantha é mais resistente que todos vocês juntos. - Alex... eles estão sendo legais. Pare. A garota os fuzilou, primeiro Scott, depois Jack e então Alfie, que abriu um sorriso simpático à fazendo enrubescer. - A-ah, é? E o que pretendem ganhar com isso? A pose invocada de Alex fazia-os abrir sorrisos encantados, principalmente o ruivo alto. Samantha percebeu que a amiga evitava olhá-lo, só encarava os outros dois agora. - Sério, Alex, acredite na gente. Só viemos aqui desejar boa sorte. Se Samantha e David tem algum desentendimento, isso não nos diz respeito. Podemos conviver normalmente, não acha? – Samantha observou a expressão facial de Scott até ele terminar sua frase. Não parecia estar zombando delas, muito pelo contrário. Estava realmente falando sério. Alex engoliu a saliva hesitante. NACIONAIS-ACHERON
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- É, pode ser. Tanto faz. - Acredite, teremos de ouvir um discurso insuportável do David depois de sairmos daqui. Ele quase teve uma parada cardíaca quando falamos que iríamos declarar paz. – Jack mantinha um sorriso irônico no rosto enquanto falava, e ela percebeu que o garoto de fato achava a birra dos dois engraçada. - Eu acredito em você, ele consegue ser ridiculamente infantil. – Os três garotos riram. Eles estavam gostando de ver o lado dela da situação. – Bom, obrigada por virem até aqui falar comigo. Isso mostra que vocês têm mais maturidade. - É, bem, eu tento falar com ele para desistir dessa rivalidade idiota, mas ele simplesmente não larga o osso. – Scott agora falava só com ela. Alex desviou o olhar do ruivo novamente. – Não foi por falta de tentativa da minha parte. Acredite, eu estou do lado da paz. - Nem tente, Scott. Quer dizer, muito obrigada, mas não tenho interesse nenhum em fazer as pazes com ele. Na verdade, eu não dou a mínima. A última frase soara mais alto do que ela esperava, e bem naquele momento David parou ao lado de Scott e a fuzilou mal humorado. - Quer fazer o favor de me acompanhar? – grunhiu David para o melhor amigo, sua fúria era visível. - Qual o problema? E, se aquela cena já não estava constrangedora o suficiente, Oliver se aproximou da pequena reunião que se formara entre as duas bandas, causando um silêncio sólido. - O que está acontecendo? Ele abraçou Samantha pela cintura descontraidamente. A garota congelou, NACIONAIS-ACHERON
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não movendo um músculo, os braços cruzados imóveis. O olhar pesado de David no seu rosto também não modificara e ela não conseguia piscar. Entrou em uma espécie de looping, sendo impossível desviar dos olhos do garoto. E então ela percebeu algo ali, algo que até agora não havia identificado. Samantha tinha certeza. Por baixo de toda aquela ira, David sofria em silêncio. Não quis acreditar na transparência de seu olhar, mas era inegável. Conseguia lê-lo com clareza. Ele quebrou a situação e se virou, afastando-se de todos e saindo do auditório. Scott olhou para Oliver e sorriu, mas Samantha percebeu que ele agora não estava sendo sincero. O garoto se importava com o amigo e se Oliver incomodava David, ele não conseguiria forçar uma simpatia. Ela gostou dele por isso. Scott McMillan era, acima de tudo, sincero. Sentiu o estômago finalmente se manifestar, uma ardência crescente causada pela situação constrangedora que acabara de acontecer. Oliver ainda mantinha a mão na cintura dela e ela, involuntariamente, a segurou. Alfie Meadows bagunçou os cabelos escarlates e sorriu mais uma vez para Alex.
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CAPÍTULO 33 Se estava chovendo antes, agora não havia nenhum indício de umidade. Samantha encarou a área além do campo de futebol por bastante tempo, deixando seus olhos se perderem por entre as árvores coloridas em um verde escuro. De certa forma, a escuridão do tom das folhas era reconfortante, assim como o perfume natural daquela pequena reserva florestal que a escola mantinha. Nunca havia dado a atenção merecida para aquele pequeno espaço meditativo, percebendo então que ele poderia ser muito útil. A maioria dos alunos já havia se encaminhado para o vestiário para tomar banho e recolocar o uniforme social de todo o dia, porém ela permanecera em seu transe particular mensurando a conveniente ideia que acabara de ter. Enquanto mexia nos cabelos de forma a soltá-los do rabo de cavalo, dava alguns passos em direção ao gramado que antecedia a pequena floresta, ultrapassando a pista de corrida. Era uma boa quantidade de grama até chegar lá, sendo preenchida geralmente pelos estudantes mais novos durante os intervalos. Mas agora toda a região estava completamente vazia, sendo quase o horário de almoço. Ela não estava com fome. Ou melhor, a fome não era sua prioridade naquele momento. A reunião com a produção da Batalha das Bandas havia sido esclarecedora e simultaneamente estimulante. Samantha estava, agora, mais ansiosa do que nunca, mas algo a incomodava como nenhuma outra coisa. Não estava tendo tempo suficiente para ensaiar sua voz e, por mais que soubesse exatamente como controlá-la, ninguém consegue bons resultados sem praticar. Sabia que Alex, Carter e Oliver estavam ensaiando suas partes em casa, no período da tarde, enquanto ela trabalhava, e Samantha ainda não NACIONAIS-ACHERON
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havia tido quase nenhum horário vago para cantar. Era isso, abriria mão de seus almoços e ensaiaria na clareira da pequena floresta preservada. Se deu conta, depois de vinte minutos de devaneios, que ainda não tomara banho e seus colegas já estavam saindo do vestiário para almoçar. Deu as costas para seu novo QG particular e andou apressada até a casa individual que abrigava os vestiários de ambos os sexos, próxima de onde estava parada. Alcançou seu armário e pegou uma grande toalha, assim como sabonete. Nunca lavava os cabelos na escola, dando conta de lavá-los sempre um dia antes das aulas de educação física para não precisar fazê-lo fora de casa. Prendeu seus cachos em um coque e se aproximou dos chuveiros agora vazios. As últimas meninas já estavam se vestindo, deixando-a com um cardápio vasto de doze boxes para escolher. Sorriu satisfeita, era muito melhor tomar banho sem um monte de garotas gritando e rindo em volta. Os boxes eram separados por paredes revestidas em porcelana, sendo que cada um tinha sua própria porta de vidro. Ninguém podia reclamar da infraestrutura da West Newton, tudo era perfeitamente limpo e bem planejado. Escolheu o último, próximo da parede, e entrou, pendurando sua toalha na parede, assim como suas roupas. Ligou o chuveiro, aguardando poucos segundos até a água estar adequadamente quente, e enfiou-se embaixo do que mais parecia ser um delicioso cobertor aconchegante. Banhos quentes em épocas frias do ano eram um de seus hobbies favoritos, se você quiser considerar tomar banho como um hobby. Fechou os olhos na medida em que a corrente de água batia em suas costas, fazendo-lhe uma massagem espontânea. Mexeu a cabeça de um lado para o outro, lentamente, tentando relaxar todos os músculos tensionados durante o exercício físico. O vapor da água começara a se espalhar pelos arredores, o que significava uma NACIONAIS-ACHERON
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temperatura elevada. Talvez elevada demais. Por um breve momento, quase como um espasmo, a imagem de David fazendo exatamente a mesma coisa do outro lado da parede surgiu em sua mente. Ela abriu os olhos assustada com a imaginação exagerada, abraçandose e tentando espantar aquilo da cabeça. Mas era... um pouco possível. As chances eram pequenas, mas ele realmente poderia estar nu, naquele exato momento, do outro lado da divisão de concreto. Uma parede separava a possibilidade de ambos estarem nus no mesmo ambiente. Sentiu seus joelhos começarem a ceder, mas sabia que não era de frio. Não estava com frio, muito pelo contrário. Apoiou então um de seus braços na parede, a maldita parede que poderia estar separando-os, e encostou a testa no braço, olhando para baixo. Precisava parar... estava meio em público. Tudo bem, ninguém mais estava ali, mas uma garota poderia surgir a qualquer momento. Tentou enviar mensagens tranquilizantes para sua intimidade acordada. Pare, Samantha, pare. Você está em um vestiário na escola, precisa se concentrar e esquecê-lo. Era impossível. Sua mente estava especialmente imaginativa naquela sexta-feira e ela conseguia senti-lo do outro lado. Ele estava lá, de alguma forma inexplicável, ela sabia. David estava exatamente do outro lado da parede. Suas mãos começaram a tremer de excitação, ela precisava pensar rápido em algo desestimulante. Podia sentir as bochechas pegando fogo, provavelmente muito vermelhas das sensações inadequadas e do calor da água. Levantou então a cabeça e encarou timidamente o sabonete seco, em cima da toalha. Se esticou e o alcançou, começando a passá-lo pelo corpo. Não faça isso lentamente, Samantha, faça de forma rápida e puramente higiênica. Seus braços não obedeciam sua mente e, enquanto passeava com o sabonete em NACIONAIS-ACHERON
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uma das mãos, esfregava o resto do corpo com a outra, espalhando o sabão. Sua mão livre demorou nos seios, a imagem de David nítida do outro lado fazia com que aplicasse mais atenção ali. Porém, a parte que mais temia estava chegando. Deslizou sua mão para a intimidade, repetindo o mantra de que não poderia se masturbar. Não ali, não agora. Era totalmente inadequado. A parede, repentinamente, desapareceu. Ela olhou para o lado e ele estava há poucos metros, parado, exatamente como ela. David respirava de forma ofegante enquanto a observava, seu peito subia e descia com intensidade. Samantha percebeu que estava respirando da mesma forma. Ele começou a se aproximar, dando um passo, dois, três. Suas mãos voltaram a tremer de expectativa, precisava ser tocada por ele. Precisava sentir o calor do corpo dele, não da água do chuveiro. Era isso que ela desejava mais do que qualquer coisa naquele momento? Era, e não se permitia negar. O sabonete escorregou de sua mão e caiu no chão, fazendo-a acordar. A parede havia voltado e ela estava sozinha novamente, se abaixando e pegando com certo nojo. Lavou o sabonete na água e guardou-o dentro do estojo exatamente do mesmo formato. Tudo estava normal, respirou aliviada. Nunca mais tomaria banho sozinha naquele vestiário, era simplesmente ridícula a sua incapacidade de controlar os hormônios. Desligou a água e se enrolou na toalha, recolhendo suas coisas e voltando ao vestiário. Vestiu o uniforme em menos de um minuto, tanto era o frio que fazia fora do chuveiro. Abriu a porta de seu armário e encarou seu rosto agora sem maquiagem no espelho que pendurara ali, considerando sair assim mesmo. Pare, você é uma Velvet agora, não é mais uma garota insegura e traumatizada. Recolocou a maquiagem, porém deixou o batom de lado, apenas fazendo um risco preto nas pálpebras com o delineador. Colocou sua roupa suja dentro de um saco e largou a toalha dentro de um cesto de tecido NACIONAIS-ACHERON
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na saída. Fechou o sobretudo em volta do corpo ao sentir a atmosfera gelada do lado de fora. Agora, em vez de se dirigir para o refeitório, deu meia volta e começou a andar na direção da clareira. Atravessou o gramado, ajeitando sua mochila nas costas, pensando agora na sobrecarga de tarefas que estava a sua vida. Como iria estudar para as provas, trabalhar e ensaiar para a Batalha? Teria de dar um jeito, e sabia que daria, assim como sua mãe deu durante a vida inteira. A pequena floresta mostrava já no seu início um caminho de terra, feito propositalmente para os estudantes poderem ter acesso a clareira mais interna. Seus sapatos esmagavam os galhos secos e as folhas caídas, provocando um barulho agradável. Ao atingir o início da clareira sentiu imediatamente uma paz interior necessária. Era o lugar perfeito para ensaiar sua voz. Largou a mochila ao lado de uma grande pedra, mais ou menos ao centro, sentando na mesma de pernas cruzadas, tão plana que ela era. Pegou o celular e buscou uma das letras dos covers definidos. Colocou os fones e deixou um volume baixo para poder acompanhar a parte instrumental, mas ao mesmo tempo ouvir sua voz. Passaram-se quinze minutos de ensaio, sua concentração era plena. Podia corrigir seus erros e acompanhar a voz original para se guiar. Finalizou a primeira música, já havia repetido três vezes e, quando foi tentar outra opção, viu uma presença parada na sua frente, alguns passos distante. Levantou a cabeça devagar, assustada demais para fazer diferente, e seus olhos ou estavam pregando a segunda peça do dia ou estavam fitando uma realidade difícil de crer.
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CAPÍTULO 34 David a encarava com as mãos nos bolsos e uma expressão franzida, tensa, incomodada. Ela pôde identificar até certa raiva acompanhando as outras expressões, mas a tensão dele prevalecia. Sentiu o próprio coração disparar em uma frequência anormal, na medida em que permanecia fitando todos os detalhes da aparência do garoto. Ele estava ali, parado na sua frente, como em um sonho nebuloso. Agora, passara a ser difícil inspirar e expirar o tanto de oxigênio presente no ambiente natural, era quase impossível respirar a quantidade suficiente para não ficar ofegante. As batidas de seu coração a estavam deixando surda, só podia ouvi-las sobrepostas ao silêncio agonizante, e imaginou então que poderia ter pego no sono deitada na pedra em que estava sentada. Era mais provável do que David estar realmente ali. O garoto umedeceu os lábios com a língua e essa ação a fez acordar da momentânea hipnose. Ele estava de fato na sua frente. Samantha levantou da pedra e tirou os fones, guardando tudo no bolso de forma nervosa. - O que quer? – perguntou com a voz um pouco fraca, percebendo a exagerada arrogância. Ah, quem se importa? Ele era mal-educado com ela também. - Falar – respondeu ele, depois de limpar a garganta. Sua expressão relaxou e agora não havia nada ali. Seu rosto era um vazio perturbador. - Pois então fale logo, está me atrapalhando – devolveu ela, já sentindo certa irritação. Podia ter sentido um enorme prazer durante o banho ao imaginá-lo do outro lado da parede e podia estar sentindo aquele prazer voltar NACIONAIS-ACHERON
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aos poucos naquele exato momento, mas o ar superior de David sempre a tirava do sério. Ele suspirou uma vez, concentrando-se na janela da alma de Samantha, seus olhos confusos. De uma forma inexplicável, ele parecia ter acesso ao que ela estava pensando e, consequentemente, ao que ela estava sentindo. - Eu não me importo com o fato de você voltar com os Velvets. De verdade, você tem todo o direito. – Ele deu alguns passos na direção dela e a garota sentiu a pedra atrás de seus joelhos. Não podia se afastar. – Mas se tem uma coisa que eu não consigo aceitar é você se relacionando com ele. Não... não faça isso. Samantha considerou estar sonhando novamente. De verdade, aquela cena toda era muito improvável. Em que mundo paralelo David Young surgiria em sua frente e admitiria estar incomodado com Oliver Lynch? Fala sério. O jeito que ele agira até aquele momento revelava exatamente o contrário. - O-o que está dizendo? – perguntou Samantha com uma leve hesitação, não digerira quase nada do que ele acabara de falar. Suas sobrancelhas se franziram para ele, estava verdadeiramente confusa. David deu mais alguns passos, se aproximando demais dela. Três passos os separavam. Ela engoliu em seco. - De todos, Samantha, de todos eles. Por que tinha que ser ele? – David mordeu o lábio inferior de forma angustiada, a impressionando mais ainda. Nunca vira o novo David angustiado. Até a angústia dele era sensual. Podia sentir toda a sua energia corporal ser sugada na direção do garoto, arrancada fluidamente dela. - Eu... desde quando você se importa? Já despejou inúmeras vezes na minha cara que não está nem aí. Por que está aqui? NACIONAIS-ACHERON
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Passou pela mente da garota o fato de ser a primeira vez, depois de dois anos, que eles estavam completamente sozinhos em um ambiente. Seu estômago afundou. - Porque eu tentei não me importar, juro que tentei. Você... não faz ideia de o quanto eu tentei. A garota sentiu o primeiro indício de lágrimas se instalarem na parte inferior de seus olhos. Cravava a unha do dedo anelar tão forte na palma da mão que era possível começar a sangrar se não relaxasse. Sabia que esperara dois anos por aquilo, por mais que tentasse negar para si mesma. Ele arruinara a pouca reputação que ela tinha, tornando-a mal falada em frente a centenas de pessoas, e mesmo assim ela queria ouvir aquelas palavras. Sempre quis. Ele tentou não se importar. Todo dilema mental que tentara lidar naquelas últimas semanas, ao revê-lo depois de tanto tempo, retornaram como um avalanche tempestuoso. E, daquela vez, estava mais forte e difícil como nunca esteve antes. Ao prestar atenção e analisar suas palavras, Samantha notou a dificuldade clara de David em se expressar sentimentalmente. Ele era travado, não se sentia confortável falando sobre o que estava sentindo. Conseguia ler tudo que ele queria dizer através de seus olhos, mas, fora isso, era muito complicado. Juntou todas as migalhas de coragem e força que ainda restavam dentro de si e respondeu. - Eu sinto muito, David, mas olhe para quem você está namorando. Qual o direito que você tem de exigir algo de mim? - Não estou exigindo, de forma alguma. – Ele pareceu odiosamente NACIONAIS-ACHERON
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preocupado agora, respondendo sem ponderar. Por favor, David, pensou Samantha, volte a ser arrogante. Pare de me tentar com essa expressão irresistível. Ela queria abraçá-lo. O que estava pensando? Pare com isso! – Só estou pedindo. – completou ele. - Pedindo o quê? David molhou os lábios com a língua e olhou por um momento para os galhos e folhas secas ao chão. Podia-se interpretar facilmente o esforço que ele estava fazendo quando falava sobre aquele assunto. Samantha soltou o ar que segurava já há alguns segundos, esperando ansiosa sua resposta. - Não se entregue a Oliver Lynch. Ela pôde visualizar o próprio rosto boquiaberto. Era tudo muito surreal, não fazia sentido. David havia sido possuído por alguma alma abandonada, era a única explicação. O escândalo continuava sempre voltando como relâmpagos inesperados na mente de Samantha, e era essa lembrança que a fazia recolocar os pés no chão e controlar a vontade que tinha de envolvê-lo com seus braços e falar que estava tudo bem, ela não iria se entregar a mais ninguém sem ser ele. Só queria ele, ali, agora. Só precisava disso. Foi quando a memória clara se agarrou desesperada e insistente em sua mente já confusa.
- Não fui eu, Sam. Eu não fiz aquilo. Por favor, eu não sei o que está acontecendo. Samantha empurrou-o pelo peito, mas mesmo assim ele não soltou a garota. Pelo contrário, segurou seu outro braço, mantendo-a de frente para NACIONAIS-ACHERON
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ele. A chuva havia aumentado consideravelmente agora. Ela começou a se mexer com violência, tentando controlar os soluços. - Me solta, David! Como... você é a pior pessoa que eu conheci em toda a minha vida. O que você fez, David? Olha o que você fez!
Se recompôs. - Eu me entrego a quem eu quiser, isso não lhe diz respeito. David colocou ambas as mãos nos olhos e os esfregou languidamente, parecendo refletir sobre o que ela acabara de falar. - Eu sei. – murmurou ele, depois de alguns segundos de silêncio sólido. Diminuiu totalmente o espaço entre eles, Samantha nunca ficara tão perto dele depois que voltara. Seus troncos se encostavam. – Tem certeza? – perguntou, espremendo o olhar em uma curta expressão de dor. - Tenho – respondeu a garota, exteriormente firme. Por dentro, estava desmoronando. Já podia sentir a umidade e a ardência invadirem toda a sua região ocular e nasal, aumentando progressivamente. - Quem você quer, Samantha? E, num movimento inesperado, ele segurou a nuca dela por baixo dos cabelos. A garota estremeceu, seus joelhos falharam novamente. Era a primeira vez, depois de muito tempo, que David a tocava daquela forma. Era a primeira vez que sentia sua pele, seu perfume insuportavelmente bom, seu calor. Sim, o calor. A mão dele estava fervendo, entrando em choque com o pescoço gelado dela. Ela sentiu seus olhos serem atraídos aos dele como ímãs, sabia que no momento em que compartilhassem do mesmo olhar naquela proximidade, ela NACIONAIS-ACHERON
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estava perdida. Mas é óbvio que iria acontecer, de uma forma ou de outra. Seus lábios se entreabriram em êxtase quando fitou os olhos dele, aquela tensão era tão forte que podia ser considerada um estado de espírito. Tensão emocional e sexual se confundindo e se abraçando, saindo de ambos os corpos e se encontrando. - Eu... quero... – Samantha começou, mas David abaixou seus olhos para seus lábios. Sentiu um espasmo no estômago, não iria conseguir continuar a frase. Ele aproximou lentamente o próprio rosto do dela, se abaixando um pouco. Se sentia que a situação não poderia piorar – ou melhorar – David colocou sua mão livre na cintura dela, por dentro do casaco. O que estava acontecendo? Ela fechou os olhos, era impossível continuar com todos os sentidos ligados. Muita informação e pouca Samantha, muita tensão, muita excitação. Ela poderia desmaiar ali mesmo, mas a vontade de beijá-lo e abraçá-lo era tanta que ela não se permitiu desmaiar e perder a oportunidade. David a abraçou, escorregando sua mão para as costas da garota e a grudando mais contra seu tronco. Ela já podia sentir a respiração dele próxima a sua boca, quase podia sentir o seu gosto antecipadamente. Desejou aquele momento por tanto tempo... E, então, as imagens esbarraram com sua excitação novamente. A intimidade deles exposta. A vergonha. A humilhação. Samantha abriu os olhos, juntando todas as suas forças femininas, e o empurrou devagar. Poderia morrer de vontade de tocar aquele rosto e aquele pescoço, sentir a suavidade daqueles lábios perfeitos novamente, mas nada disso podia passar por cima de sua dignidade. Ela amava David, mas seu amor próprio era maior. David franziu o cenho em uma expressão irresistivelmente sofrida. Ele NACIONAIS-ACHERON
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estava sofrendo, ela não tinha dúvidas disso. Conhecia aquele garoto como a palma de sua mão e sabia quando ele estava interpretando alguma emoção. Não era o caso. - Não quero você, David. – murmurou, sentindo a voz falhar. Era muito difícil falar aquilo. Eram provavelmente as palavras mais difíceis de se pronunciar. – Pode me dar licença? Ele engoliu em seco e mexeu nos cabelos, os afastando do rosto. Deu alguns passos para trás, dando espaço para a garota. Ela pegou sua mochila e o encarou por uma última vez antes de passar reto e se afastar, saindo da clareira sem olhar para trás.
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CAPÍTULO 35 Scott McMillan encarava as entradas de ventilação do armário de David Young sem conseguir acreditar no que acabara de ouvir. A informação era tão surpreendente e inesperada que agora parecia difícil desviar o seu olhar para qualquer outro lugar do vestiário masculino, tão vazio e gelado como nunca antes. - É, não tiro sua razão. – murmurou Scott para o amigo, que agora se encontrava sentado no comprido banco que separava o corredor de armários. Os braços de David estavam fechados em volta de sua barriga, seu olhar vidrado no rosto dele. Em muito tempo, Scott não via David tão vulnerável... tão humano. - Agora você entende? Meus ressentimentos não surgiram do nada. Scott concordou, balançando a cabeça devagar. Era estranho saber a verdade. Era estranho, mas era satisfatório. Finalmente David havia confiado nele depois de dois anos fugindo do assunto. - Não digo que justifique sua forma arrogante de tratá-la, mas eu compreendo. Foram, de fato, bem pesadas as palavras dela. - Scott, você sabe como eu sou... eu sou assim. Não gosto de injustiças e posso de vez em quando expressar diretamente meu ego... - Não gosta de injustiças? – Scott sorriu, era um sorriso pesaroso, quase dolorido. David engoliu em seco, paralisando por um momento. - Nosso caso é diferente, não tinha outro jeito. Estava muito em cima da hora. Você sabe como ela é louca. NACIONAIS-ACHERON
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Scott não concordou com a cabeça dessa vez, apenas fitou o mesmo local do armário de David em silêncio. Ambos mantiveram a pausa fúnebre por quase um minuto, sem trocar nenhuma palavra. A relação deles permitia isso, longas pausas reflexivas. E então Scott ouviu o amigo fungar uma única vez, atraindo seu olhar. - Dave... não me leve a mal, sei como está sendo difícil para você... principalmente agora com a volta da Samantha... David apoiou a cabeça nas mãos, os cotovelos posicionados nas coxas. Scott entendeu que ele precisava de um tempo para se recuperar, então aguardou. Ele sabia da dificuldade do amigo de se expressar, portanto não o julgava quando o mesmo aquietava-se sem aviso prévio. - O problema não é ela. – A voz embargada de David ecoou pelo vestiário desocupado. Scott suspirou ao perceber que o garoto estava chorando, odiava ver o amigo daquele jeito. Já havia visto David passar por aquilo antes, ele sempre relembrava o escândalo de forma delicada. – É Oliver Lynch. Sempre o odiei, desde aquela época, eu sabia que ele fazia de propósito. Porque eu me incomodava. - Você só está com essa aversão porque ele está próximo dela novamente. Talvez seja isso, Dave, ele também sempre gostou dela. Já parou para pensar nisso? Ela é uma menina encantadora, você não deve ser o único que sabe disso. - EU NÃO DOU A MÍNIMA SE ELE GOSTA DELA! A voz grave e alta de David tomou conta de cada centímetro do ambiente. Scott engoliu em seco, temia aquela explosão. Havia até demorado bastante. - Ele pode ser apaixonado por ela, pode ser o amor de sua vida. Mas que fique longe dela. NACIONAIS-ACHERON
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Scott deu dois tímidos passos para trás, o amigo estava falando alto demais e ele temia por seus tímpanos. David percebeu e se recuperou, suspirando profundamente. - Desculpe. – David levantou e caminhou transtornado até o final do corredor, precisando de certa distância para se acalmar. Scott aguardou, paciente. – Eu vou falar com ela. - O quê? – Agora Scott precisava interferir. – Não pode, David. Sabe que não pode. Nunca fui a favor da sua forma arrogante de tratá-la, mas não pode ceder. Deixe as coisas como estão, seja forte. - Eu estou sendo forte. – murmurou David, entredentes, agora a raiva estava voltando aos poucos. Ninguém colocava a sua força em questionamento. – É exatamente por eu estar me sentindo forte que quero falar com ela. Scott encarou os olhos vermelhos do amigo, percebendo que haviam lágrimas sendo esforçadamente controladas. E, em um momento totalmente imprevisível, David relaxou sua expressão contraída. Ele pode ver em toda a extensão do rosto do amigo a tortura acumulada em dois longos anos. David havia atingido seu limite emocional e não haveria ninguém em toda a existência que o impediria de fazer o que decidira. David Young era impenetrável. A lágrima que escorreu, ansiosa pela liberdade, foi limpa em menos de um segundo. E, então, David deu as costas ao amigo e se direcionou a saída do vestiário, parecendo mais decidido do que nunca. Porém, internamente, havia uma luta de decisões que o despedaçava quanto mais o tempo passava. Uma segunda lágrima se desvencilhou de seus olhos e ele limpou com certa impaciência. Odiava chorar, era patético, e fazia isso mais do que gostaria. Colocou as mãos no bolso do sobretudo e atravessou a pista de corrida NACIONAIS-ACHERON
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com o objetivo de cortar caminho e atravessar a grama do campo de futebol em direção ao refeitório. Porém, algo o fez parar antes de atingir a metade do campo. Um tímido ruído ao longe, de origem desconhecida, o fez virar o corpo e procurar sua proveniência. Seus olhos percorreram toda a extensão da casa onde abrigava os vestiários e a região verde que a circundava. O gramado que antecedia a pequena floresta da West Newton, cuja atenção de David nunca antes havia se concentrado. Lá estava ela. Todo o corpo de David se contraiu internamente em um choque concomitante, a visão tão precária de Samantha era capaz de causar sensações inexplicáveis. Ela parou por um segundo, levantando o pé e tirando algo que havia grudado em seu sapato, e então continuou, desaparecendo por entre as árvores. Seus lindos cabelos negros se confundindo com as sombras do dia nublado. David coçou a pele do braço de forma compulsiva, forçando-se a voltar para a realidade. Era o momento perfeito para falar com ela, mas algo o cravava impiedosamente na grama. Uma insegurança que ele carregava consigo há muito tempo. O medo da rejeição invadiu seu peito como uma onda violenta no auge do inverno, o medo de ser rejeitado pelas pessoas que ele amava. Sabia muito bem o que era, e não estava preparado para passar por aquilo com Samantha mais uma vez. Uma vez já fora horrível o suficiente. Mas sabia que não conseguiria dar continuidade as tarefas do dia se não falasse com a garota. Sabia que chegaria em casa e passaria a noite em claro, imaginando como teria sido se tivesse, de fato, falado com ela e dado uma chance para eles. Samantha, por si só, nunca cederia. Toda aquela situação era muito pior quando você é uma garota, e, ainda mais, uma garota orgulhosa. Se dependesse dela, nada iria acontecer, e ele não tirava sua razão. Compreendia sua dureza, até porque ele mesmo a tratara de forma deplorável NACIONAIS-ACHERON
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até aquele momento. Era ele. Ele teria de dar o primeiro passo, disso tinha certeza. E a hora havia chegado. Os minutos de insegurança pelos quais passou, ponderando se devia mesmo entrar na floresta, voaram. Não chegou a perceber que seus pés permaneceram grudados no chão por dez minutos inteiros quando deu o primeiro passo na direção oposta à que estava tomando. Um passo mais próximo do momento que aguardou por dois anos. De onde estava tirando aquela coragem? Passou a vida não sendo bom o suficiente para as pessoas que importavam, portanto, que coragem era aquela? Não sabia. Se fosse outra pessoa, não apostaria em si mesmo. Algo ou alguém estava apostando em David naquele momento, o empurrando em direção as árvores escuras. O empurrando para a vida e suas diversas possibilidades. Precisava aceitar, a vida tinha dessas coisas. Nem sempre os caminhos que se abriam eram os que ele desejava, mas pelo menos precisava tentar. E, em uma percepção turva, notou a tão necessitada esperança nascendo no centro de seu peito angustiado. Atingiu o gramado que antecedia a floresta, estava mais próximo do que imaginava. Só mais alguns passos. Sentiu o ambiente tornar-se mais úmido ao adentrar o caminho que se abria por entre as árvores, tentava fazer o mínimo de barulho possível. Não queria assustá-la. Então, no final do caminho, a clareira. Uma encantadora abertura NACIONAIS-ACHERON
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iluminada no centro da pequena floresta, o provável palco daquele momento tão aguardado. Era perfeito demais. Sentiu, então, a negatividade atingir seus pensamentos. Nada era tão perfeito assim, como em um previsível filme romântico. Antes de colocar os olhos nela, ele já sabia qual seria o desfecho. Mesmo assim, pisou determinado na região aberta das árvores, a avistando sentada em uma pedra. Toda a sua confiança foi pelo ralo. Ela estava tão... pura. Sentada como uma ninfa rodeada de paz. E ele, um sátiro prestes a interromper o descanso daquele espírito natural feminino. Samantha era perfeita demais para ele. O que estava fazendo ali? Ela ainda não o tinha visto, ainda dava tempo de dar meia volta e desistir de tudo. Sentiu raiva da sua covardia. E, então, ela levantou a cabeça. Era difícil imaginar como começar aquela improvável conversa, muito mais agora quando os olhos confusos de Samantha o encaravam. Por um momento, desejou que o mundo não obrigasse as pessoas a usarem palavras. Ele só queria abraçá-la, e saberia que ela compreenderia. - O que quer? – perguntou ela, cortando o silêncio tenso. David conteve um sorriso que ameaçou surgir. Achava-a extremamente atraente quando se expressava de forma agressiva. Era um fetiche ridículo, bruto, sem sentido, mas não tinha como evitar. A vontade de fazer sexo com ela ali mesmo se manifestou em suas partes íntimas sem pedir licença. Concentrou-se no que o havia trazido ali e respondeu. - Falar – conseguiu murmurar, desviando sua excitação animalesca para longe. - Pois então fale logo, está me atrapalhando. – Samantha ainda NACIONAIS-ACHERON
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demonstrava a mesma agressividade e ele desejou por um momento que ela não agisse assim. Já era difícil se comunicar normalmente, imagine quando imagens da garota nua surgiam em sua mente, entrando em sintonia com a pacificidade espiritual do ambiente. Sentiu sua intimidade latejar mais uma vez. Geralmente, conseguia se controlar. Ele não era um adolescente com os hormônios descontrolados, era até bem maduro quando se tratava disso. David nunca demonstrava vulnerabilidade sexual em público, apenas causava isso nas garotas. Mas, com Samantha... o comum não se aplicava. Ali estava ele, excitado, desconfortável. A voz agressiva dela era irresistível. A imagem de Oliver Lynch abraçando Samantha pela cintura o fez voltar para a realidade. A sensação de leveza prazerosa que estava sentindo desapareceu e tudo escureceu em sua volta. Lembrou o motivo que o trouxera ali, não podia se desconcentrar. Suspirou, olhando-a nos olhos. - Eu não me importo com o fato de você voltar com os Velvets. De verdade, você tem todo o direito. – David começou, um início de fala consideravelmente educado. Impressionou-se consigo mesmo. Deu alguns passos instintivos na direção de Samantha, que na mesma medida se afastou. Sentiu o coração apertar. – Mas se tem uma coisa que eu não consigo aceitar é você se relacionando com ele. Não... não faça isso. Pronto, havia despejado o que o incomodava há dias. Ou melhor, anos... Ela pareceu surpresa demais, até confusa. Não pareceu compreender de imediato, e ele não a julgou. Se estivesse no lugar dela, também não compreenderia. Não depois da forma como ele a havia tratado até agora. - O que está dizendo? – perguntou a garota, demonstrando uma sincera confusão. David sentiu vontade de segurar seu rosto e beijá-la devagar, isso a faria entender o que ele estava querendo dizer. NACIONAIS-ACHERON
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Deu mais alguns passos na direção de Samantha, seu corpo agora falava mais alto que sua mente. Era como se estar no mesmo ambiente que ela e se manter afastado não fizesse sentido. A aproximação dos corpos era involuntária, quase científica. - De todos, Samantha, de todos eles. Por que tinha que ser ele? – Sua sincera angústia transpareceu, o ciúmes estampado em seu rosto. Não se importava, estava na hora dela saber o que aquele garoto causava nele. - Eu... desde quando você se importa? Já despejou inúmeras vezes na minha cara que não está nem aí. Por que está aqui? David carregou suas energias com alguns segundos de silêncio, a respiração pesada difícil de ser administrada. Seria o mais sincero possível, decidiu. Estava cansado de fingir que não se importava com Samantha. - Porque eu tentei não me importar, juro que tentei. Você... não faz ideia de o quanto eu tentei. Ela pareceu entrar em um choque imutável. Imaginou tendo que levá-la para a enfermaria, de tão branca e assustada que a garota estava. David aceitou de bom grado os segundos de recuperação dela, dada a intensidade da última frase que acabara de pronunciar. Nem ele acreditava, para falar a verdade. - Eu sinto muito, David, mas olhe para quem você está namorando. Qual o direito que você tem de exigir algo de mim? Samantha demonstrou certo ciúmes ao deixar as primeiras palavras da frase escaparem, e ele sentiu um milésimo de satisfação. Não era o único. - Não estou exigindo, de forma alguma. – David tentou imediatamente corrigir a enganosa impressão que ela teve dele. Não estava exigindo nada, ele nunca a desrespeitaria dessa forma. – Só estou pedindo. – completou ele. NACIONAIS-ACHERON
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As linhas faciais de Samantha pareceram relaxar. - Pedindo o quê? – perguntou ela, era quase como um desafio para ele reunir toda a sua coragem e falar aquilo diretamente. Ela queria ouvir, com todas as palavras. Ele sabia disso. - Não se entregue a Oliver Lynch. Soltou a frase como um peso que estava carregando há muito tempo, o machucando, o cansando. Estava exausto de manter aquilo só para si, era libertador poder dividir aquela angústia com quem precisava saber. Samantha demorou mais tempo para responder, pareceu se perder por um momento. Ele esperou, ela tinha todo o direito de demorar. Cada novo segundo era como mais um pedaço de sua ansiedade se amontoando. - Eu me entrego a quem eu quiser, isso não lhe diz respeito. – respondeu ela, depois de quase um minuto de pausa. Agora a agressividade dela não o excitava, mas David sentiu que poderia ir mais além. O rosto de Samantha pedia mais uma tentativa, ele podia ouvila pedindo para ele continuar. - Eu sei – falou David, depois de reunir a coragem novamente. Diminuiu o espaço entre eles, precisava saber como ela se sentiria estando tão perto dele. – Tem certeza? – perguntou, o sofrimento transbordando por seus olhos. - Tenho – respondeu ela, parecendo firme, porém David identificou um indício de choro no rosto dela, e aquilo o motivou a continuar. Se identificasse aversão, sairia dali imediatamente. Mas o rosto de Samantha transmitia o oposto. - Quem você quer, Samantha? David sentiu a energia que o motivara a dar meia volta e ir até a clareira NACIONAIS-ACHERON
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empurrá-lo, incentivá-lo a dar o próximo passo. Ele segurou a nuca dela com delicadeza, por baixo dos cabelos. Sentir a pele dela depois de tanto tempo era como voltar para casa depois de uma longa viagem. Aquele pedaço dela pertencia a ele, sua mão se encaixava perfeitamente. Nunca deveria ter saído dali. Nunca deveriam ter se separado, o melhor lugar do mundo era assim, sem nada os separando. - Eu... quero... – A garota começou a responder e ele não resistiu, desviando seus olhos para os lábios dela. Lábios desenhados, curvilíneos, convidativos. Desejava aqueles lábios por todo o seu corpo. Queria senti-los em cada centímetro de sua pele. Seu desejo era agora insuportável e incontrolável. Ele começou a aproximar seu rosto do de Samantha, ela não estava hesitando, portanto continuou. Em um lapso involuntário, envolveu-a com o outro braço, abraçando-a pela cintura. Sentiu o corpo da garota estremecer ao aproximá-la mais ainda de si. Podia sentir a mesma vontade que ele estava sentindo transbordando da garota. Ela poderia negar o quanto quisesse, mas era óbvio. Samantha queria beijá-lo tanto quanto ele queria, caso contrário ainda não estaria ali. Os movimentos de David eram lentos, dando todo o espaço para que ela desistisse a qualquer momento. Não queria parecer que estava forçando nada, ele só estava respondendo seu coração. E, como se ele soubesse que aquele momento chegaria, ela travou. Seus olhos, antes fechados, se abriram e ela o empurrou de leve pelo peito, o induzindo a soltá-la. Ele desfez o abraço, mas não se afastou devido à breve confusão. - Não quero você, David. – murmurou Samantha com a voz falha, realizando a condição que David criara para desistir. – Pode me dar licença? NACIONAIS-ACHERON
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O garoto mexeu nos cabelos de forma desconfortável e se afastou, dando alguns passos para trás. Nunca havia imaginado que se afastar dela seria tão doloroso assim. Samantha pegou sua mochila em cima da pedra e passou por ele, o encarando uma última vez antes de ir embora da clareira.
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CAPÍTULO 36 Samantha aguardou os passos na escada cessarem para começar a falar, esticando o pescoço apreensiva. Suas mãos tremiam levemente em frente a perspectiva de ter de relembrar todo o acontecimento do dia anterior em detalhes. Não encontrara nenhum de seus amigos depois que deixou a clareira, e, preferindo explicar tudo ao vivo, segurou a angústia até o dia seguinte, quando se encontrariam para ensaiar. - Você se importa se eu ouvir? Se quiser, eu posso sair, o jardim dessa casa tem algumas espécies de fungos bem interessantes. – A forma séria e nada sarcástica como Gregory Frost pronunciou aquela frase atraiu o olhar confuso de Samantha. Carter e Alex acompanhavam o diálogo recém iniciado não parecendo impressionados, já acostumados com os interesses do irmão mais novo de Alex, considerando o fato de Carter passar boa parte do tempo com a família Frost. Gregory havia praticamente implorado para a irmã levá-lo ao ensaio daquele final de semana, e ela, como uma curiosa compreensiva, resolver ceder ao pedido do garoto. Se tivesse um irmão mais velho que tocasse baixo em uma banda, também gostaria de assistir aos ensaios. E, de qualquer forma, ele era bastante criativo. Talvez desse alguma sugestão útil. - O quê? Não, Greg, tudo bem, pode ficar. Só estou preocupada com o... – Samantha esticou a cabeça em direção a escada novamente. Pode ouvir a voz de Oliver falando no celular no andar de cima. - Comece a falar logo, se não ele vai voltar. – Alex, ansiosa, incentivou a garota. Estava quase se levantando e balançando Samantha pelos ombros, ela NACIONAIS-ACHERON
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estava se enrolando desde que chegaram. - Vocês não vão acreditar... vão achar que estou inventando, mas... – A garota fez uma pausa dramática, que provocou em Carter e Gregory um olhar que transmitia a palavra “mulheres” sendo compartilhada por telepatia. – David veio falar comigo ontem, depois da Educação Física. O silêncio dominou a sala de estar por alguns segundos de choque estático. Alex fez uma careta, mostrando sua descrença, enquanto Carter arregalou os olhos. Gregory não demonstrou nenhuma reação aparente. - O quê? – murmurou finalmente Alex, parecendo muito indignada, como se Samantha houvesse dito o maior dos desaforos. - Você só pode estar brincando. O que ele queria? – Carter esboçava um pequeno sorriso de excitação, obsessivo que era por fofocas, algo assim o deixava em chamas. - Bom, ele... Ah, vocês sabem... – O estômago de Samantha começou a arder, ela não conseguia pronunciar em voz alta a declaração de David. Ainda parecia muito absurda e sentia-se um pouco idiota por estar tão envolvida com o momento. Agora, tinha um pequeno receio de que tudo não havia passado de uma brincadeira de mal gosto. Mas ela sabia muito bem, lá no fundo, que não era. Viu como ele estava completamente abalado ao tentar expressar seus sentimentos, viu em seus olhos a verdade. - Não! Não sabemos! – Alex balançava um dos pés de forma impaciente, sentada no sofá. A frequência do balanço aumentava a cada segundo. - Ele meio que... – Samantha olhou mais uma vez para o topo das escadas. - Sam, fale, somos nós... não tem problema. – Carter falou, tentando tranquilizar a amiga. – Ele te ofendeu? Oh, quem dera fosse isso, pensou Samantha, ficando cada vez mais NACIONAIS-ACHERON
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nervosa. Seria muito mais fácil se David a tivesse xingado ou desafiado, como havia feito nos últimos dias. - Não... foi... o contrário. – Conseguiu deixar escapar aquela palavra, antes esmagando-a. - Como assim “o contrário”? – Alex estava quase explodindo. – Te elogiou? Fala sério, Sam, não caia nas palhaçadas desse garoto. - Alex, deixe ela falar. – Carter não tirava os olhos de Samantha. Ela suspirou antes de continuar, sem antes desviar o olhar por mais um segundo para cima, em direção a escada. - Ele disse que tentou não se importar comigo, mas não conseguiu. Disse para eu não... disse para eu não me entregar a Oliver Lynch. O sorriso de Carter não era mais discreto. Alex estava com as narinas infladas como um touro furioso e as sobrancelhas de Gregory estavam suavemente erguidas. - Ora, mas que garoto ridículo! Está morrendo de ciúmes e foi fazer cena para você! Sinceramente, Samantha, se você cair nessa... - Alex, pare, só um minuto. – Carter levantou a mão na direção do rosto de Alex, sem desmanchar o sorriso. – Ele tentou te beijar? Samantha concordou devagar com a cabeça. Carter soltou um gemido de admiração e se encostou no sofá. Alex estava com os olhos quase pulando das órbitas. - Sam, ele foi se declarar para você, eu não acredito! Vocês se beijaram? – O lado apaixonado de Carter estava falando mais alto. - Claro que não, eu... eu saí antes. - Você realmente vai cair nas garras daquele demônio disfarçado? Ele quer NACIONAIS-ACHERON
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exatamente isso! Quer te desestabilizar, e aposto que aqueles três vieram falar com você com o mesmo objetivo! São todos uns canalhas covardes! – Alex estava brava para valer com possibilidade de Samantha ter sido enganada. - Você não tem um pingo de sensibilidade amorosa, Alexis. Já passou pela sua cabeça que ele possa estar sendo sincero? Que Oliver possa realmente estar o incomodando, dados os acontecimentos do passado? Às vezes a sua preocupação com Samantha te deixa cega. Sei que quer o bem dela, mas ela sabe identificar as coisas sozinha. – Alex abaixou a guarda, parecendo mais leve agora. Carter olhou para Samantha novamente. – O que você sentiu, Sam? Ele estava falando a verdade? Samantha hesitou por um momento, engolindo em seco. E, então, balançou a cabeça de forma afirmativa. Estava começando a sentir os olhos arderem, sabia que falar sobre aquilo em voz alta a deixaria desestabilizada. Relembrar da proximidade e do toque de David... aquela expressão de angústia sincera unida com aqueles olhos translúcidos de desejo... Sentiu o coração acelerar e obrigou-se a esquecer. Pronto, estava feito. Contara o que havia acontecido e não precisava mais tocar no assunto. - Como você está? – Alex se desfez da revolta anterior e a preocupação tomou conta de seu rosto. – Não está pensando em... - Não, eu não estou pensando em nada. Fiquem tranquilos, nada vai me fazer ceder. - Sam, por mim você pode ficar com quem quiser... não vai interferir de fato nos Velvets... – Carter começou mas foi interrompido por um olhar agressivo de Alex. - Você está louco? Depois de tudo o que ele fez você fala isso? Sam, seja forte. David não foi nem capaz de assumir a culpa e pedir desculpas. Ele não te merece. NACIONAIS-ACHERON
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- Deixe ela fazer as próprias escolhas! Os passos de Oliver foram ouvidos nos degraus rangentes de madeira e todos se calaram. Samantha observou o corpo do garoto surgir aos poucos enquanto ele descia, concentrado no celular. A voz de David imediatamente ecoou em sua consciência: “Não se entregue a Oliver Lynch”. Por que ele havia dito aquilo? Era só por ciúmes? Sentiu uma sensação ruim tomar conta do corpo, mas que logo se dissipou quando Oliver abriu um sorriso para todos ao parar na frente dos instrumentos, entre eles. - Bom, vamos voltar ao que interessa, então? Decidir, de uma vez por todas, a setlist da eliminação. – Carter começou a falar, voltando a sentar de frente para sua bateria. Samantha achava que ele deveria se sentir mais confiante com as baquetas em mãos. – Sei que tivemos uma receptividade excelente no Walsh com nossos covers acústicos, mas na Batalha das Bandas o furo é mais embaixo. - Enquanto Samantha prestava atenção no pequeno discurso de Carter, observou Oliver sentar-se em uma das poltronas perto da lareira, onde o baterista estava com seu instrumento. Percebeu, então, que Alex a observava acompanhar os movimentos do garoto e desviou o olhar. – Precisamos mostrar a raiz da nossa identidade, da forma mais clara possível. Teremos de ser agressivos e descarados. - Tenho aqui a lista das prováveis músicas que criamos ao longo da semana, acho que podemos finalmente eliminar e chegar em uma conclusão. – Oliver esticou-se e alcançou sua mochila, que estava encostada ao lado da poltrona, e pegou seu caderno. Como esperado, uma incessante discussão se iniciou, incluindo um momento sério entre Alex e Carter, onde os dois quase entraram em uma briga real. Era extremamente difícil entrar em um consenso quando os quatro tinha opiniões muito diferentes. NACIONAIS-ACHERON
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Depois de quase três horas seguidas de frases atravessadas, cortes, olharem invocados e alguns “cala a boca, Gregory” de Alex, conseguiram escolher cinco músicas, faltando, então, eliminar duas. Possuíam, ao todo, duas semanas e um final de semana de ensaio para ter as três músicas decididas, portanto resolveram dar uma trégua na briga.
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CAPÍTULO 37 Aquele sábado voou com as horas passando mais rápido do que o normal depois que eles começaram a ensaiar de verdade. A noite já havia tomado o espaço do dia e, perto da meia noite, os quatro pareciam ter corrido uma maratona de cinco horas, sem pausas. Gregory encontrava-se, surpreendentemente, dormindo no maior dos sofás, fazendo todos rirem da capacidade do garoto de pegar no sono com uma barulheira daquelas. Alex, então, como uma irmã responsável, deu-se ao trabalho de ir buscar no segundo andar um cobertor para o garoto e, quando voltou, ele já estava acordado. - Vamos jogar Uno? – perguntou, encarando os quatro com um olhar sonolento e esperançoso. - O quê? – Alex espremeu os olhos, até ela estava incrédula com as ideias fora de contexto do irmão. - Perdi o sono, mas obrigado pelo cobertor. – Ele se esticou e tirou o cobertor dobrado das mãos da irmã. – Eu trouxe o baralho, como um bom viajante, sempre tenho esses jogos de bolso para me distrair. Vocês já ensaiaram bastante, o que acham? - Por mim pode ser... parece que meus braços foram atropelados por um caminhão, de qualquer forma. – concordou Carter depois de alguns segundos de reflexão coletiva. - Podem começar sem mim, então, eu vou lavar o rosto. – Oliver anunciou, largando a guitarra no suporte e deixando a sala para entrar na escuridão das escadas. NACIONAIS-ACHERON
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Os quatro sentaram-se no pedaço de chão que não estava sendo ocupado pelos instrumentos, em cima do tapete empoeirado. Gregory enrolou-se confortavelmente em seu cobertor, e, em poucos minutos, Samantha, Alex e Carter estavam tremendo de frio. O suor havia deixado seus corpos úmidos e agora que haviam se acomodado, a temperatura baixa tomou conta dos três. - Busque para nós mais alguns cobertores, Sam... – Alex murmurou, a voz sonolenta e manhosa extremamente semelhante a voz do irmão. - Dois votos. – disse Carter, largando suas cartas e se apoiando na poltrona atrás de si, abraçando o corpo. Samantha rolou os olhos, suspirando de cansaço. Sabia que era a integrante que, na teoria, menos se esforçava, pois tinha a consciência de que tocar um instrumento sugava muito mais as energias corporais do que simplesmente cantar, porém, de qualquer forma, estava cansada. Levantou do chão com uma dificuldade quase idosa e levantou as jeans escuras pelo cós. Estava na hora de vestir a calça do pijama, concluiu. Antes de subir para o segundo andar, pegou a calça mais confortável dentro da mochila. Alex, Carter e Gregory iniciaram uma conversa preguiçosa sobre as regras do Uno depois de Gregory acusar Carter de estar repetidamente fazendo uma transgressão. Samantha encarou os degraus escuros da escada de madeira e engoliu em seco. Aquela casa era assustadora, as pessoas não deveriam circular sozinhas ali à noite. Sentiu, então, uma vontade de espirrar crescer dentro de si e soltou o espirro de forma tímida, sem querer chamar a atenção dos amigos. Não podia ficar doente... quer dizer, precisava trabalhar, estudar e ensaiar. Apressou a subida enrolando as calças de moletom nos braços. Atingiu o corredor mais escuro ainda e apertou as calças em volta do tronco. Quando foi abrir a primeira porta que conseguiu identificar, não fazendo ideia de onde eram os quartos, sobressaltou-se como não fazia há NACIONAIS-ACHERON
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muito tempo. Segurou o peito agitado com uma das mãos enquanto recuperava o fôlego e encarava Oliver com um indício de raiva. - Droga, Oliver. – A garota se apoiou na parede ao lado da porta enquanto ele ria e a fechava atrás de si. - Desculpe, o que está procurando? – Ele empurrou as mechas grossas loiro escuras para trás, embrenhando os dedos no cabelo desgrenhado. Samantha desviou o olhar para o corredor vazio ao observar o movimento despretensiosamente provocante. - Um quarto. – Conseguiu murmurar, ainda estava respirando com dificuldade pelo susto e pela presença de Oliver, que causava uma tensão sexual automática quando estavam sozinhos. Uma música começou a tocar distante no andar de baixo, Samantha conseguiu identificar a risada alta de Alex. As batidas sensuais começaram a tornar a situação um pouco mais pesada. - Um quarto? – Oliver levantou a sobrancelha e sorriu. Samantha encarou o rosto parcialmente iluminado dele e forçou um sorriso nervoso. – Quer dormir? – Ele completou, aliviando a tensão e deixando tudo um pouco mais inocente. - Quero pegar cobertores. – Ela corrigiu rapidamente. A música sensual ecoava pela casa quando um dos dois parava de falar. – Quer um? - Por favor. – respondeu ele, virando-se de costas e começando a caminhar para o lado contrário das escadas. Samantha franziu o cenho. - O que está fazendo? – perguntou, nervosa. - Vou ajudá-la. – murmurou ele sem se virar e sem parar de caminhar. Samantha suspirou, encarando as costas largas e mal iluminadas do garoto. O refrão intenso da música começou e ela sentiu o lado sensível do corpo NACIONAIS-ACHERON
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acordar. Oliver parou na frente da terceira porta do corredor e a encarou com um sorriso de canto, esperando que ela se aproximasse.
Black velvet and that little boy's smile. Black velvet with that slow southern style.
A voz de Alannah Myles ficou entre eles, fazendo Oliver abrir um sorriso ao identificar a coincidência da letra. Samantha sorriu, achando engraçado, e se aproximou devagar. Parou na frente do garoto, as batidas sensuais muito claras preenchendo todo o corredor.
A new religion that'll bring ya to your knees. Black velvet if you please.
- Sua voz estava diferente hoje – Oliver murmurou por cima da música. – Mais macia...mais calorosa. Era até difícil se concentrar. Samantha sentiu o peito se fechar em uma repentina falta de ar. Sua intimidade implorando por atenção enquanto ela encarava o garoto alto e seus traços enigmáticos. Oliver era como um verdadeiro enigma pedindo para ser desvendado, principalmente quando o ambiente estava mais escuro que o normal. - Isso é bom? – perguntou ela com a voz falha, mais rouca do que geralmente era. Ele sorriu e ela sentiu as pernas darem de si. Oliver umedeceu os lábios com a língua e se aproximou alguns centímetros dela, NACIONAIS-ACHERON
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fazendo com que Samantha, por um instinto de menina tímida e impressionada, apoiasse as costas na parede, se afastando um pouco. Ele colocou um dos braços apoiados ao lado da cabeça dela, fazendo-os juntar os corpos ainda mais. E, então, Oliver levantou o outro braço e passou o polegar devagar pelo lábio inferior de Samantha, enquanto os outros dedos seguravam com delicadeza seu queixo. O dedo do garoto provocando seu lábio era tão estimulante que poderia ser confundido com um beijo real. - O que acha? – murmurou ele, analisando todo o rosto dela com uma atenção clínica. E, como num piscar de olhos, Oliver se afastou e abriu a porta do quarto atrás de si.
In a flash he was gone, it happened so soon... What could you do?
Samantha sentiu a nuca arrepiar, agora sozinha no corredor. As mãos tremiam em uma súplica pelo iminente beijo que deveria ter acontecido, mas, por algum motivo tão misterioso quanto Oliver Lynch, não aconteceu. Aqueles garotos a estavam deixando maluca.
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CAPÍTULO 38 Ao contrário do que se esperava do senso comum adolescente, o senhor Chevalier não era um homem de idade grisalho com um cavanhaque bem cuidado e óculos de leitura apoiados na ponta de um nariz protuberante. O senhor Chevalier, na verdade, tinha muito pouco de senhor e muito mais de um homem jovem agitado que não hesitava em demonstrar seu amor pela sua amada amante, a Literatura Inglesa. O corpo magro e alto caminhava de um lado para o outro na frente da turma, já acostumada com os floreios exagerados que lhe eram característicos, enquanto ele lia com destreza o primeiro poema a ser trabalhado naquele período. Ele era um dos professores mais peculiares e únicos da West Newton, e suas aulas nunca eram monótonas. Prosas e poemas clássicos tendiam a ser um verdadeiro terror para a maioria dos alunos, mas o senhor Chevalier, com seus trejeitos caricaturais que poderiam facilmente pertencer à um personagem de algum filme de fantasia, tornava tudo menos tedioso e mais interessante. Era exatamente o tipo de aula que Samantha estava precisando assistir naquela quarta-feira fria e nublada. A aproximação da eliminação da Batalha das Bandas fazia com que sua atenção se dissipasse com muita facilidade. Apesar de estar conseguindo seguir seu plano de ensaiar durante os horários do almoço, era impossível não lembrar que seus colegas de banda poderiam estar muito a frente dela em termos de preparação técnica. Gostaria de ter o mesmo tempo que eles tinham, assim aquele medo de arruinar o NACIONAIS-ACHERON
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trabalho em grupo não existiria. O próximo final de semana seria o último ensaio deles antes da eliminação e cada vez que pensava naquilo seu estômago apertava. Por sorte, nas aulas do senhor Chevalier isso não acontecia com tanta frequência. Quando o professor leu o último verso de Eulalie, poema de Edgar Allan Poe, escritor estudado naquela semana, o fascínio coletivo era visível nos rostos impassíveis e nos olhos vidrados. Assim como Samantha, ninguém conseguia compreender a capacidade do professor de prender a atenção de todos com tanta habilidade. Chevalier pigarreou, abrindo então o sorriso empolgado de sempre ao perceber que sua leitura havia sido bem sucedida. Cruzou os braços e analisou os rostos adolescentes por um momento antes de prosseguir. - Sei que muitos de vocês podem achar o que abordarei agora irrelevante, em vista de nosso esforço constante na compreensão teórica do conteúdo, mas acredito que seja importante para que compreendam um pouco de interpretação. Já, já, voltaremos para o exercício de hoje, mas antes... – A pausa aconteceu para que ele rastreasse o pequeno público com seus olhos castanhos grandes e redondos. Estreitou-os por um momento ao encontrar o que estava procurando. – Oliver Lynch, pode vir aqui na frente? Todas as cabeças viraram para trás, na direção de Oliver, que estava sentado no último lugar da fileira da esquerda e observava a aula com atenção. Levantou as sobrancelhas, curioso, e concordou com um aceno breve. Samantha, que havia sentado do outro lado da sala, na fileira da direita, acompanhou seu mais novo guitarrista atravessar a extensão até o tablado frontal com tranquilidade. Seus olhos cruzaram com os de David, sentado na mesma fileira de Oliver só que no primeiro lugar, e ele desviou o olhar incomodado. Suas linhas faciais estavam levemente contraídas, NACIONAIS-ACHERON
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demonstrando aversão pelo pequeno momento no qual Oliver estava recebendo atenção. O garoto loiro parou ao lado do professor, em cima do tablado que equivalia a altura de um degrau comum, e colocou as mãos nos bolsos da calça do uniforme. Chevalier encostou no ombro de Oliver ao falar: - O colega de vocês é um dos meus melhores alunos, grande entusiasta da poesia clássica e responsável pelas melhores notas desde que voltou a estudar aqui. – Oliver mantinha uma expressão cômica no rosto, achando a situação um pouco engraçada. Samantha não fazia ideia daquilo e se impressionou com a informação. – Logo que voltou, entrou para meu clube de poesia e aprendeu o que estou prestes a explicar brevemente. - Leitura dramática – murmurou Oliver, mais pra si mesmo do que para o professor ou para o resto da turma, mas acabou sendo ouvido por todos. - Leitura dramática – concordou o senhor Chevalier, abrindo um sorriso orgulhoso. – Para prender a atenção do espectador, como acabei de fazer com vocês ao ler Eulalie, precisamos ser capazes de transmitir o conteúdo do poema de diversas formas enquanto o lemos. – Ele deu alguns passos para o lado ao iniciar sua explicação enquanto Oliver permaneceu imóvel, as mãos ainda nos bolsos. – Quando lemos um poema, precisamos expressá-lo vocalmente, interpretando o texto e o que está sendo transmitido pelo poeta ou pela poetisa. Entretanto, também precisamos nos preocupar com a emissão do conteúdo em si, fazendo o espectador captar a mensagem. Enquanto Chevalier explicava, Oliver matinha os olhos fixos no chão a sua frente. Levantou o olhar uma única vez na direção de Samantha, percorrendo o resto da turma em poucos milésimos antes de voltar a fixar o vazio abaixo de si. - ...vocês devem respeitar as pontuações fazendo pausas distintas, NACIONAIS-ACHERON
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dependendo do tipo utilizado. – A explicação do professor se estendeu, fazendo Oliver encará-lo educadamente. - Vírgulas, por exemplo, são seguidas de pausas menores do que pontos. Quando mudamos de estrofe, fazemos uma pausa maior. Vocês irão compreender melhor esse ritmo ao criar um hábito de leitura. – Chevalier remexeu nos papeis que carregava, agora dobrados, e retirou um deles do meio do pequeno bolo. – Oliver vai fazer a leitura dramática de Annabel Lee antes de vocês começarem a analisar o conteúdo dos dois poemas de Poe. O professor então entregou o papel ao garoto com o mesmo sorriso orgulhoso de antes e o deixou sozinho em cima do tablado, sentando-se em sua mesa no mesmo lado onde David estava sentado, muito mal humorado e entediado. Se Samantha não estivesse tão inquieta e ansiosa por estar prestes a assistir Oliver ler dramaticamente um poema na frente de toda a turma, acharia a cara emburrada de David muito engraçada. Com uma mão ainda no bolso da calça do uniforme e a outra segurando o papel com o poema, Oliver piscou algumas vezes antes de sua voz – não muito ouvida pela maioria dos colegas – preencher o ambiente. O estranhamento inicial que se costuma ter quando vemos algo que não estamos acostumados durou poucos segundos. Se tiveram alguns que abriram sorrisos maliciosos e zombeteiros – como David, que lançou um olhar irônico na direção de Jack Trevino sentado logo ao seu lado – logo ficaram quietos e imóveis, impressionados com o que estava acontecendo. Um adolescente de dezesseis anos não podia ter aquele talento. Não fazia sentido. E ainda mais um bolsista sem cultura aos olhos dos colegas ricos e preconceituosos. O fascínio geralmente causado pelo intelectual professor Chevalier foi transferido para o bolsista antes anônimo Oliver Lynch, que nunca fora importante o suficiente para receber tanta atenção assim. Ninguém se NACIONAIS-ACHERON
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importava com ele quando se era colega de David Young. Mas, ao que parecia, naquele exato momento, ninguém mais existia para todos os presentes sem ser Oliver Lynch. Seu talento para interpretação era tão grande que, para as mentes mais criativas, era possível ouvir uma trilha clássica ao fundo acompanhando o ritmo das palavras bem entoadas. Era como se o garoto nascera fazendo aquilo, não demonstrando nenhum esforço, nenhum pedaço de pele vermelho de vergonha ou piscadas exageradas seguidas de engolidas desconfortáveis de saliva. Nada disso. Oliver carregava dentro de si um artista irrelevante que não era nem um pouco importante. Não até aquele momento. Todas as garotas apoiavam os queixos nas mãos enquanto assistiam fascinadas, enquanto os garotos observavam impressionados. Samantha sorria, não desviando o olhar dele em nenhuma pausa. Para todos os seus colegas aquilo era muito improvável, mas para ela era tão provável... aquilo era tão Oliver Lynch, surpreender a todos com inteligência e humildade enquanto mantinha o ar misterioso de sempre. And so, all the night-tide, I lie down by the side (E assim, noite adentro, deito-me ao lado) Of my darling—my darling—my life and my bride, (De minha querida – minha querida – minha vida e minha noiva,) In her sepulchre there by the sea— (No sepulcro junto ao mar – ) In her tomb by the sounding sea. (Em
seu túmulo junto ao borbulhante mar.)
O silêncio foi mais intenso e durou mais tempo do que qualquer silêncio posterior a qualquer leitura do senhor Chevalier. E aquilo deixou o professor tão orgulhoso que acabou levantando de sua cadeira e puxando palmas NACIONAIS-ACHERON
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entusiasmadas, acompanhadas pelos colegas sem nem perceberem. O choque era coletivo e incomum. Oliver, um tanto tímido e desconcertado, devolveu a folha para o professor, que fez sinal para ele voltar ao seu lugar. - Agora que já fomos agraciados pelo talento indiscutível de Oliver e temos uma pequena noção de como funciona a leitura dramática de poemas, podemos voltar para o nosso exercício do dia. – O homem abriu uma planilha dentro de um caderno grande e preto e colocou os óculos de leitura. – Tomei a liberdade de criar trios baseados no desenvolvimento de vocês. Os alunos com mais dificuldade na minha matéria ficarão com os que se dão melhor com o conteúdo, assim havendo a possibilidade do aprendizado coletivo. Ele então começou a ler os nomes dos trios e Samantha só conseguiu rezar para não cair com algum colega negligente e baderneiro. Considerava-se mediana em Literatura Inglesa, sendo capaz de compreender a maior parte do conteúdo, mas era muito fácil afundar junto com os colegas mais desleixados. Todos os exercícios em aula do senhor Chevalier valiam nota e ela, como atual bolsista, precisava ir bem. Observou, em silêncio, os trios de alunos que não tinham proximidade começarem a mover as classes para se unirem, todos mal humorados por não conseguirem ficar com quem tinham afinidade. Carter e Alex não eram seus colegas naquela matéria, então ela não tinha muito pelo que lamentar. - Samantha – Ouviu seu nome ser finalmente entoado pelo senhor Chevalier. Como era a única Samantha da classe, ele não costumava usar seu sobrenome. – Você vai trabalhar hoje com David Young e Oliver, tudo bem? Podem se juntar. Clarice, seu trio será... A voz do senhor Chevalier se dissipou por entre as conversas paralelas. Podia sentir o olhar de alguns colegas sobre si, todos tão chocados quanto ela. Engoliu em seco, sentindo o chão abrir embaixo de seus pés, e olhou para o NACIONAIS-ACHERON
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lado, na direção de Oliver. O garoto a encarava sem nenhuma expressão aparente. Um movimento diferente, na direção de onde David estava sentado, chamou a atenção dos dois, que o olharam curiosos. David, agora, estava em pé e guardava suas coisas dentro da mochila. Com as expressões faciais carrancudas, ele colocou a alça no ombro e começou a atravessar a sala. - Young, onde pensa que vai? – Chevalier vociferou, rígido, saindo de sua zona de conforto composta por simpatia. - Embora – resmungou David, parando para encarar o professor. Agora todos assistiam a cena desconfortável, mas o garoto não parecia nada envergonhado por estar sendo observado pela turma inteira. - Arraste sua classe até onde Oliver está sentado e comece o exercício, o enunciado está no quadro. – Samantha nunca havia visto o senhor Chevalier sem paciência, parecia outra pessoa. – O que está esperando? Não vai sair dessa aula até terminar, como todos os seus colegas. - Eu não vou trabalhar com eles – David deu alguns passos na direção da mesa do professor, falando agora mais baixo, ainda de um jeito displicente. – Quero fazer o exercício individualmente, então, já que não posso ir embora. - As desavenças que você tem com seus colegas não me dizem respeito e devem ficar do lado de fora da sala. Não vou lhe conceder uma vantagem e ser injusto com os outros. – O homem fez um floreio característico com a mão na direção da mesa de David, abaixando o olhar e voltando sua atenção para a planilha. – Harvey, seu trio será com... Samantha precisava confessar: o desconforto de David era prazeroso. Por mais que fosse tão desconfortável para ela quanto para ele, vê-lo ser colocado em seu lugar pelo professor valia o esforço. Assim como ele, ela arrastou a NACIONAIS-ACHERON
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classe até onde Oliver estava sentado, quieto, de braços cruzados. Posicionou-se exatamente ao lado do garoto loiro, enquanto David colocou-se na frente dos dois, já sentado com a expressão mal humorada que era de se esperar. Evitava olhar no rosto deles e, apesar de a sala ter voltado a ser tomada pelas conversas paralelas, o silêncio entre os três era sólido.
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CAPÍTULO 39 Não conseguia colocar em palavras o constrangimento da situação. Na medida em que os segundos passavam, a vontade de se enterrar no mesmo buraco que já havia sido aberto embaixo dos seus pés quando o professor Chevalier anunciou seu trio era maior. Mover o corpo e suspirar não foi o suficiente para fazer Oliver ou David tomarem alguma iniciativa e iniciarem a tarefa. Não esperava que David fosse ter qualquer iniciativa, mas Oliver poderia pelo menos facilitar. Doce ilusão. Precisaria ela mesma fazer algo pelo pior grupo de trabalho que já poderia ter sido formado naquela escola. - Hm, precisamos escolher entre Annabel Lee e Eulalie – começou ela, lendo as instruções no quadro. David permaneceu impassível encarando a superfície de sua mesa e Oliver fez um curto movimento afirmativo com a cabeça. – Qual acha melhor? – Samantha dirigiu-se a Oliver, que, entre eles, era o mais entendido do assunto. - Annabel Lee – murmurou Oliver, abrindo o caderno e escrevendo a data daquele dia. Pigarreou, parecendo decidir não ficar mais em silêncio. Sabia que ele não era infantil como David e, uma hora ou outra, iria ceder. Se o garoto teve a humildade de se desculpar com ela na festa de Vicky Brown por algo tão bobo, aquilo já dizia muito sobre si mesmo. – Sobre o que acham que fala o poema? O fato de ele referir-se à eles no plural era mais um sinal de maturidade. Samantha pode perceber as narinas de David inflarem, demonstrando impaciência e desprezo. Ele não iria participar do exercício, isso era claro. NACIONAIS-ACHERON
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- É sobre... – começou Samantha, forçando seu cérebro a pensar sobre a pergunta de Oliver. – Um casal e um final trágico. - Exatamente – Oliver escreveu a observação da garota em sua folha, logo abaixo dos nomes dos três e do enunciado do exercício, que pedia para o trio escolher um dos dois poemas e analisá-lo a partir do que já haviam estudado sobre Edgar Allan Poe. – E o que mais aparece com frequência nos poemas de Poe? – A outra pergunta também foi direcionada aos dois. Samantha estava se sentindo em uma aula particular de Literatura Inglesa. - Hmm... tragédia? Coisas obscuras? – tentou, fazendo o garoto sorrir. - É, mas lembram que na aula anterior o professor explicou qual era o tema mais poético do mundo para Edgar Allan Poe... – Oliver encarou David diretamente, que estava mais interessado em riscar a superfície da classe com um lápis. – David, não vamos fazer o trabalho por você. Precisa participar. David abriu um sorriso de escárnio e levantou o olhar pela primeira vez para o garoto na sua frente. Uma sensação horrível tomou conta de Samantha e todos os seus sentidos se perderam no passado. Todos ali eram escravos do tempo. Cenas dos três se divertindo quando eram mais jovens tomaram conta de sua mente e ela sentiu um vazio estranho no peito. Oliver e David rindo de algo engraçado que ela havia dito. David contando, empolgado, que haveria um show de alguma banda que eles gostavam na cidade. Oliver indignado com algum episódio de uma das séries de mistério que ele assistia. Nada disso existia mais. Agora, o que existia era o sorriso de escárnio de David e a distância de Oliver. Abaixou o olhar, tentando fazer aquelas imagens irem embora. - Você realmente acha que eu presto atenção nessa idiotice? Um dia antes NACIONAIS-ACHERON
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da prova eu decoro algum resumo, como qualquer pessoa inteligente faz. – A expressão no rosto de David era muito diferente do que ela havia visto na clareira, na semana anterior. Não podia acreditar que o garoto que havia falado com ela era o mesmo prepotente sentado na sua frente. – Só você é estúpido o suficiente para perder tempo com algo que não vai fazer diferença depois que nos formarmos. Acha que o seu chefe vai perguntar para você quais as principais características de Annabel Lee? - Se eu trabalhar para alguém, isso vai fazer diferença na área que eu pretendo seguir – Oliver respondeu sem precisar pensar, fazendo David soltar uma risada maldosa. - Sua capacidade invejável de fazer uma leitura dramática de um poema não vai fazer diferença nenhuma na vida real. – Samantha não podia acreditar no que estava ouvindo. David fez uma pausa e a encarou antes de continuar. Então pare de tentar conduzir essa droga de exercício e fazer a gente entender a matéria quando na verdade só quer se gabar com essa merda toda. Porque sabe que eu sou melhor que você em tudo então precisa impressionar ela com a única coisa que sabe fazer. Oliver ouvia todo o discurso sem nenhuma alteração expressiva, apenas podia-se notar que não estava nada impressionado com o que estava sendo dito por David. Parecia que todos os Velvets já estavam acostumados com a arrogância dele e Samantha só conseguia pensar no episódio da clareira e se aquilo tudo havia sido real ou um truque de sua imaginação fértil. - Você precisa se tratar – Foi a única frase que Oliver se deu ao trabalho de pronunciar, voltando a atenção para o caderno e voltando a escrever. – Annabel Lee fala sobre a morte de uma linda mulher, que, para Poe, é o tema mais poético do mundo. – Ele levantou o olhar para Samantha e continuou, como se não tivesse sido interrompido e não tivesse ouvido o discurso odioso NACIONAIS-ACHERON
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de David. – Qual, na sua opinião, é a diferença entre O Corvo e Annabel Lee? Samantha precisou de alguns segundos para se recuperar do que havia acabado de acontecer. Quando conseguiu voltar para o tempo real, precisou segurar a risada. A forma como Oliver havia ignorado o pronunciamento de David era digna de uma cena cômica. Gostaria de ter essa capacidade de filtrar o que interessava e seguir sua vida como se nada tivesse acontecido. O invejava por isso. - Em O Corvo, o narrador acha que nunca mais vai encontrar a amada... – começou ela, já orgulhosa por ter se dado conta da resposta sozinha. – Enquanto em Annabel Lee, ele irá se unir a ela depois da morte. - Certo – Oliver sorriu orgulhoso, escrevendo a resposta da menina na folha em branco. Com o canto dos olhos, Samantha conseguiu perceber David entediado, achando tudo aquilo patético. E, é claro, irritado por ter sido ignorado. Agora estava claro para ela o que ele quisera dizer na clareira. David tinha inveja de Oliver, dava para perceber isso em seu olhar fulminante. Enquanto ele sempre parecia um descontrolado, o outro conseguia manter-se na linha sem precisar se humilhar e soltar ofensas alheias. Se estava mesmo falando a verdade e ainda se importava com ela, não podia deixar de concordar com ele que Oliver Lynch era uma grande ameaça. Lembrava de como David havia se incomodado com a proximidade dos dois no passado, chegando a partir para agressão física no auge do ciúmes. Parecia que ainda não havia superado. Quando Samantha tentava se colocar no lugar dele e levar a sério sua declaração recente, o escândalo a puxava de volta para a realidade. As NACIONAIS-ACHERON
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palavras e o olhar romântico e entorpecente de David poderiam ser irresistíveis se ela não se sentisse insegura com sua veracidade o tempo inteiro. Ele teve uma chance para se desculpar. Teve uma chance para se justificar, mas preferiu colocar Oliver no meio como um garotinho enciumado e questioná-la sem se importar com o resto. Agora, mais do que nunca, tinha a sensação de que David só havia ido até a clareira para desestabilizá-la e se vingar do fato de eles terem chamado Oliver de volta para os Velvets. Será que David era tão egoísta e orgulhoso assim? Mesmo sentindo algo por ela era capaz de sacrificar o que eles poderiam retomar para se vingar de Oliver? Se ainda se importava com ela, por que não foi capaz de pedir desculpas pelo escândalo? Será que ele tinha alguma ideia do quanto Samantha sofreu durante aqueles dois anos afastada? De quantos pesadelos teve, revivendo toda vergonha e toda humilhação? Se David era capaz de fazer isso mesmo sentindo algo por ela, também era capaz de causar o escândalo por interesse pessoal. Já havia se mostrado egoísta de diversas formas e aquele trabalho em grupo foi apenas mais uma prova que Samantha precisava para entender que os sentimentos de David não eliminavam sua maldade e seu egoísmo. Daquele momento em diante, os únicos ativos no trio foram Oliver e Samantha, e nenhum dos dois se importou em tentar fazer com que David interagisse dessa vez. Não se importavam em dar uma nota de graça para David, desde que não precisassem mais ouvir os desaforos e absurdos do garoto, estava tudo certo. Precisou confessar para si mesma que estava um pouco decepcionada com sua conclusão tardia. Tinha uma ponta de esperança, David poderia não ser o NACIONAIS-ACHERON
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responsável pelo escândalo, mas suas atitudes o denunciavam. O garoto que estava sentado na sua frente era o mesmo que a havia exposto para toda a escola. Isso não havia mudado.
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CAPÍTULO 40 Quando o sinal tocou, finalmente anunciando o horário do almoço, foi como ouvir anjos cantarem no pé de seu ouvido. Samantha observou David levantar da cadeira, sem nem considerar reorganizar sua classe no lugar de origem, colocar a mochila nas costas e desaparecer para fora da sala. Oliver, despreocupado, arrancou a folha do caderno e entregou para o professor. Ele havia preenchido frente e verso, a letra pequena, pontiaguda e caprichada não parecendo combinar com a imagem que todos tinham dele. Poderia, sem muito esforço, dizer que Oliver tinha uma letra carrancuda e desleixada, até por não lembrar de como ele escrevia no passado, mas as linhas eram tudo, menos desleixadas. Samantha teve a sensação de que, mesmo conhecendo Oliver há alguns anos, ainda não o conhecia por completo. Na verdade, conhecia muito pouco sobre o garoto. E não teve vergonha de admitir para si mesma que sentia vontade de conhecê-lo melhor. Após ambos organizarem suas classes e Samantha colocar a de David no lugar onde estava, observou Oliver recolher seu caderno e seu estojo e guardar tudo em sua pasta de couro que usava atravessada no tronco. Antes de fechá-la, tirou um livro com a etiqueta da biblioteca, provavelmente o leria durante o almoço. Já com a própria mochila nas costas, ela suspirou, sentindo-se mal mais uma vez por tudo o que David havia falado durante o exercício. Deveria ter defendido Oliver e mandado o outro calar a boca, mas só conseguiu assistir tudo em choque. NACIONAIS-ACHERON
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- O que está lendo? – perguntou, impedindo o garoto de começar a se afastar até a porta. A sala já estava quase vazia, com algumas alunas conversando empolgadas com o senhor Chevalier. Oliver levantou o livro para que ela conseguisse ver a capa escura, sem muitos detalhes, apenas um corvo iluminado e o título da obra completa de Edgar Allan Poe. Samantha sorriu, encantada. - Nem tudo o que aprendemos na escola é monótono – disse ele, caminhando devagar ao lado da garota enquanto se aproximavam da saída. - Não sabia que você gostava tanto assim de Literatura, então estava falando sério quando disse que quer seguir nessa área? – Sua vontade de descobrir mais sobre Oliver Lynch falou mais alto do que sua educação. Havia feito a pergunta por curiosidade e não apenas para puxar assunto. - Bom, a princípio, sim... não sei exatamente o que fazer, mas me parece a única área na qual eu não vou morrer de desgosto. Os dois riram, mas Samantha não pode deixar de sentir-se meio mal. Era muito idiota pensar que os Velvets dariam certo e eles fossem capazes de seguir com a banda e se sustentarem apenas com ela? Era, mas era inevitável cultivar essa esperança. O fato de Oliver não estar na mesma sintonia que ela a deixava nervosa. Preferiu deixar para lá, não gostaria pressioná-lo, e, de qualquer forma, ainda era muito cedo para decidir algo relacionado ao futuro. - Vai almoçar? – perguntou a garota, agora já caminhavam pelo corredor ocupado por colegas e estudantes de outras séries. - Não, não estou com fome. Vou... bom, eu ia ler nas arquibancadas, mas se você quiser ficar comigo eu não vou ler. Seria muito rude da minha parte. Samantha riu, considerando sacrificar os minutos que usaria para ensaiar. Passar um tempo com Oliver e descobrir um pouco mais sobre ele soava NACIONAIS-ACHERON
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interessante. E, depois de ter o deixado na mão enquanto David o insultava, sentiu que assim poderia compensar sua desatenção. - Vai abrir mão de um conto do Edgar Allan Poe para ficar comigo? – A pergunta o fez rir. Pela primeira vez em muito tempo notou o sorriso do menino. – Devo ser importante. Não vou desperdiçar esse convite, então. - É claro que você é importante, é a vocalista da minha banda. É minha obrigação ceder alguns minutos do meu ocupado dia. – Sua ironia acompanhada de uma expressão séria fez a garota rir mais uma vez. Não lembrava do quão divertido Oliver era quando começava a ter intimidade com alguém. Em poucos minutos conseguiram ultrapassar a multidão de estudantes famintos, alcançar o lado de fora do prédio e atravessar o pátio interno. Como já havia previsto, o intervalo no campo aberto seria frio, então Samantha recolocou o blazer do uniforme que era surpreendentemente quente. A maior parte das arquibancadas estava vazia, com um grupo de garotas bem distante sentadas no último degrau parecendo fazer alguma lição atrasada. A concentração no que escreviam era anormal para quem estava em um intervalo. Decidiram ficar em uma altura mediana, largando suas coisas antes de sentar. Samantha ficou em um degrau acima de onde Oliver havia decidido sentar, apoiando os cotovelos ao lado do corpo dela. - Está conseguindo ensaiar? – perguntou ele antes que ela pudesse fazer mais alguma pergunta sobre a vida pessoal dele. Sua curiosidade precisaria esperar um pouco mais para ser sanada. - Sendo sincera, gostaria de ter mais tempo, mas estou conseguindo me virar. – O garoto assentiu com a cabeça, os olhos perdidos no vasto campo a NACIONAIS-ACHERON
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sua frente. – E você? Samantha sabia que aquela pergunta não precisava ser feita para ele. Oliver era o melhor entre eles, não precisaria retomar a prática de seu instrumento ou a potência de sua voz pois nunca deixou de praticar sozinho. - Toco todos os dias de noite - murmurou, suspirando logo em seguida. A menção da palavra “noite” fez Samantha lembrar do jantar que Donna estava planejando. Precisava informá-lo e aquela era a hora perfeita. Fechou os olhos por um momento, sentindo vergonha por ter de passar por aquilo. - Oliver – começou ela, engolindo em seco. O garoto virou o rosto e a encarou, parecendo preocupado por ela ter chamado seu nome. Sempre quando usamos os nomes das pessoas durante uma conversa é para falar algo sério. Não que uma janta planejada por sua mãe fosse algo sério, mas era meio constrangedor. – Minha mãe quer que você vá jantar lá em casa no sábado para agradecê-lo pelos conselhos. Ele manteve o olhar no rosto dela por dois segundos antes de abrir um sorriso e desviar sua atenção para o campo novamente. O que aquilo significava? Que ele achava as duas patéticas? - Não precisam se incomodar comigo – disse ele, fazendo-a notar que ainda sorria. – É sério, não foi nada. - Não é incômodo, na verdade minha mãe está muito empolgada com isso. Aquela revelação fez o garoto rir além do que ela esperava. - Tudo bem, diga para ela que agradeço o convite e estarei na sua casa sábado à noite. Samantha suspirou aliviada. Ainda não eram íntimos o suficiente nos dias atuais para ela saber se ele se negaria a comparecer a algo tão intimista. Bom, se parar para pensar, dava no mesmo que um jantar formal para conhecer a NACIONAIS-ACHERON
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sogra. Mas é claro que Oliver era gentil demais para negar. Um silêncio longo o suficiente para iniciar certo desconforto seguiu-se e, quando o garoto finalmente interrompeu a pausa ela suspirou de alívio. - Como está? A pergunta não fez muito sentido para ela, que olhou para baixo e tentou ler no perfil dele o que ele pretendia. Oliver percebeu e virou o rosto para o lado para conseguir devolver o olhar. - Como assim? Ele pigarreou antes de explicar. - Como está com David? – Samantha não esperava por aquilo e Oliver rapidamente continuou a se justificar. – Depois de tudo o que ele fez, bem, deve ser meio difícil ter de conviver. Ele está incomodando você como fez comigo hoje? Precisou processar a tensão que a área da conversa possuía e pensar um pouco antes de responder. Lembrou-se mais uma vez da cena na clareira e do aviso enciumado de David. - Não mais. No começo estava, agora já parou. - Fiquei sabendo da briga de vocês na festa e pela forma como ele tratou você na reunião achei que poderia estar incomodando. Era verdade, David a estava incomodando. Até ele se declarar na clareira, arruinar as emoções dela e deixá-la mais decepcionada do que nunca. Agora, era como se fossem desconhecidos. - Ele está me ignorando, não se preocupe. Deve estar bravo por termos nos inscrito na Batalha das Bandas com a antiga banda dele. NACIONAIS-ACHERON
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David estava bravo, em sua opinião, por uma junção de fatores, e citar o fora que ela havia dado nele não parecia muito adequado. Aquela situação havia sido tão íntima e surreal que ela preferia deixá-la para trás. Uma pausa maior se seguiu. Ela observou o garoto se desencostar do degrau e afastar as mechas loiro escuras do rosto antes de interromper o silêncio duplamente constrangedor agora. - Ainda gosta dele? O fato de Oliver não encará-la ao fazer aquela pergunta absurdamente desconfortável minimizou a vergonha que sentiria por ele observar seu rosto esquentar. Levou mais tempo do que as regras da convivência exigiam para responder uma pergunta, mas era um caso especial. - Não – murmurou, engolindo em seco logo em seguida. Nunca confessaria para Oliver que ainda sentia algo pelo causador de sua humilhação pública. Falando assim conseguia notar como aquilo era absurdo e suicida. Ele virou a cabeça para o lado oposto ao dela, parecendo se distanciar. Era estranho, mas tinha a sensação de que ele sabia que estava mentindo e havia, de alguma forma, se chateado com aquilo. Não fazia sentido comparar a situação atual de sua vida com dois anos atrás, mas lembrou-se de Alex e Carter sempre dizendo que David tinha motivos para sentir ciúmes de Oliver. As investidas do passado não deixavam dúvidas: Oliver, em algum momento, sentiu algo a mais por ela. Dois anos haviam se passado, não havia como restar algo daquela época. Sentiu seu estômago se revirar ao pensar que, dessa vez, ele causava algo diferente nela. Se no passado não o via com outros olhos, agora era diferente. Apesar de ter de conviver com a paixão humilhante que sentia por David, NACIONAIS-ACHERON
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Oliver fazia todo o seu corpo se arrepiar. E estava fazendo agora, tão perto de suas pernas cobertas apenas pela meia-calça cor da pele. Levantou o corpo apoiando as mãos no degrau e desceu o tronco, sentando logo ao lado dele. O movimento fez o garoto olhá-la, meio confuso. Agora seu braço encostava no dele e a proximidade fez o calor que emanava do corpo quente de Oliver aliviar o frio que o blazer não dava conta quando algum vento indesejado os envolvia. Colocou as mãos entre as coxas para que elas pudessem ser esquentadas. Oliver acompanhou o movimento com o olhar e, alguns segundos depois, sentiu o braço do garoto envolvê-la pelos ombros e puxá-la delicadamente para si. Não esperava por isso e também não sabia como reagir. Só sabia que não se sentia bem assim em muito tempo. Não era abraçada daquela forma em meses e todo mundo precisava ser abraçado assim de vez em quando. Era um fato. - Melhor? – murmurou ele, o som da voz demonstrando que sorria de canto. Os olhos da menina se perderam no gramado verde e ela considerou que o que estava prestes a fazer poderia causar um grande constrangimento nos dois, mas de alguma forma sentiu que seu corpo pedia por aquilo. Negou com a cabeça de forma vaga, ainda mantendo os olhos no horizonte. Sabia que precisaria olhá-lo no rosto para que ele compreendesse o que ela queria dizer com aquela negação aparentemente rude. Virou, então, o rosto para o lado. Oliver a encarava alguns centímetros de cima, muito perto. Quando olhares se encontravam naquela distância e eram mantidos por mais de dois segundos, não era preciso muito para serem compreendidos. Ela desviou dos olhos dele depois daqueles longos segundos e encarou seus lábios corados. NACIONAIS-ACHERON
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Sentiu a mão de Oliver, que antes abraçava sem ombro, escorregar por entre seus cachos e tocar sua nuca, acariciando de leve. A mão gelada fez todo o corpo se arrepiar, mas, por algum motivo, não queria parar de sentir aquele toque frio. Sem perceber, encarava os olhos dele novamente. Escuros e indecifráveis naquele momento, opostos aos olhos transparentes de David, mas ainda assim convidativos. Uma última vez. Percorreu todo o rosto do garoto com os olhos uma última vez antes de parar nos lábios, o movimento decisivo que transmitia sua maior vontade naquele momento. Observou um sorriso de canto surgir, tímido, antes de ele inclinar o rosto para baixo e diminuir os centímetros que os separavam. Ela levantou o olhar para a mecha que havia caído em sua testa com o movimento e sorriu para valer, levantando a mão e afastando com delicadeza, como ele costumava fazer quando aquilo acontecia. Usando a mesma mão que já estava próxima do rosto dele, segurou seu queixo com a mesma delicadeza que ele acariciava sua nuca, mantendo o sorriso travesso no rosto. Aquilo fez ele aumentar próprio sorriso e diminuir por completo a distância entre eles. Seus lábios foram envolvidos pelos dele em um selinho longo e só assim ela conseguiu sentir o quanto queria aquilo. Correspondeu ao beijo inicialmente inocente, separando-se dele para envolvê-lo ela mesma em um segundo selinho. Sentiu a outra mão livre dele em seu maxilar, perto da orelha, um sinal de que tudo ficaria mais intenso. Abraçou-o pelo tronco com o braço livre, por dentro do blazer do garoto, sentindo então o beijo avançar e as línguas se encontrarem com uma calma que não condizia com sua excitação. NACIONAIS-ACHERON
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Ao puxar seu tronco para que ele ficasse mais perto de si e eles pudessem se sentir melhor, lembrou onde estava e lembrou que os dois eram bolsistas e que poderiam ser prejudicados caso passassem dos limites. Diminuiu a intensidade do beijo, que agora já havia se tornado suficientemente elaborado, e então interrompeu a ação, sem afastar o rosto do dele. Oliver abriu os olhos, assim como ela, e voltou a dar um sorriso de canto. - Sua coerência é invejável – comentou, fazendo-a rir. E, então, sem que ela esperasse, beijou a ponta de seu nariz e se afastou, tirando o braço de trás de seu pescoço. Observou-o ajeitar a camisa que ela havia levemente tirado do lugar. – Lembre-se de vir mais agasalhada amanhã. Vai chover. Oliver então levantou do banco e estendeu a mão para ajudá-la a levantar também. - O sinal já tocou? – perguntou, sentindo-se confortável por Oliver não ser o tipo de garoto que faz questionamentos após um beijo inesperado. E então se deu conta de algo importante. Havia sido o primeiro beijo deles. Nunca haviam se beijado na vida. E havia sido muito melhor do que ela esperava. O que a fez se questionar o porquê de ter demorado tanto. - Já – Ele vestiu a alça da bolsa e a encarou com uma ternura antes desconhecida pela menina. Samantha fez o mesmo, vestindo as duas alças da mochila, e suspirou, devolvendo um olhar que claramente dizia o quanto ela queria continuar ali com ele. - Você beija melhor do que toca – murmurou ela irônica, começando a descer os degraus. Ele riu baixo, a acompanhando. - Não mesmo – comentou, ainda rindo. – E tocar é muito mais complicado, em minha defesa. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu sinto que você valoriza mais seu talento para tocar do que para beijar, Oliver. E não sei se isso é normal ou muito estranho. - Extremamente normal – murmurou ele, sério, mas mantendo o mesmo sorriso tímido de canto que Samantha já estava começando a amar. – Beijar é instintivo e trata-se mais de encaixe do que de talento. Depende das duas pessoas para dar certo. - E isso significa que... – tentou ela, deixando a frase no ar. Agora já atravessavam o pátio interno e aproximavam-se do prédio principal. - Significa que eu odeio o fato de sermos bolsistas – Oliver parou de caminhar, ficando de frente para ela. Samantha fez o mesmo, confusa. Então, ali no meio de dezenas de estudantes, ele inclinou o corpo e, segurando o queixo dela, lhe deu um beijo delicado na testa. – Não somos colegas nas próximas aulas. Vejo você amanhã. Ela concordou e, enquanto ele se afastava pela direção oposta que ela deveria seguir, Samantha processava o gesto carinhoso com o coração batendo forte um sorriso idiota no rosto. A vontade de conhecer melhor Oliver Lynch havia sido saciada por completo naquele intervalo e ela não via a hora de continuar a conhecê-lo.
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CAPÍTULO 41 Com a esperança de, pela milésima vez naquele início de ano letivo gelado, se esquentar embaixo de um sol que não condizia nem um pouco com sua função, Samantha sentou na grama igualmente fria do gramado principal naquele intervalo de sexta-feira. Conviver com sua nova realidade – a realidade que incluía ter beijado Oliver Lynch no meio das arquibancadas há dois dias – havia sido bem mais fácil do que ela imaginava. Oliver, como ela, lidou normalmente com a situação e não fez perguntas constrangedoras, a colocando na parede ou algo do tipo. Eles eram amigos e agora tinham certos benefícios, sem complicações. Bom, pelo menos era o que ela achava que estava acontecendo. E não poderia mentir para si mesma: era um pouco excitante. A tensão que antes existia nas entrelinhas agora havia sido explicitada e ela sabia que era real de ambos os lados. Estar na presença de Oliver quando havia mais alguém junto e trocar olhares significativos com ele sem que ninguém soubesse o que haviam feito era divertido. E muito infantil, é claro. Preferiu não contar nada para Alex e Carter. Sabia que deveria, afinal, eram seus melhores amigos e sempre estavam por dentro de tudo o que ela fazia, mas o beijo havia sido tão íntimo que ela escolheu guardar para si, pelo menos naquele momento. Era uma atitude egoísta, mas conhecer Oliver da forma como ela estava conhecendo e saber que era a única – pelo menos a única que ela sabia – da West Newton com aquele privilégio, a fazia se sentir especial. Oliver Lynch NACIONAIS-ACHERON
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não era qualquer um, tinha consciência de que ele era superior a todos os seus colegas por ser inteligente e não precisar de muito para conquistar as pessoas. Bastava um sorriso tímido e um comentário sarcástico para que ela se derretesse toda. Sua mãe ficaria muito feliz em saber disso. Após um minuto inteiro olhando vagamente para a grama verde onde estava sentada, abriu seu livro de História com o objetivo de não desperdiçar nenhuma lacuna de tempo livre em seus dias, já que agora não tinha mais tempo para estudar em casa. A Segunda Guerra Mundial era um assunto que lhe interessava bastante, mas não parecia nem um pouco atrativo em uma manhã fria de início de semana. Posicionou o copo de café de forma que se equilibrasse no chão desigual e o encarou mal humorada. De novo, o problema da temperatura exageradamente elevada que a obrigava a esperar uma quantidade absurda de minutos. Fungou, sentindo mais um espirro se posicionar em seu nariz. Abraçou o corpo, praguejando baixo sobre o fato de ter esquecido seu blazer dentro do armário. Quem esquecia o blazer em pleno inverno? Tudo bem, a manhã estava ensolarada, mas não fazia diferença nenhuma. - E aí, maninha? – Samantha olhou para cima e observou Carter e Alex segurando duas canecas idênticas azul-marinho. O garoto tirou do bolso dois saquinhos de Twinings e entregou um para Alex. Eles sentaram na sua frente e depositaram a erva do chá nas águas fervendo. - Como vocês têm uma caneca e eu não? – perguntou, encarando os dois fazerem o mesmo ritual idêntico. - Esqueceu que eu conheço todo mundo? – devolveu Carter com um sorriso esperto. Samantha, então, notou que o cabelo do garoto estava um pouco maior do que o normal e o achou mais atraente daquela forma. NACIONAIS-ACHERON
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Considerou abrir uma ONG para incentivar os garotos a deixarem os cabelos grandes. – Conheço a chefe da cozinha, ela nos conseguiu essas canecas. Tem até o símbolo da escola. – Ele virou a caneca para mostrar o brasão da West Newton em dourado, devidamente aplicado no fundo azul. – Pego uma para você amanhã, não precisa ficar com inveja. - Estou morrendo por dentro. – resmungou irônica, mas, de fato, estava com um pouco de inveja. O quê? Eram canecas muito bonitas! Voltou a atenção para o livro grosso aberto na sua frente, tentando mais uma vez começar a ler o parágrafo que havia parado. Os dois amigos iniciaram uma discussão sobre os direitos ilegais de Carter dentro da escola, ele realmente conseguia regalias que ninguém mais conseguia. Samantha conseguiu manter a atenção no texto por três parágrafos, sendo um novo recorde de leitura em público, e então levantou o olhar para a multidão de jovens que circulava por ali durante aquele intervalo. Não devia ter feito isso, deveria ter continuado concentrada em seu livro e evitado se incomodar. Observou Oliver se aproximando devagar com um cigarro pendendo nos lábios. Ah, mas que grande merda. Ele era muito bonito, e ela nunca cansava de tirar essa conclusão. Aquele ar de marinheiro mafioso arrancava os olhares de algumas meninas como perfeitos ímãs. O garoto tirou um isqueiro do bolso do sobretudo e acendeu, ainda caminhando devagar na direção deles, sem os olhar. E, então, uma figura mais baixa e cabeluda surgiu na sua frente. A saia estava visivelmente enrolada na cintura para que o comprimento fosse diminuído. O sobretudo da garota completamente aberto, mostrando peitos grandes demais para a camisa branca com botões meio estourando. Oliver a analisou de cima a baixo depois de acender o cigarro e sorriu, perguntando alguma coisa. A menina apontou NACIONAIS-ACHERON
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para o isqueiro e ele a entregou, logo depois aguardando ela acender seu próprio, sem, é claro, tirar os olhos do rosto dela. Samantha começou a desesperadamente querer que o ato de fumar no intervalo fosse proibido, mas estava claro que as regras da escola haviam mudado e não eram uma vantagem exclusiva apenas concedida a David Young. Não esperava sentir tanto ciúmes de Oliver assim, mas estava acontecendo e era uma sensação muito real. - Ok, isso é novo. – Alex gritou alto para Oliver quando o garoto parou em pé na frente dos três. – Agora todo mundo pode fumar? - Aparentemente sim, quer dizer, descobri que já se vêm fazendo isso desde o início das aulas e a coordenação ainda não miou, então... por que não aproveitar? - Passa aí, divide essa alegria, cara... – Alex esticou a mão e Oliver rolou os olhos, a entregando o cigarro que estava fumando. – Não quer me dar um novo? Não quero fumar na sua baba. – Antes que a garota pudesse pegar das mãos dele, ele sorriu, lambendo a parte que entrava em contato com a boca. Alex deu um grito de nojo, mas pegou mesmo assim, permanecendo alguns segundos se recuperando da cena. Samantha poderia estar sendo inadequada, mas desejou com todas as forças ser aquele cigarro antes de Alex colocar na boca. Até a língua dele era bonita. Sentiu o olhar do próprio sobre si e sorriu, sentindo o rosto esquentar. - Está com frio? – perguntou Oliver, agora com os braços cruzados, ainda em pé. - Um pouco... esqueci meu blazer na sala de aula. Agora uma nuvem entrou na frente do sol e... – Ela perdeu o olhar no céu por um momento e, quando foi voltar sua atenção para ele, Oliver não estava mais ali. Ela olhou NACIONAIS-ACHERON
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para trás, na direção do tronco da árvore que se distanciava dela em um metro. O garoto se sentou, apoiando as costas no mesmo, e abriu um dos lados do sobretudo. - O que está esperando? – perguntou, um sorriso beirando malícia nos lábios. Ela continuou o encarando de forma paralisada. – Não está com vergonha, né? Fala sério. Samantha olhou para os lados automaticamente, fazendo Oliver balançar a cabeça em negativa, sem desfazer o sorriso. Fechou o livro e colocou a bolsa em cima e, então, levantou e diminuiu a distância entre eles. Hesitou por um momento antes de sentar, fazendo-o simular uma impaciência cômica. Ora, não era isso que ela queria? Oliver Lynch e toda sua atratividade irresistível? Ignorou sua mente que repetia para que ela continuasse sentada sozinha no frio, bombardeada no meio da Segunda Guerra Mundial. Não estavam no meio das arquibancadas vazias agora, estavam no gramado principal lotado de estudantes. E ela devia algo àquelas pessoas? Ah, que se danasse! Sentou ao lado do garoto, aconchegando-se no braço aberto dele. Oliver a abraçou, fechando o sobretudo por volta de seus ombros. O frio diminuiu quase pela metade, mas toda a parte frontal de seu corpo ainda estava exposta. Ela colocou as mãos por entre as pernas para tentar equilibrar, mas não surtiu nenhum efeito. - Eu realmente preciso dizer o que vai resolver esse problema de distribuição? – perguntou ele, a observando de cima. Ela levantou os olhos, identificando ainda mais malícia no rosto de Oliver. Sorriu internamente, não acreditando na conveniência daquele momento maravilhoso. Aproximou-se mais ainda do corpo do garoto, diminuindo todo o espaço negativo, e o abraçou pela cintura, ficando parcialmente de lado, virada quase totalmente NACIONAIS-ACHERON
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para ele. Ele então fechou mais ainda o sobretudo e ela descansou a cabeça em seu peito. Oh, meu Deus. Poderia ficar ali para o resto de sua vida. Não precisava de mais nada. Fechou os olhos e inspirou profundamente, tentando fixar em sua mente o perfume masculino entorpecente dele. Sabia que Alex e Carter estavam trocando olhares confusos, mas não poderia se preocupar menos com isso. Ou com qualquer outra pessoa que estivesse fazendo o mesmo. Aquele era, no momento, o melhor lugar para passar o intervalo. Seus olhos permaneceram fechados por um bom tempo, talvez quase cinco minutos. Era incrível como poderia confundir o abraço de Oliver com uma cama quente e confortável. Seu inevitável descanso foi interrompido por algo extremamente quente encostando em sua pele nua das costas. Meu Deus. Oliver estava encostando em suas costas por baixo da camisa com a mão livre, a abraçando completamente. Ele começou a fazer um carinho odioso com o polegar, deixando Samantha mais acordada do que nunca. Se antes ficara sonolenta, agora não poderia estar mais desperta. Começou a sentir o conhecido calor no meio das pernas. - Oliver, o que está fazendo? Estamos no meio do intervalo. – Ela conseguiu murmurar sem o olhar. - Nada, só estou ajudando a esquentar seu corpo. Minhas mãos estão quentes, não podemos perder essa oportunidade. Ela sentiu a mão dele apertar levemente sua cintura, começando a entrar na área da saia, por dentro da alça da calcinha. Caralho. Puta merda, ela estava ficando realmente excitada. Deixou escapar um gemido muito baixo, que não passou despercebido por Oliver. Ele riu pelo nariz, continuando a acariciar sua cintura. Em um movimento involuntário ela pressionou as duas NACIONAIS-ACHERON
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pernas, uma contra a outra, tentando fazer com que sua intimidade voltasse ao seu estado desacordado. Samantha, a porra do escândalo. Pare, agora. Abriu os olhos assustada, mas, por sorte, ninguém estava prestando atenção neles. Ninguém exceto uma figura alta que caminhava consideravelmente distante. David encarou a cena com o cenho franzido, parecia estar achando muito difícil de acreditar. Não diminuiu a velocidade dos passos mas desviou o olhar com os lábios apertados, balançando a cabeça em incredulidade. Samantha engoliu em seco, sentindo-se um pouco culpada. Na última conversa deles, David havia se declarado indiretamente... e agora ela estava ali abraçada em Oliver no meio do gramado principal, na frente de todo mundo. Era verdade que ela o achava egoísta por não ter se justificado, mas sabia que os sentimentos dele eram reais. A dificuldade que David teve de se expressar na clareira denunciava tudo. Mas, apesar da discreta culpa, não se desfez do abraço de Oliver até o sinal da primeira aula tocar, fazendo com que todos entrassem no prédio.
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CAPÍTULO 42 Depois de desperdiçar toda a aula do período anterior ao almoço sentindose culpada pela cena com Oliver no intervalo, chegou a conclusão de que deveria desistir de tentar ser uma boa aluna. Era impossível se concentrar quando você está envolvida com David Young e Oliver Lynch. Tinha certeza de que qualquer menina concordaria com ela, portanto a culpa que surgiu por não prestar atenção na aula deveria ser esquecida. Era muita culpa para uma adolescente só, pensou, convencendo-se. Mas a consciência pesada continuou assombrando-a até ela chegar em seu armário e devolver alguns livros. Sentiu o estômago afundar ao lembrar novamente da expressão de David ao observar os dois abraçados e fechou os olhos por um momento, tentando afastar a imagem de sua mente. E, então, a risada aguda de Penelope sugou toda a sua atenção para o armário do outro lado do corredor. David estava encostado nas portas, de braços cruzados, esperando a namorada guardar seus materiais. Ele sussurrava alguma coisa e, mesmo mantendo certa distância de Penelope, ela parecia extremamente excitada. Ao perceber que Samantha assistia os dois, ele se desencostou do armário e parou atrás da ruiva, a abraçando e começando a beijar seu pescoço. Já deveria estar acostumada a sentir o chão desaparecer de baixo de seus pés. Toda a culpa que estava sentindo desapareceu junto. Um baque a fez se sobressaltar quando David empurrou Penelope na direção do armário, a pressionando contra a superfície e beijando agora seus lábios. A garota segurava-o pelos cabelos da nuca, não era nada delicado. NACIONAIS-ACHERON
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Nenhum deles estava sendo delicado, pareciam estar prestes a lutar. Samantha sentiu-se totalmente constrangida quando acompanhou a mão de David agarrar a coxa da namorada e puxá-la para cima, fazendo com que a garota fechasse suas pernas em volta da cintura dele. Ali, no corredor, em público. Como passou por sua cabeça que aquilo não iria acontecer? Quer dizer, Samantha deu um dos foras mais dolorosos da vida de ambos, era óbvio que David não iria deixar barato. Ele não era de deixar esse tipo de situação passar batida, principalmente quando envolvia seu próprio orgulho... e seus sentimentos. Samantha limpou a única lágrima que escorreu por sua bochecha depois de alguns segundos pendendo na parte inferior de seu olho e seguiu pelo corredor parcialmente vazio. Nunca quis tanto que algum professor surgisse como naquele momento. A cena da mão de David levantando a blusa de Penelope e apertando sua cintura sem nenhuma discrição continuava a se repetir a cada passo desajeitado que ela dava para longe do fatídico corredor onde a cena acontecia. As pernas da garota se fechando em volta da cintura dele ali, em plena luz do dia... era inacreditável. E o mais inacreditável era que ela desejava estar no lugar da ruiva. Que tipo de otária passava por isso? Samantha Hollow. Sentiu vontade de jogar o corpo contra alguma parede até aquele desejo estúpido cessar. Seus pés nervosos a levaram até o penúltimo andar do prédio, sempre vazio por ser usado apenas para aulas práticas de laboratório, que aconteciam em horários muito específicos. O longo corredor de paredes brancas que abrigava portas também brancas surgiu em seu campo de visão, lhe dando uma momentânea paz. Enquanto caminhava e limpava outra insistente lágrima, rezou para que nenhuma turma tivesse aulas naquele andar. Ela NACIONAIS-ACHERON
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precisava de um tempo sozinha para se recompor da crueldade de David. Encostou-se em uma parede ao lado de uma das últimas portas e sentou no chão, abaixando a cabeça e deixando todas as lágrimas que reprimira até ali pingarem no chão limpo. Quantas vezes já havia chorado por ele naquele mês? Quantas vezes teve de juntar pateticamente os pedaços de seu coração e grudá-los novamente? Já estava tudo grudento e mal colado, ela nem gostava de pensar na cena literal daquilo. Por que quanto mais ele a tratava daquela forma mais ela se apaixonava? O momento carinhoso de David era intercalado por situações cruéis e implicantes, e parecia que aquilo estimulava mais a atração dela por ele. Se perguntou se não era louca. Literalmente louca. Não era possível sentir-se atraída por ele depois de tudo o que ele havia feito. E como ele era capaz de continuar machucando-a depois de tanta maldade e egoísmo? Mas, no final, seu corpo estava sempre pulsando por inteiro, implorando por David Young. Empurrou uma mecha espessa de cachos que havia caído em seu rosto para longe, considerando passar o resto da manhã sentada ali. Porém, suas considerações foram brutalmente interrompidas. Os passos fizeram a cabeça de Samantha levantar em um susto de fazer o coração saltar. Ela espremeu os olhos para a figura que se aproximava com certa pressa, vindo do início do corredor. Logo reconheceu o jeito de caminhar e de mexer nos cabelos de David e se levantou na velocidade da luz, fechando as mãos com força. O que aquele ele estava fazendo ali? Já não bastava aquela cena ridícula e desrespeitosa? - Sai daqui, seu idiota. – A raiva era tanta que ela mesma se assustou. Estava com uma vontade literal de socá-lo no rosto até deixar marcas. NACIONAIS-ACHERON
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Ele não parava de se aproximar, mas, ao contrário do que ela imaginou, David não estava sorrindo. Imaginou-o com o previsível sorriso de deboche, e o que viu foi sua boca espremida, provavelmente rangendo os dentes. Ele não parava de andar, estava chegando muito perto e não diminuía a velocidade. Samantha preferiu não sair do lugar e, quando faltava apenas um passo para eles se encostarem, ela o empurrou com força pelo peito. - Sai de perto de mim, seu animal. Você é um ogro, um monstro vazio. Você é oco, David Young! – gritou mais alto do que esperava. O sobrenome dele ecoou pelo corredor. – Como pode fazer isso comigo depois de tudo? - Gostou da sensação? Ficar me assistindo endurecer com outra? Samantha levantou o olhar, fixando-se, incrédula, nos olhos raivosos dele. A boca entreaberta denunciava sua hesitação, sem saber o que falar tamanho era seu choque. - Com quem você acha que está falando? Uma das vagabundas que arregaça as pernas para você? - Não, Samantha, você eleva o nível dessa denominação tão nobre. A garota o empurrou, fazendo-o se deslocar dois passos para trás. Empurrou mais uma vez, agora acrescentando dois tapas secos no peito do garoto. Ele não parecia estar sentindo nada. - Por que você é assim? – perguntou ela, a raiva escapando pelos olhos em longas e lânguidas lágrimas. E você, Samantha, por que tinha que começar a chorar na frente dele? - Porque você também é. O silêncio caiu como um grande bloco de gelo entre os dois. Ela grunhiu, um grunhido agudo e ensurdecedor, e o empurrou uma última vez, agora segurando com força a camisa branca dele, abrindo involuntariamente os NACIONAIS-ACHERON
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primeiros botões. David abaixou o olhar para o tecido amassado e a encarou, tão irritado quanto ela. Ele estava furioso e nem tinha o direito de se sentir assim. Deu um passo para trás, lançando-lhe um olhar de desprezo antes de falar. - Vocês estão fodendo, não estão? A palavra violenta caiu como um saco pesado no ambiente silencioso. Como ele conseguia ser insensível o suficiente para falar com ela daquele jeito? Cada nova interação com David era um novo motivo para desistir. Sabia que ele estava falando de Oliver. Ambos ainda digeriam o momento na clareira, cada um em sua angústia particular. A demora para responder fez o garoto soltar uma risada maldosa. - É óbvio que você não iria resistir, não é, Samantha? Já notou que somos muito parecidos? Não conseguimos resistir a possibilidade de nos envolvermos com as pessoas. – Ele fez uma pausa, o canto dos lábios se esticando em um sorriso malicioso. - A diferença é que eu fodo todas as minhas colegas, que não são nada para você, e você fode o cara que era meu melhor amigo. – Suas sobrancelhas se levantaram, demonstrando que ele havia se dado conta de algo. – Pensando bem, somos bem diferentes nesse aspecto. Soube se vingar direitinho, não foi? Samantha passou as mãos pelas bochechas, limpando a umidade que as lágrimas anteriores haviam causado. Respirou fundo, tentando se controlar. É isso o que ele quer, desestabilizar você. Já que não consegue atacá-la de outro jeito, invade o seu psicológico. A voz que usou para falar saiu das profundezas de toda a mágoa que estava sentindo. - Você destruiu tudo o que eu tinha, tudo. E está destruindo de novo. - Não estou fazendo nada! Você que faz questão de ficar esfregando na NACIONAIS-ACHERON
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minha cara como é... – Ele umedeceu os lábios rapidamente e seus olhos caíram por um segundo nas pernas da garota. Levou as duas mãos até os olhos e os esfregou, deixando-a confusa. David era muito difícil de acompanhar. – gostosa. Para caralho. – completou, abaixando as mãos e voltando a olhar em seus olhos. Samantha olhou para o lado sem saber o que responder, ainda furiosa. Sentiu sua saliva se acumular dentro da boca e as pontas dos dedos formigarem. Qual era o problema dele? O que ele estava pretendendo? Desestabilizar você, acorda! - Fecha essa boca imunda, David Young. – Ela murmurou, o ódio e a excitação se chocando em uma pequena combustão interna. E, por um momento, seu lado criativo chamou sua atenção, lá no cantinho da consciência. Seu lado criativo à serviço da mágoa, que precisava ser aquecida com a doce vingança que planejara por tanto tempo. Não podia perder a oportunidade. David havia abaixado a guarda e era a hora perfeita. Não iria mais sofrer por ele. Não valia a pena. E, afinal de contas, agora ela era uma Velvet outra vez. Ou melhor, nunca havia deixado de ser, mas agora estava ativa. Ativa e pronta para calar David Young da única forma que funcionaria com ele. Ah, como era bom conhecer o inimigo. – Está vendo estas pernas? – Iniciou seu ataque. Quase como um gemido pingando luxúria. Levantou a saia do uniforme, arrastando devagar o tecido para cima e aumentando o campo de visão do pedaço de coxa exposta, antes de começar o tecido da meia três quartos. David arregalou os olhos, não acreditando que ela havia entrado na provocação. Seus olhos escorregaram para a região da pele descoberta. Ela NACIONAIS-ACHERON
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levantou um pouco mais a saia, segurando o tecido pelo meio das pernas. O fez mais lentamente que antes, mantendo a atenção no rosto confuso dele. – Você nunca vai encostas nelas novamente, David. Nunca. O garoto engoliu em seco e se afastou um passo, uma das mãos escorrendo disfarçadamente para perto da virilha. Ela encarou a região dele, já um pouco volumosa. Abriu um sorriso convencido. Queria senti-lo em suas próprias mãos, mas não podia pensar nisso. Concentrou-se na provocação. - Quem é você para tentar me provocar, David? O que você me oferece? Aquela ruiva magrela sendo espremida em um armário? Você só pode estar brincando. Quando vai começar a fazer direito? Ela se virou de costas, esforçando-se para manter o sorriso de triunfo, e continuou o encarando por cima do ombro. Abaixou o tronco devagar, sabendo que boa parte de trás das coxas estava à mostra, incluindo provavelmente a poupa do bumbum. Começou a abaixar uma das meias, sem tirar os olhos do garoto. Ele desviou o olhar por um momento, mas não conseguiu manter-se afastado daquela visão por muito tempo. Sua atenção estava dividida entre a bunda da garota e a perna começando a ficar completamente exposta. - Você gosta assim, Dave? Gosta de me ver abaixada na sua frente? - O garoto grunhiu, o som grave de indignação estimulando Samantha. Ela escorregou uma das mãos para a região embaixo da bunda, se apoiando com a outra no joelho. – Esperou por isso por quanto tempo? Sonhou em me foder exatamente assim durante quantas noites? – Mordeu o lábio inferior, soltando uma risada sonora ao olhar para o meio das pernas dele e ver o volume avantajado. As duas mãos do garoto se fecharam na frente do membro enrijecido. – Você quer me foder, David? - Pare com isso – O garoto conseguiu sussurrar, mas ela pode ver até uma NACIONAIS-ACHERON
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lágrima acumulada no canto de um de seus olhos. Era tão fácil provocar David que qualquer vingança virava brincadeira de criança. - Você quer mesmo que eu pare? Por que ainda não saiu daqui, então? Ela levantou o tronco e ficou ereta, passando então sua atenção para a camisa branca, que estava fechada até o pescoço com a gravata do uniforme. Deu dois passos lentos na direção do garoto. Sexualmente falando, não lembrava de se divertir tanto em meses. Fitou o rosto dele, sorrindo agora de canto. Iniciou então o processo de abertura da camisa, um botão de cada vez. O sutiã vermelho muito decente começou a ficar exposto. - Você quer encostar em mim, David? – Desviou a atenção do rosto dele e olhou para o próprio colo, já visível. Admirou-o, empurrando a gravata para o lado, enquanto terminava de abrir os botões. – Ainda lembra deles? Acho que não, né? A gente cresce em dois anos. Com eles não é diferente... o que acha? Abriu a camisa totalmente, ajudando com as mãos. Nunca havia visto o garoto tão vidrado em algo. Ela tinha que confessar, seus peitos eram muito bonitos e estava adorando usá-los contra David. - O que está passando por sua cabeça agora? São melhores que os da Penelope, não é? Você nunca vai poder encostar neles, sabia? – Ela segurou um dos seios com as próprias mãos, começando a apertá-lo de leve. David estava vermelho, seu pescoço brilhava de tanto suor. Seu rosto se contraía em diversas expressões de prazer fantasiado de dor. As sobrancelhas franzidas, assim como os lábios. Samantha desviou o olhar para baixo novamente, para o volume descarado do garoto. Sentiu sua própria intimidade corresponder. - Você quer me assistir, David? Já que não pode me tocar, e nunca faria isso sem a minha permissão? Porque você pode ser tudo, não é? Menos NACIONAIS-ACHERON
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invasivo. Essa é uma das suas qualidades, sabe? Você é ridículo, mas me respeita. - Nunca encostaria em você a força. Você vai ter que implorar, garota. Samantha levantou as sobrancelhas, achando engraçada a tentativa dele de virar a situação. - É mesmo? Não acho que eu tenha que implorar. É só eu dizer um “sim” preguiçoso e você amolece. - O que te faz acreditar que eu vou ficar esperando o seu “sim”? – perguntou David, recuperando aos poucos sua confortável arrogância. A garota sorriu sem mostrar os dentes, empolgada com a resposta na ponta da língua. Virou de costas novamente e começou a abaixar a camisa, levando junto uma das alças do sutiã. - O meio das suas pernas me faz acreditar, David. E, acima de tudo, os seus olhos. Você está me fodendo na sua imaginação, eu consigo ver daqui. – Ela virou de frente, eliminando então o espaço entre eles. Grudou devagar seu corpo no dele, o volume do garoto encostando em seu ventre. Olhou para cima e sorriu da forma mais inocente que conseguiu. David engoliu a saliva mais uma vez. – Preciso ter alguma dúvida? – murmurou, voltando uma de suas mãos para a parte interna da própria coxa. Esbarrou com o membro duro do garoto e sentiu o ar saindo bruscamente do nariz dele. Escorregou sua mão até a calcinha, sentindo sua intimidade quente. Iniciou então movimentos lentos de uma falsa masturbação, que na verdade estava surtindo um efeito real com a dureza de David encostando em sua barriga. Não esperava por isso. Seu pulso roçava nele propositalmente, enquanto ela continuava com os olhos fixos no rosto dele. - Pare, Samantha, por favor. - Ele sussurrou, entredentes, o maxilar NACIONAIS-ACHERON
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visivelmente contraído em desconforto. - Você está implorando para eu parar? Não está bom? – Samantha inclinou a cabeça para o lado ao observar sua angústia. David suspirou, parecendo tentar voltar para a realidade ao fechar os olhos por alguns segundos. - Eu vou precisar me aliviar se continuar. - Ora, alivie-se, tem um banheiro no final do corredor. O garoto ofegava, ela até poderia sentir pena dele mas estava se divertindo tanto com a superioridade na provocação que não conseguia perder tempo com piedade. - Não vou me aliviar no banheiro. Ela entendeu que, implícito em sua frase, estava o pedido envolvendo aliviar-se nela. Sorriu com a ingenuidade dele. - Não acha que vai fazer isso em mim, não é? David, pela primeira vez em muitos minutos, sorriu. Ela sentiu a guarda abaixar, quando ele abria aqueles sorrisos lotados de segundas intenções Samantha nunca conseguia se concentrar. Engoliu em seco. - Porque, obviamente, você não está molhada e louca para me chupar. Não mesmo. – Foi a vez de David molhar o lábio inferior, já totalmente recuperado. - Como você é convencido, David Young. – murmurou ela, tentando manter a compostura antes facilmente adquirida. - Como disse antes, somos muito parecidos – Ele mantinha o sorriso maldito escancarado nos lábios. - Eu não sou parecida com você. E não vou te chupar, seu babaca. NACIONAIS-ACHERON
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Ele desfez um terço do sorriso, mas levantou a sobrancelha em uma expressão desafiadora. - Merecemos algo muito melhor, não acha, Samantha? Uma chupadinha no corredor da escola... eu não faria isso com a nossa primeira vez. A garota paralisou, todo o sangue do rosto desaparecendo. Deu um passo para trás, começando a recolocar a camisa. - Não sei do que está falando. David riu baixinho, fazendo os pelos da nuca da garota se arrepiarem. Aquela risada baixa e rouca... decepcionante, Samantha. Você estava indo tão bem. - Nossa primeira vez depois de tanto tempo. Não vamos fazer assim, eu nunca faria isso com você. - Cale a boca, David, você realmente levou a sério essa encenação? – Samantha estava nervosa agora, deixando todo o plano de vingança de lado. - Não só levei como tenho plena certeza de que é uma questão de tempo. Somos mais parecidos do que você pode imaginar. - Eu nunca transaria com você hoje em dia, mal o conheço. - É o que a gente vai ver. Feche a blusa e suba a meia, não queremos outro escândalo. – Ele mexeu desconfortável na calça, tentando arrumar a própria intimidade que já havia começado a voltar ao normal. – Não vamos passar por isso de novo, ninguém mais vai nos ver assim. Quando ficarmos juntos de novo, eu vou garantir que só eu te veja, pode ter certeza. Não vai ser aqui, num lugar exposto e desconfortável. Você vai ter a melhor transa da sua vida em um lugar decente. E, assim, David suspirou, mantendo seus olhos nos dela pela última vez NACIONAIS-ACHERON
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antes de virar de costas e se afastar. A única coisa que Samantha lembrou após perder o garoto de vista foi soltar todo o ar carregado que estava segurando. Carregado de quê? Acho que já sabemos a resposta.
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CAPÍTULO 43 Tentar persuadir a mãe durante aquela semana a cancelar seus planos pretenciosos resultou em um grande e redondo nada. A janta especialmente preparada para Oliver Lynch em agradecimento a sua decisiva ajuda estava acontecendo naquele exato momento, bem diante dos olhos de Samantha. A vantagem era que tudo estava se desenvolvendo da forma mais natural possível, pois Oliver tinha uma incrível – e surpreendente – capacidade de preencher qualquer silêncio constrangedor que pudesse surgir. E todos sabemos que pausas constrangedoras é o maior terror do ser humano durante um jantar envolvendo pessoas que não cultivam certa intimidade. A presença de Oliver fazia com que Samantha esquecesse o que havia acontecido entre ela e David no dia anterior. Como seria de se esperar, não compartilhou com ninguém aquela situação, tão pessoal - ou até mais – que o dia da clareira. Imaginou-se com a mente desocupada naquela última semana e temeu a possibilidade de enlouquecer. A volta dos Velvets e a aproximação de Oliver eram tão saudáveis quanto um período de férias em uma ilha deserta. Donna, agora, encontrava-se sentada no lado de dentro do grande balcão de madeira rústica da casa delas, enquanto Samantha e Oliver comiam do outro lado. - Por melhor que sejam as comidas do meu pai, a senhora conseguiu superar qualquer macarrão que eu tenha experimentado na vida. – Oliver colocou um pedaço de almôndega na boca e mastigou devagar. Donna observou o menino com certo encanto, fazendo Samantha franzir o cenho discreta. NACIONAIS-ACHERON
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- É mesmo? Ora, muito obrigada, Oliver. O que o seu pai faz? Ele terminou de mastigar e bebeu um pouco de água. - Temos uma padaria desde que eu me entendo por gente. Não lembro de ter passado alguma tarde da minha infância sem circular pela cozinha roubando pedaços quentes de pão. Donna pareceu ainda mais encantada com a resposta. Samantha precisou, dessa vez, concordar com toda aquela fascinação. Imaginar uma versão menor de Oliver correndo e roubando pedaços de pão era irresistível. Enquanto mastigava, refletiu seriamente sobre a aparência do garoto naquela noite de sábado. Haviam esfolado os dedos e a voz o dia inteiro, suado como se estivessem atravessando um deserto, e Samantha mais uma vez passou o ensaio inteiro admirando Oliver dentro de suas roupas masculinas totalmente sensuais - que incluíam uma jaqueta de couro que pedia para ser arrancada. Mas, agora, Oliver estava um completo estranho. Nunca vira o garoto vestido daquela forma, mas não podia negar que era maravilhosa na mesma intensidade. Ele vestia uma camisa clara e por cima um blusão de lã, cabelos penteados para trás que começavam aos poucos a se soltar, tornando todo o visual ainda mais difícil de lidar. Os cabelos de Oliver Lynch eram um grande problema para Samantha. - E sua mãe? Cozinha tão bem quanto o seu pai? – Donna estava demonstrando um interesse educado na vida de Oliver, mas Samantha podia perceber que a mãe estava de fato muito interessada. Como uma sogra interessada e satisfeita. - Ela faleceu quando eu ainda era bem pequeno, não lembro de quase nada. Mas meu pai conta que aprendeu muitas receitas com ela. - Ah, eu sinto muito, querido. – murmurou Donna, sentindo-se um pouco NACIONAIS-ACHERON
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mal ao tocar no assunto. - Você nunca falou sobre isso... sinto muito, Oliver. – Samantha completou, olhando significativa para o lado, onde ele estava sentado. - Obrigado, acho que você já percebeu que não sou de falar da minha vida. Apesar de não ter problema nenhum com isso, prefiro ouvir as pessoas. - É uma característica preciosa, querido. Ouvir mais e falar menos. Antes que Oliver pudesse responder, o celular de Donna vibrou e começou a tocar em cima do balcão. Ela pediu licença e levantou, atendendo na sala. - Sua mãe é muito simpática, Sam. – murmurou Oliver com um sorriso de canto, dando mais um gole no copo de água. - É, ela é bem determinada. – concordou a garota, imaginando que a mãe estava fazendo um perfeito trabalho ao tratar Oliver como um genro em potencial. Ele riu com a resposta, porém não questionou. Aguardaram a mulher desligar o celular, parecendo um pouco preocupada. - Sam, sua avó torceu o tornozelo tentando tirar o pó da parte de cima da geladeira. Eu não sei porque ela insiste nessa obsessão maluca por limpeza agora que mora sozinha e precisa tomar cuidado. Sua tia não pode acompanhar ela até o hospital porque precisa cuidar de Mabel, ou seja, eu vou ter que ir. Os dois ficaram em silêncio, o mesmo pensamento sendo compartilhado pelas mentes adolescentes. - Ela está bem? Quer que eu vá com você? – Samantha perguntou, limpando a boca no guardanapo. - Está, até pediu um táxi sozinha. Não precisa, eu volto em pouco tempo. Provavelmente só vão enfaixar e mandar ela para casa, receitando algum remédio para dor. NACIONAIS-ACHERON
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- Se vocês quiserem eu posso ir junto ajudar. – Oliver parecia sincero, deixando Donna mais uma vez com uma expressão sonhadora. - Não precisa, querido. Eu volto logo. - Ligue para avisar como ela está... – murmurou Samantha. - Sim, e vocês poderiam lavar a louça, certo? – disse Donna, antes de pegar suas coisas e bater a porta. O silêncio constrangedor que tanto demorou para acontecer agora havia chegado com toda força. Ambos ficaram imóveis por um bom tempo antes de Samantha pigarrear e levantar do banco. - Você seca. – falou rindo, começando a recolher os pratos e garfos de cima da mesa. Ele concordou, a ajudando a depositar tudo dentro da pia. Ficar sozinha em um ambiente – ou melhor, em uma casa – com Oliver, ainda mais quando ele estava vestido daquele jeito, não era a situação mais fácil de resistir. E, agora, sabendo como era a sensação dos lábios dele em volta dos seus, ficava difícil pensar em outra coisa. Tentou afastar qualquer pensamento que não se relacionasse com a louça suja enquanto puxava algum assunto conveniente relacionado a filmes de investigação. Oliver começou um relato descontraído sobre “O Silêncio dos Inocentes” e ela agradeceu mentalmente por não estar parada de frente para ele, que estava encostado na pia ao lado dela. ✖✖✖ Escuro como a noite. Oliver Lynch era escuro como a noite abandonada por todos os astros e sua indispensável e insubstituível lua. Havia algo ali, ela podia perceber, fosse pela imensidão ausente nos seus olhos carregados ou fossem pelos seus movimentos cautelosos, sempre calculados. Samantha NACIONAIS-ACHERON
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sabia, de alguma forma ela sabia, que ele guardava muito dentro de si. Por mais que, nos últimos dias, cultivara uma saudável proximidade do garoto, sentia que havia um limite determinado por uma barreira invisível na qual ninguém ultrapassava. Mas, por mais complexo que Oliver Lynch fosse, quando a garota percorria os traços faciais dele conseguia identificar uma inocência reconfortante. Seu próprio rosto franzido relaxava quando ambos trocavam um olhar qualquer, e era essa incomum colisão que tornava-o fascinante. Ele era o veludo que suavemente envolvia sua pele macia, ainda que mantivesse uma certa aspereza disfarçada. Poderia ser tão sofisticado e simultaneamente tão natural, chegava a confundi-la de uma forma entorpecente. - Listen to the wind blow, down comes the night – cantarolou Samantha sem tirar os olhos do garoto, parado agora na frente da janela de seu quarto. Depois de terminarem de lavar a louça, resolveram compartilhar opiniões sobre os livros dela, posicionados em sua estante em cima da cama. Os braços cruzados de Oliver demonstravam certa contemplação, enquanto era iluminado apenas pela luz da lua. Ele virou-se lentamente, colocando seus olhos na garota do outro lado do ambiente, engolida pela sombra do local mal iluminado. O silêncio que se instalara agora não era mais constrangedor. Tanto Samantha quanto Oliver sabiam o que estava para acontecer, e sabiam que ambos estavam desejando aquilo por dias. Dias que pareciam intermináveis quando estavam juntos, sentindo sempre a mesma ansiedade sexual. Foram tantos momentos provocantes habilidosamente administrados, mas agora precisavam passar para o próximo capítulo. As respirações ofegantes denunciavam tão explicitamente o desejo contido que nenhum deles pensou em hesitar. - Run in the shadows, damn your love, damn your lies – respondeu ele, NACIONAIS-ACHERON
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completando a letra da música e surpreendendo-a. Era a primeira vez que ouvia a voz de Oliver entoando uma melodia, e impressionou-se com a afinação. O garoto possuía um timbre mais agudo, não chegava a ser um tenor, mas ainda era completamente diferente da rouquidão de David, sendo tão encantador quanto. Samantha não esperava que ele soubesse a letra da música, apenas cantarolou por estar com ela na cabeça desde quando assistiu naquela mesma manhã vídeos buscando referências nas performances de Stevie Nicks. Mas, de uma forma coincidentemente estranha, “The Chain” encaixava-se naquele momento de sintonia mútua. - Break the silence, damn the dark, damn the light – continuou a garota, sorrindo ao pronunciar aquelas palavras no momento em que deu um passo para frente e foi iluminada pela luz vinda da janela. Oliver reduziu o espaço vazio entre eles e conduziu Samantha para sua própria cama, segurando-a por um de seus pulsos. Porém, ao contrário do que ela esperava, ele mesmo se sentou, deixando-a parada em sua frente. E, então, encarou os botões da camisa preta da garota. - And if you don’t love me now, you will never love me again – cantou ele, fazendo a respiração de Samantha congelar. Aquele verso era desconfortavelmente conveniente para ser cantado por ele. Oliver levantou o olhar para o rosto dela uma última vez antes de começar, então, a desabotoar de baixo para cima sua camisa. Quando atingiu seu decote, abrindo assim a toda a camisa e separando as duas partes, envolveu o tronco despido dela com as mãos frias. Ela se aproximou mais da cama e colocou suas mãos nos cabelos dele, passando pela nuca. Oliver encostou seus lábios na pele de sua barriga e começou uma sequência quase insuportável de beijos. NACIONAIS-ACHERON
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- I can... still hear you... – Samantha tentou finalizar a música, mas cada nova parte de sua pele explorada pelos lábios de Oliver era como uma picada deliciosa. – saying... You would... never... – O garoto então adicionou sua língua aos beijos, intercalando lambidas e leves chupões. Já podia sentir sua intimidade correspondendo aos estímulos. Ele estava perto demais, perto demais. Agora, abaixo do umbigo. – break the... chain – Samantha finalizou a estrofe, sendo a última palavra pronunciada no meio de um lento gemido. As mãos de Oliver seguravam o tronco de Samantha e em curtos intervalos ela podia sentir as unhas dele de leve em suas costas. Estava entrando na fase insuportável da pulsação íntima, e foi exatamente nesse momento que as mãos dele passaram para a frente de seu tronco e começaram a provocá-la na região dos peitos. Sempre em volta, nunca exatamente em cima de nenhum deles. Era... horrivelmente bom. Seu indicador esfregou a parte inferior de um de seus seios, e ela conteve um provável grito de desespero. Era muito tecido atrapalhando, ela precisava arrancar tudo. Tudo. Quem Samantha estava querendo impressionar, afinal de contas? Uma de suas mãos, então, largou os cabelos do garoto e foi até o fecho do sutiã, o abrindo. Apenas o fato de abrir a peça a fez fechar os olhos de prazer, não podendo ver o sorriso malicioso que surgiu no rosto de Oliver por entre os beijos ainda próximos ao seu ventre, acima da linha que iniciava a calça. E, então, ele parou. Oliver levantou sua cabeça e a fitou com seus olhos mais escuros do que o normal, deixando a garota em uma suspensão de sentidos temporária. Ele a puxou para que sentasse de frente para ele, com uma perna de cada lado de seu corpo sentado na cama, ambos pressionando um contra o outro suas partes íntimas. Ele segurou o rosto dela e ela percebeu, pela primeira vez durante aquele ato de estreia, que ainda não haviam se beijado. NACIONAIS-ACHERON
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O garoto segurou a nuca dela e juntou seus lábios ainda úmidos nos de Samantha, dando início a um beijo lento e intenso. Os lábios de Oliver... eram como deitar em uma cama macia depois de um dia inteiro de trabalho. Eram confortáveis e certos. Ele então colocou uma de suas mãos no peito dela, enquanto a outra a segurava pela cintura. Começou a apertar seu seio de forma que, a cada intervalo, a palma de sua mão roçava no mamilo enrijecido que logo estava novamente por entre seus dedos. Involuntariamente, Samantha começou a movimentar seu quadril em cima do colo do garoto, que a incentivou com a mão que a estava segurando pela cintura. Ela esfregava-se no membro de Oliver de forma que ele ficava exatamente no meio dela, mas a quantidade de jeans atrapalhava consideravelmente a sensibilidade dos dois. Ambos sabiam que não podiam iniciar nada muito complexo, afinal, logo a mãe da garota estava de volta. Oliver então escorregou sua mão que antes massageava o peito dela para o botão de sua jeans. O abriu e não se demorou ao colocar seus dedos por dentro de sua calcinha. Era um encontro inevitável: os dedos habilidosos de Oliver e a intimidade molhada de Samantha. Começou a estimulá-la, massageando seus lábios pulsantes e alcançando o clitóris, assim fazendo-a ofegar e aumentar a frequência de sua respiração. Ele mexia seus dedos de forma tão natural que Samantha não poderia ter nenhuma dúvida, o fato de ele tocar guitarra com tanta habilidade tinha alguma coisa a ver com a normalidade que a tocava. Oliver a dedilhava sem nenhum receio ou pudor, porém fazia-o de forma rítmica, sem machucar a garota. Não, aquilo estava muito longe de machucar. Era, sim, dolorosamente sensual, calmo e preciso. Ela não demorou para começar a movimentar-se em cima da mão dele, desesperada pela onda de prazer que já se iniciara. Ele então introduziu dois NACIONAIS-ACHERON
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de seus dedos, fazendo com que um longo gemido saísse de sua garganta. Samantha podia sentir ele mesmo muito excitado embaixo de si, mas só conseguia pensar em aliviar toda aquela energia que estava se acumulando. Em meio minuto de fricção estimulada por ambos, ela atingiu seu limite, descansando em cima dele. Oliver tirou a mão de dentro de Samantha e a abraçou completamente pela cintura. A garota apoiou sua testa no pescoço dele enquanto se recuperava. Passaram-se alguns minutos e ela sentiu o garoto soltar uma preguiçosa risada pelo nariz. Levantou a cabeça e o encarou. - Precisamos tocar essa música – murmurou ele e ela riu, concordando. Samantha então percebeu que, de uma forma boa, aquele momento era como um ensaio decisivo para a relação dos dois em cima do palco. Depois daquela intimidade compartilhada, eles poderiam finalmente criar a tão necessária conexão durante as músicas. Ela tinha a plena certeza de que eles estavam prontos. - Você é irritantemente habilidoso, Oliver Lynch – resmungou ela enquanto mexia de forma despreocupada em uma das mechas de cabelo em cima de sua nuca. - Foram anos tocando solos intermináveis, eu precisava expandir de alguma forma – falou e ela sorriu, beijando de leve seu pescoço. Ele acariciou as costas dela por baixo da camisa que ela ainda vestia, fazendo a garota fechar os olhos. Seu toque era tão bom que ela podia, nem que fosse por um só momento, esquecer de todos os problemas. Aqueles minutos intensamente aproveitados fizeram com que Samantha esquecesse, pela primeira vez desde que voltara, o que o nome “David Young” significava. NACIONAIS-ACHERON
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CAPÍTULO 44 Você tem o seu cabelo, que é como as negras penas que envolvem o corpo da gralha-preta, espécie europeia do corvo. É a primeira coisa que veio na minha cabeça quando a vi depois de todo esse tempo. A voz em um tom científico de Gregory ecoou na sua mente, logo após o narrador anunciar o intervalo do programa "Mitos Animais" na televisão da sala. Samantha mordeu a maçã que segurava, o olhar vidrado em um ponto fixo do tapete embaixo do sofá. E, então, a relação entre o que acabara de ouvir e o comentário do irmão de Alex começou a crescer tímida e muito clara, tomando o lugar de outros pensamentos. "Os corvos são animais extremamente inteligentes e são capazes de imitar a voz humana. Uma das únicas espécies de aves que consegue de fato falar, imitam sons de lobos e raposas para atraí-los até carcaças que eles não conseguem abrir. Usam também a linguagem corporal de maneira sofisticada para se comunicar, utilizando, por exemplo, seu bico para indicar um objeto a outro pássaro. Adaptam-se facilmente em diversos tipos de habitats, incluindo montanhas nevadas, desertos e florestas. São totalmente empáticos, consolando companheiros quando estes perdem uma batalha e, surpreendentemente, formam gangues na adolescência, após deixarem os ninhos, com outros corvos da mesma idade. O mais interessante desse comportamento é que os cientistas descobriram que a vida dos adolescentes é mais estressante, contendo altos níveis hormonais no organismo relacionados ao estresse.” Porém, apesar de todas essas magníficas características, os corvos representavam a encarnação do mal na Europa, as vezes até acusados de NACIONAIS-ACHERON
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incorporar o próprio Diabo. Samantha sentiu seus olhos arregalarem um pouco. Toda a sua situação envolvendo o escândalo, a injustiça do julgamento social e a volta dos Velvets encaixava-se perfeitamente como uma grande metáfora no discurso do narrador do National Geographic. Levantou em um pulo do banco, largando a maçã meio mordida em cima da bancada e subiu as escadas estreitas em uma velocidade recorde. Abriu a porta do quarto e rastreou a escrivaninha como um lince, localizando então sua única caneta com uma pena negra na ponta. Amava aquela caneta, mas havia chegado a hora de dar uma nova função a ela. Arrancou a pena e abriu sua gaveta de acessórios no aparador ao lado da cama, procurando um cordão de camurça também preto. Envolveu a pena, amarrando o cordão em sua ponta, e parou na frente do espelho do roupeiro. Elevou a mão que segurava o cordão com a pena até os cabelos desgrenhados e depositou o novo acessório ali, que nem precisou de grampo para estabilizar-se entre os cachos. Era isso. Havia, finalmente, criado sua própria identidade visual. Sentiu-se estranha e repentinamente segura. Definitivamente pronta para a Batalha das Bandas. A porta do quarto escancarou-se e Donna surgiu com uma grande caixa embrulhada em papel marrom escuro. Carimbos e selos enfeitavam-na, assim como uma corda que garantia seu lacre. - Mãe! Podia bater na porta, não é? - Por acaso eu tenho cara de quem consegue bater na porta? Vamos, me ajude. Samantha deu passos rápidos e pegou a caixa das mãos da mulher, largando-a em cima da cama. Analisou a origem e o destinatário, escritos em NACIONAIS-ACHERON
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um adesivo branco. Irlanda. - Eu posso saber o que é isso, Samantha? – perguntou Donna com os braços cruzados, parada no meio do quarto. Samantha franziu o cenho, sabia tanto quanto a mãe sobre aquilo. - Não sei, mãe, de verdade. Aparentemente papai enviou algo. - Ora, então o que está esperando? Abra. A garota pegou uma tesoura em cima da escrivaninha e abriu o pacote com certa dificuldade. Era uma caixa marrom clara, sem nenhuma identificação. Rasgou as fitas adesivas e abriu a tampa, agora ansiosa de verdade. Donna aproximou-se e seu queixo caiu exatamente como o da filha. Ambas permaneceram por quase um minuto inteiro encarando o par de botas de plataforma dentro da caixa enviada da Irlanda. - O que seu pai está pensando? – murmurou a mulher entredentes. Samantha não conseguia mais disfarçar o enorme sorriso no rosto. Eram lindas. Combinavam perfeitamente com os Velvets e o figurino que estava preparando em sua mente nos últimos dias. Eram botas de cano alto, quase três quartos, decoradas com algumas fivelas por toda a sua extensão. A plataforma do salto era assustadoramente alta. – Samantha, o que é isso? Quer fazer o favor de responder? - Não sei, mãe! Papai enlouqueceu. De qualquer forma, são lindas. Samantha sabia que Frank havia enviado vídeos da apresentação dos Velvets no Walsh, seu pai provavelmente estava investindo no talento da filha e apoiando-a na Batalha das Bandas. Mas como ele sabia do estilo dela? Sentiu uma enorme vontade de abraçá-lo e agradecer até não poder mais. - Seu pai é um louco, assim como você. Eu não sei o que vocês estão NACIONAIS-ACHERON
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planejando, mas eu sei que tem algo. Espero que me conte antes que seja tarde demais. A garota engoliu em seco antes de continuar. - Mãe! Deixa de ser paranoica, são apenas botas. Um presente. Ele sabe que eu sempre gostei desse estilo. – Voltou, então, a encarar as botas com uma adoração carinhosa. Donna pareceu se compadecer do olhar sonhador da menina, convencendo-se temporariamente do presente inocente de Peter. Depois de alguns minutos de silêncio, nos quais Samantha desembrulhava as botas e as experimentava, arrancando um olhar torto da mãe, a mulher empurrou a caixa e os papéis e sentou na cama. - Se deu bem com Oliver ontem? Samantha imobilizou seu corpo por alguns segundos antes de responder. Sabia que aquele assunto iria surgir em algum momento. - É... pode-se dizer que sim. – respondeu, tentando disfarçar um sorriso de canto. – Qual o motivo de sua obsessão pelo Oliver? Você não inventou o acidente da vovó para ficarmos sozinhos, não é? - Claro que não, Samantha. Não estou obcecada por ele, só quero que você seja feliz. Depois de toda aquela confusão... o que fizeram com você foi uma crueldade sem tamanho. - Eu sei muito bem disso, e quero que você saiba que eu já sou bem grande para decidir com quem eu vou ficar. Não precisa criar situações com o Oliver... ou com qualquer outro garoto que você ache decente. As duas pensaram por um momento, ambas em coisas diferentes mas que possuíam a mesma relação. - Não ceda aos encantos de David outra vez, minha filha. - Samantha arregalou os olhos, encarando a mãe assustada. – Pessoas assim não mudam... NACIONAIS-ACHERON
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não quero que você passe por aquilo de novo. Aquela família tem valores muito diferentes dos nossos, você sabe muito bem. Não deixe que aquele garoto a use novamente. Para eles, o dinheiro e o status vêm antes de respeito e compaixão... eles não se importam com os sentimentos dos outros. É tudo muito vazio e falsamente polido. A garota ouviu o pequeno discurso com os braços cruzados, em pé na frente do espelho, encarando o chão. Permaneceu em silêncio por alguns instantes até a mãe terminar de falar, e, então, indagou: - Você parece ter certeza do que fala quando se trata dos Young. Sempre fala da má índole deles sem ao menos hesitar... por que? Eu sinto como se... você não estivesse me falando tudo. Donna suspirou, apoiando os braços atrás do corpo. Pareceu ponderar profundamente sobre o que estava prestes a responder. - Eu só preciso que confie em mim, querida. - É só por causa do escândalo? E da forma como a mãe dele me tratava? - Claro que sim, Sam. – A mulher desviou o olhar do rosto da filha para a ponta do tapete perto da porta. – Não são motivos suficientes para ter certeza de que aquelas pessoas não são boas? - São, mas... você fala com muita certeza. Nunca deu uma chance para o benefício da dúvida em relação ao David. Quer dizer, ele nunca me tratou mal. Muito pelo contrário. E a irmã mais nova dele, Katrina, é um doce. - Quais são as probabilidades de os filhos de Felicia e Alastair Young serem boas pessoas quando ambos são deturpados? - Como você sabe que eles são tão deturpados assim? - Por observação – murmurou Donna rápido, desviando o olhar novamente. – Ora, eu sou advogada, estudei Direito por anos e continuo NACIONAIS-ACHERON
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estudando. Samantha soltou o ar que estava preso em seus pulmões com certa impaciência, começando a contornar os desenhos do tapete com as botas. Ela sentia que havia algo que a mãe sabia e não estava lhe contando, era muito óbvio. Mas também sabia que por mais insistente que fosse, não arrancaria nada da mulher se ela não quisesse lhe contar. - Você ainda é apaixonada por ele, não precisa ser graduada para perceber. Suas bochechas coradas e seus olhos brilhando te denunciam. Sei que é difícil se desfazer de um sentimento assim... afinal, ele realmente tratava você muito bem antes de apunhalá-la pelas costas. Mas faça um esforço, querida... pense em você antes de qualquer outra pessoa. Confie nas minhas palavras e siga a sua vida sem se envolver mais com David Young. Samantha olhou para a mãe, os olhos petrificados tentando conter as lágrimas que começavam a se acumular na parte inferior. Não esperava por aquela flechada de realidade tão repentina e brusca, vinda da pessoa que mais a conhecia. Ela não podia esconder nada de Donna, não valia a pena e não fazia sentido. - Eu estou me esforçando. – murmurou a garota, a voz embargada. Donna deu alguns tapinhas na cama, ao lado de onde estava sentada, e Samantha se aproximou, sentando ao seu lado. - Ele falou alguma coisa. – A mãe afirmou, envolvendo a filha pelos ombros e apertando carinhosamente. – Quer conversar sobre isso? Samantha ponderou por um momento, já não se impressionando mais com a capacidade da mulher de adivinhar o que acontecia na vida dela. - David me procurou, só isso. Falou para eu ficar longe de Oliver porque ele não conseguia deixar de se importar comigo. NACIONAIS-ACHERON
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Donna não pareceu nem um pouco chocada. - Ele está claramente tentando se reaproximar de você. Não seja inocente, querida, não acredite em meia dúzia de palavras mascaradas por um sentimentalismo barato. David Young não foi homem suficiente para assumir seu erro e se desculpar, acha realmente que um garoto covarde merece sua atenção? Samantha não podia concordar mais com a mãe, então apenas negou com a cabeça. Algumas lágrimas já escorriam pelo seu rosto e ela já fungava. A mãe a puxou para perto de si e ela descansou a cabeça no ombro da mulher. Donna estava com toda a razão, mas... apenas Samantha olhou nos olhos de David enquanto ele falava com ela. Ninguém mais tinha acesso àquele componente tão importante para julgar a situação. Os olhos de David o condenavam, ela não tinha dúvida nenhuma de que ele estava sendo sincero. E por mais que o garoto respondesse de forma agressiva e mal educada, ela ainda conseguia ver os mesmos olhos. Era difícil tomar alguma decisão quando sua intuição gritava sobre os sentimentos verdadeiros de David. - De qualquer forma, você ficou linda com essas botas. Só não use na escola, certo? Deixe para ser rebelde fora dos portões da West Newton. – Samantha riu, concordando. Por um momento, sentiu vontade de contar tudo sobre a Batalha das Bandas, mas a razão a trouxe de volta. Donna podia ser muito compreensiva até os estudos de Samantha entrarem na discussão. – Ah, antes de mandar você dormir, preciso reforçar que, se você for fazer sexo, use camisinha e não esqueça de tomar seu anticoncepcional, certo? - Claro, mãe. – murmurou Samantha entediada. Aquelas instruções repetitivas eram necessárias, porém maçantes. - Só não... não faça nada com David. De coração, querida, escute o que estou dizendo. Esse garoto não merece você. NACIONAIS-ACHERON
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- Tudo bem, mãe. Eu sei. Donna deu um beijo na cabeça da filha e se levantou. - Guarde essa bagunça. Boa noite, querida. - Boa noite. A porta se fechou e Samantha viu-se sozinha novamente, mas agora com uma tonelada de pensamentos flutuando como mosquitos irritantes por todo o quarto. Deitou o corpo inteiro na cama, ainda calçando as botas, e deixou mais algumas lágrimas escorrerem e mancharem o travesseiro.
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CAPÍTULO 45 Foi a semana mais longa de toda a sua vida. A ansiedade relacionada a primeira fase de eliminação da Batalha das Bandas tomava conta de quase toda sua energia mental, mas havia um incômodo sempre presente que atraía, vez ou outra, sua atenção. O aviso de Donna fazia Samantha pegar-se roendo as unhas durante as aulas, tentando evitar olhar para o outro lado da sala e visualizar a personificação de sua angústia. David estava mais confiante do que nunca, o exato oposto dela mesma. Não era possível identificar sequer um sinal de ansiedade ou nervosismo no garoto, que, como ela, estava prestes a apresentar-se com sua banda para uma equipe profissional de um dos canais musicais mais famosos da televisão. O que tornava-o ainda mais irresistível. Mas que droga! Aquela ausência de insegurança fazia dele uma espécie de deus mitológico, milhas distante da desprezível instabilidade do ser humano. Portanto, é claro que, quando chegou o tão temido dia da eliminação, David agia como se fosse um dia como qualquer outro. Até o resto de sua banda estava um pouco mais eufórica do que o normal, mas David Young não. Nunca. Na noite anterior, Samantha não conseguira imergir totalmente no show semanal dos Velvets no Walsh. Era a segunda apresentação no pub e a banda decidira seguir a mesma linha orgânica da semana anterior, atraindo o mesmo tipo de público e causando o mesmo encantamento. Mas ela simplesmente não conseguira envolver-se na vibração daquela noite. Sua mente estava algumas horas adiantada, no palco do auditório da West Newton. NACIONAIS-ACHERON
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Fora obrigada a pedir uma folga para Frank, que compreendeu sua situação e lamentou não poder presenciar um momento tão importante. Samantha explicou que não fazia diferença, pois a eliminação só teria como público os estudantes da escola, mas mesmo assim Frank sentiu-se culpado. A garota tinha a impressão de que o homem colocara-se levemente na posição de guardião masculino, pelo fato de seu pai estar muito longe e os dois serem melhores amigos. Gostava disso e sabia que um afeto paternal estava começando a crescer entre eles. Frank começara a ser uma espécie de porto seguro para Samantha, principalmente quando o assunto era música. Ele tinha sempre os melhores conselhos. Naquela sexta-feira à tarde, seu reflexo montado com o figurino dos Velvets deixara-a mais impressionada do que esperava. Estava muito diferente de tudo o que havia um dia visto em seu corpo, tanto as roupas quanto a maquiagem. Escolhera um vestido de veludo preto que fora de sua mãe e caíra como uma luva na situação. Teve de furtá-lo às escondidas, assim como seu xale com mangas de crepe de seda. A mãe guardara a maior parte das roupas que usara quando era adolescente, e Samantha não tinha palavras suficientes para agradecê-la. Quer dizer, se pudesse compartilhar sua gratidão, é claro, pois Donna não fazia ideia do que estava acontecendo. A pena escura presa por entre seus cachos tornara-se, sem dúvida alguma, sua identidade. Assim como sua gargantilha preta que passou a usar todos os dias. Havia conseguido, de forma surpreendente, criar a própria imagem, e não hesitava em afirmar que era bem marcante. Sem falar nas botas. Sabia que as botas eram a cereja do bolo. Eram sensuais, provocantes e faziam do seu corpo um mistério a ser desvendado. Samantha nunca havia se sentido tanto uma Velvet como estava se sentindo naquele momento. NACIONAIS-ACHERON
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- É, até que estamos bem profissionais. – murmurou Alex encarando sua própria imagem no espelho após olhar para a amiga. Ela usava uma calça de couro preta, camiseta branca e suspensórios também escuros. Os coturnos completavam o visual, somados aos seus cabelos loiro platinados bagunçados. Samantha limitou-se a rir do comentário, sabia que a amiga estava sendo irônica. Era óbvio que estavam. Passou o dedo indicador embaixo dos olhos, limpando um resquício de sombra preta. - Vamos logo. – A voz de Carter preencheu o banheiro feminino e elas olharam para a porta. Ele as encarava apreensivo com a cabeça para dentro do ambiente. As garotas recolheram suas coisas e guardaram em suas mochilas, que estouravam com roupas e maquiagem. Saíram do banheiro e sorriram ao analisar Carter e Oliver de cima a baixo. Carter usava uma camisa larga de linho branca, os primeiros botões abertos propositalmente. Por cima, usava um blazer de veludo verde escuro. Calças pretas e botas de cano curto entravam em perfeita sintonia com os cabelos que haviam crescido naqueles últimas semanas. O garoto estava assustadoramente parecido com algum roqueiro famoso dos anos 70. Oliver, por outro lado, fora aconselhado pelo próprio Carter a seguir um estilo mais parecido com o de James Dean em seu auge da rebeldia dos anos 50. Jaqueta de couro preta, camiseta branca e gel no cabelo. Combinava com ele. Combinava perigosamente com ele. Samantha teve um repentino surto interno de paixão. O Velvets estavam incríveis. Ela queria ser fã deles mesmos. Estavam todos lindos. Um orgulho NACIONAIS-ACHERON
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avassalador começou a tomar conta dela. Até, é claro, ela dar de cara com os Walkers. Como não havia imaginado que eles iriam se preparar tão bem para aquela situação? Ao serem instruídos pela equipe da City Music Channel a entrarem pelos bastidores do auditório e atravessarem os corredores internos na direção de uma grande sala que seria utilizada como uma espécie de camarim coletivo, Samantha começou a perguntar-se como seus maiores rivais estariam vestidos. Não demorou muito para descobrir. Os quatro garotos estavam vestidos de forma idêntica. Odiosamente simétricos. E odiosamente maravilhosos. Sentiu uma enorme vergonha ao ter de passar por eles no corredor. Nunca sentira isso antes, e, apesar de ter aumentado uns bons centímetros e estar mais alta com suas botas novas, a imponência que aqueles garotos transmitiam era absurda. Quando finalmente olhou para o rosto de David, levou um enorme susto. Não conseguia acreditar que aquele demônio conseguia ficar mais bonito, mas sim, era possível. Ele havia feito a barba e penteado os cabelos para trás, assim como os outros Walkers. Ternos bordô perfeitamente cortados, não diferente dos penteados também cortados sem um único defeito. Conseguia imaginar-se claramente segurando uma placa com o nome deles enquanto gritava histérica. Era patético, mas inevitável. Esforçou-se para tentar demonstrar o mínimo possível de choque, forçando seu rosto a adquirir a expressão mais blasé que conseguia fazer NACIONAIS-ACHERON
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enquanto entravam na grande sala. O local estava parcialmente cheio, com parte das outras seis bandas de estudantes instaladas esporadicamente. Com o passar dos minutos, todos foram chegando e iniciando conversas paralelas. Já estavam há quase vinte minutos dentro da sala quando Samantha percebeu uma folha branca grudada ao lado da porta. Era a ordem de apresentação das bandas! Oh, meu Deus. Os Velvets eram os últimos da lista. E os Walkers eram os primeiros. Muito estranho e muito irritante. A porta ao seu lado se abriu e David a encarou por breves milésimos antes de entrar na sala e caminhar despreocupadamente até o fundo, sentando em uma das cadeiras vagas em volta de uma mesa comprida. Um pouco depois, os outros três Walkers entraram e se juntaram à ele no fundo. Cada minuto que passava era mais dolorido. Ver todo mundo arrumado, repassando suas instruções pessoais, afinando os instrumentos e trocando avisos nervosos era como estar no purgatório. Não conseguia definir um sentimento para aquele momento tão angustiante. Provavelmente algum espírito divino ouviu suas preces assim que resolveu encostar-se em uma das mesas ao lado de Alex. A assistente de direção abriu a porta de forma brusca e deixou-a bater atrás de si. A mulher estava vermelha e eufórica, parecendo tentar controlar uma luta interna. Seu olhar perdeu-se fixo no chão por alguns segundos, todos os estudantes silenciaramse e a encaram em uma expectativa quase tangível. Ela segurou um dos fones que usava na cabeça e espremeu o olhar. Então levantou a cabeça e procurou algo pelo ambiente. - The Walkers, dois minutos. Sugiro que a próxima banda os acompanhe NACIONAIS-ACHERON
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para não atrasar a entrada. – Amy Goode segurava uma prancheta enquanto anotava algo depressa. Então, alguém deve ter falado em seus fones e ela respondeu pelo microfone preso a eles. Olhou novamente para todos os adolescentes apreensivos que ocupavam a grande sala transformada em camarim coletivo. – Quando os Walkers terminarem, a terceira banda da lista pode se encaminhar para as coxias e assim sigam nesse ritmo. Relaxem, galera, vai dar tudo certo. – Ela encarou David por um breve momento e fez um sinal com a cabeça para ele a acompanhar, junto com os outros meninos. David olhou para sua banda com um sorriso enigmático. Era profundamente irritante o fato de ele não demonstrar sequer um sinal de nervosismo, pensou Samantha, mexendo nos cabelos volumosos. Os Walkers e a segunda banda de estudantes de um ano anterior aos veteranos saíram porta a fora, esvaziando um pouco o ambiente. Todos permaneceram em silêncio por alguns segundos antes das conversas paralelas reiniciarem. Samantha sentiu o olhar apreensivo dos Velvets sobre ela. A garota apoiou-se na mesa designada para eles, encarando um ponto fixo no chão. - Você está bem? – perguntou Alex timidamente, aproximando-se da amiga. Carter e Oliver se dispersaram, cada um iniciando uma ação compulsiva diferente. - Eu preciso assisti-los – murmurou Samantha mais baixo ainda, desencostando-se da mesa. - O quê? Por quê? Vai ser pior, Sam. Eles provavelmente vão arrasar e você vai ficar mais nervosa ainda. Quer dizer, olha aquele figurino... - Não importa, eu vou lá – Samantha começou a atravessar a sala, atraindo a atenção de alguns estudantes. NACIONAIS-ACHERON
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- Sam! – Alex tentou chamar o mais discretamente que conseguiu, mas Samantha continuou firme com sua decisão, abrindo a grande porta branca e saindo para o corredor escuro. A amiga a acompanhou alguns passos atrás. As garotas percorreram o extenso corredor, fazendo algumas curvas, até uma forte luz invadir seus caminhos, indicando a proximidade do palco e das coxias. Havia um número considerável de integrantes da produção da Batalha das Bandas circulando pelos bastidores, incluindo a segunda banda que se apresentaria. Os Walkers já se encontravam no palco, arrumando os instrumentos com a ajuda de dois roadies disponibilizados pela produção. Samantha aproximou-se da primeira coxia, a mais próxima do público, que era formada por longas cortinas vermelho escuras. Aguardaria silenciosamente naquela posição até o show começar. Alex parou ao seu lado e encarou as grandes cortinas principais fechadas que impediam quem estava no palco de ver a plateia e vice-versa. - Nossa, fecharam as cortinas e tudo – Alex soava realmente impressionada. Samantha não tinha capacidade mental e física de responder a amiga, tanto era seu nervosismo. Sabia que estava prestes a entrar em choque, só faltava um único detalhe, que se concretizou em pouco tempo. David terminou de ajustar a alça de sua guitarra e, quando virou o corpo para falar uma última vez com Alfie, seu olhar cruzou com o da garota. Ele não esperava que ela estivesse ali para assisti-los, isso era visível. Mantiveram o olhar por quase cinco segundos até Alfie perceber e virar-se para Samantha para ver o que estava acontecendo. Ela sentiu o estômago começar a afundar gradativamente. Eles, então, se olharam e trocaram algumas palavras. Amy Goode surgiu da coxia oposta e parou na frente de David, dando as últimas instruções. No mesmo instante em que ela deixou o palco, todas as luzes se apagaram e NACIONAIS-ACHERON
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Samantha ouviu o público formado pelos próprios estudantes da West Newton gritar e aplaudir. A grande cortina se abriu e a imagem da plateia lotada e vibrante fez Samantha e Alex darem alguns passos assustados para trás. A ansiedade das pessoas era transparente, principalmente das meninas nas primeiras fileiras. - Wow, tem muita gente. – A voz de Alex estava perto do seu ouvido. Sabia que a amiga estava com tanto medo quanto ela estava, e, ao avistarem os jurados e os conselheiros posicionados em uma mesa comprida bem em frente ao palco, precisaram respirar fundo diversas vezes. Jack começou as primeiras batidas na bateria e então David, Scott e Alfie o acompanharam. As luzes do palco se acenderam, com focos em cada um dos integrantes. E, exatamente no momento em que David e Scott cantaram simultaneamente nos seus respectivos microfones a primeira palavra da música, Samantha percebeu que estava ferrada. Todos naquela competição estavam muito ferrados.
You doing that thing you do Breaking my heart into a million pieces Like you always do And you don't mean to be cruel You never even knew about the heartache I've been going through O sangue circulava tão rápido em suas veias que ela podia sentir sua cabeça latejar. Era inacreditável, mas eles estavam se movendo de forma sincronizada. Todos os passos que David, Scott ou Alfie davam no ritmo em que tocavam era preciso, ninguém atrasava ou saía do ritmo. NACIONAIS-ACHERON
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- Oh, meu Deus. Eles começaram com Wonders em vez de Beatles. Maravilhosamente imprevisível. Estamos fodidos. – Carter tinha a curiosa habilidade de surgir do nada, e naquele momento não foi diferente. – Droga, eles são muito espertos. É um doo-wop moderno. Samantha não era capaz de desviar a atenção de todo aquele talento hipnotizante para olhar para Carter. Eles estavam dançando enquanto tocavam e cantavam, e, mesmo que fossem apenas passos para um lado e para o outro, era incrível. A sintonia dos três era impressionante, ela não conseguia nem imaginar como fizeram para decorar tantos movimentos simultâneos. Era tudo maravilhosamente simétrico. Naquele momento, Samantha Hollow não era diferente de nenhuma das garotas que dançavam e gritavam em pé na plateia. Ela havia se tornado, internamente, uma fanática apaixonada. Se não era difícil se apaixonar pelos Walkers antes, agora que eles haviam revelado a grande e genial estratégia de performance... era quase natural.
I know all the games you play And I'm gonna find a way to let you know That you'll be mine someday 'Cause we could be happy, can't you see? If you'd only let me be the one to hold you And keep you here with me Não bastasse toda a situação humilhante em que Samantha se encontrava ao perceber o quão bons eles eram e o quão secretamente fã ela estava se tornando, o inesperado aconteceu. No momento em que David cantou, com um grande sorriso arrasador, o trecho "you'll be mine someday", virou-se de lado o suficiente para manter o olhar em Samantha. A garota poderia ter NACIONAIS-ACHERON
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certeza que, se já não estivesse em um choque que a matinha imóvel, teria desmaiado. Sentiu o olhar de Alex e Carter sobre ela no mesmo momento. - Ah, meu Deus. – Algum deles murmurou, mas ela não conseguia e nem queria identificar quem era. Não podia perder nem um único segundo daquela apresentação, um odioso colírio para os olhos de qualquer jurado. Sentia, a cada minuto que passava, uma nova parte de seu corpo entrar em uma dormência quase insuportável. Seria tolice pensar que, naquele encantador instante, era capaz de pedir um autógrafo para cada um deles? Era capaz de pedir um abraço. Qualquer coisa. Percebeu então que era exatamente isso que determinava o sucesso de uma banda. A capacidade de encantar a plateia e fazê-la querer participar de alguma forma. Com apenas uma música que ainda não havia chegado ao fim ela notou que, por melhor que os Velvets fossem, seria muito difícil alcançar os Walkers. Não era a única que havia chegado a essa conclusão. Desviou o olhar para os jurados, que esboçavam diferentes tipos de sorriso e balançavam os corpos no ritmo da música. Todos completamente envolvidos.
'Cause it hurts me so just to see you go Around with someone new And if I know you, you're doing that thing Everyday just doing that thing I can't take you doing that thing you do A música chegou ao seu final, arrancando uma estrondosa resposta do público. Palmas e gritos invadiram o auditório, revelando o que já era óbvio para qualquer um que tivesse assistido poucos segundos daquela apresentação: eles destruíram qualquer adversário com seus passos sincronizados e suas vozes impecáveis. Se estivessem vendendo uma NACIONAIS-ACHERON
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camiseta dos Walkers, Samantha compraria em um surto de fanatismo temporário. Ou talvez o surto havia chegado para ficar. David agradeceu o público no microfone, apresentou a banda e então começaram a segunda música. Agora era Beatles, e isso só significava uma coisa... John Lennon colegial moderno e irresistível ativado. Samantha respirou fundo, virando as costas para o palco quando a voz de David tomou conta de tudo ao iniciar a letra de "A Hard Day's Night". - Você está bem? – Carter perguntou assustado, observando Samantha fechar os olhos e respirar com dificuldade. – Vai vomitar? - Não, mas poderia facilmente – respondeu, voltando a encarar os Walkers com uma expressão de desolação misturada com paixão. - Eu sei, Sam, eles são muito bons. Também estou em choque e... um pouco abalado. Mas podemos ser melhores, você sabe disso. Samantha perdeu-se novamente em David, precisando ser cutucada por Carter. - Vai ser difícil, não somos tão... inovadores e surpreendentes. – Ela olhou mais uma vez para o palco, mas Carter parou na sua frente com os olhos fixos em seu rosto. - Eles não estão fazendo nada de novo. Tudo bem, juntar aqueles passos com Wonders e Beatles é um pouco surpreendente e... lindo, mas sua voz e sua sensualidade detona com todos eles. Detona com todas as bandas. Apenas seja você mesma e vamos conseguir um bom resultado. - Carter, você já me falou isso um milhão de vezes... – Ela não conseguia parar de esticar o pescoço para conseguir assistir os Walkers, deixando Carter cada vez mais impaciente. Mulheres. – Mas... eles são tão... oh. A atenção de Samantha foi perdida totalmente quando eles começaram a NACIONAIS-ACHERON
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terceira música. Carter arregalou os olhos, fixando-os em um ponto qualquer dos bastidores. O tão conhecido riff de "I Heard It Through The Grapevine" o fez virar-se devagar. - Ah... – Samantha era incapaz de gerar qualquer frase. Aquela música... aquele ritmo lento e magnetizante... - Golpe baixo – Alex finalmente se manifestou, tão encantada quanto Carter e Samantha. O poder de engajamento dos Walkers com o público era admirável e, odiavam assumir, invejável.
Ooh, Bet you're wond'ring how I knew 'bout your plans to make me blue With some other guy that you knew before? Between the two of us guys, you know I love you more. It took me by surprise, I must say, when I found out yesterday. Ooh, I heard it through the grapevine, not much longer would you be mine. Ooh, I heard it through the grapevine, and I'm just about to lose my mind. Honey, honey yeah A respiração de Samantha não era mais controlável, mantendo um ritmo desordenadamente preocupante. Deu dois passos na direção do palco mas Carter a puxou para trás, mantendo a mão firme em seu braço. Era como Aurora indo em direção à roca para fincar seu dedo e cair em sono profundo. Aquelas palavras tão convenientes para com toda a situação de David e Samantha eram irresistíveis, principalmente quando saíam daqueles lábios que ela tanto desejava. O garoto estava cantando aquela música de forma tão real, adotando o sofrimento emocional pelo qual, de fato, estava passando fora dos palcos. NACIONAIS-ACHERON
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Cantando sobre Samantha estar se envolvendo com Oliver e aquilo estar se espalhado cruelmente, através de boatos sujos e maldosos, que deixavam David tão mal que era possível ler em suas expressões faciais.
You know that a man ain't supposed to cry, but these tears I can't hold inside. Losin' you would end my life you see, 'cause you mean that much to me. You could have told me yourself that you found someone else.
Sentiu-se entorpecida e o corpo deu de si, fazendo uma suave menção de cair para trás. Carter apertou mais ainda a mão em volta do braço da amiga, a mantendo firme e estável. David não olhou para Samantha em nenhum momento enquanto cantava, mas não era necessário. Tudo estava descaradamente claro. Aquela letra... era como um tapa estalado e dolorido no rosto.
People say you "Hear from what you see, na na not from what you hear." I can't help bein' confused; if it's true, won't you tell me dear? Do you plan to let me go for the other guy that you knew before?
David iniciou o primeiro solo e se desfez da sua posição simétrica, mostrando-se mais descontraído. Todos agora se moviam por conta própria, tão encantadores como quando estavam unidos. Alfie caminhou para trás, aproximando-se de Jack e movendo os lábios como se falasse algo, fazendo o amigo rir. A música original durava onze minutos, mas eles a reduziram, NACIONAIS-ACHERON
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finalizando com quatro. O silêncio ao final da música durou poucos milésimos até a plateia explodir em manifestações de prazer e empolgação. Era a reação que qualquer banda desejaria, principalmente sendo nova como os Walkers. Eles agradeceram, abaixando-se em uma saudação obviamente sincronizada, e saíram com largos sorrisos e acenos antes das cortinas se fecharem. David fez questão de passar exatamente pela coxia em que Samantha assistia, mantendo poucos centímetros de distância da garota enquanto cruzava com ela, fazendo-a sentir o calor de seu corpo quente e suado dentro daquele terno ridiculamente admirável. Porém, o que fez Carter ter de segurar a amiga mais uma vez foi o sorriso desafiador de David ao trocar um olhar com ela. Ele havia feito de propósito. Escolhera uma música que deixaria Samantha abalada para desestabilizá-la antes de sua apresentação. Mas a forma como ele cantara não deixava de ser real, fazendo-a ficar ainda mais confusa. Os Walkers desapareceram pelo corredor que levava ao camarim coletivo e a segunda banda já se posicionava no palco. - Melhor você beber uma água, está pálida – Carter puxou Samantha em direção ao corredor silencioso, onde haveria algum bebedor. Alex foi atrás, acompanhando apreensiva a reação chocada de Samantha. - Sam, você... precisa se recuperar – Alex agora encarava a amiga beber a água de um copo descartável, os três parados no corredor mal iluminado e silencioso, compartilhando um clima meio funerário. - Eu só... – Ela começou a falar mas a quantidade de água que havia ingerido provocou uma careta pelo gelo e falta de fôlego. – Mas que droga. – Ela encostou-se na parede, tentando recuperar a respiração ofegante. – Eu só queria... sabe... como ele consegue? NACIONAIS-ACHERON
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- Sei lá, Sam, ele nasceu assim. Desde sempre teve esse jeito sedutor, era óbvio que no palco não seria diferente. Pra falar a verdade, todos os Walkers são uns ridículos irresistíveis. – Alex falou, fazendo Carter a olhar estranho. Ninguém esperava que a garota fosse assumir aquilo. - Estou com uma vontade... humilhante... de agarrar ele. - Ah, meu Deus. – Carter apoiou-se na parede oposta, encostando a testa na superfície de forma dramática. Alex abriu um sorriso cômico, levando de forma maliciosa pela primeira vez algo relacionado a David. Ela sempre era a primeira a reprimir as vontade da amiga. - Quem sabe você não canaliza essa vontade para a apresentação? – Alex falou, fazendo Carter levantar a cabeça com um sorriso de triunfo. - Alex, você é genial. – murmurou ele, voltando seu olhar para Samantha. – Consegue fazer isso? - O quê? – Samantha ainda estava um pouco tonta e confusa, dados seus hormônios acordados indevidamente. - Quando estiver no palco... para não se sentir intimidada por David... imagine-se fazendo sexo com ele. Já que ele não vai sair de sua mente de qualquer forma... – Carter parecia em dúvida, mas ainda mantinha o sorriso de triunfo no rosto. - Não sei se é uma boa ideia – Samantha não achava nada estratégico pensar em David enquanto cantava. Poderia se distrair facilmente. - Não lembra como era quando ele fazia você ter orgasmos? – Alex perguntou, ninguém demonstrou exaltação pela sinceridade da garota. Aquele tipo de assunto era muito comum entre eles. - Alex, pelo amor de Deus, faz dois anos. Ninguém lembra de um orgasmo assim a ponto de reviver a situação, só se tiver sido muito bom. NACIONAIS-ACHERON
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Os dois encararam Samantha, que começava a exibir um sorriso tímido e vago. Ambas as bocas se escancararam de incredulidade. - ELE JÁ ERA BOM NAQUELA ÉPOCA? – Carter estava histérico. Samantha deu mais um gole na água, lembrando-se com muita clareza da última vez que transou com David. Foi a melhor de todas, a que mais sentiu prazer. Já havia feito algumas vezes, portanto conseguia deixar-se levar de forma mais natural e, consequentemente, aproveitar mais as sensações. Imaginou-se, então, repetindo aquela noite, só que nos dias atuais. Suas zonas eróticas ficaram sensíveis por um momento, fazendo-a contrair-se e voltar para a realidade. - A que ponto cheguei – resmungou, deixando seu olhar fixar-se no espaço de parede vago entre Alex e Carter. – Preciso imaginar um orgasmo com David para conseguir cantar. Cheguei no meu ápice da humilhação. - Não é sua culpa, ele fez de propósito. – Carter tentou consolar a amiga sem muito sucesso. - O fato de ele existir já é de propósito. Maldita mulher que botou esse garoto no mundo para distrair meus hormônios e me desconcentrar. - Relaxa, Sam, quando você subir no palco vai ser diferente. Sabe o impacto que a música causa na gente... não tem como errar. Você se transforma com o microfone na mão. – Alex falou de forma sincera. Carter concordou avidamente. - Olha, é melhor a gente ficar por aqui até chegar nossa vez. Não vai ser a melhor ideia do mundo voltar para o camarim e dar de cara com David e seu ar presunçoso. – Carter sentou no chão, encostado na parede. - Não vou ficar nesse corredor, somos a última banda. Vai levar quase uma hora ainda. – Samantha contestou, mas Alex sentou no chão ao lado de NACIONAIS-ACHERON
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Carter e ela não teve mais como discutir. Sentou-se no lado oposto ao deles, o tecido preto que envolvia seus ombros espalhando-se descuidadamente, porém fazendo-a parecer que estava posando para um editorial de moda. - Parecemos adolescentes satânicos fazendo uma sessão de fotos pretenciosa. – Carter olhava fixo para suas próprias botas escuras. - É o que vão pensar da gente depois desse show. Quer dizer, vocês sabem como o pessoal da West Newton é impressionado. Se vocês acordarem e derem de cara com a faixada das casas pintada com cruzes, já sabem o motivo. – falou Alex, fazendo os dois abrirem sorrisos preguiçosos. - Se as pessoas parassem de relacionar sensualidade com pecado isso não aconteceria. – Samantha já estava exausta dessa discussão, mas sabia que ainda teria de falar muito sobre isso. - Até porque David não é a representação descarada do pecado, não mesmo... – murmurou Carter e Samantha balançou a cabeça concordando. - David é um libertino disfarçado de santo, com toda aquela baboseira de simetria muito bem administrada pelos Walkers. Somos apenas a manifestação objetiva e carnal do que eles realmente são. – Os pequenos discursos articulados de Carter sempre deixavam as duas amigas um pouco impressionadas. Os três adolescentes pareceram entrar em um mundo de reflexões pessoais por bastante tempo depois daquela conversa. A quarta banda passou por eles, assim como a quinta e a sexta. Na sexta banda, Samantha resolveu ir até o banheiro mais próximo, pedindo para não ser acompanhada por ninguém. Observou sua imagem refletida no espelho por alguns minutos, analisando cada detalhe do seu figurino. Estava, realmente, muito bonita. Ou melhor, estava gostosa. Sentia-se sensual e era isso o que importava. Sorriu, ajeitando NACIONAIS-ACHERON
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a pena que pendia por entre seus cachos volumosos naquela tarde. Sentiu-se o próprio caos e gostou daquela sensação. Sabia que estava pronta. Toda e qualquer manifestação de sua consciência entrara em uma unanimidade com ela mesma. Não tinha dúvidas. A adrenalina começou, aos poucos, a crescer dentro de si. A energia que circulava pelo seu corpo era tanta que poderia correr dez voltas seguidas no campo de futebol e não se cansaria. Era a melhor sensação do mundo – estar prestes a subir no palco. A porta do banheiro abriu-se timidamente e Alex colocou a cabeça para dentro. - Chegou a hora – murmurou, tentando controlar um sorriso que estava ansioso para surgir. Samantha sentiu o canto dos lábios arquearem e olhou uma última vez para o próprio reflexo, sentindo-se mais poderosa do que nunca.
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CAPÍTULO 46 Caminharam em silêncio até onde Carter estava sentado, agora acompanhado por Oliver. Samantha olhou para os colegas de banda e sentiu vontade de abraçá-los. Estavam prestes a realizar, juntos, algo muito significativo naquela escola. - Prontos? – perguntou, a animação já começando a se manifestar. - Vamos impressionar um pouco essa gente, eles estão precisando de uma dose de The Velvets – Carter levantou-se e sorriu para Samantha. – Faça-os lembrarem deste dia para sempre. - Deixa comigo – Ela concordou rindo, e então olhou para Oliver. - Como está? – O garoto parecia um pouco preocupado. Provavelmente a notícia de que o show dos Walkers havia deixado Samantha desestabilizada havia chegado nos ouvidos dele. - Nunca estive melhor – respondeu, abrindo um sorriso reconfortante. Alex e Carter se afastaram, dirigindo-se para o palco. Oliver se aproximou de Samantha e envolveu seus ombros com um braço. - Seja você mesma e não precisaremos nos preocupar. Você é incrível por si só. – Ele deu um aperto amigável no ombro dela e ela concordou, engolindo em seco. Os dois seguiram Carter e Alex pelo corredor e logo já estavam em seus postos, em cima do palco fechado pelas cortinas vermelhas. Amy Goode falava freneticamente as mesmas instruções que dera para todas as outras bandas, mas Samantha estava achando difícil se concentrar no que a NACIONAIS-ACHERON
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assistente de direção dizia. Uma névoa entorpecente já havia tomado conta dos seus sentidos. Ela era uma Velvet. Agora era para valer. Antes de todas as luzes se apagarem, pode vislumbrar o sorriso empolgado de Alex no seu lado direito. E, então, tudo escureceu e as cortinas se abriram. A guitarra de Oliver tomou conta do ambiente e ela pode ouvir as palmas e alguns gritinhos da plateia. Todos aqueles alunos e professores sentados em suas poltronas não faziam ideia do que estava prestes a acontecer. Carter começou as batidas características e as luzes do palco se acenderam. As pessoas finalmente puderam ver, pela primeira vez, os Velvets, e aquilo ia muito além do que estavam acostumados. Samantha pode ver no rosto de cada um o espanto mesclado com a excitação. A ganância nos olhos de cada estudante era visível. Eles queriam aquilo. Ela nem havia começado a cantar e já podia perceber que, dentro de cada corpo reprimido existia a necessidade de assistir a realidade sendo exposta em cima do palco. Os Velvets eram uma novidade irresistível.
Jimmy's in the back With a pocket of high If you listen close You can hear him cry Oh, Lord, heaven knows We belong way down below A voz aveludada de Samantha preencheu todo o auditório com uma potência que nem ela mesma esperava. Ninguém esperava por aquilo. NACIONAIS-ACHERON
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Quando as vozes de Alex e Oliver cantaram o coro, a garota tomou a liberdade de, enquanto cantava as primeiras palavras, tirar logo o microfone do pedestal e começar a caminhar devagar pelo palco. Segurou o fio, enroscando-por entre os dedos. Tinha a plena consciência de que seu corpo se movimentava promiscuamente, entrando em sintonia com a letra descarada de "Heaven Knows".
Judy's in the front seat Picking up trash Living on the dole Gotta make that cash Won't be pretty Won't be sweet She's just sitting there on her feet singin' Oh, Lord, heaven knows We belong way down below Ela fazia questão de cantar olhando de forma desafiadora para todos os jurados na primeira fileira, sem desfazer o sorriso maldoso nos lábios. Samantha Hollow era o pecado em carne viva e, apesar de tudo, não transmitia vulgaridade exagerada. Havia algo em seus olhos que capturava a atenção de todos, uma inocência enterrada lá no fundo que deixava a performance ainda mais irresistível. Os estudantes que preenchiam as cadeiras e os assistiam em pé nos cantos livres do ambiente demonstravam a mesma expressão facial. Tanto meninos quanto meninas olhavam para ela com fascinação. Samantha estava dando a eles o que ninguém tinha coragem de dar, estava cantando a verdade de cada alma ali presente. NACIONAIS-ACHERON
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A música atingiu seu ápice e Samantha cantou um dos versos olhando para Carter. Ela precisava do olhar do amigo, precisava saber o que ele estava achando. Carter era uma espécie de oráculo da banda, ele sabia tudo. O garoto desviou a atenção do instrumento e devolveu o olhar com um sorriso faminto. Ela, então, teve a certeza de que estavam destruindo aquele palco.
One, two, three and four The devil's knocking at your door Caught in the eye of a dead man's lie Start your life with your head held high Now you're on your knees With your head hung low Big man tells you where to go Tell him it's good Tell him okay Don't do a God damn thing they say Devolveu o microfone para o pedestal e manteve-se parcialmente imóvel, sem parar de mover seu corpo no ritmo das batidas instigantes. Podia sentir a energia pulsando por toda a extensão de seus músculos para logo em seguida ser transmitida para o público, ela estava conseguindo mostrar exatamente o que sentia. Estava sendo ela mesma. Estava sendo a vocalista dos Velvets. A música então chegou ao seu final e ela mal pode se recuperar. A plateia explodiu, levantando das poltronas e gritando de forma animalesca. Samantha olhou assustada para Oliver que parecia estar achando tudo muito cômico. Aqueles adolescentes nunca haviam assistido algo tão desafiador como os Velvets, não estavam acostumados com botas e jaquetas de couro. NACIONAIS-ACHERON
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E ela pode perceber que eles estavam amando. Carter começou a segunda música, batidas agora mais clássicas, e Samantha percebeu a aprovação dos juízes. Era uma melodia conhecida e mais sensual do que a anterior. Oliver não demorou para acompanhar o garoto, assim como Alex. Samantha estava prestes a elevar toda a situação a um nível um pouco mais erótico e indecente, mas não se importou. Precisava tentar. Agarrou o pedestal do microfone e o arrastou até uma das caixas de som, começando a cantar mais próxima dela. Percebeu que as pessoas paradas em pé no fundo do auditório estavam dançando. Aquilo foi como uma injeção estimulante.
I think of you every night and day You took my heart then you took my pride away I hate myself for loving you Can't break free from the things that you do I wanna walk but I run back to you that's why I hate myself for loving you Apoiou um dos pés na caixa de som e começou a movimentar o quadril lentamente enquanto cantava o refrão. Nunca havia feito algo parecido para tanta gente, mas a atitude não era um erro. Muito pelo contrário. Ouviu gritos a estimulando e, quando pensou em trocar um olhar irônico com Alex, sentiu sua segurança dar de si por poucos segundos. David estava ali. Casualmente apoiado em uma mesa um pouco mais atrás, nos bastidores, assistindo de braços cruzados. Ela poderia começar a sentir a vergonha tomar conta do seu corpo mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Os olhos dele percorrendo cada centímetro de si eram NACIONAIS-ACHERON
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como adrenalina injetada diretamente, fazendo-a intensificar os movimentos. Tirou o pé da caixa de som e voltou para trás, destacando o microfone e segurando-o livremente. E, então, Oliver começou a se aproximar e tocar perto dela. Trocaram um olhar rápido e quente por dois segundos, mas ela sabia que ainda não era a hora de interagir mais de forma mais descarada com ele. Faria isso, mas não naquela tarde. Não queria ser previsível. Afastaram-se e a segunda música chegou ao seu final. Os aplausos foram ainda mais vigorosos. Cada minuto que passava os estudantes conheciam mais a essência dos Velvets e gostavam mais ainda daquela nova realidade. Samantha não poderia dizer que não esperava que isso fosse acontecer, mas o medo da rejeição também sempre esteve presente. Ela preferia manter certa distância de qualquer certeza, deixando os fatos ocorrerem por eles mesmos. Era melhor não ter certeza de nada. Mas também não poderia ignorar a surpreendente boa recepção dos estudantes da West Newton. Toda a história do escândalo estava sempre sendo sussurrada pelos corredores das formas mais maldosas possíveis e, mesmo assim, eles estavam gostando do que assistiam. Oliver interrompeu abruptamente a reação positiva da plateia com o riff de "Rock You Like A Hurricane" do Scorpions. Era o último cover da primeira fase da Batalha das Bandas. A música era mais agitada e feroz do que as anteriores, fazendo todos os Velvets duplicarem as últimas energias que restavam. Samantha gostava de cantar aquele cover em especial, era uma perfeita representação do rock dos anos 80. Deixou-se levar pelo ritmo, dançando agora de forma divertida, mas sem abandonar sua essência sensual. Sentia o suor escorrendo pelo pescoço. Seu cabelo pesado não ajudava quando se tratava de calor, e mesmo seu xale com mangas sendo de crepe de seda, podia sentir que ele incentivava a alta temperatura. Carter estava NACIONAIS-ACHERON
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igualmente sofrendo, com certeza muito mais que ela. Seus cabelos que, atualmente, estavam mais compridos que o normal, grudavam pela testa e pescoço enquanto ele tocava furiosamente. Alex possuía uma certa suavidade que a fazia suar menos, por seus movimentos serem mais calmos, porém ofegava da mesma forma. Oliver intercalava sua atenção entre a própria guitarra e a primeira fileira de garotas histéricas, que haviam se entregado a ele. Era inegável, Oliver ficava muito gostoso quando suava e movimentava habilmente seus dedos pelo instrumento. O silêncio, então, tomou conta do auditório por poucos milésimos e a plateia explodiu pela última vez naquele dia. As cortinas vermelhas se fecharam na frente deles e os Velvets se entreolharam satisfeitos. Samantha correu na direção de Carter, percebendo nos olhos do amigo a mesma sensação de dever comprido. Eles deixaram o palco e passaram pelas coxias trocando elogios entre si. Era maravilhoso compartilhar aquele momento com seus melhores amigos. Não conseguia decidir se gostava mais dos minutos anteriores, dos durante ou dos depois do show. Todos eram bons e causavam emoções únicas. - Você realmente fez um bom trabalho. Ela deu um pulo, levando um susto. Havia esquecido que ele ainda estava ali, encostado na mesa de canto, tamanha era sua empolgação com o final da apresentação. Alex também o olhou mas continuou caminhando com o resto dos Velvets, se afastando mas sem antes lançar um olhar preocupado para Samantha. Ela sorriu de volta para a amiga, tentando tranquilizá-la. - Obrigada – murmurou desconfiada, desfazendo-se do xale e deixando os ombros a mostra, resultado do corte tomara que caia de seu vestido. Afastou os pesados cachos do pescoço e começou a se abanar. David, de repente, esticou o braço e a ofereceu um copo descartável cheio de água. Ela NACIONAIS-ACHERON
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estranhou, demorando um pouco para segurar. - Pode pegar, não vou mais tomar – disse ele de forma descontraída. Samantha segurou o copo e deu um gole receoso. David estava tão diferente do garoto que ela uma vez conhecera que não era muito difícil desconfiar de uma boa ação. – Vocês se classificaram. – continuou ele, fazendo-a quase engasgar. - O quê? Como sabe? - Minha opinião – David abriu um sorriso de canto, sem abandonar aquele ar superior que ela já estava começando a se acostumar. - E vocês? – Samantha perguntou, referindo-se a opinião dele sobre os Walkers. - Também. Bem-vinda à Batalha das Bandas, Samantha Hollow. David falava com uma certeza assustadora. Ela o odiava por ser exageradamente confiante e parecer não temer estar errado. David Young não tinha medo de estar errado, nunca. Na verdade, ele quase nunca estava errado, concluiu contra sua própria vontade. Desejou que essa não fosse uma das únicas vezes em que estava. Sua razão gritava para que ela saísse dali e caminhasse direto para o camarim compartilhado com o resto das bandas, mas suas emoções faziam seu corpo congelar bem na frente dele. Voltou a colocar o copo nos lábios mais uma vez e bebeu todo o conteúdo em um único gole. Sentia os olhos dele a observando e, quando terminou, percebeu que David estava encarando seu decote. Soltou o ar denso dos pulmões em uma expiração carregada. O garoto voltou seus olhos para o rosto dela, agora ele não sorria mais. A tensão sexual entre eles era palpável. NACIONAIS-ACHERON
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- Em uma hora os jurados revelarão o resultado. Estejam na plateia, ou vão perder a anunciação. O público foi liberado, só as bandas vão receber as notas. – Amy Goode interrompeu o momento tenso, olhando de um para o outro com as sobrancelhas franzidas. – Entenderam? Os dois concordaram com a cabeça, em silêncio. A mulher olhou de um para o outro mais uma vez antes de se afastar, totalmente desconfiada. Oh, meu Deus. Até a assistente de direção percebeu o clima sexual que estava instalado naquele canto. O copo descartável tremeu um pouco na mão de Samantha e ela engoliu em seco, aproximando-se da mesa velha de madeira e o largando, bem ao lado do corpo de David. Ele acompanhou o movimento com os braços ainda cruzados. Só agora a garota fora capaz de perceber que ele estava só com a camisa branca com os primeiros botões abertos, havia se desfeito do blazer bordô que completava o conjunto do visual. Uma inconveniente vontade de se inclinar e beijá-lo manifestou-se por todo o seu corpo e David percebeu. Ele sempre percebia esse tipo de coisa. Limitou-se a observá-la. - Faça – murmurou ele extremamente baixo. O suficiente para ela ouvir. - O quê? – perguntou, simulando confusão. Ela sabia muito bem o que ele queria dizer. David sorriu e levantou um dos braços, encostando o indicador no lábio inferior de forma natural e contemplativa. Era uma ação muito comum, mas naquela situação estava carregada de significados. Samantha encarou a boca dele. Por que raios estava agindo assim? Seria a adrenalina sexual do palco se propagando para a realidade? Ela era muito capaz de resistir a David, NACIONAIS-ACHERON
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principalmente em público. Já fizera isso diversas vezes, afinal convivia com ele todos os dias. Mas agora... Ela engoliu em seco mais uma vez e encostou o próprio corpo na mesa, parando ao lado dele. - Dá para sentir sua vontade daqui, sabe? E não precisa ser David Young para conseguir identificar. Pergunte para a assistente de direção, Amy Goode. – A voz de David estava carregada de malícia, adotando um tom desafiador. – Eu adoraria ver você rebolar como fez na caixa de som. Só que em cima de mim. Samantha ofegou, a respiração escapando do peito como se tivesse levado um soco na barriga. Sua intimidade estava tão sensível que ela, por um momento, se perguntou se ele também podia sentir, mesmo sem estarem se encostando. Ele apoiou ambas as mãos ao lado do corpo, na superfície baixa da mesa. A lateral de sua mão esquerda encostou propositalmente na coxa descoberta de Samantha. Ela ofegou novamente. - Estou me controlando para não ficar duro só com esse seus gemidos silenciosos. – David murmurou, olhando em volta e observando casualmente os roadies e funcionários da escola desmontarem os equipamentos do palco. Samantha tentou controlar um sorriso que ameaçava surgir em seus lábios. Apoiou a mão direita atrás do corpo, inclinando-se um pouco mais na direção dele. O pedaço de pele em que David encostava com a lateral da mão aumentou. Ela observou-o fechar os olhos por um momento. Era bem divertindo provocá-lo quando conseguia ignorar toda a situação NACIONAIS-ACHERON
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deprimente em que estavam inseridos. A última experiência havia sido agradável o suficiente para ela sentir vontade de dar alguma continuidade. Desencostou o corpo da mesa por poucos milésimos e avançou ainda mais na direção dele, obrigando-o a tirar a mão do caminho. Estavam se encostando por completo agora. Estava curiosa para saber até onde eles iriam, ali, em público. Com diversas pessoas passando por eles o tempo inteiro. Era extremamente excitante fazer aquilo com David. Ele apoiou o braço atrás do corpo dela, ficando com o tronco mais próximo ainda. Esperou o ambiente esvaziar por um momento para dar o próximo passo. - Você se acha muito esperta, não é? – David colocou a mão no interior da coxa direita dela, apertando de leve. Estava muito próximo de sua intimidade. Um som curto saiu da boca de Samantha e ela fechou os olhos, o peito subindo e descendo em uma intensidade maior. – Sabe que eu estou deixando você me provocar porque é divertido, não sabe? Deixá-la achar que está no controle da situação é quase tão bom quanto bater uma punheta pensando em você. Um de seus dedos encostou em seu sexo e ela soltou um som abafado pela boca mais uma vez. O único motivo pelo qual não estavam sendo vistos era porque o local era mal iluminado. E ninguém parecia estar olhando na direção deles. - Não sou eu que estou com a mão dentro das suas calças. – murmurou ela, finalmente virando o rosto na direção dele. Faltavam poucos centímetros para poderem se beijar. – Você é muito fácil. - Eu quero ser fácil. - Isso é uma novidade. Se você fosse uma garota, teria a minha fama. NACIONAIS-ACHERON
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- E não teria problema nenhum com isso. Ele tirou a mão da coxa dela em um movimento rápido. Um dos funcionários passou apressado, segurando um bolo de fios enroscados. - Como eu disse antes, somos mais parecidos do que você pode imaginar. - Não, não somos, David. Você é descarado e desleal. Eu nunca faria com ninguém o que você fez comigo. Samantha desencostou-se da mesa e se afastou, sem dar uma única olhada para trás. Era incrível como conseguia interromper facilmente aquele tipo de momento quando forçava-se a lembrar dos fatos. Quando se tratava de David, sua capacidade de imersão era tão intensa quanto a capacidade de voltar à superfície, por mais fundo que tivesse mergulhado.
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CAPÍTULO 47 Unindo-se aos Velvets novamente, todos aguardaram juntos e calados o chamado para a anunciação das notas. A chegada tão aguardada daquele momento decisivo foi acompanhada pelo corpo inteiro tremendo de Samantha. Todos os estudantes encaminharam-se para a plateia do auditório e sentaram-se nas primeiras poltronas. Adam Chadwick, o produtor do programa, segurava um microfone com uma das mãos e uma ficha em outra. Todos os jurados estavam em pé, assim como os futuros conselheiros das três bandas classificadas. O diretor do programa que seria transformada a Batalha das Bandas estava parado ao lado de Adam, e, ao lado dele, sua fiel escudeira e assistente Amy. Agora, havia um número maior de integrantes da equipe da gravadora e do canal sentados também na plateia, assistindo a cerimônia. E, obviamente, a coordenação da West Newton, incluindo o diretor e todo o comitê estudantil. Samantha não se impressionou quando observou David chegar atrasado e sentar-se junto com os outros Walkers. Ele estava usando seu blazer novamente e parecia completamente recuperado do momento sexual pelo qual passaram. Recuperado e lindo, pra variar. Com isso ela se impressionou. Como era capaz de azará-lo até nas horas mais tensas? - Chegou o grande momento, tão aguardado por todos vocês. Fizeram um ótimo trabalho nessa tarde, dando o melhor de cada um, tenho plena certeza. Mas, infelizmente, só há lugar para três bandas da West Newton na Batalha das Bandas da City Music Channel. – Adam pigarreou e encarou o papel em NACIONAIS-ACHERON
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suas mãos. – No telão atrás de mim, disponibilizado pela escola, vocês poderão ver a média dos três quesitos julgados por cada jurado. A soma dessas médias vai lhes dar o resultado final. As três melhores notas classificam as bandas. – Ele fez um sinal para a cabine de controle da iluminação do auditório, localizada na parte de trás do ambiente, e as luzes diminuíram. – Em ordem da nota mais baixa para a mais alta, apresentaremos, agora, o resultado. Samantha sentiu o estômago contrair-se quando o nome da primeira banda apareceu na tela. Não eram os Velvets, e sim uma banda de alunos mais novos que ela considerou, desde o início, bem desorganizada. A nota de cada jurado foi exposta e, por fim, o total: 30,5 pontos. Sentiu o olhar de Carter sobre ela e soube imediatamente que não era nada tranquilizador observar a desgraça alheia. Os próximos poderiam ser eles. Todos bateram palmas em sinal de educação e Adam anunciou a sétima colocação. Mais espasmos nos estômagos dos Velvets, que sentiram como se escapassem de uma bala perdida ao verem outro nome na tela novamente. Outra banda mais nova, totalizando 33,2 pontos. Logo em seguida, apareceu a sexta colocação, Samantha sentia suas mãos tremerem cada vez que a posição diminuía. 34,6 pontos. Estavam se aproximando dos três primeiros colocados, era tão angustiante estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe... Mais uma banda, preenchendo a quinta colocação. 34,8 pontos. A garota começou a perceber que as notas de cada jurado estavam subindo gradativamente. Desviou sua atenção do telão, enquanto Adam lia as notas, para o lado onde David estava sentado. O maldito mexia no celular. Quão irritante era aquela postura tranquila? Sentiu vontade de levantar e NACIONAIS-ACHERON
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caminhar até ele, arrancar aquele celular e jogar longe. E depois gritar para ele parar de ser tão... tão... experiente e confiante. Samantha ocupou-se tanto com a ideia tentadora de gritar com David e armar uma confusão que não percebeu. Chegaram nos quatro melhores. Faltava apenas uma colocação para saberem se estavam classificados. - A próxima colocação definirá os três classificados! Gostaríamos de, desde já, agradecer a participação de todos vocês. Todos foram brilhantes. – Adam fez um sinal positivo para a cabine de controle. O nome da quarta banda colocada apareceu como um repentino corte de papel no dedo indicador. A dor do susto era a mesma. E, depois, veio a negação. Deveria haver algo de errado. Ela sabia que a insegurança tomaria conta de seus pensamentos até o último segundo. Quando o nome dos Velvets não apareceu na tela, Samantha imaginou que deveria haver algum erro nas notas. Eles não poderiam estar classificados! Os Velvets? Aparecendo em rede nacional? Ouviu urros masculinos pelo auditório, provenientes de alguns dos integrantes das bandas classificadas. Sentiu seus ombros sendo sacudidos e finalmente conseguiu focalizar o rosto vermelho e os olhos úmidos de Alex. Todos estavam em pé à sua volta e ela não conseguia nem processar a informação. Seu corpo foi, então, puxado para cima e Carter deu um tapa forte em seu braço, a acordando. - Samantha! Estamos na Batalha das Bandas, sua idiota! Reaja! – O garoto a abraçou, apertando-a forte de propósito. - Eu acho que ela não acreditava no nosso potencial. – A voz de Oliver preencheu seus ouvidos, seguida da risada de Alex. NACIONAIS-ACHERON
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Ela sempre acreditou neles, é claro. Mas era óbvio que, sob pressão, não poderia ter a audácia de ser tão confiante assim. Iria aparecer em rede nacional, cantando para todo o país. Aquilo não chegava perto nem de seus melhores sonhos. Alex, então, a abraçou e seus olhos caíram sobre David. Ele também estava em pé, comemorando da forma mais controlada que conseguia. Scott aproximou-se dele e segurou seu rosto de uma forma comicamente bruta, falando algo que o fez rir. E ele a olhou. Pela primeira vez em muito tempo, Samantha recebeu um sorriso sincero dele. Nem lembrava como era, para falar a verdade. O sorriso sincero dele, quer dizer. Era absurdamente maravilhoso, ultrapassando qualquer outro tipo de sorriso que ele estava habituado a lançar para ela nos últimos tempos. Quis abraçá-lo. Quis pular nos braços dele. Era estranho. Teve a sensação de que, naqueles poucos segundos, voltaram a ser o que eram no passado. Nem faziam parte da mesma banda, mas ela não conseguia evitar ficar feliz pelos Walkers. Eles eram bons, de qualquer forma. E os garotos eram simpáticos, tirando David na maioria das vezes, é claro. Podia ver a verdadeira alegria nas expressões faciais de Alfie, Scott e Jack. Eles não eram convencidos como David. Tudo bem, eram um pouco, mas não no nível dele. Eram apenas garotos com os mesmos sonhos dela. Oliver a abraçou e David desviou o olhar. Ela só foi perceber a situação com muitos segundos de atraso. Havia sido transportada para outra dimensão e estava difícil voltar. - Pronta para ser famosa? – perguntou o garoto com um sorriso de canto. - Eu nasci pronta – respondeu ela, recuperando-se do choque inicial. NACIONAIS-ACHERON
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- Atenção, crianças, eu sei que a emoção é grande, mas precisamos anunciar suas notas e seus conselheiros. A próxima banda que aparecer na tela ocupou o terceiro lugar, e peço que seu respectivo conselheiro levante-se e leia as notas. Pode, então, reunir-se com a banda e trocar uma ideia. – Adam falou, interrompendo a euforia adolescente. Todos voltaram a se sentar e Samantha não podia importar-se menos com sua colocação. Estava classificada e era isso o que importava. Rhys Randall, um dos três conselheiros, levantou-se e caminhou até Adam Chadwick, que lhe entregou o microfone. Por uma fração de segundo Samantha quis estar na terceira posição para ter ele como conselheiro. Seus dreads eram tão incríveis e ele era tão encantador... Porém, quando não viu o nome dos Velvets na terceira colocação, não pode evitar impressionar-se com eles mesmos. Rhys leu no microfone as notas de sua banda.
MAKEMAKE - Jasmine Rivers: 9,5 - Owen Close: 8,8 - Joe Elliot: 9,0 - Callum Fay: 9,5 TOTAL: 36,8 Olhou chocada para Carter, que esboçava um sorriso que misturava choque e convencimento. Sim, isso era possível. Os Velvets eram melhores que uma banda consideravelmente boa de indie rock e aquilo era realmente muito agradável, em vista da popularidade do NACIONAIS-ACHERON
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estilo. Rhys, então, entregou o microfone novamente para Adam e aproximou-se do local onde a tal da Makemake estava sentada, cumprimentando cada um deles e se juntando ao grupo. Dee Blue levantou-se da mesa dos jurados e caminhou descontraída até Adam. Tudo bem, agora Samantha realmente queria ser a segunda colocada. Era seu maior sonho, dadas as circunstâncias atuais, ser treinada pela garota tatuada de cabelos compridos e azuis. Sua voz doce e tímida soou pelo auditório através do microfone. THE VELVETS - Jasmine Rivers: 9,9 - Owen Close: 9,0 - Joe Elliot: 9,3 - Callum Fay: 10 TOTAL: 38,2 Dee devolveu o microfone para o produtor e aproximou-se, durante as palmas da pequena plateia, dos quatro Velvets. Mas foi quando ela bateu palmas duas vezes e levantou os braços em um sinal cômico de vitória que Samantha percebeu o quanto amaria aquela garota. Tinha a sensação de que já a conhecia, era incrível. Ela nem havia trocado uma única palavra com a nova conselheira mas já sabia que iriam se dar extremamente bem. O sorriso natural no rosto de Dee fazia qualquer um sorrir de volta. Carter levantou-se e pulou uma cadeira para o lado, dando um espaço entre ele mesmo e Samantha para Dee sentar, depois de ela ter cumprimentado todos com um abraço. - Oh, meu Deus. Eu amei vocês, de verdade. Fiz questão de pegá-los antes NACIONAIS-ACHERON
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do Rhys, sabia que ele estava de olho também. – A forma como Dee sussurrou aquilo fez todos rirem. – Sério, eu estava disposta a sair no soco. Garota, que voz é aquela? Eu quero morrer. – Samantha abriu um grande sorriso em agradecimento. Não conseguia falar, Dee Blue era tão maravilhosa que ela sentia-se constrangida para falar e interrompê-la. – Tudo bem, vou calar a boca, é a vez dos almofadinhas. Carter soltou uma risada exageradamente alta pelo nariz, fazendo um barulho engraçado. Ela chamou os Walkers de almofadinhas. Dee Blue era a rainha do mundo. Leon Beck levantou-se e, com a expressão fechada, aproximou-se de Adam Chadwick e leu as notas dos Walkers, ocupantes da primeira posição. Samantha não conseguia administrar tanta informação. Não sabia se comparava Leon Beck a um dos irmãos Gallagher ou se ficava com odiozinho dos Walkers por terem tirado a melhor nota. Ou se amava Dee Blue. Era muita coisa para uma cabeça tão sensível. THE WALKERS - Jasmine Rivers: 9,8 - Owen Close: 10 - Joe Elliot: 9,5 - Callum Fay: 10 TOTAL: 39,3 Eles haviam ganhado duas notas 10. Um desespero momentâneo tomou NACIONAIS-ACHERON
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conta de seu corpo ao imaginar que precisariam se esforçar mais para conseguirem pelo menos serem tão bons quanto os Walkers. - Para a sorte de vocês, eu não suporto o Leon, ou seja, estou com sangue nos olhos para esfregar a vitória de vocês na cara dele. – Dee Blue olhou de um para o outro quando as luzes se acenderam e todos começaram a se levantar e conversar. – E vocês acham que eu não percebi, mas existe uma interessante tensão entre os Velvets e os Walkers, estou certa? Nossa, isso vai ser tão bom. – Ela esfregou uma mão na outra com uma expressão de maníaca. Carter olhou sorrindo para Samantha, que tentou fingir desentendimento. – Bom, vocês vão preencher uma ficha que receberão por e-mail especificando os seus horários de ensaios, para que eu possa estar presente e para que possam ser filmados. Sim, eu vou ser a chata que vai aparecer sem ser convidada trazendo comigo dois câmeras. - Câmeras? Mas já? – Alex arregalava cada vez mais seus olhos. - O show business voa, querida Alex. Não se preocupem, receberão todas as instruções e especificações por e-mail também. - Com licença, Samantha? Uma garota pequena e loira interrompeu a conversa dos cinco. Segurava uma câmera fotográfica profissional, e era acompanhada por um garoto negro que usava óculos de grau e segurava uma prancheta. - Somos representantes do núcleo cultural do comitê estudantil da West Newton, você poderia nos acompanhar para tirar uma foto e responder algumas perguntas? Só precisamos de um dos integrantes mesmo, é bem rápido! Samantha olhou para os Velvets, que deram de ombros. Ela se desvencilhou da pequena rodinha, que logo iniciou uma nova conversa NACIONAIS-ACHERON
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liderada por Dee. - É de extrema importância que devemos dar destaque ao fato de que duas bandas de veteranos se classificou. Tudo que envolver os formandos precisa ser registrado, para entrar na documentação da formatura. – O garoto que segurava a prancheta olhou para trás enquanto explicava. Ela seguia os dois um pouco confusa, e só foi perceber em cima da hora que a conduziram até onde os Walkers estavam, em uma conversa aparentemente muito particular com Leon Beck. Congelou por inteiro. Mas que droga. Os cinco encararam Samantha e os dois membros do núcleo cultural com um interesse desconfiado. - Hm, David, pode vir aqui um minuto? – A garota pediu, tentando ser o mais breve possível. A forma como se dirigiu a David demonstrava que já se conheciam. Ora, era óbvio que já se conheciam, David era representante social do comitê estudantil. Ele concordou e pediu licença a Leon, que lhe concedeu sem abrir um único sorriso. O homem era, de fato, meio antipático mesmo. - E aí? – perguntou ele, parando ao lado de Samantha e agindo como se fosse muito comum os dois serem chamados em particular. A garota não conseguia parar de encará-lo incrédula. Ele finalmente a olhou, demonstrando que realmente não estava entendendo nada. - Precisamos tirar uma foto de vocês dois. Vanessa que pediu, ela quer fazer uma matéria para o jornal online. Samantha não conseguiu evitar arregalar os olhos. Uma foto? Fala sério, que ridículo! Dos dois juntos? NACIONAIS-ACHERON
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Isso não iria acontecer. David rolou os olhos, parecendo conhecer muito bem as ideias da tal Vanessa. Samantha sentiu um ódio inexplicável começar a crescer dentro de si. - Porque não pode ser uma foto das três bandas juntas? É muito mais justo! – Estava disposta a lutar para evitar aquela foto constrangedora. - Porque a City Music Channel já vai fazer a foto oficial dos classificados da West Newton. E vocês dois são veteranos e líderes de suas bandas, portanto ela quer fazer uma matéria relacionando os formandos e a participação deles na Batalha das Bandas. - Mas quem disse que eu sou a líder da minha banda? Se ele é o líder da banda dele o problema é dele, mas eu nunca defini isso na minha! – Samantha precisava tentar de tudo. - Tire logo essa foto – murmurou David, cortando Samantha de forma impaciente. - Não vai ter foto nenhuma! Eu não quero aparecer no site da escola ao lado dele. É pessoal. Aquilo fez com que a garota loira e o garoto de óculos parassem por um momento e refletissem desconfortavelmente. - Pare de constranger as pessoas, Samantha. Sua vida pessoal não diz respeito a ninguém, não é por causa disso que eles estão pedindo a foto. É porque você é a mais popular dos Velvets e eu sou o representante social. Ela o encarou com os olhos estreitos. Desde quando era popular? Desde o escândalo, seu inconsciente respondeu imediatamente. - Não posso ter o direito de não querer aparecer em uma foto ao seu lado? NACIONAIS-ACHERON
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- Mas você quer, só está negando para não parecer óbvio demais – David abriu um sorriso malicioso, deixando os dois estudantes um pouco impressionados. Estavam presenciando uma discussão entre os tão falados David Young e Samantha Hollow. - Ora, seu insolente... - Pode tirar, Heather. – David a cortou, e a loira imediatamente olhou em volta procurando um lugar melhor para bater a foto antes que Samantha começasse a reclamar. Fez sinal para eles a acompanharem e caminhou até uma das laterais do auditório, onde era possível ter um panorama do local. - Podem parar aqui – Mostrou a garota, apontando para o ponto no chão onde queria que eles se posicionassem. David se arrumou e Samantha demorou cinco segundos para finalmente parar ao lado dele, com a cara emburrada. Heather, a fotógrafa, levou a câmera aos olhos, mas abaixou após enxergar através da lente. – Seria pedir muito se você abraçasse ela pela cintura? - Seria. – resmungou Samantha, dando um passo para o lado. - Você parecem dois manequins aleatórios. Não vai doer, gente. Tente sorrir também! Samantha espremeu os olhos para a garota e sentiu o braço de David envolvê-la pelas costas, a apertando contra si de propósito. Ela levantou o olhar, expressando repulsa. David sorria irônico. - Hm. Samantha, você parece uma criança sendo abraçada por um tio que não suporta. Não consegue abraçá-lo também? É sério, se não vai ficar muito estranho. – Heather tentava conter um sorrisinho idiota que surgia quando encarava David. Queria socar os dois. O garoto com a prancheta assistia a cena com um sorriso explícito. Queria socar os três. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu estou sendo abraçada por alguém que eu não suporto, como quer que eu reaja? - Me abrace logo, garota. Está morrendo de vontade de fazer isso. – A segunda frase foi sussurrada, fazendo com que só ela ouvisse. Samantha afogou um grito agudo na garganta. Era bom demais ser classificada na Batalha das Bandas e comemorar em paz. Obviamente algo desagradável tinha que acontecer para fazer ela voltar para a realidade. Samantha respirou fundo e colocou o braço nas costas de David, o abraçando pela cintura. O desnível de altura a obrigava a fazer isso. - Deixe seus hormônios escaparem pelo rosto e sorria, baby. Ela quis empurrá-lo para longe e dar um chute no meio de suas pernas. E também quis abraçá-lo com os dois braços, envolvendo sua barriga. Eram vontades opostas e enlouquecedoras. Abriu um sorriso amarelo, sem mostrar os dentes. Heather tirou a foto quase que na mesma hora, temendo que aquela sintonia tão batalhada durasse pouco. Tirou três fotos seguidas e abaixou a câmera. - Pronto! Nossa, foi mais difícil do que eu imaginava. Agora Paul vai lhes fazer algumas perguntas! Heather voltou sua atenção para a tela da câmera, começando a mexer no botões. Paul aproximou-se deles enquanto lia silenciosamente as perguntas, sem tirar os olhos do papel. - Já pode me soltar – Samantha ouviu a voz de David vindo de cima, no seu ouvido direito. Ela ainda estava abraçando ele. Meu Deus, que humilhação. Ela se desvencilhou dele e limpou o vestido em um infantil sinal de nojo. David suspirou irônico, olhando finalmente para Paul e começando a NACIONAIS-ACHERON
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responder as perguntas.
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CAPÍTULO 48 "4 de outubro de 2014, Ora, ora, ora... finalmente. Eu estava cansada de escrever sobre vocês, adolescentes sem graça entrando nas mesmas intrigas de sempre. Traição, má educação, rebeldia desesperada... quase peguei no sono aqui. Mas hoje eu me ajoelho e agradeço a todos os deuses que trouxeram S.H. de volta para Londres e fizeram-na inscrever sua nova banda na Batalha Intercolegial de Bandas – que será, é bom lembrar, transmitida nacionalmente. A primeira fase da competição aconteceu ontem à tarde e bastaram algumas horas, um palco, hormônios e uma vibração desafiadora que, todos sabemos, estava indo muito além de uma simples competição, para a casa cair. Eu falo sério, dava pra sentir as paredes do auditório quase desmoronando. O show dos Walkers foi a primeira surpresa da tarde, ninguém estava esperando por quatro ternos e cabelos penteados. D.Y. sempre foi um tanto desgrenhado... da forma mais sexy possível, mas a gente não pode negar que deu uma vontade louca de pular em cada um deles. Estavam absolutamente deliciosos. Vocês esperaram tanto por isso, não esperaram? Suas safadas, D. em um palco é ainda mais irresistível do que andando pelos corredores... se ele já parecia inumano no dia a dia... Até os Velvets fecharem as apresentações. Sinceramente, eu não esperava tudo aquilo. Não mesmo. Quer dizer, tudo bem, S. andava bem ousada ultimamente, desafiando D. por aí com um sorrisinho de triunfo no rosto, mas aquilo, senhoras e senhores... se eu fosse D. eu me enterrava no buraco mais próximo. Quem esperaria que a voz dela fosse tão incrível? Quem NACIONAIS-ACHERON
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esperaria que cada um deles fosse deixar nossos queixos caídos? A gente lamenta tanto que C.F. seja assumidamente gay, porque meeeeeu Deus... mas com certeza o destaque foi o substituto de D. nos Velvets... O.L., para os desinformados. Não era tão relevante para esse blog até agora. Ah, quando alguém mexe com D. a gente começa a considerar levantar todo o tipo de informação. Loiro, alto, olhos escuros, uma expressão contínua de uma prazerosa revolta... hmm, interessante. Abre o olho, D., a gente gosta de carne nova. Não só a gente, mas S. também... Apesar da visível intimidade entre S. e seu novo guitarrista, passarinhos me contaram que houve um pequeno "remember" nos bastidores. Nada de mais, relaxem. Quer dizer, se vocês consideram mãos passeando por corpos alheios algo insignificante, nem precisam pensar sobre isso! Calma, D., ninguém mais viu! Só meus passarinhos... a gente sabe que S. estava irresistível rebolando lá em cima, mas tem lugar para tudo, certo? Ou será que uma garota em especial faz você virar um garotinho com hormônios descontrolados novamente? Controle-se, rapaz. Brincadeirinha, a gente não quer D.Y. controlado. É tão bom ver nosso garoto preferido demonstrando sua vulnerabilidade! Algo me diz que ainda veremos muito descontrole da parte dele nos próximos meses. Oh, isso é tão bom. Uma intriga genuína, para variar um pouco. S., continue passando seus intervalos abraçada em seu novo guitarrista, a gente quer muita pauta para a raiva de D., afinal, sobrevivemos dos acessos de vocês. Continue exatamente como você está agora, a West Newton estava precisando mesmo de um pouco de girl power. NACIONAIS-ACHERON
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Só garanta que vai passar longe de P.W. nos corredores, a loucura pode chegar a extremos... principalmente quando você está namorando o garoto mais gostoso e ordinário da escola. Barra pesada de carregar, eu diria. Força, amiga, estamos com você. Hmm, chegou a hora de me despedir. Eu não preciso nem falar para vocês deixarem suas maldosas opiniões nos comentários porque quando o assunto é o ex-casal-polêmica, este singelo blog explode. Mantenham os olhos bem abertos, eu preciso de toda e qualquer informação! Sempre! Nos vemos por aí. Ou melhor, eu vejo vocês. W.W."
- Fui citado! Oh, meu Deus, será que finalmente estou me despedindo desse status fracassado? Carter segurava o celular, parado em pé no meio da sala de estar onde os Velvets ensaiavam. Oliver estava displicentemente atirado no sofá duplo, ocupando mais espaço do que precisaria, deixando um mínimo pedaço para Alex sentar. - Ah, mas que droga... - Samantha não conseguia acreditar que seu momento de tensão sexual com David havia sido citado tão claramente no West What. Alguém os havia visto, afinal. - Vocês se pegaram? - Alex mantinha os olhos arregalados para a amiga. Foi então que Carter recuperou-se do momentâneo espasmo de orgulho próprio e também olhou para Samantha, curioso e agitado. - Ele passou a mão em você? E você deixou! Pode nos contar tudo, sua NACIONAIS-ACHERON
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louca. Você está cedendo! Samantha deixou um grito abafado escapar da garganta. O quão constrangedor era aquilo? Havia sido exposta novamente. Estava acontecendo tudo de novo. Nascera para ser exposta, era isso. Já não bastava ter de conviver com as lembranças do escândalo, sua intimidade estava começando a vir à tona para a escola inteira mais uma vez. - Não aconteceu nada! A pessoa que escreve isso é maluca. Eu apenas conversei com ele por cinco minutos, aquela mesma conversa infantil de sempre. - Que conversa de sempre? Desculpe, amiga, não estamos tão atualizados assim na sua relação com David. - Não importa, não aconteceu nada. Estou sendo difamada novamente. Jogou-se no sofá, por cima das pernas de Oliver. Apoiou a cabeça nas mãos sentindo um desespero crescer dentro de si. - Olha Sam, desde o início sabíamos que as coisas seriam mais ou menos assim. Vamos lidar com o público, estaremos constantemente expostos. Para o país inteiro. Vai ser bem pior. Você precisa aprender a ignorar esse tipo de comentário. - Oliver encolheu as pernas e sentou-se normalmente. - Vai surtar com cada revista de fofoca que falará sobre você? - Não seja exagerado. Não vão haver revistas de fofoca, fala sério. Tudo bem, ficaremos conhecidos, mas não tanto assim. - Alex pareceu realmente assustada com perspectiva de aparecer em alguma revista. - Eu vou fazer questão de aparecer em cada revista. Vou sair por aí oferecendo entrevistas sobre a Samantha. - Carter guardou o celular no bolso traseiro e pegou novamente suas baquetas. Samantha o olhava com ódio. Ora, vamos, Sam, é divertido ser popular. NACIONAIS-ACHERON
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- Não somos populares. Somos o oposto das pessoas populares. - A garota abaixou a cabeça para o tapete. - Exatamente por sermos o oposto deles já somos populares. Fala sério, pediram para você tirar uma foto com o David. Toda a sua situação com ele a faz ficar um pouco cega e não conseguir visualizar de fora, mas ele realmente é bem importante na escola. Tipo, muito mesmo. Não é qualquer um que sai em uma foto com David Young no site da escola. - Pare de colocá-lo em um pedestal, Carter! Ele era um de nós! - Samantha estava começando a ficar vermelha de raiva. - Não é mais. É o oposto da gente agora. - Tanto faz o que ele é, pare de dar tanta importância, Carter. Você está piorando tudo. - Alex levantou-se e pegou seu baixo que havia deixado em cima de uma das poltronas arrastadas para os cantos da sala. - Vamos voltar a ensaiar, por favor, a porra realmente ficou séria. Iremos tocar para toda a Inglaterra, eu tenho vontade de vomitar cada vez que me lembro. Todos concordaram e, silenciosamente, se posicionaram em seus respectivos lugares. Fora exatamente assim durante todo aquele final de semana seguinte ao resultado da Batalha das Bandas. Estavam tão aterrorizados com o que viria pela frente, mais precisamente com o que viria em cinco semanas, que cada vez que alguém desvirtuava a concentração do ensaio levava uma advertência nada delicada. Era a primeira vez que os quatro estavam conseguindo levar algo a sério e lidar com tudo como adultos. Para adolescentes de dezesseis anos pode ser bem difícil resistir à desordem, mas o esforço entre eles era unânime. Os Velvets representariam o caos nos palcos, mas por trás desse caos deveria existir muita organização para aquilo dar certo. NACIONAIS-ACHERON
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✖✖✖ Samantha fez questão de evitar cruzar com David ou sequer olhar para a direção em que ele estava sentado dentro da sala de aula. Aquela última postagem no West What fora suficientemente constrangedora para ela querer mostrar a todos e a si mesma que aquilo tudo era uma grande mentira. Mas ela sabia que não era. O garoto parecera duplamente incomodado com a repercussão da postagem, que tinha um impacto negativo para ele. Não fizera esforço nenhum para aproximar-se de Samantha e soltar qualquer comentário irônico ou apenas abrir aquele sorriso malicioso. Fora uma semana cheia de um intenso nada. Ela odiava admitir que estava sentindo falta dele. Era melhor admitir logo, por mais insuportável que fosse. Os pequenos segundos que passou abraçada nele para tirar aquela foto patética ficaram grudados como carrapato em sua mente, lembrando-a toda hora da sensação maravilhosa que era abraçá-lo. Um abraço completamente impessoal, mas ainda sim um abraço. O ombro que ele encostara ficou latejando por horas seguidas depois da cena, a fazendo questionar-se como algo tão bobo ficava mais marcado em sua mente do que, por exemplo, a mão de David em sua coxa. A coxa não ficou latejando por horas, mas o ombro ficou. Talvez ela estivesse tão imersa no prazer momentâneo, e ao mesmo tempo tão nervosa por ser pega, que não conseguia se lembrar direito de como realmente tudo aconteceu. Era estranho, parecia que estava bêbada quando aquilo aconteceu, mas não estava! Apenas não conseguia se lembrar direito. Odiava não conseguir lembrar. Queria agarrar-se a qualquer situação mais íntima com ele para poder suprir a saudade ridícula, mas nem isso podia fazer, porque não lembrava direito. Que idiota. Será que sua entrega havia NACIONAIS-ACHERON
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sido tão grande que ela teve uma hipnose psicológica? David Young era capaz de tanto assim? Ou será que ela gostava tanto dele a ponto de ser transportada para outra dimensão quando ele estimulava seus hormônios? A ausência da presunção de David a estava deixando louca. Podia considerar-se uma masoquista. Estava sentindo falta das implicâncias dele. Obviamente, não compartilhou aquela sensação com mais ninguém. O final de semana seguinte estava, aos poucos, se aproximando, e Samantha encontrava-se mais exausta do que nunca. Sua obsessão por mostrar serviço a obrigou a trabalhar até tarde da noite no Walsh, com o objetivo de compensar sua ausência na última sexta-feira. Frank já estava cansado de repetir que ela não precisava compensar nada, havia sido gentilmente dispensada por motivos maiores, mas seu espírito teimoso herdado de Donna - não deixava a garota concordar com seu chefe. Portanto, quando recebeu o tão aguardado e-mail da produção da City Music Channel com as instruções para a primeira gravação do ensaio deles, simplesmente não percebeu. Fora avisada, aos berros, por Alex durante um dos intervalos. Ela estava assustadoramente nervosa com o fato de que Dee Blue os visitaria com os câmeras naquele final de semana. Samantha estava ansiosa para ouvir os conselhos de Dee. Não precisava conhecê-la para saber que deveria ter um vasto conhecimento musical e empresarial, caso contrário não seria selecionada para aquele papel. Poderia ser um pouco nova, perto dos trinta anos, mas sua idade com certeza não iria condizer com seu talento.
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CAPÍTULO 49 Aquele início de sábado não havia sido nada produtivo. Ninguém conseguia se concentrar quando pessoas tão importantes estavam prestes a entrar pelas portas e tratá-los como famosos. Era muito surreal e muito incrível. A chegada da equipe aconteceu como num piscar de olhos. Em poucos minutos, Dee estava sentada no sofá de frente para os instrumentos, com dois câmeras os rodeando. - Preciso, antes de qualquer coisa, que vocês me digam quem realmente são. - Os quatro adolescentes a olharam assustados, todos parados em suas posições como bonecos. - Não precisam me olhar assim, não é para vocês fazerem uma redação. Vamos, Carter, diga você. - Ela esticou a cabeça para poder enxergar o garoto por entre Samantha e Alex. - Quem são os Velvets? Carter hesitou por um momento e então desatou a explicar todo o conceito criado por eles antes da primeira fase. A teoria do caos versus simetria soou genial quando Dee abriu um sorriso largo, os olhos brilhando. A mulher levantou do sofá e começou a andar entre eles, encarando o chão enquanto prestava atenção no que todos falavam. - Tudo bem, eu entendi. Vocês são a representação objetiva do desejo adolescente. O oposto dos Walkers, importante ressaltar. Vejo que vocês tem certo receio em citá-los, mas quero que saibam que é de extrema importância pensar na concorrência. É essencial. Vocês precisam estar sempre ligados na concorrência. Os Velvets vão usar os Walkers para reforçar a imagem de rebeldia, entendem? A diferença é gritante, se colocadas ambas uma ao lado NACIONAIS-ACHERON
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da outra, fica muito claro. Vocês de certa forma precisam deles para mostrar que são o oposto. "O país inteiro estará babando por eles, quero que entendam isso desde já. Não estou querendo amedrontá-los nem nada parecido, mas precisam estar a par da realidade. Eles são a perfeita tradução dos britânicos atuais, como foram os Beatles antigamente. Eles são uma versão jovem e ao mesmo tempo retrô, é genial." Os quatro pareceram, por um momento, querer desistir de tudo. Como iriam competir com meninos bonitos, arrumados e educados? - Ora, mas isso não quer dizer que os Velvets não irão estourar entre os adolescentes. - Dee continuou, abrindo outro sorriso empolgado. - Vocês são o que eles querem ser, não percebem isso? Se fizerem o sucesso que eu imagino que farão, todas as garotas vão querer ser como Samantha Hollow e Alex Frost. Carter será objeto de desejo entre meninas e meninos, em todos os sentidos. E Oliver... bem, você já sabe o que eu vou dizer. - Ela olhou irônica para ele, que rolou os olhos simulando impaciência, fazendo todos rirem. - Não vai ser difícil arrumar uma namorada para você. A questão é que, mesmo sendo o pesadelo dos pais, isso não vai impedir os filhos de desejarem vocês. Sejam objetivos, sejam sujos. Não percam essa identidade por nada. Samantha percebeu, pela primeira vez durante o discurso de Dee, que os câmeras haviam começado a filmar. Que vergonha. Imploraria para fazer parte da edição daquelas imagens, caso contrário poderiam colocar no ar informações um pouco constrangedoras. - Agora me explica, pelo amor de Deus, o que tem entre você e aquele garoto. É óbvio que vocês são rivais além dos palcos, e isso influencia totalmente na sua atitude. - Dee apoiou-se no pedestal do microfone de Alex, NACIONAIS-ACHERON
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encarando Samantha com ansiedade. - O que ele fez? Ela considerou mentir. Considerou não contar nada, mas sabia que não iria adiantar. Dee lembrava muito sua mãe, porém em uma versão mais jovem e azul. A astúcia das duas era imbatível. Depois de alguns segundos de insistência da conselheira, a garota concordou em contar tudo, mas com uma condição: as câmeras precisavam ser desligadas. Todos concordaram e ela relatou o escândalo desde os primórdios de sua relação com David. Levou quase meia hora, com Dee interrompendo o tempo inteiro e fazendo comentários impressionados. - É, eu também ficaria bem puta com ele. - concluiu depois do relato ser finalizado. - Pense pelo lado bom, se aquilo tudo não tivesse acontecido, os Velvets provavelmente não existiriam mais. Nem os Walkers. Nem o maravilhoso conceito de caos de vocês. - Isso é o que me motiva - assumiu Samantha. - Olha, eu preciso falar desde já para depois você não surtar: se por um acaso ambas as bandas fizerem sucesso, isso vai vir à tona. Boatos, que seja. As pessoas são loucas por escândalos. Vocês dois são atraentes, cantam extremamente bem, são líderes de bandas incríveis... e são rivais. É viciante. Consigo ver garotas histéricas obcecadas pelo relacionamento de vocês, mesmo que não exista nenhum. Elas vão querer que exista. Isso já basta para que acompanhem as bandas. - Não quero fazer sucesso usando o escândalo como degrau. - Samantha demonstrava certo receio agora. - Não quero ser conhecida por causa dele. - Isso não vai ser a causa do sucesso dos Velvets! Vocês foram selecionados porque tem muito talento. Essa confusão toda com David é só um tempero extra, não se preocupe. Mas, por enquanto, vocês ainda não são conhecidos. Vamos tratar de mudar esse status. - Dee olhou para os câmeras e NACIONAIS-ACHERON
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fez um sinal para eles voltarem a gravar. - Cada um vai olhar para a câmera e se apresentar. Nome, idade, instrumento, banda favorita. Vai ser a introdução dos bastidores, irão transmitir antes das apresentações ao vivo. Depois, iremos fazer algumas imagens de vocês ensaiando e talvez conversando assuntos aleatórios. Passaremos a tarde aqui, vocês não têm por onde escapar. Oliver, é com você. Dee era muito rápida, era difícil acompanhar. Por um momento Samantha percebeu que talvez a indústria musical e televisiva fosse toda assim... rápida. Precisava começar a se acostumar com toda a intensidade. Observou Oliver pigarrear e olhar desconfiado para ambos os câmeras, que pegavam ângulos diferentes do garoto. Um dos caras instruiu ele a olhar apenas para uma das lentes, deixando a outra de lado. - Hm, me chamo Oliver Lynch, tenho dezesseis anos e sou o guitarrista dos Velvets. - Ele bagunçou os cabelos e olhou confuso para Dee. - O que mais era para falar? Droga, ops, corta. Não corta? Ah, é. Minha banda favorita é o Black Sabbath. - Por quê? - perguntou Dee repentinamente, fazendo Oliver congelar. Era engraçado ver como ele ficava tímido quando estava nervoso. - Porque eles não são óbvios. - respondeu Oliver simplesmente, cruzando os braços. Dee fez um sinal para ele continuar. - Porque eles possuem uma densidade icônica, tanto com Ozzy quanto com Dio nos vocais. São densidades diferentes, mas você sempre consegue ver o Sabbath ali. Conseguiram manter a essência mesmo com essa variação. Samantha quis abrir a porta da casa e sair correndo. Nunca conseguiria falar sobre sua banda favorita com tanto conhecimento. Tudo bem, Oliver era todo meio poeta e sabia usar as palavras, mas mesmo assim. Soaria como uma criança ao explicar seus motivos. Viu o mesmo terror nos olhos de Alex. NACIONAIS-ACHERON
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Carter parecia querer interromper Oliver e dar a própria opinião. Porque garotos são tão competitivos? - Sua vez, Sam. - falou Dee, e os câmeras a focaram, sem nem mesmo cortar a sequência. Estava se sentindo muito pressionada. - Ok. - Ela pigarreou, tentando lembrar qual era seu nome inteiro. - Sou Samantha Hollow, tenho dezesseis anos e sou a vocalista dos Velvets. Minha banda favorita é Fleetwood Mac e eu sinceramente não sei colocar em palavras o porquê. - Olhou para Dee apreensiva, que fez um sinal positivo para ela continuar, no seu ritmo. - É mais algo para você sentir, entende? Olhou para a câmera que a focava de frente como se fosse uma pessoa. - Eles são a própria energia mística personificada. Quando Stevie canta parece que somos transportados para lugares que nunca imaginaríamos estar. A sintonia de todos é incrível, arranjos ótimos, harmonias perfeitas... parece que Stevie e Lindsey estão sempre conectados, sabe? É natural... é a tradução perfeita da transcendência musical. É, acho que é isso! Dee parecia muito satisfeita com o pequeno depoimento de Samantha. Ela mesma impressionou-se com sua capacidade de sintetização. Não era a melhor pessoa do mundo com palavras, mas quando se tratava de sua banda preferida talvez conseguisse, de fato, falar bem. Alex, então, foi instruída a ser a próxima. Se fosse possível ficar mais branca do que já era, ela ficou. - Eu, hm, nome? - Ela encarou o câmera confusa, que concordou com a cabeça abrindo um meio sorriso. - Alex Frost, dezesseis, baixo. Minha banda favorita é Vixen, porque são mulheres e são muito fodas. Queria poder um dia chegar aos pés de qualquer uma delas. - Alex pareceu começar a se empolgar, o sangue voltando a correr pelas veias do rosto. - Quer dizer, olhe para Jan Kuenehmund... dá vontade de chorar de tão maravilhosa. Ah, todas NACIONAIS-ACHERON
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elas... queria ter nascido uma delas! Samantha não conseguiu segurar a risada. Alex era muito engraçada tentando se expressar para uma câmera. Seu jeito enérgico a fazia movimentar os braços mais do que era preciso. Dee fez um sinal positivo e indicou Carter para os câmeras, que já se encaminhavam por entre os outros três integrantes e se aproximavam da bateria. - Carter, pode ficar sentado mesmo. Acho que vai ficar bom mostrando a bateria. O garoto concordou com a cabeça e continuou sentado. O câmera frontal fez um sinal para ele. - Me chamo Carter Francis, tenho dezesseis anos e sou baterista dos Velvets. Minha banda favorita não poderia ser outra se não Led Zeppelin. Acredito que são o mais próximo possível de um ideal em termos musicais. Conseguiram passar por diversas fases e tirar o melhor de cada uma, compondo obras indescritíveis. Jimmy Page é o maior exemplo que tenho de talento, esforço e perseverança. Todos os integrantes tocavam perfeitamente bem, dominavam o ritmo com uma maestria impressionante. As composições eram elaboradas, carregadas de conteúdo intelectual... eu poderia facilmente ficar o dia inteiro falando deles, mas sei que só tenho alguns segundos, então... é isso. Led Zeppelin não foi apenas uma banda, foi uma completa experiência sensorial, indo muito além da audição. Todos ficaram em silêncio por uns bons cinco segundos até se recuperarem da resenha de Carter. Alex considerou pedir para cortar fora sua parte pela sua expressão de desespero. Ele chegava a ser irritante de tão inteligente. NACIONAIS-ACHERON
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- Bom, estou com a sensação de que minha adolescência não serviu para muita coisa. - Todos olharam confusos para Dee. - Vocês são muito inteligentes! Acho que nem hoje em dia consigo falar assim. Muito bem, galera! Vamos aos trabalhos? Mostrem-me covers que não tocaram na primeira fase mas que gostariam de ter tocado. Iremos discutir as escolhas de vocês para a segunda fase de forma minuciosa. Vocês acertaram da primeira vez, mas agora vai ser mais difícil. Os juízes vão analisar cada quesito de forma extremamente crítica. Repertório, performance e técnica. Precisam estar impecáveis em todos eles. Não era nada difícil debater com Dee sobre os covers. Cada final de música ela dava seu parecer, explicando se a música era ou não uma boa escolha. Sugeriu diversos títulos, assim como ajudou-os a corrigir os pequenos erros técnicos. Dee sabia cantar, então era fácil para Samantha entender o que ela queria que a garota fizesse. Mais uma vez, concluiu que Dee era mesmo a rainha do mundo. Não havia discussão sobre isso. Passaram uma das tardes mais divertidas de suas vidas com ela, e, mesmo sendo constantemente filmados, pareceram deixar a vergonha de lado.
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CAPÍTULO 50 Os começos de semana costumavam ser mais calmos, dando-lhe a chance de se distrair enquanto fazia algumas tarefas. Quando o bar esvaziava, Samantha era orientada pelos seus superiores – Myra ou Frank, quem estivesse por ali no momento – a servir algumas mesas e variar seu serviço. Segundo Frank Walsh, era sempre bom aprendermos a fazer de tudo um pouco e assim estarmos preparados para qualquer emergência. E agora, ela já tinha idade o suficiente para ser responsável e conseguir dar conta, então não havia problema nenhum em sair de trás do balcão. Embora estivesse distraindo-se muito mais com a nova variedade de tarefas, nada do que fizesse era o suficiente para afastar o nervosismo e a ansiedade envolvendo a Batalha das Bandas. Ainda tinha quatro longas semanas pela frente antes de aparecer na televisão para o país inteiro, mas suspeitava que se sentiria da mesma forma se faltassem seis meses. E, por mais que usasse toda a força de vontade que possuía para ignorar aquela pequena sensação agonizante no canto da mente, seus esforços eram inúteis. E, ao perceber que passava mais tempo do que gostaria pensando nele e em como ele estava distante na semana que havia passado, se deu conta de que, na verdade, a sensação ocupava um grande espaço em sua mente. Quase tão grande quanto o espaço reservado para a Batalha das Bandas. E não, não deveria ser assim. Não deveria ser nem um pouco assim. David Young não deveria ocupar espaço nenhum em seus pensamentos. Com um sorriso simpático reproduzido por todos os funcionários do Walsh por livre e espontânea vontade, ela pegou o porta conta das mãos da cliente – uma mulher com trajes formais, provavelmente uma executiva – e NACIONAIS-ACHERON
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aguardou ela levantar da mesa para começar a recolher as louças e colocá-las na bandeja. Estava tão concentrada em encontrar espaço para todos os pratos do pedido na pequena superfície que mal percebeu, com o canto dos olhos, um cliente ocupar o balcão. - Sam, pode atendê-lo para mim? Estou organizando umas caixas para Frank na despensa, o movimento só vai começar mais tarde hoje então resolvi adiantar a bagunça. – Samantha olhou para Myra antes de colocar o último prato na pilha da bandeja e concordou, acompanhando a colega até o fundo do ambiente para deixar as louças sujas na janela que dava para a cozinha. Myra desapareceu por uma porta lateral e ela limpou as mãos no avental, encaminhando-se distraída para trás do balcão. - Bem-vindo ao Walsh, o atenderei em um minuto! – Apressou-se até a pia e lavou as mãos, virada de costas para o cliente sentado com os braços apoiados no balcão. O máximo que havia notado até aquele momento era o sexo e a idade: um homem jovem. Aliás, por que ele estava usando capuz dentro do pub? Virou-se para ele, finalmente, curiosa, enquanto secava as mãos em um pano verde. No exato momento em que colocou os olhos no rosto do garoto, que a observava paralisado, o pano caiu de suas mãos. Ela deu dois passos para trás, sentindo a bancada da pia atrás de si. David se desfez do capuz devagar, ainda não havia piscado. Estava tão chocado quanto ela. Ambos estavam inseridos em um estado de choque tão grande que ninguém percebeu os vinte segundos inteiros de silêncio que se seguiram. - O que está fazendo aqui? – A pergunta foi feita de forma automática e a voz soou hostil. Ela só percebeu que havia falado após observá-lo engolir em seco, desconfortável. David umedeceu os lábios e desviou o olhar do rosto NACIONAIS-ACHERON
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dela por um instante antes de responder. - Eu venho aqui de vez em quando. – murmurou ele, voltando então sua atenção para a garota, parecendo igualmente curioso. – Mas não venho faz algumas semanas. Está trabalhando? - É o que parece – resmungou ela, mais nervosa do que antes, abaixandose para juntar o pano verde e jogá-lo em um cesto embaixo da pia. – O que vai querer? – continuou, pronta para prosseguir com a situação como se ele fosse qualquer um e não o garoto por quem ela sempre fora apaixonada. David não estava ali por ela, aquilo era uma tremenda coincidência. Nada havia mudado e ele continuava sendo o mesmo egoísta de sempre. - Por que está trabalhando, Sam? – O tom de voz surpreendentemente preocupado e o uso de seu apelido fizeram seu coração acelerar nos primeiros milésimos após a pergunta, mas recuperou sua sanidade logo em seguida. Fechou a expressão e cruzou os braços, demonstrando impaciência. - É o que as pessoas normais costumam fazer quando precisam de dinheiro – respondeu, sendo grosseira de propósito. Era a única forma que encontrava de não ceder. Ele afastou os lábios, parecendo pronto para falar algo, mas os fechou novamente e refletiu por mais alguns segundos. - Deveria estar ensaiando – disse ele, franzindo o cenho. Estava ficando louca ou David Young estava demonstrando preocupação? Abriu um pequeno sorriso de escárnio antes de responder. - O que eu deveria estar fazendo é problema meu. O que vai querer? – A pergunta repetida foi feita praticamente entredentes. Só queria acabar com tudo aquilo e vê-lo ir embora dali. Hm, é mesmo, Samantha? Você quer mesmo que ele vá embora? Ou isso é o que você desejaria querer se fosse uma pessoa coerente com as emoções NACIONAIS-ACHERON
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estáveis? - Não. Não quis dizer que você precisa ensaiar. Já é boa o suficiente, mas até os maiores artistas precisam ensaiar. – David corrigiu-se, gaguejando no meio da fala. O cenho da garota franziu em desconfiança. Onde ele estava querendo chegar? – Que horas termina seu expediente? Samantha o observou, o rosto sem expressão. - Agora vai querer me chamar para sair? Quer fazer o favor de dizer o que vai querer, David? Ele riu, achando graça de verdade. Não era um riso maldoso e ela nem sabia mais como era ver David Young rir de forma espontânea. Para variar, ainda fazia seu estômago se torcer por inteiro. - Você nunca aceitaria, nem me daria o trabalho. Perguntei porque quero saber se você está tendo tempo para ensaiar durante a semana. Ele estava certíssimo, ela nunca aceitaria. Mas, pela forma como ele falou, lhe dando a entender que o faria se existisse a possibilidade de ela aceitar, a fez querer largar tudo e correr para fora do pub. - Trabalho até tarde, é claro que não tenho tempo. Estou ensaiando nos finais de semana e no almoço. Por quê? Quer sabotar minha banda? David negou com a cabeça, seu sorriso agora demonstrando certa incredulidade pelas perguntas e pela forma infantil e rude de Samantha se expressar. - Nunca faria isso. – Ele passou a mão pelos cachos desarrumados, não estavam penteados para trás como na escola, de costume. Seu olhar se perdeu na superfície do balcão e ele parece hesitar antes de continuar, mas prosseguiu mesmo assim. – Está voltando sozinha para casa? De noite? NACIONAIS-ACHERON
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Samantha não conseguiu resistir, os traços do rosto aos poucos formando uma careta de confusão. David havia batido a cabeça antes de entrar ali? - Sim – resmungou, óbvia. – Como todos os outros funcionários.
- Eles não são garotas de dezesseis anos, Samantha. – revidou ele, meio impaciente. O que estava acontecendo? – Posso... hm, Carter e Alex ainda não dirigem? - O que você quer, David? O garoto ajeitou o corpo no banco, apoiando-se nos braços em cima do balcão. Estava incerto e inseguro, lançando um olhar vago para a porta antes de responder. - Não é seguro voltar sozinha todos os dias. Meu motorista pode lhe dar algumas caronas de vez em quando. O silêncio que se seguiu foi tão longo quanto o primeiro silêncio da conversa, após identificarem-se. David só podia estar tirando uma com a cara dela. Samantha, com os olhos arregalados e as narinas infladas em indignação, continuou, segura: - Está brincando, garoto? Depois de tudo o que você fez comigo acha que não está parecendo um idiota demonstrando preocupação? Diga logo o que vai querer beber, eu tenho mais o que fazer. Os olhos de David se estreitaram, também estava irritado agora. - Você continua achando que fui eu, não? Continua sendo egoísta como foi naquela época. Samantha entreabriu os lábios, chocada e incrédula pela forma direta como ele havia entrado no assunto de sua culpa no escândalo. E por ele a ter NACIONAIS-ACHERON
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ofendido, é claro. - O quê? Egoísta? Está se ouvindo? – Ela deu dois passos na direção dele, aproximando-se do balcão. - Você não é capaz nem de se justificar e quer que eu acredite em você? - Não vou me justificar! Você acha que as pessoas estarão sempre correspondendo suas expectativas sem realmente se importar com o que elas estão sentindo. – David levantou do banco e recolocou o capuz. – Espere sentada minhas justificativas. Foi embora sem me dar nenhuma chance e acha que congelei esperando você voltar? Adivinhe só, eu continuei vivendo. E você não faz ideia do que aconteceu porque estava em outro país. – Fez uma pausa para recuperar o fôlego, não estavam discutindo em um volume alto mas o garoto parecia exausto. – Tenha um bom final de tarde, Samantha. E, sem mais nenhuma palavra, começou a se afastar em direção à saída do pub. Samantha o acompanhou com os olhos, incapaz de fazer mais nada a não ser observá-lo ir embora em profundo choque.
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CAPÍTULO 51 Por algum motivo ele não havia sido objetivo e aquilo a enlouqueceu durante a semana. Não achava que deveria procurá-lo para entender o que ele quisera dizer antes de deixá-la paralisada atrás do balcão do Walsh. David quem deveria tomar a iniciativa e ir até ela, certo? Pelo menos era essa a sensação que ela tinha. Para variar, estava mais confusa do que nunca. Aquilo martelou em seu cérebro por dias, tirando até seu sono nas primeiras noites posteriores ao acontecimento, que acabou esquecendo-se. Na verdade, mal havia sido informada sobre. E eles decidiram avisá-la um dia antes. Quis matar Carter quando o amigo surgiu com a notícia daquela maldita festa. Era tudo o que ela precisava, realmente... mais um grande evento para ter de se preocupar. Simplesmente não tinha condições físicas e emocionais para pensar em uma roupa. Para sua sorte, Carter também já havia resolvido aquilo. - O quê? - perguntou Samantha, rangendo os dentes durante o almoço da sexta-feira. Naquele dia em específico havia desistido de usar seu horário de almoço para ensaiar, tão grande era sua fome. - São festas temáticas, lembra? David comentou sobre isso no primeiro dia de aula. Amanhã vai ser "Halloween Anos 80". - Levantou as mãos e gesticulou enquanto pronunciava o nome da festa. Samantha não conseguia reagir. - Vai ser um Halloween dos anos 80. Não que seja muito diferente do que temos agora, mas as músicas vão ser muito melhores. Espero que David NACIONAIS-ACHERON
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faça um bom trabalho, eu estou botando muitas esperanças nisso. Já tentei adaptar minha fantasia de várias formas para que eu consiga esconder cinco cantis com bebida alcóolica. - Não vai ter álcool? - Alex o olhou com uma careta enquanto mastigava, o garfo pendendo de forma preguiçosa na mão. - Claro que não, a festa vai ser aqui no ginásio. Só ponche para você, maninha. - Alex espremeu os olhos na direção dele e encarou emburrada a comida. - Relaxa, eu dou um jeito nisso. - Qual é o objetivo de fazer uma festa sem álcool? - Oliver virou a cabeça para a direção dos três. Até aquele momento, parecia ter pegado no sono com os braços apoiados na mesa e a cabeça descansando em cima deles. - Todos os objetivos, tolinho. Somos adolescentes ricos e exibidos, o que acha que acontece quando reúnem todo mundo em um ginásio mal iluminado, garotas com roupas provocantes e garotos desesperados para perder a virgindade? - Obrigado. Agora eu entendi. - murmurou Oliver de forma irônica, voltando a enterrar a cabeça nos braços. - Gostaria de informá-los que já providenciei as fantasias de todos. Alex, Samantha e Oliver o olharam assustados. Carter era absurdamente empolgado com eventos sociais. - Com que direito você escolhe minha fantasia sem me consultar? - Alex estava meio histérica, os olhos quase pulando para fora das órbitas. - O direito chamado amizade, confiança, amor, carinho, falta de tempo. Como eu tenho as minhas tardes livres, tomei a liberdade. Acreditem, eu tenho um ótimo gosto. NACIONAIS-ACHERON
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- E você poderia, por favor, nos informar quais são os personagens pelo menos? - Samantha estava ficando nervosa agora. Uma festa organizada por David na qual Carter havia escolhido sua fantasia. Sabia que o amigo tinha bom gosto, mas não sabia o quão ousado ele conseguia ser. - Não, só vão saber amanhã. Vai ser uma surpresa. - Fala sério, Carter! Diz, agora! - Alex começou a ficar vermelha. - Você é muito abusado. - Só posso dizer que sua fantasia vai se camuflar quando você ficar vermelha assim. Alex arregalou seus olhos, encarando Samantha em um pedido silencioso por ajuda. A amiga deu de ombros, sem ter o que fazer. Era impossível lidar com Carter quando ele tinha algo em mente. - Vocês vão me agradecer por isso. - disse ele, depois de alguns minutos de silêncio coletivo. Alex parecia ter congelado, não acreditando no quão longe o amigo poderia chegar. Samantha só conseguia sentir o estômago ardendo cada vez que lembrava quem seria o organizador da festa. E Oliver... bom, Oliver estava com muito sono naquele almoço. Carter deu um sorriso malicioso para as duas antes de encostar o copo descartável na boca e beber um gole de seu suco. ✖✖✖ - Você não fez isso, Carter. Samantha encarava com certa aversão sua fantasia em cima da cama do próprio quarto. A ansiedade para que aquele momento chegasse – sábado à noite, em sua casa – não havia sido em vão. Sua reação atraiu a atenção de Alex e Oliver, que analisavam as próprias roupas. NACIONAIS-ACHERON
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- Qual o problema? Eu acho bem bonita. Foi a mais sensual que eu encontrei na loja! - Vampira? Fala sério. - Ela segurou a roupa nas mãos, que era constituída por uma camisa de veludo vermelho escuro com mangas largas e uma gola alta. Na parte de baixo, uma saia justa preta e botas também pretas de altura três quartos. De fato, era uma fantasia muito provocante. Adoraria vesti-la caso esse personagem em especial não a fizesse lembrar de uma festa à fantasia em especial que havia acontecido no passado. - Não acredito que você está assim por causa daquela festa. Faz tanto tempo! – Carter rolou os olhos, insensível ao nervosismo da amiga. - São lembranças incômodas! – defendeu-se Samantha, sendo sincera. - São boas lembranças, Sam. Nos divertimos muito naquela noite. - Alex entrou na discussão. Não conseguia tirar a imagem dela mesma e de David fantasiados de vampiros fracassados da mente. Não, não eram lembranças ruins. E esse era exatamente o problema. As promessas diárias que fazia a si mesma relacionadas a tentar pelo menos evitar o garoto, já que não poderia se desfazer dos seus sentimentos, estavam, naquele momento, sendo quebradas. Fantasiar-se de vampira certamente não era uma tentativa de tirar David de sua cabeça. Só que, dessa vez, podia culpar Carter. - Será que não podemos trocar? - Samantha lançou um olhar tentador para a fantasia de diabinha que Alex acariciava com um carinho exagerado. - Claro que não! Eu amei meu personagem. Tem até asas! E tinha mesmo, era uma pequena estrutura de couro vermelho que a pessoa vestia como uma mochila. Samantha fez uma careta, tentando ignorar NACIONAIS-ACHERON
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o lindo maiô de couro também vermelho nas mãos da amiga. - Carter...? - Tudo bem, era bem apelativo tentar trocar com Carter, mas ele conseguia ser bem flexível quando queria. - Você só pode estar brincando. Eu sou gay, não sou drag queen. Agora vista essa maldita roupa ou não vai entrar na festa. Tenho quatro maquiagens para fazer e temos menos de três horas. - Carter fora responsável pelo visual dos quatro Velvets, incluindo a maquiagem. O garoto sabia desenhar muito bem e conseguia, de forma incrível, expandir essa habilidade para a pele humana. - Oliver, você vai ser o primeiro porque é a maquiagem mais demorada. - Vai ficar muito lindo - Alex olhava de Carter para Oliver com uma visível ansiedade. O plano era transformar Oliver em um esqueleto humano, e, como ele havia se negado a usar uma roupa branca, iria todo de preto. - Podem assistir depois de adiantar meu trabalho e vestirem as fantasias, certo? Aproveitem e comecem a passar a base no rosto... podem arrumar o cabelo também. As duas garotas obedeceram e, em pouco mais de meia hora, estavam parcialmente prontas. Carter já havia avançado consideravelmente na maquiagem de Oliver, que parecia ter pegado no sono deitado na cama. Ambos os olhos estavam pretos e o pescoço continha um desenho perfeito que simulava ossos. Samantha acompanhou toda a segunda metade do trabalho de Carter e um pensamento discreto começou a tomar conta de sua mente. Oliver estava muito atraente com aquela maquiagem assustadora. Ele ficava lindo de qualquer jeito. - Pronto. Sam, pode arrumar o cabelo dele? É só passar gel e pentear para NACIONAIS-ACHERON
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trás. Venha, Alex. Alex jogou-se no lugar que Oliver deixou vago e o garoto acompanhou Samantha até o banheiro, na frente do quarto. - Eu sei passar gel no cabelo - murmurou ele, um sorriso cômico surgindo nos lábios. - É, mas vai ficar mal arrumado - Ela fez sinal para o garoto sentar na tampa da privada. Tirou uma grande quantidade de gel de um pote e começou a passar nos cabelos loiros dele. Tentava, a cada segundo, tentar não olhar para seu rosto maquiado. Aquela aparência demoníaca o deixava completamente irresistível. Mas, de qualquer forma, passar os dedos por entre as mechas loiras de Oliver não facilitava nada. Após um minutos, penteou, enfim, os fios, deixando-os ordenadamente para trás. Oliver levantou e se olhou no espelho. - Até que estou bonito - comentou sério. Samantha começou a rir, observando-o virar o rosto e fazer uma pose de braços cruzados. - Você está diabolicamente atraente, Oliver Lynch. Carter fez um ótimo trabalho. - Ela admirava o rosto dele pelo espelho. O garoto a olhou com um sorriso esperto. - Só não vai poder beijar ninguém hoje, se não vai estragar os dentes que ele desenhou por cima dos seus lábios. Oliver soltou uma risada pelo nariz, a boca esticando-se em um sorriso malicioso. - Vai ser bem difícil se ficar do meu lado usando essa roupa - falando isso, o garoto passou por ela e saiu do banheiro. Simples assim. Samantha encarou boquiaberta suas costas entrarem no quarto, logo depois o seguindo. Dez minutos depois, Alex estava pronta. Carter conseguiu administrar a maquiagem de Samantha e a própria em tempo recorde. Já NACIONAIS-ACHERON
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estavam um pouco atrasados. - Você ficou bem assustador, Carter. Tipo, sério. Eu vou ter pesadelos. Alex analisava as cicatrizes no rosto do amigo com repulsa. - Funcionou, então. - respondeu ele com um sorriso maníaco, olhando-se no espelho do roupeiro de Samantha. Carter era uma versão morena do boneco Chucky, usando uma réplica bem real do macacão jeans e da blusa listrada.
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CAPÍTULO 52 Não era a melhor ideia do mundo andar, à noite, vestidos daquela forma pelas ruas da cidade. Mas, como a mãe de Samantha não tinha carro, essa era a única opção. De qualquer forma, era Halloween, não era? Já havia passado da hora das crianças andarem pelas ruas pedindo doces e agora era a hora dos adolescentes. Foi inegável o momento divertido que os quatro passaram enquanto faziam o mesmo caminho de todos os dias de manhã para a West Newton. Samantha havia esquecido que Carter conseguia ser tão elétrico quando estava sob o efeito do álcool, originado dos três cantis que conseguira enfiar em sua própria fantasia. Fizera Oliver esconder mais dois, portanto estavam devidamente munidos para aquela festa sóbria. Só estavam rezando para que não fossem revistados por nenhum segurança. Por sorte, quando chegaram nos portões frontais da escola, um dos dois homens de terno pediu apenas a identidade deles e conferiu os nomes em uma prancheta. Samantha esticou o pescoço e conseguiu ver alguns estudantes um pouco mais a frente, já dentro da propriedade, entrando no prédio principal. Era possível ouvir as batidas da música mesmo do lado de fora, consideravelmente longe do ginásio esportivo. Seu estômago começou a arder com a perspectiva de estar em uma festa onde David também estaria. Era deprimente, irritante e tentador. Caminharam pelos corredores do prédio ao som das risadas estridentes de Carter e Alex, ambos já bêbados e não fazendo sentido algum. Samantha NACIONAIS-ACHERON
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identificou a primeira música da noite quando deram de cara com as portas do ginásio, escancaradas e decoradas da mesma forma que o resto do ambiente. Enquanto "Heart Of Glass" tocava em um volume bem alto, a garota começou a analisar a decoração. Rolou os olhos consigo mesma ao perceber que tudo estava impecável e incrível. Por que David tinha que ser bom em tudo? Não importava se ele não fosse o único responsável pela festa, estava envolvido e já era o suficiente. De alguma forma muito curiosa, o pessoal que organizou a decoração conseguiu pendurar tiras de papel preto no teto - que era bem alto, mas eles pareceram ter dado um jeito - formando caminhos que preenchiam boa parte do salão. O ginásio estava irreconhecível. Colocaram as fitas espalhadas pela pista de dança, que já estava lotada, criando um clima genuinamente assustador. Em uma das extremidades do lugar, havia uma grande mesa com muita comida e bebida - ponche e refrigerante, nada de álcool. O que não impediria os adolescentes de darem o seu jeito. O DJ estava posicionado no lado oposto, em uma grande mesa escura, e também estava devidamente fantasiado de morte. O quão conveniente era aquilo? A morte estava colocando o som da festa. Samantha começou, aos poucos, a sentir os olhos das pessoas sobre ela. Era um alívio saber que não conseguia reconhecer boa parte das pessoas e assim não se sentia tão constrangida. - Vou pegar um pouco de ponche, me empresta um cantil? - Samantha falou no ouvido de Carter, que rastreava o ambiente com profundo interesse. O garoto concordou e lhe entregou o cantil escuro. Ela deu um jeito de segurá-lo por entre sua capa e atravessou a pista pela lateral, onde haviam vários estudantes parados conversando encostados nas paredes ou apenas em pé, por entre os ainda inexplicáveis fios pretos. NACIONAIS-ACHERON
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Alcançou a mesa comprida e sentiu o estômago roncar. Os doces eram irresistíveis, era muito tentador esticar o braço e pegar um pedaço do bolo de chocolate decorado com a calda salpicada por granulado verde simulando um cemitério. Tinha os túmulos e tudo! Resistiu, indo até a tigela de ponche e se servindo de um pouco em um copo. Seria patético ser a única morta de fome no início da festa. Administrou o cantil, servindo um pouco da vodca no copo com o líquido vermelho. Bebeu um gole e sentiu o gosto forte da mistura, ficando satisfeita. Deu mais alguns goles, tentando parecer muito casual parada ali, sozinha. E então ela o viu. Não quis acreditar naquela coincidência. Era muito absurdo. Carter com certeza fizera de propósito. Não sabia como, mas era a única explicação. David estava vestido de uma forma humilhantemente sofisticada, usando a melhor fantasia masculina de vampiro que ela vira em toda a sua vida. A roupa era composta por uma camisa preta visivelmente caríssima e um colete escuro maravilhoso. Seu penteado puxado para trás já estava começando a se desfazer, deixando-o mais atraente do que o normal. Só podia ser uma brincadeira muito sem graça. Quais eram as chances? Os dois com o mesmo personagem? O mesmo personagem daquela noite, há mais de dois anos atrás, uma das melhores noites da sua vida? Sentiu vontade de largar tudo e ir embora ao perceber seus olhos marejarem. Pare de ser uma sentimental ridícula, Samantha. Encarou Penelope se inclinar para perto de David e lhe falar algo perto do ouvido, quase na mesma altura dele por estar usando salto alto. Sua fantasia de pirata era extremamente sensual e impecável. A ruiva estava linda, concluiu Samantha com desgosto. NACIONAIS-ACHERON
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Decidiu sair de trás daquela mesa, era patético ficar observando David enquanto bebia um ponche batizado. Passou mais tempo do que imaginava parada em frente as comidas e sentiu a primeira sensação de fracasso tomar conta de si. Observou David segurar o queixo de Penelope e lhe dar um selinho longo. Tudo bem, hora de sair dali. Fez o mesmo percurso da ida, mas quando voltou para o local onde o resto dos Velvets antes estavam viu-se sozinha. Eles haviam sumido. Rastreou o ambiente de forma minuciosa, "The Edge Of Heaven" tocava agora. Era realmente uma playlist dos anos 80 muito boa, mas seu estômago queimando de nervoso não a deixava aproveitar as músicas. E, então, seus olhos encontraram a fantasia de Alex por entre a multidão. As asas dela eram chamativas o suficiente para serem reconhecidas ao longe. Atravessou a pista de dança em direção à amiga, mas, quando aproximou-se o suficiente para que as fitas pretas e as pessoas não atrapalhassem mais sua visão, sentiu-se mais ridícula do que nunca. Alex estava conversando intimamente com ninguém mais ninguém menos do que Alfie Meadows. Sim, Alex estava parecendo muito feliz enquanto o baixista dos Walkers se inclinava e falava algo em seu ouvido. Ah, fala sério. Havia sido abandonada por sua melhor amiga no meio de uma festa perigosíssima. Alfie estava fantasiado de uma espécie de bobo da corte maligno, era uma fantasia muito bonita, metade preta e metade vermelha. Eles formavam um belo casal. Sentiu-se uma tia velha tirando conclusões óbvias. Alfie colocou a mão estrategicamente na cintura de Alex e Samantha percebeu que era hora de tentar achar outro Velvet. Aquela dali já estava bem ocupada. Começou a circular novamente, dando longos goles na bebida. LembrouNACIONAIS-ACHERON
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se de evitar o lado do salão em que havia visto David, não estava disposta a vê-lo mais uma vez naquela festa. Pareceu uma eternidade. Não conseguira encontrar nem Carter nem Oliver por um bom tempo. Talvez uma hora? Só sabia que havia desistido na metade do tempo, resolvendo sentar em uma das mesas dispostas perto da mesa de comidas e bebidas. Oh, meu Deus. Oficialmente, uma fracassada. Já estava em seu quinto ponche batizado, pelo menos conseguiu ficar com o cantil de Carter. Seria muito mais difícil passar por aquela solidão sóbria. Fixou seus olhos na pista de dança enquanto dava um tímido gole no líquido doce e, quando viu a cena, engasgou. Tossiu com dificuldade, tentando se recuperar do susto. Oliver estava dançando com uma marinheira. Estavam bem próximos e bem íntimos. Sentiu-se um pouco traída. Um pouco? Muito traída. Fala sério, de novo. Tudo bem, eles não tinham nenhum relacionamento, mas tinha a leve esperança de que Oliver ficasse com ela naquela noite. Sempre tinha essa esperança. Ele estava bonito demais para ficar com outras garotas. Assistiu à cena de forma amargurada e, quando Oliver puxou a menina desconhecida para um selinho demorado, ela levou um susto digno de Halloween. Seu tronco pulou e ela olhou para o lado assustada. David havia puxado a cadeira vazia ao lado dela e sentado. Oh, não, era tudo o que ela precisava naquele momento. - Quer que eu traga um pouco de pipoca? A cena está mais interessante do que eu esperaria, vindo do verme do Lynch. - David apoiou-se na mesa, aproximando seu corpo do de Samantha. - Como está se sentindo? Seu capacho se divertindo sem você... deve ser horrível. - Cale a boca, ele não é meu capacho. Quer me deixar sozinha? Você não NACIONAIS-ACHERON
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tem uma festa para administrar? - Nossa, Samantha... eu achei que você podia ficar um pouco mais leve depois de alguns goles de ponche batizado. - Ele olhou com um sorriso irônico para o cantil no colo dela. - Sua fantasia é muito bonita, aliás. Ele também lembrava. Samantha virou a cabeça para encará-lo por um segundo e percebeu, em seus olhos, que ele também lembrava da noite em que se vestiram de vampiros horrorosos e se divertiram. - A sua também. - murmurou, contrariada. Ele abriu um sorriso lindo e apoiou a cabeça na mão, o cotovelo na mesa. "Footloose" começou a tocar e ela sentiu seu ânimo subir um pouco. Estava, de fato, em uma situação ridícula, mas David estava ali, de qualquer forma. As últimas semanas em que ele havia se mantido distante e a pequena discussão no Walsh não foram o suficiente para ele evitá-la para sempre. O garoto desviou os olhos do rosto dela e voltou a observar o ambiente. Samantha fez o mesmo, achando muito estranho estar sentada em uma mesa com David de forma amigável. Mas não podia negar que a sensação era ótima. Os dois viram a cena seguinte ao mesmo tempo. - Jesus... - ouviu David murmurar, ela mesma não conseguia pronunciar nenhuma palavra. Era muito chocante. A cena mais chocante do ano, provavelmente. Carter parou de beijar Jack Trevino, dando um passo para trás. O companheiro de banda de David falou algo, o fazendo rir. - Jack é gay? - Samantha conseguiu falar, recuperando o fôlego. E, então, viu algo que antes não tinha percebido. Havia uma garota com eles, bem NACIONAIS-ACHERON
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próxima de Jack. Estava fantasiada com uma roupa steampunk muito bonita, ela tinha os cabelos curtos, um corte masculino que combinava com seu rosto delicado. "West End Girls" tocava, fazendo parte daquela cena curiosa. Ela ria junto com eles e, então, puxou Jack para um beijo e agarrou Carter pelo macacão. Era um beijo triplo. - Isso responde sua pergunta? - falou David com um sorriso. - Eu acho que sim. - Lavinia é a namorada dele. Se conheceram há pouco tempo, desde então não se desgrudam. Ela é bem divertida. Foi com ela que ele descobriu seu interesse por homens também. Eu sempre desconfiei, na verdade... Jack sempre seguiu uma linha de prazer completo, se é que você me entende. Às vezes soltava umas frases que envolviam aproveitar a vida e os prazeres o máximo possível. - Eu nunca imaginaria. Talvez Carter já estivesse dando em cima dele há dias e eu nem percebi. - Provavelmente. - concordou David, se encostando na cadeira. - Passei por Alex e Alfie se agarrando em uma parede há poucos minutos. O que tem a dizer sobre isso, senhorita Hollow? Ele a encarava com um sorriso de canto, sentado de forma displicente com os braços cruzados. Samantha quis que aquele momento durasse para sempre. Mas sabia que não duraria. - Parece que os Velvets e os Walkers estão se dando muito bem, tirando a gente. - resmungou irônica em resposta, apoiando o queixo na mão e o cotovelo na mesa. O observava de volta, analisando cada detalhe do rosto bonito de David. - Isso só depende de você. - falou ele em um tom mais baixo. NACIONAIS-ACHERON
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Desencostou-se da cadeira e aproximou o tronco, chegando com seu rosto muito perto do dela. - Até quando vai fingir que ainda não é apaixonada por mim? Samantha arregalou os olhos e o encarou boquiaberta. Parou de apoiar o queixo com a mão e se ajeitou na cadeira, afastando-se dele. - Quem te disse que eu alguma vez fui apaixonada por você? – Estreitou os olhos e deu uma olhada em volta, um pouco envergonhada. Aquilo fez David abrir um sorriso convencido. - Você, quando perdeu a virgindade comigo. Falou que me amava. Se você esqueceu, lamento muito, pois eu lembro de tudo naquela tarde. A garota quis se enterrar no gramado do campo de futebol. Era óbvio que lembrava daquele dia, de todos os detalhes e da forma como havia se declarado para ele. - Você disse que me amava de volta, esqueceu desse detalhe. - Ela desviou os olhos dele e voltou a encarar a pista de dança, engolindo em seco. - Não esqueci e não finjo que não sou apaixonado por você. Quem está negando as coisas aqui é você, não eu. Oh, meu Deus. Ohh meu Deus. Todo o seu corpo ficou rígido e ela sentiu o ambiente girar. Havia ouvido direito? O peito subia e descia sem pausas, estava difícil encontrar oxigênio. Engoliu em seco duas vezes, processando a informação. E, então, o escândalo tomou conta de sua mente, assim como a conversa que teve com sua mãe. Respirou fundo, diminuindo a frequência das inspirações, e obrigou-se a colocar as emoções em segundo plano. NACIONAIS-ACHERON
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- Me ama tanto que espalhou nossa intimidade por toda a escola. Bela forma de demonstrar isso, David. – falou, sem tirar os olhos da pista. Não queria ver a reação dele. Não queria mais olhar em seu rosto. Levou o segundo susto da noite. David levantou-se, arrastando a cadeira de forma violenta, e se afastou num piscar de olhos. Samantha acompanhou seu corpo desaparecer pela pista de dança e sentiu os olhos marejados pela segunda vez na noite. Ele havia acabado de assumir que ainda era apaixonado por ela e o máximo que ela conseguia fazer era falar sobre o escândalo. Não, não podia se culpar. Ele estava tentando se aproximar dela novamente e repetir a dose, era isso. Fazê-la passar vergonha em público de novo, agora com um contexto bem mais conveniente. Levantou-se da cadeira também, muito irritada e decidida a procurar Oliver. David conseguia estragar qualquer coisa, era incrível. Um verdadeiro talento. Não precisou circular muito para avistar o garoto parado, mexendo no celular perto de uma das paredes laterais. Segurava um copo e o bebericava de vez em quando com tranquilidade. Samantha parou na sua frente e, na verdade, não tinha muito o que falar. Ele estava atraente e ela gostava muito de Oliver, mas sabia que o que a havia movido até ali era a já tão conhecida raiva que sentia de David. O garoto levantou os olhos e sorriu de canto, guardando o celular no bolso. Ela podia sentir a coragem crescer dentro de si, sendo empurrada pela grande quantidade de álcool que havia ingerido naquela noite. E, então, fez a última coisa que imaginaria fazer na vida. Grudou Oliver sem nem mesmo ponderar. Ele deixou o copo cair no chão, NACIONAIS-ACHERON
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sorte que a bebida já estava no final. Empurrou o garoto com força contra a parede enquanto ele a abraçava pela cintura. A vingança até que era boa quando você não está sóbria para refletir sobre as consequências. "Sweet Dreams (Are Made Of This)" tocava, estranhamente conveniente com o momento entorpecente que era beijar Oliver com tanto fervor. Sentiu a mão do garoto em sua coxa descoberta e sorriu, sem interromper o beijo. Durou provavelmente uns três minutos, até Oliver afastar o rosto e olhar fixamente para um ponto atrás dela. Seus olhos estavam um pouco arregalados, fazendo Samantha virar-se para ver o que estava acontecendo. Era David. Não era isso que você queria, Samantha? O garoto estava caminhando na direção dos dois com um sorriso assustador. Ele estava com raiva. Samantha conseguia perceber isso apenas por seus olhos, que faiscavam mesmo na penumbra. Só conseguiu soltar Oliver e empurrar David com força para longe deles. - Pare com isso, seu idiota. Sai daqui. - Eu estou com vontade de fazer isso há muito tempo. - Samantha o empurrou com força mais uma vez, fazendo-o se afastar um passo. - Não percebe que está sendo inconveniente? Eu não quero você, David, me deixa em paz! - David desviou os olhos de Oliver, que o encarava com um meio sorriso. Abaixou o rosto para Samantha. - Me esquece, por favor. Sai daqui. - Ela deixou as palavras escorrerem por seus lábios enquanto os olhos de David a pressionavam. O garoto fez uma expressão de repulsa e deu meia volta, se afastando em NACIONAIS-ACHERON
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direção a saída do ginásio. As lágrimas já escorriam livremente pelo rosto da garota, que não se importou com o pequeno público que assistia a cena. Ao contrário do que seria o esperado naquele tipo de situação, ela foi induzida pela emoção, que pisou em cima de sua razão. Quando percebeu, já estava fora do ginásio também.
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CAPÍTULO 53 No início, a pele era castigada pelas inesperadas correntes de vento gelado, mas logo a umidade das grossas lágrimas aliviou aquele doloroso choque. O álcool contrabandeado por Carter e Alex não era o suficiente para ser responsável por suas escolhas naquela noite. Ela sabia muito bem o que estava fazendo. Não iria jogar a culpa na bebida no dia seguinte, principalmente porque precisava fazer aquilo e lembrar-se de cada palavra depois. Seguiu os passos de David mantendo uma distância considerável do garoto, como uma perseguição discreta no trânsito. Ele atravessou o gramado interno que separava o ginásio de esportes do campo externo de futebol e Samantha aguardou-o se afastar o suficiente para não ouvir os passos de suas botas no piso de pedras. Quando finalmente foi sua vez de cruzar a grande área até o outro lado, percebeu que ele havia se direcionado para as arquibancadas laterais, mas não fez menção de subir e sentar nelas. David deu a volta e parou por um momento na frente da estrutura de canos que sustentava os bancos, tirando do bolso um maço de cigarros e um isqueiro. Acendeu um e tragou demoradamente antes de sentar-se no único cano horizontal que abrangia toda a extensão da arquibancada. Logo à sua frente localizavam-se as estufas que faziam parte das aulas práticas de biologia, circundadas por algumas árvores e um belo jardim. Ele pareceu observá-las, mal iluminadas pelos postes de luz do campo de futebol. E, então, antes de Samantha tomar coragem e continuar caminhando até ele, percebeu que o garoto secou um dos lados do rosto com a mão. NACIONAIS-ACHERON
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Tudo bem, havia chegado a hora de acabar com aquela angústia. Os passos foram abafados pela grama embaixo de seus pés até ela atingir uma distância em que poderia ser ouvida. David não percebeu sua presença imediatamente, levou alguns segundos para virar a cabeça devagar na direção dela. Ele fungou, tragando o cigarro mais uma vez, e voltou a encarar as belas estufas. - Vai pegar um resfriado - murmurou ele com a voz um pouco fanha. Samantha sentiu vontade de pisar em cima de seu orgulho e abraçá-lo de uma vez. Era horrível vê-lo chorando. Nunca havia visto David Young naquela situação e poderia concluir que não era nada agradável. Ele limpou o rosto mais uma vez, agora com as costas da mão que segurava o cigarro. A garota pigarreou, desconfortável por observá-lo chorando, antes de falar. - David, eu... - A voz era falha e desequilibrada. Ela sabia que dessa vez não iria conseguir ser forte. Hesitaria antes, durante e depois de cada palavra que pronunciasse. Ele não a olhou, então ela decidiu continuar. - Eu quero acreditar em você. David olhou em sua direção, parecendo verdadeiramente surpreso. Seu cenho franziu sem muito esforço, como se já estivesse um pouco cansado, e seus olhos estreitaram-se da mesa forma. - É mesmo? - O tom irônico não incomodou Samantha daquela vez. Tinha problemas maiores para se preocupar. - Eu quero, mas... - Ela sentiu os olhos úmidos e o nariz ardendo em um sinal claro do avalanche iminente de lágrimas que não demoraram para começar a escorrer. Colocou a mão em cima dos olhos por um momento, NACIONAIS-ACHERON
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tentando se concentrar e fazer o choro cessar. Não conseguiria falar naquele estado, com a voz soluçante e as mãos tremendo. David aguardou pacientemente, porém imóvel. Quando ela voltou a encará-lo, notou que o garoto estava olhando para o lado oposto ao dela. - É difícil para mim. Ele demorou alguns segundos para olhá-la mas, quando o fez, estava respirando com mais dificuldade do que antes. - Por quê? - perguntou, a sinceridade transparecendo em sua voz. Samantha deu dois pequenos passos, aproximando-se dele. Não fizeram muita diferença, mas era um início. - Você sabe porque eu fui embora e não lhe dei uma chance? - Ela respondeu com outro questionamento. - Tenho minhas teorias, mas seria um prazer ouvir a verdade. Ela suspirou, cruzando os braços em um abraço individual. - Porque eu tive medo. - A voz de Samantha estava extremamente baixa agora, ele precisava se esforçar para ouvir. - O meu maior medo havia se concretizado, você entende? - Não, eu não entendo, Samantha. Me desculpe. - David, você... você era a pessoa mais importante para mim. Estava sempre em primeiro lugar nos meus pensamentos, nas minhas decisões... Era muito difícil eu tomar qualquer decisão sem antes lhe consultar ou pensar no que você iria achar. E, de repente... aconteceu o que eu mais temia. Todo o seu carinho por mim havia sido um odioso pretexto para você agir como um genuíno garoto rico e mimado. Eu achava, sinceramente, que você era diferente. Porém, quando conheci seus pais, ficou bem difícil acreditar que um garoto tão doce como você houvesse sido criado por aquelas pessoas... Minha mãe sempre me alertou sobre... a índole da maioria dos ricos. Quando NACIONAIS-ACHERON
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o escândalo aconteceu, todas as dúvidas que haviam surgido na minha cabeça depois de conhecer a sua família foram respondidas. – Ela fez uma pausa para limpar as bochechas e fungar. - Você era igual a eles, David. Igual a todos eles. Não era mais necessária nenhuma explicação do responsável pela confusão. Pareceu tão óbvio... David apagou o cigarro no cano e colocou-o próximo ao local onde estava sentado para depois recolher. E, inesperadamente, levantou-se. Samantha não conseguia premeditar sua próxima ação, agora ele era impossível de analisar. O garoto engoliu em seco, encarando o chão antes de colocar as mãos nos bolsos e se aproximar dela até que não houvesse muito entre eles. Fitou-a por um momento antes de falar. - Nunca passou pela sua cabeça que eu pudesse estar fora da porcentagem de ricos desonestos criada por sua mãe? Quer dizer, eu não discordo dela. Existe muita gente rica e desonesta. Meus pais não são nenhum exemplo de bons cidadãos, ambos beiram a sociopatia. Só que não é a sua conta bancária que vai formar seu caráter. - Ele fez uma pausa, desviando o olhar para o vazio atrás dela. - Eu não sei mais como fazer você acreditar que o David que você conheceu e que fez parte da sua vida era verdadeiro e continua bem aqui, na sua frente. Aliás, não pretendo mais tentar convencê-la de nada. Você já sabe o que eu tenho a dizer, desde aquela época continuo afirmando que não tenho nada a ver com o escândalo. Samantha não conseguia desviar o olhar do rosto do garoto. Por mais tensa que fosse a situação, observá-lo lhe transmitia uma sensação de tranquilidade. - Você sabe porque eu não pretendo mais fazer você acreditar em mim, não sabe? - Ele perguntou em um tom agora mais frio. - Acho que sim. - Ela engoliu em seco, começando a ver claramente a última discussão que os dois tiveram, no dia em que o escândalo foi NACIONAIS-ACHERON
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espalhado pela escola.
Todas as vozes em volta de Samantha haviam, por breves segundos, se silenciado. A boca de Alex se movimentava em uma velocidade muito menor do que a real. Carter ainda estava com a cabeça abaixada, olhando seu celular, a mão que o segurava tremia levemente com o choque da informação. O corredor, lotado de alunos que já começavam a se encaminhar para a cantina, parou completamente. Quando as vozes começaram a ser ouvidas novamente pela garota, ela o viu. David tentava passar pelas pessoas, as empurrando sem nenhuma educação. Cada um que ele encostava o olhava com um sorriso pingando malícia. Samantha começou a enxergar tudo embaçado. Nada mais era claro. Sentiu as mãos de Alex em seus ombros, a sacudindo um pouco, enquanto observava seu melhor amigo se aproximar através dos sorrisos cruéis. Faltavam alguns passos para David alcançá-la, encostada no armário do corredor. Ela desencostou-se devagar e começou a caminhar na direção oposta à dele, tentando se enfiar por entre os alunos que agora riam, com as mãos tampando as bocas em espanto. Samantha sentiu as bochechas começarem a ficar úmidas, o rosto vermelho e quente. Agora faltavam poucos passos para empurrar a grande porta da entrada do prédio principal da West Newton. Ela só queria ir para casa. Sentiu o ar gélido da rua no rosto molhado e percebeu que era resultado da temporária chuva de verão que começara mais cedo naquele dia. Ignorou, era apenas um detalhe. Precisava sair daquele lugar. Desceu as escadarias o mais rápido que conseguiu, já sentindo os NACIONAIS-ACHERON
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primeiros pingos de chuva tocarem sua pele quente. O horário de almoço havia acabado de começar e, como estava chovendo, ninguém se encontrava no gramado frontal da escola. Estava na metade do caminho quando sentiu seu braço ser puxado para trás, fazendo-a parar de caminhar. Samantha virou o rosto para e o viu, ofegante, os olhos lívidos através dos óculos. Tentou se desvencilhar, puxando o braço, mas não conseguiu. A frequência das lágrimas escorrendo aumentou, assim como seus soluços. - COMO VOCÊ PODE FAZER ISSO COMIGO? - gritou, quase estourando os pulmões, sua voz ecoando no pátio vazio. Ele não soltava o braço dela de jeito nenhum. - Me solta, droga! - Não fui eu, Sam. Eu não fiz aquilo. Por favor, eu não sei o que está acontecendo. Samantha empurrou-o pelo peito, mas mesmo assim ele não soltou a garota. Pelo contrário, segurou seu outro braço, mantendo-a de frente para ele. A chuva havia aumentado consideravelmente agora. Ela começou a se mexer bruscamente, tentando controlar os soluços. - ME SOLTA, DAVID! Como... você é a pior pessoa que eu conheci em toda a minha vida. O que você fez, David? Olha o que você fez! - Por favor, acredite em mim. Eu não tenho nada a ver com aquilo. - Você acabou de destruir a minha vida! QUEM É VOCÊ, DAVID? Como pode fazer isso comigo? Eu não quero olhar nunca mais para você, nunca mais. Os óculos do garoto começaram a ficar molhados a ponto de atrapalhar sua visão, então ele a soltou com uma das mãos e os tirou do rosto, guardando no bolso. Ela aproveitou para se desvencilhar completamente e NACIONAIS-ACHERON
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continuar seu caminho até a saída. - Samantha! Por favor, você precisa acreditar em mim. A garota parou de andar e se virou novamente, agora mantendo certa distância. - Desculpe, o que disse? Seu mentiroso de merda! Não tem chance nenhuma de ter sido outra pessoa! ESTAVÁMOS SOZINHOS! SEU IDIOTA! Você é um miserável, David Young. Nunca achei que ia chegar a odiar tanto uma pessoa a ponto de querer que ela morra! David demorou para responder. Samantha percebeu que havia exagerado, mas não retirou o que acabara de gritar. Seu choro aumentou e ele suspirou, passando a mão no rosto molhado pela chuva. Os olhos do garoto começaram a ficar vermelhos. - Você não está falando sério. - Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida, seu idiota. Não entendeu? Eu repito! Morra, David, morra! Ninguém vai sentir sua falta! - Como você pode desejar isso a alguém? - A voz dele estava baixa e receosa. - Não é qualquer um, é você. Eu quero que você morra! Samantha percebeu que as gotas que agora escorriam do rosto de David não eram provenientes da chuva. Sentiu-se um pouco melhor ao vislumbrar o garoto completamente acabado antes de se virar e ir embora.
A última imagem dele gravada em sua mente, que a assombrou durante aqueles dois anos de hiatos, foi o garoto chocado, com os olhos muito vermelhos. Odiava aquela lembrança. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu estava na sua frente, implorando para que acreditasse em mim... - Os olhos de David ainda encontravam-se perdidos na escuridão atrás dela. - Seu melhor amigo, Samantha. Eu nunca fiz nada para machucá-la, sempre fiquei do seu lado em todos os momentos... bastou um desentendimento para você desejar que eu morresse. Espero que entenda porque não fui atrás de você depois disso. Eu amava você... e então você desejou a minha morte e foi embora sem nenhum aviso. Você me deixou sozinho, Samantha. Carregando aquela sentença horrível sem mais ninguém para conversar. Nem mesmo a minha família se importava com o que eu estava sentindo. Nunca se importaram, na verdade. Quando eu finalmente encontro alguém que se importa comigo... a pessoa não acredita em mim, fala que quer me ver morto e vai embora em frente a primeira dificuldade. - David agora a olhava no rosto, Samantha desistira de tentar controlar o choro, as lágrimas escorriam incessantemente. Ela nunca havia escutado esse lado dele, nunca havia entendido totalmente seu ponto de vista. - Acredite no que quiser, de verdade. Já foi insuportável ver você ir embora uma vez... não quero passar por isso de novo. A colisão de sensações naquele momento era indecifrável. Samantha sabia que estava nervosa, ressentida, sentindo-se culpada mas ainda assim traída. Porém, simultaneamente, sentia-se tão bem perto dele... era como se ela devesse estar ali, e em mais nenhum lugar. Nunca mais. - Então por que você me procurou na clareira? - Ela não hesitou, estava curiosa para saber. Se ele não queria sofrer de novo, porque a procurara? David esperava que ela fosse ceder e esquecer de tudo? - Por que às vezes fazemos coisas que queremos mas não devemos. Sei que não vai ser saudável para mim levar um fora novamente, mas não posso controlar o que eu estou sentindo. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha fungou mais uma vez e franziu o cenho. - O que você quer dizer com isso? - Quando você foi embora, eu não estava brincando quando disse que passei por momentos ruins. Você não faz ideia, de verdade. Antes de conhecer Scott e os caras, eu fiquei praticamente abandonado em um purgatório real, sem ter para onde ir ou sem ter com quem conversar.... Não me restaram muitas opções. - O quê você fez, David? - Não vem ao caso agora. A garota percebeu os olhos de David voltarem a marejar, mas ele os fechou com força por um momento para impedir que as lágrimas caíssem. - Sabe que pode conversar comigo - Seu próprio choro intensificou, vendo-o voltar àquela posição emocionalmente vulnerável. David sorriu, encarando-a. Um sorriso vazio e desiludido. - Não mais - murmurou, sem ânimo. Samantha sentiu como se um muro despencasse em cima do seu corpo, esmagando-o, triturando-o. Era insuportável ouvir de David o que ela já sabia. Ouvir ele pronunciar, em voz alta, que as coisas não eram mais as mesmas, foi como finalmente ver o monstro que era a verdade. Ver o seu tamanho, ver sua horrenda aparência. Não podia olhá-lo... não iria aguentar mais trocar um único olhar com David após ouvi-lo verbalizar que tudo havia mudado. Doía demais. O monstro que a assombrou nas últimas semanas havia pulado das páginas de alguma história assustadora e se tornado real. Sem conseguir resistir, desviou a atenção da grama escura embaixo de NACIONAIS-ACHERON
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seus pés para o rosto dele. Foi a pior escolha daquela noite. A intensidade de seu choro atingiu proporções imensuráveis, fazendo-a virar-se de costas e colocar as mãos nos olhos, obrigando-se a parar. Sentiu, então, o toque delicado de David em seus ombros, puxando-a para trás com ambas as mãos. Ela deixou-se levar e o garoto a aninhou em seu peito, envolvendo seu corpo com os braços. Samantha enterrou o rosto em sua camisa, odiando-se por ser tão transparente e sensível. David acariciou sua nuca e então depositou um beijo delicado na em sua testa. Os lábios macios dele fizeram seu estômago afundar, era a primeira vez que os sentia em sua pele depois de tanto tempo. Não havia esquecido, mas a memória se dissipa com o tempo... Como o beijo dele era bom... mesmo na testa, mesmo sendo um beijo tão inocente... o toque a fazia lembrar-se de como era bom beijá-lo de verdade. David interrompeu o beijo, que durou em torno de cinco segundos. Afastou os lábios por um momento antes de encostá-los novamente na pele dela, dessa vez sem beijar. Apenas descansou ali, a respiração quente contra a pele fria de Samantha. O peito da garota começou a subir e descer com mais intensidade. Era impossível resistir aos lábios de David em seu rosto, quando não estavam contra os seus próprios. Era torturante. Afastou o rosto, interrompendo o toque, e levantou a cabeça para encará-lo. Quando ele abaixou o olhar, ela soube que dessa vez não conseguiria empurrá-lo para longe. Dessa vez não queria empurrá-lo. Ele sorriu, agora um sorriso terno, e segurou seu queixo, levantando-o mais um pouco. Samantha fechou os olhos, entregando-se ao que tanto desejara dia após dia. David encostou seus lábios delicadamente nos dela, apenas envolvendo-os de uma forma carinhosa em um selinho demorado. Ela NACIONAIS-ACHERON
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deteve-se ao lábio inferior dele, úmido, macio e confortável... era exatamente como lembrava. Como conseguiu ficar tanto tempo longe daquilo? Segurou-o pela nuca, logo depois fechando os dois braços envolta de seu pescoço. Sentiu David sorrir durante os selinhos demorados, e então ele abraçou-a completamente pela cintura. Decidiram no mesmo momento intensificar o beijo, causando um choque gostoso pelo toque de suas línguas. O beijo era lento e calmo mas muito intenso. Era profundo, interligando ambos completamente. Sabia que o fato de amá-lo influenciava no julgamento, mas podia chegar facilmente a conclusão de que os beijos dele continuavam sendo os melhores que já havia experimentado. David a acompanhava, seguindo o ritmo da garota, sem forçá-la a nada. Poderia beijá-lo sem qualquer pausa por horas seguidas. Respirar tornavase secundário quando estava em seus braços. David era tão... certo. Para ela. O garoto interrompeu o beijo e a encarou, sorrindo de canto. Ambos ofegavam e ambos estavam com os mesmos olhares apaixonados. - Eu morri todos os dias esperando por isso - murmurou ele, diminuindo o sorriso. Levou uma das mãos até o rosto da garota e acariciou sua bochecha com o polegar. - Não fale assim, Dave - Era a primeira vez que usava o apelido dele de forma sincera e carinhosa. - Me desculpe, eu não quis dizer aquilo. Estava furiosa e envergonhada. - Sam, eu entendo completamente a humilhação pela qual você passou e continua passando... - Não, você não entende - interrompeu ela, o sorriso tornando-se desanimado agora. - Nunca vai entender. - Soltou-se do abraço, dando um NACIONAIS-ACHERON
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passo para trás sem deixar de olhá-lo. - Você calou todo mundo na eliminação, estava maravilhosa lá em cima. Sendo você, sendo verdadeira consigo mesma. Eu tenho orgulho de você, por mais que não acredite nisso. - A forma como você me tratou em algumas de nossas conversas não condiz com o seu orgulho. - Falamos coisas sem pensar, você sabe bem disso... Me desculpe se a ofendi em algum momento, eu nunca quis piorar sua situação. - Como eu vou saber se você está sendo sincero, David? O garoto encarou o chão, voltando a colocar as mãos nos bolsos. - Não vai, você vai ter que confiar em mim. Samantha engoliu em seco, seu olhar perdendo-se na grama novamente. A voz de Donna sussurrou clara em seu ouvido.
Não ceda aos encantos de David outra vez, minha filha. Pessoas assim não mudam... não quero que você passe por aquilo de novo. Aquela família tem valores muito diferentes dos nossos, você sabe muito bem. Não deixe que aquele garoto a use novamente. Para eles, o dinheiro e o status vêm antes de respeito e compaixão... eles não se importam com os sentimentos dos outros. É tudo muito vazio e falsamente polido.
- Me desculpe, eu... ainda não... ainda não consigo. - murmurou, depois de alguns momentos em silêncio. Ela suspirou, obrigando seu corpo a virar de costas e sair dali. Antes de NACIONAIS-ACHERON
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dar o primeiro passo para longe de David, ouviu-o baixo e incisivo. - Não vou forçá-la a acreditar em mim, mas não espere que eu aja como se você ainda não estivesse me magoando. Nada mudou, Sam... meus sentimentos são os mesmo de dois anos atrás. - Ele fez uma pausa e então finalizou. - Pela terceira vez você está me dando as costas e indo embora. Ela fechou os olhos, apertando as pálpebras, mas continuou se afastando sem olhar para trás.
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CAPÍTULO 54 A mão macia acariciou seu rosto, limpando qualquer vestígio de tristeza que poderia estar visível. Depois, os dedos envolveram seus cachos grossos em um segundo sinal de amparo. Abriu um sorriso suave, inclinando o rosto e analisando todos os seus traços de forma atenciosa. - Ouça-me com atenção, meu amor. Talvez um dia minhas palavras lhe sejam úteis. – A mulher fixou-se nos olhos de David de uma forma confortavelmente profunda. – Não viva com pressa, aproveite cada momento de alegria junto daqueles que você ama. Dificuldades vão surgir eventualmente, não há como fugir disso. Mas saiba que da mesma forma que elas aparecem, elas também vão embora. Não se preocupe, há alguém lá em cima olhando por você. David engoliu em seco, desviando dos olhos da mulher por um momento. Eram palavras reconfortantes, mas ele não conseguia controlar suas emoções. Sentiu o rosto úmido mais uma vez. - Seja simples. Seja algo que você ame e entenda. Você pode fazer isso por mim, meu filho? O garoto não respondeu, apenas voltou a encará-la com ternura. Agora, era realmente impossível controlar seus sentimentos, que eram postos para fora através de seus olhos claros, quase transparentes de tão brilhantes pelas lágrimas. - Tudo o que você precisa está em sua alma. Olhe para dentro. Você consegue, meu querido. Sabe que tudo o que eu quero para você é que seja feliz, certo? Siga seu coração e nada mais. NACIONAIS-ACHERON
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E, num piscar de olhos, ela levantou-se e começou a se afastar até desaparecer. Durou o exato tempo no qual a fumaça dura antes de se dissipar, mas foi tempo suficiente para ele conseguir sentir sua presença completamente. Precisava abraçá-la, queria se despedir... mas ela não estava mais ali. Sentiu-se muito sozinho, abraçando o próprio tronco e encolhendo as pernas. Abriu os olhos com dificuldade e encarou o teto escuro do quarto, manchado por algumas faixas de luz do sol que escapavam pela cortina entreaberta. Sentou-se na cama e manteve a atenção no tapete por tempo considerável para interpretar aquele sonho simultaneamente bom e ruim. Havia sonhado com sua mãe. Não, não era Felicia Young no sonho. Era uma mulher desconhecida, ele nunca a vira antes. Na verdade, ele não se lembrava mais do rosto dela. Apenas podia sentir sua presença, ainda forte na mente. Foram as palavras mais reconfortantes que ouvira em toda a sua vida, oriundas de uma figura desconhecida que, supostamente, fazia o papel de sua mãe. Porém, David sabia que Felicia nunca falaria aquelas coisas para ele. Não se lembrava nem da última vez que a mulher sorrira em sua companhia. Talvez houvesse sonhado com um ideal materno, de tanto que estava precisando da mãe naquele momento. Fora tão real... quem era a mulher do sonho? Quais eram as chances de ele ter criatividade suficiente para criar uma pessoa fictícia que lhe desse conselhos? Empurrou as cobertas para o lado e levantou-se com uma lentidão proposital. Não era um bom momento para se mover rápido. Caminhou até o banheiro e observou seu reflexo especialmente amassado naquela manhã – ou seria tarde? O chuveiro chamou sua atenção através do espelho e ele chegou à conclusão de que a única solução para aquela ressaca somada à uma confusão NACIONAIS-ACHERON
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pós sonho era a água gelada em sua pele. A temperatura fria o acordou, mas suas angústias ainda estavam devidamente cravadas em sua mente inquieta. Precisava conversar com alguém sobre tudo o que estava acontecendo, e era a primeira vez na vida que sentia isso. Já passara por situações muito piores, que implorariam por serem compartilhadas com um familiar ou um amigo, mas David nunca se sentira confortável o bastante com ninguém para dividir suas preocupações e suas dúvidas. Mas, agora, a necessidade era mais forte do que ele. Era estranho, pois nunca precisara de ninguém para ampará-lo. Ou talvez nunca tivera alguém, a não ser sua irmã mais nova que era tão confusa quanto ele. As circunstâncias atuais, por algum motivo, o faziam querer ouvir algum conselho. Terminou de vestir sua roupa, um jeans escuro e uma blusa com listras horizontais azul marinho e branco de mangas compridas. Decidiu, assim que calçou os tênis, que precisava dar uma volta ao ar livre para tentar se afastar daquela necessidade. A natureza talvez ocupasse aquela figura tão ausente, pelo menos no momento atual. Voltou a entrar em seu closet e pegou um casaco cinza grosso com um capuz útil, caso começasse a garoar. Colocou o celular e a carteira no bolso, sabendo que não precisaria pegar chaves de casa por sempre haver algum empregado para abrir a porta. Desceu a grande escadaria torcendo para que não fosse interrompido até atingir as portas principais. Não que a casa fosse muito cheia, mas encontrar sua mãe ou Katrina não era uma boa ideia naquele momento. Seu pai nunca estava presente, e quando estava trocavam apenas cumprimentos impessoais. Segurou a maçaneta de vidro – um detalhe exagerado em sua opinião – e, quando estava prestes a abrir a porta, uma voz distante o fez parar o movimento. NACIONAIS-ACHERON
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- Onde pensa que vai? Felicia o observava de dentro da sala de estar localizada logo ao lado do hall. A porta estava aberta, portanto ela podia ver quem quer que passasse por ali. David virou o rosto com certo receio, por um instante considerou ignorar aquela pergunta sem fundamento e continuar seus planos. Porém, ao trocar um olhar com a mãe, sentiu toda a sua coragem esvair-se rapidamente. Felicia tinha olhos penetrantes, assustadores e dominantes. Era um olhar agudo, fazendo com que qualquer um hesitasse. - Sair – respondeu ele, engolindo em seco. Felicia levantou uma sobrancelha, mas logo depois abriu um sorriso de canto. Não era um sorriso acolhedor. - Para onde? – voltou a questioná-lo, e David percebeu que ela só estava fazendo aquilo para se divertir. - Desde quando você se interessa? – Um estranho estímulo de coragem pulsou pelo seu corpo inteiro. Felicia fechou o rosto e largou sua revista ao seu lado, no sofá em que estava sentada. Levantou-se e caminhou até o hall. - Olhe como se dirige a mim, garoto. Eu sou sua mãe e não preciso justificar meus interesses para você. - Seus interesses em relação a mim são puramente egocêntricos. Os lábios de Felicia se comprimiram em uma pequena demonstração de raiva. - Você sabe que não passou de sua obrigação a vitória de sexta-feira, não é? David não se alterou. Passara por aquela conversa milhares de vezes, já estava acostumado com as cobranças. NACIONAIS-ACHERON
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- Como eu poderia esquecer? Sua obsessão por perfeição lhe faz mais louca do que já é. Aconteceu tão rápido que ele não percebeu imediatamente. A ardência na bochecha após o tapa foi o que o fez perceber o que Felicia havia acabado de fazer. Sentiu uma dor em um local em especial e, quando passou os dedos pela pele próxima a boca, sentiu algo úmido. Os anéis da mulher abriram um corte no rosto do filho. - Você sempre foi um tremendo desapontamento, David. Não sabia fazer nada direito, e quando sabia não era o que interessava. Levou mais tempo do que as crianças normais para aprender a falar, andar ou até mesmo comer sozinho. Agora que você realmente faz algo bem, eu não vou admitir que fracasse. Eu estou lhe avisando, garoto, se alguma coisa não sair como eu espero nessa competição, vou destruir a sua vida. David limpou o sangue do rosto mais uma vez enquanto olhava para baixo, o chão lhe parecia muito mais acolhedor do que o rosto de Felicia. - Entendeu? Eu sei que preciso repetir isso frequentemente, ainda mais agora que aquela vagabunda voltou e resolveu entrar na competição também. Se você terminar com Penelope ou apenas trair ela a ponto de todos ficarem sabendo... – A mulher não precisou terminar a frase para que ele soubesse o que aconteceria. – Espero que você consiga pelo menos isso, já que é uma negação em todo o resto. – David continuou encarando o chão perfeitamente limpo de mármore. – Me responda. - Entendi – A voz era mais baixa do que esperava que fosse. - O que você entendeu? - Vou seguir suas instruções. - É melhor que siga mesmo. NACIONAIS-ACHERON
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Felicia deu as costas para o garoto e bateu com força a porta da sala de estar atrás de si. Uma lágrima indesejada escorreu pelo rosto de David antes que ele pudesse sair da casa, atravessar o vasto jardim e se dirigir até a calçada da rua. Decidiu mudar brutalmente seu destino naquela tarde de domingo.
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CAPÍTULO 55 A primeira gota concretizou seus receios e ele levantou o capuz com certa impaciência. Quase nunca caminhava ao ar livre na cidade grande, sempre se deslocava com algum carro da família, e justo quando decide usar as próprias pernas... começa a chover. Sabia que havia algum ponto de metrô pelo bairro, mas não sabia exatamente onde. Precisou perguntar a localização para duas pessoas, e, quando desceu até a estação subterrânea, pediu uma última informação sobre qual linha pegar para chegar onde queria. Odiava não saber se virar sozinho em certas situações banais, mas o fato era que sempre tinha um motorista para levá-lo a algum lugar e, como ainda não havia conseguido tirar a carteira de motorista, – outro motivo para Felicia Young jogar acusações de inutilidade na cara dele – ainda não havia surgido a necessidade de se orientar pela cidade. Ora, ele tinha apenas dezessete anos e era rico, que adolescente com essas condições precisava saber se orientar? Sentiu muita vergonha, pensando em como Samantha ou Oliver deveriam conseguir se orientar muito bem pela cidade inteira. Pelo fato de serem pobres, precisavam andar de metrô, portanto sabiam todas as direções. Por um momento, concordou com Felicia. Era mesmo um garoto um tanto inútil, mas não fora culpa dela mesma que sempre disponibilizara empregados para fazerem as coisas por ele? Não fora ela que empurrara todas as próprias responsabilidades nas mãos de pessoas que não tinham nenhum laço com David? Em qual dimensão Felicia Young teria paciência de ensinar ela mesma algo ao filho? Quando que o pai teria tempo de ensiná-lo a dirigir e fazê-lo aprender a decorar as ruas e os caminhos pela cidade? NACIONAIS-ACHERON
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Não gostava de jogar a culpa nos outros, sempre soube assumir o que fazia, mas naquela situação precisava concordar consigo mesmo. Os pais nunca lhe impuseram desafios saudáveis para que ele precisasse se virar sozinho e aprender com seus erros. Era tudo muito fácil. Tudo, menos conseguir a atenção dos pais. Jogou-se no primeiro banco vazio que enxergou após entrar no vagão do metrô. Tirou o capuz e cruzou os braços, esticando as pernas de forma displicente. O casal emitindo risadinhas mais para o fundo começou a irritá-lo depois de dois minutos de percurso, então David tirou os fones de ouvido do bolso e os conectou ao seu celular, deixando a primeira música do modo aleatório tocar. “You Can’t Always Get What You Want” se adequou bem demais à sua situação deprimente. Ele tinha tudo, menos o amor da família, e provavelmente nunca teria isso. Era melhor se conformar do que ficar lamentando pelos cantos. Ou, se não conseguia se conformar, era melhor tentar se distrair. E era exatamente isso que ele estava prestes a fazer. ✖✖✖ - Ora, ora, ora... David Young na soleira de minha porta. Há quanto tempo isso não acontece? Lavinia Constantine o analisou de cima a baixo apoiada no batente rachado da casa estreita. Usava uma blusa extremamente curta e uma calça jeans surrada, que não parecia ser lavada há um bom tempo. Seu cabelo curto estava desgrenhado, o pescoço a mostra revelava diversas marcas que variavam entre vermelho e roxo. NACIONAIS-ACHERON
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Ela tragou o cigarro que pendia preguiçosamente por entre seu dedo indicador e seu dedo médio, um sorriso malicioso acompanhava toda a situação. O fato de Lavinia estar usando mangas curtas e sua barriga estar descoberta em um dia tão frio como aquele explicava muita coisa para David. Na verdade, ele não esperava que fosse diferente. - O que fez o príncipe deixar seu castelo e decidir visitar os plebeus? David revirou os olhos, retirando o capuz úmido da cabeça. Passou por ela sem a mínima vontade de se explicar, fazendo a garota aumentar seu sorriso. Ela bateu a porta atrás de si, facilitando a propagação do pesado som que era tocado no andar de baixo. - O de sempre, Young? Ou vai querer passar para o próximo nível? - O de sempre. – resmungou David, andando até o final da sala sem olhar para trás para responder a pergunta. Desceu as escadas, sendo seguido por Lavinia. O porão estava nebuloso e mal iluminado, abrigando por volta de cinco pessoas que ele não conseguia reconhecer. Ah, não, uma delas ele conhecia muito bem... Jack Trevino estava sentado no chão, de frente para a mesa de centro da sala improvisada. David observou o garoto inspirar com avidez através do canudo de papel e a vontade de fazer o mesmo cresceu dentro de si. Sentou ao lado do amigo e aguardou ele se recuperar. - David... – Jack murmurou, apertando o nariz por entre os dedos. Empurrou a bandeja que continha algumas carreiras da droga para longe, os olhos lacrimejando. – O que está fazendo? Não deveria estar aqui... Ele ignorou o amigo e tirou o canudo das mãos dele, puxando a bandeja para si e fazendo o mesmo. Não sentia aquela ardência fazia um bom tempo. No início, era incômodo, mas agora era viciante. NACIONAIS-ACHERON
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Lavinia estava parada de braços cruzados no meio do ambiente, observando a cena com interesse. Trocou um rápido olhar com Jack, que não parecia estar concordando com a presença do amigo no local, mas o efeito já se manifestava por seu corpo e ele não deu nenhuma continuidade às suas preocupações. Levantou-se do chão e se afastou, saindo do campo de visão de David. A sensação de poder e energia renovada era tão intensa que ele poderia ser capaz de repetir aquilo para sempre. Nem soube como aguentou ficar tanto tempo sem usar, depois que você experimenta pelas primeiras vezes e vê as coisas finalmente mudando é difícil se desfazer da vontade. Afastar-se daquela realidade injusta e áspera parecia tão certo, tão adequado... um novo David estava surgindo, muito mais corajoso para conseguir enfrentar qualquer mãe louca e insensível. Poderia sair porta a fora e falar tudo o que estava preso dentro da sua mente, despejar seu descontentamento na cara de Felicia. Espera... para que se dar ao trabalho? O sofá estava se mostrando mais confortável agora, como mãos quentes e acolhedoras o abraçando. Seus lábios começaram a relaxar, se abrindo em um comprido sorriso prazeroso. A música alta era deliciosa, penetrando em cada veia de seu corpo, o fazendo mudar aos poucos. Física e psicologicamente, a mudança era um pouco nebulosa, mas a cada novo minuto era mais viciante. Ele queria sentir de novo, e de novo, e de novo. Seu coração acelerado o fazia ofegar, sentindo um prazer diferente de todos os outros que normalmente tinha com alguma garota na cama. Ouviu por entre a música a risada alta de Lavinia bem ao seu lado. David não fazia ideia do motivo, mas riu junto. O prazer era divertido. Ficou atirado no sofá por um tempo, talvez muitos minutos, sorrindo enquanto sentia aquele prazer NACIONAIS-ACHERON
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incomparável tomar conta de seu corpo. Os lábios de Lavinia em seu pescoço eram macios, e por algum motivo estavam frios, fazendo-o se encolher e causando risadas esporádicas na menina. Através da sala esfumaçada conseguiu ver Jack de pé, encostado languidamente em uma das paredes, de olhos fechados e um largo sorriso no rosto. A mão de Lavinia escorregou para o meio de suas pernas e ele a empurrou de leve, mas era tão bom... por que impedir uma sensação tão boa como aquela? Não era como se eles nunca tivessem feito nada do tipo. Porém, a imagem de Samantha surgiu inebriante exatamente no meio do ambiente. David empurrou Lavinia mais uma vez, fazendo a garota desistir completamente das tentativas e se levantar, caminhando para longe de forma um tanto cambaleante. Começou a dançar cheia de energia perto do som, girando sem parar. O garoto desviou o olhar para longe dela. Agora, Samantha o olhava com preocupação, deixando o garoto confuso. O que ela estava fazendo ali? Fechou os olhos, odiando ver a garota que amava assisti-lo naquela situação. Sentiu uma lágrima escorrer pela têmpora, estava praticamente deitado no sofá surrado de Lavinia. A euforia começou a diminuir depois de meia hora do efeito enérgico. A sensação deliciosamente prazerosa estava indo embora, e era muito complicado tentar esquecer Samantha quando tinha a impressão de que ela estava no ambiente. A tentativa de levantar o tronco e sentar foi inútil, era como se um grande peso o empurrasse para baixo. - Se você quer fazer isso consigo mesma, não envolva ele! Você é patética, garota! Ah, não encosta em mim! Penelope agora estava fazendo parte de seu delírio sem sentido? Ora, não duvidaria nem um pouco disso. Mas a voz era tão real... dessa vez era realmente muito real. NACIONAIS-ACHERON
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- Relaxe, sua magrela! Por que não experimenta? - Cale a boca, Lavinia, sai de perto dela. Hmm... Scott também havia brotado no ambiente. Todas as pessoas que David conhecia iriam gritar em seus ouvidos agora? Conseguiu se inclinar um pouco, olhando em volta com os olhos espremidos. - David! – Penelope correu em sua direção, empurrando Lavinia com força para longe. – Como está se sentindo? – A garota havia sentado do seu lado e segurava seu rosto, virando-o para sua direção. - Estou bem – murmurou, respirando de forma ofegante. - Mas que droga, Jack! Ele tinha conseguido ficar sem usar por quase três meses, por que você deixou ele entrar? – Scott gritava muito alto, sua voz abafava as batidas pesadas da música eletrônica que tocava na sala. - Eu nem vi ele chegar! Pare de jogar as culpas em mim, sempre sou o culpado de tudo entre a gente! - Por que você veio aqui, Dave? – Penelope afastou um dos cachos da testa de David, que agora conseguira sentar, sentindo o efeito da droga passar um pouco. Seu coração já batia em um ritmo controlado agora. – Podia ter acontecido algo muito pior. Sabe que não é sempre que você reage de forma mais controlada. David virou o rosto para que Penelope visse o corte que Felicia deixou no rosto dele. A garota arregalou os olhos. - Quem fez isso? – precisou elevar o tom de voz para conseguir ser ouvida. – Mas que inferno, vamos embora. Penelope levantou e puxou o garoto delicadamente pelo braço. Olhou para Scott, que ainda discutia com Jack. NACIONAIS-ACHERON
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- Se eu fosse você eu ia embora com a gente, Jack, sinceramente... olha pra esse lugar. – Scott olhou em volta por um momento, demonstrando nojo, depois olhou para Lavinia. - Calma aí, cara, é a minha casa. - Exatamente, poderia limpar de vez em quando, não acha? - Se vocês querem mandar na vida do David e ele deixa vocês fazerem isso, o problema é de vocês. Eu vou ficar onde eu quiser. - Jack... – Scott estava pronto para dar um pequeno discurso sobre como Jack não conseguia mais definir o que era certo e o que era errado, mas o som alto o fez fechar os olhos e respirar fundo. – Tudo bem, não vou entrar nessa discussão de novo. Sabe onde nos encontrar. - Beleza. – murmurou Jack, sem encarar o rosto do amigo. - Sabe que não está apenas arruinando a si mesmo, mas levando os Walkers com você, certo? – Ele não conseguiu dar as costas ao garoto sem sussurrar essa última conclusão. - Deixa de frescura, Scott. Pelo amor de Deus, você está falando como se eu estivesse na merda. - Não está muito longe disso. - Ah, cara, na boa, eu não quero brigar com você. Vai embora. Scott estreitou os olhos, tentando controlar a raiva. Penelope já havia subido as escadas do porão da casa com David e ele não prorrogou sua saída por mais nenhum minuto.
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CAPÍTULO 56 O saleiro caiu com um barulho incômodo e David juntou rapidamente, logo depois abraçando o próprio tronco. Nem seu casaco grosso estava dando conta do frio dentro daquela lanchonete aleatória para onde havia sido arrastado pelos dois amigos, que o encaravam do outro lado da mesa com olhares preocupados. Ficaram em silêncio por uns bons dez minutos até alguém resolver se pronunciar. - Como está se sentindo? – Penelope estendeu a mão por cima da mesa e segurou a mão de David, que agora estava apoiada casualmente por ali. - Estou bem, já falei trinta vezes no carro. Por que estamos aqui? - Achamos que se comesse ou tomasse alguma coisa fosse se sentir melhor. - Eu disse que estava bem. E comida não cura nada. - Você me pareceu bem depressivo no carro, um prato de batatas fritas resolve pelo menos um pouco. – Scott falou, arrancando um sorriso do amigo. – Não vai nos falar o que o levou a ter aquela recaída? - Foi Felicia, não foi? – Penelope estreitou os olhos, encarando o machucado novamente, “Misty Blue” de Ella Fitzgerald tocava no ambiente, deixando tudo um pouco mais calmo. David encarou o senhor que passava um pano no balcão cantarolando a música de olhos fechados. Sorriu novamente. Alguns simples detalhes o faziam se sentir um pouco melhor. - Sim – respondeu, voltando sua atenção para os dois. – Chamei-a de louca e ela não resistiu à tentação. NACIONAIS-ACHERON
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Scott engoliu em seco e Penelope suspirou, fazendo uma expressão de profunda piedade antes de falar: - Já pensei sobre isso milhares de vezes. O fato de que você não pode se submeter às loucuras daquela mulher sempre toma o primeiro lugar na minha mente. E se você simplesmente desistir desse plano interesseiro, o que pode acontecer? - Ela vai dar um jeito de desclassificar a gente. E, não tenho a menor dúvida, vai dar um jeito de causar minha expulsão também. Vocês não conhecem Felicia Young como eu conheço. Penelope encarou a mesa de forma desolada, relaxando os ombros por um momento. Scott olhou para a garota e a abraçou de lado, fazendo com que ela se aninhasse em seu peito. Deu, então, um beijo no topo de sua cabeça. - Me desculpem, de verdade. Eu não vejo outra saída. – David sentiu uma repentina vontade de chorar. Era horrível ser o responsável pela separação de seus dois melhores amigos. Scott sempre fora apaixonado por Penelope, desde quando David o conheceu. Quando o amigo ficou pela primeira vez com a garota, sabia que havia algo mais intenso entre eles. Nunca assumiram um namoro oficial, mas ficavam juntos quando podiam. E, então, Felicia Young descobriu que Penelope Woods era filha de um dos diretores de marketing da City Records, e essa descoberta aconteceu simultaneamente com a notícia da mudança estrutural da Batalha das Bandas. Foi questão de tempo para que a mulher obrigasse o filho a namorar a garota, influenciando assim a família Woods e criando laços com alguém de dentro da gravadora. Era óbvio que aquela relação facilitaria a vitória dos Walkers, e David passou a conhecer algumas pessoas da organização do programa em jantares arranjados, realizando o desejo da mãe. Porém, ele não era capaz de tal crueldade com Scott. Não poderia NACIONAIS-ACHERON
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simplesmente começar a namorar a garota por quem seu melhor amigo era apaixonado, e também não seria capaz de enganar a menina dessa forma. Então contou toda a verdade para os dois, explicando em detalhes a insanidade da mãe. Se não simulasse um namoro perfeito com a menina, os Walkers estavam comprometidos pela loucura de Felicia, que era obcecada pela perfeição a ponto de ameaçar a banda do filho caso a vitória deles não fosse garantida. Depois de dias de discussão, os três concordaram em seguir com o plano. Em público e na frente das famílias, David e Penelope seriam um casal harmônico. Era óbvio que Felicia nunca saberia que ela mesma estava sendo enganada, a mulher era mais uma que acreditava no namoro do filho. Penelope era realmente muito boa na atuação, e a proximidade dela e de David acabou gerando uma grande amizade. - É tão injusto. – Scott encarava um ponto fixo em cima da mesa. – Ela não pode tratar você assim, é a sua mãe! Como alguém pode fazer isso com o próprio filho? Você é um boneco nas mãos dela, David. Uma simples peça da loucura dela. - O que quer que eu faça? Não sou maior de idade, sou sustentado pelos meus pais, sou totalmente vulnerável. Não posso fazer um motim dentro de casa. Ela iria fazer com que fôssemos desclassificados e iria me colocar na sarjeta. E tem Katrina... não posso deixar ela sozinha com aquelas pessoas. - Vocês podiam morar comigo. Já falei isso uma centena de vezes. – Scott sempre tentava encontrar alguma saída para a situação deplorável de David, e essa era uma das principais. - Se fosse simples assim... eles são legalmente meus responsáveis até eu ser maior de idade. Não adianta nada. Scott ficou em silêncio, não tendo como rebater aquela triste verdade. NACIONAIS-ACHERON
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- Não vão querer nada, crianças? – O senhor que limpava o balcão da lanchonete estava agora parado na frente da mesa em que os três estavam sentados. – Talvez um sanduíche de peru para matar a fome? Margareth faz um sanduíche muito bom, sabem, sempre recomendo para os jovens. Os três o observavam com um sorriso de canto. Era impossível não sorrir com a simpatia e boa vontade dele. - Nos traga três, por favor! E refrigerantes para acompanhar. – Scott falou, sem ser interrompido por ninguém. Já era quase noite e a fome já havia começado a surgir, de fato. O velhinho ficou extremamente satisfeito, tirando um bloco de notas do bolso e anotando os pedidos. Em um minuto, se afastou, ainda cantarolando a sequência de canções de Ella Fitzgerald que tocava por todo o local. - Just like a wandering sparrow, one lonely soul. I walk the straight and narrow, to reach my goal. – Scott cantarolou a música com um sorriso sonhador no rosto, atraindo a atenção de Penelope e David. – Minha mãe cantava essa música quando eu era pequeno, ouvia a versão de Ella repetidamente. É uma música muito antiga, de 1929. – A pequena lembrança de sua mãe pareceu muito inconveniente enquanto discutiam a ausência de humanidade da mãe de David, portanto o garoto se calou. Depois de muitos minutos em silêncio, os sanduíches devidamente entregues e sendo devorados, Penelope se manifestou. - Você não pode deixar ela bater em você, David. David levantou os olhos do prato para encará-la. - Como espera que eu impeça? Empurrando ela? E eu nem vi ela se preparando para dar o tapa dessa vez, foi muito rápido. - Se ao menos houvesse qualquer possibilidade de conversa entre vocês. NACIONAIS-ACHERON
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O garoto soltou uma risada deprimente. Uma conversa era algo muito distante de acontecer entre David e Felicia. - Alfie vai ficar furioso quando descobrir que estamos comendo juntos sem sua ilustre presença. – Scott desbloqueou o celular e deu uma olhada em suas mensagens. - Que fim levou ele e Alex? – perguntou David casualmente, na verdade muito interessado na resposta. E não podia negar que sentia uma justificável inveja do amigo, que conseguira se arranjar com uma Velvet... enquanto ele mesmo estava muito distante de chegar a algo próximo com Samantha. - Ele acabou de falar que estão entrando no cinema. Oh, meu Deus. Alfie é um romântico incurável. Ficou com a garota em uma festa há poucas horas e já está levando ela para um encontro. - Está certíssimo! – Penelope interrompeu de boca cheia. – Vocês dois são bem insensíveis, sabiam? Mulheres adoram romantismo. Nunca vi David levar uma garota para um jantar romântico. - Levo você para jantar toda semana. – resmungou ele sem tirar os olhos do prato. - Ora, eu não conto! Você saía com a Samantha quando eram amigos? David levantou os olhos devagar, odiando o rumo que aquele assunto estava tomando. - Como assim? Saíamos como amigos. Nunca tivemos um relacionamento amoroso. - Você levaria ela no cinema hoje em dia, caso comecem a namorar? – insistiu Penelope, parecendo tomar as dores da garota. - Qual a chance de namorarmos se eu tenho que namorar você? – devolveu NACIONAIS-ACHERON
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ele, mal humorado. Os três tinham tanta intimidade que poderiam falar assim quando bem entendessem um com o outro. Mas nada garantia que Penelope não fosse se ofender, é claro. - Nossa, David! Que arrogância. Quando a Batalha das Bandas terminar, nosso contrato termina. Vai poder namorar quem quiser. - Eu duvido muito que ela ainda queira alguma coisa comigo. - Você que está tirando essa conclusão. Partindo do princípio de que, obviamente, você não tem nada a ver com aquele escândalo e ela passe a acreditar nisso, vocês tem grandes chances de darem certo. - Quando você encontrar uma forma de fazer ela acreditar nisso, me avise. Aguardarei ansiosamente. - Vocês conversaram na festa, certo? Sua negatividade está exagerada. – Scott conhecia David mais do que qualquer outra pessoa. Ele explicou ao amigo toda a conversa com Samantha, incluindo o beijo. - Oh, meu Deus! É um passo enorme, David! Ela beijou você, se não quisesse nada não teria feito isso. – Os olhos de Penelope brilhavam de emoção. Garotas. - Eu posso não ser o culpado pelo escândalo, mas quando ela descobrir que estamos namorando por contrato para que os Walkers ganhem a competição... me sinto péssimo por estar fazendo isso com ela. Não quero tirar a vitória dos Velvets. - Nada está certo ainda, David. Meu pai não decide nada, você apenas criou alguns laços com o pessoal... o talento de vocês é indiscutível. - Mesmo assim, não sei se vou conseguir ir com isso até o final... - David, você não pode jogar o plano para o alto. É o nosso sonho, cara... NACIONAIS-ACHERON
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eu sei que fomos submetidos a uma desonestidade absurda, mas não tem outro jeito. – Scott sempre parecia muito preocupado quando David pensava em desistir daquilo. - Sei lá, se eu contar a verdade para os jurados, talvez... - É a sua mãe, ela vai fazer de tudo para desclassificar vocês, mesmo se você explique tudo para a produção. Continuamos com o plano até o final. – Penelope estava mais decidida do que ele, com certeza. - É assim tão ruim conviver comigo? - Claro que não, Penelope. É ruim enganar uma das pessoas que eu mais amo, isso sim. - Ah, David... você é um grosseirão, mas quando fala do seu amor por ela parece que o mundo fica mais colorido. Scott riu pelo nariz, sendo ele próprio muito parecido com David quando o assunto era amor. Ficaram em silêncio por alguns minutos, cada um pensando em algo diferente. Era bom ficar em silêncio na presença dos amigos, pensou David. Era, de certa forma, aconchegante. - Você vai para casa? Ou prefere dormir na minha? – Scott quebrou a ausência de palavras que estava sendo preenchida apenas pela música ambiente. - Se não se incomodar... não quero enfrentá-la de novo. Não hoje. - Claro que não, sabe que pode ficar com a gente pelo tempo que quiser. Ryan deve estar com a namorada, de qualquer forma. Scott morava com seu irmão mais velho, Ryan McMillan, na casa da família em Londres. Os pais preferiam morar na propriedade do interior, onde a vida era menos apressada e os dias mais longos. Como Ryan precisava ficar na cidade grande por conta da faculdade, eles decidiram transferir Scott para NACIONAIS-ACHERON
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a West Newton quando ele tinha onze anos, pois acreditavam que o ensino seria superior. A mãe os visitava semanalmente, para, além de encontrar os filhos, administrar os empregados e verificar se estava tudo em ordem. Os McMillan eram tão ricos e conhecidos quanto os Young, mas tinham raízes diferentes, valorizando, antes de tudo, a vida no campo.
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CAPÍTULO 57 Após deixarem Penelope em casa, que era rigidamente aguardada por seu pai, Scott dirigiu até a mansão dos McMillan. David invejava o amigo por ter conseguido tirar a carteira de motorista e poder usar o carro quando tinha vontade. Sentiu-se, mais uma vez, um grande inútil. Aquele domingo precisava acabar. - Seja bem-vindo de volta, senhor. O mordomo da família abriu a grande porta e David percebeu Scott revirar os olhos. - Já pedi para evitar essas formalidades comigo, Wads. Mamãe não está por perto. - Sim, senhor. – Wadsworth, o mordomo da propriedade londrina dos McMillan, fechou a porta depois que os garotos entraram no hall. Scott fechou os olhos por dois segundos, tentando ignorar a fidelidade do homem à sua mãe, que exigia a perfeição dos empregados em todos os sentidos – incluindo a forma que tratavam seus superiores. - Ryan está em casa? – Scott perguntou, sem parar de andar pelo corredor bem mais estreito que o hall de entrada dos Young. - Não senhor, informou-me que não dormiria na propriedade esta noite. - Eu disse – murmurou Scott olhando para David, que o acompanhava com as mãos nos bolsos. – Ele passa a maior parte do tempo na casa daquela garota. Mas enfim, Wads, David vai dormir aqui hoje. Avise as camareiras. David estava acostumado com aquela formalidade e a grande quantidade NACIONAIS-ACHERON
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de empregados que estava sempre a disposição das famílias ricas. Felicia fazia questão de ostentar em todos os âmbitos que conseguia, e o número de empregados era um deles. Porém, tinha certeza que na mansão dos McMillan os empregados eram melhor tratados do que na mansão dos Young. - Sim, senhor. Em dez minutos, no máximo, o quarto estará pronto. Wadsworth desapareceu por um dos corredores perpendiculares ao comprido hall. - Scott, não precisa preparar quarto nenhum. Durmo no chão se precisar, de verdade. - Claro que não, se mamãe descobrir que um Young dormiu no chão da casa dela... a mulher vai surtar. – A voz de Scott tinha um tom irônico que fez David soltar uma risada. - Você não cansa dessas frescuras às vezes? Eu queria, por um único dia, poder ter uma vida normal. Sem essa pressão e essa preocupação com aparências. - Ah, David, a gente se acostuma... vai dizer agora que queria ser pobre? – Scott lançou um olhar estreito na direção do amigo, eles agora subiam a escadas. - Não, mas... queria ter mais autonomia. Viver por conta própria. - Quando você fizer dezoito anos pode pensar em algo do tipo. Por enquanto, precisa seguir as vontades de seus pais. - Vou precisar seguir as vontades deles até eu morrer, sabe disso. - Eu sinto muito por sua família ser tão rígida assim, gostaria que fossem mais flexíveis. – Scott fez uma pausa para suspirar, empático ao impasse do amigo. - Mas pense... pelo menos concordaram com a banda. Lembra como NACIONAIS-ACHERON
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foi difícil no início? - Tão difícil que a maluca me chantageou. Realmente, Scott, concordaram pacificamente. Felicia sempre dá um jeito de estar no controle de tudo, até dos meus sonhos. Chegaram até o segundo andar depois de subir as escadarias de carvalho escuro e Scott abriu a terceira porta do corredor oeste. O quarto do amigo era personalizado com seus gostos pessoais, mas não deixava de transmitir a sofisticação presente em toda a mansão. - Pare de pensar nisso por um segundo, David. Você vai enlouquecer. – Ele jogou-se em sua cama de casal com um dossel escuro, enterrando a cabeça na colcha. – Não dá para acreditar que amanhã já temos aula. David sentou-se na poltrona de veludo verde escuro, parte da pequena sala de estar que formava um segundo ambiente no quarto do amigo. - O que acha de largarmos tudo e viajarmos por aí? Só com nossas mochilas, mais nada. - Acho uma ótima ideia. – A voz de Scott, abafada pela colcha, murmurou, fazendo David rir. Em exatos cinco minutos Wadsworth bateu na porta do quarto, informando que o aposento de visitas estava pronto. David levantou-se da poltrona, agradeceu o mordomo e despediu-se de Scott. Se ambos tinham alguma vontade de passar o tempo juntos até decidirem dormir, nenhum dos dois se manifestou. A ressaca da noite anterior ainda estava presente e a tarde de David não havia sido nada tranquila. Vencido pela exaustão, pegou no sono em poucos minutos após ter se preparado para dormir no quarto de hóspedes.
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CAPÍTULO 58 Uma lata de cerveja não poderia ser considerada o melhor café da manhã pela maioria das pessoas, mas Samantha nunca sentiu que fazia parte do senso comum, portanto não fazia diferença. Engoliu o líquido de início ardente, um gole apressado, ansiosa por tentar fazer aquela sensação de isolamento passar. Na madrugada do dia anterior havia rejeitado David novamente. Pela terceira vez na vida, e pela segunda vez em um mês. Não parecia fazer sentido quando suas emoções e seus instintos mais primitivos queriam exatamente o contrário, mas então Donna surgia em sua mente, o rosto da mãe embaçado pela memória fraca. Sua expressão facial e o tom de sua voz eram tão agudos que faziam com que a garota sempre desse um passo para trás. Era tão mais fácil acreditar que David era o responsável pelo escândalo, dados seus precedentes... quer dizer, se você realmente parasse para pensar, era uma associação óbvia. Lembrou com uma clareza incoerente, que se chocava com o teor de álcool que começava a se instalar em seu corpo, da primeira vez que conheceu Felicia Young.
As mãos suavam frio enquanto os indicadores arrancavam as cutículas dos polegares. Ele iria voltar logo, mas mesmo poucos minutos sozinha dentro daquela mansão a faziam tremer por inteiro. Não estava acostumada com tanta imponência e tanta perfeição estética, era intimidante. NACIONAIS-ACHERON
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Olhou a pia limpa e lustrosa da cozinha dos Young e a sua própria pia de casa apareceu em seus pensamentos. Os pratos sujos e os copos sempre acumulavam pois sua mãe não tinha tempo de lavar durante o dia, e Samantha estudava de manhã e de tarde. O exato oposto não só da pia da cozinha dos Young mas também de todos os cantos da casa. Ela poderia apostar que eles deveriam ter uma empregada para cada cômodo. - Quem é você? Samantha levantou os olhos para a porta da cozinha. Uma mulher deslumbrante usando um vestido preto de mangas compridas, salto alto e cabelos soltos em cachos impecáveis a encarava com uma expressão próxima ao desprezo. Na verdade, a mulher parecia estar muito desconfortável por estar parada na entrada da cozinha. - Ah, eu sou Samantha Hollow, amiga do David. A garota levantou de um dos seis bancos dispostos em volta da bancada central do ambiente e se aproximou da mais velha. Limpou a mão suada no uniforme da West Newton e estendeu com um entusiasmo forçado. Precisava mostrar extrema simpatia para aquelas pessoas, pois sabia que sua aparência nem se aproximava do que eles deveriam considerar decente. A mulher encarou a mão estendida de Samantha por mais de cinco segundos, fazendo com que a situação despencasse em uma tensão insuportável, quase física. A menina sentiu a onda de humilhação começar a crescer dentro de si, violenta e dolorosamente. Abaixou a mão, o braço caindo pesado ao lado do corpo. - O que está fazendo na minha cozinha? Ou melhor... - Ela entrou completamente no ambiente, esforçando-se para passar o mais longe possível da garota. Aproximou-se de uma das portas laterais e olhou, parecendo procurar alguém. - Criada idiota, sempre some quando eu preciso NACIONAIS-ACHERON
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dela. - Voltou a encarar a menina, praticamente encolhida na porta da cozinha. - O que está fazendo na minha casa? Samantha levou alguns instantes para responder. Seu estômago havia afundado a ponto de desaparecer por entre suas entranhas. - David me convidou para comer alguma coisa e eu... - Escute, eu vou falar só uma vez. - A mulher ainda olhava em volta, através das outras duas portas que desembocavam no ambiente. Encarou a menina de cima a baixo mais uma vez antes de continuar. - Eu não me importo se David se relaciona com... vocês. O garoto sempre teve um gosto estranho, mas eu não sou obrigada a ter de conviver também. Olha... leve esse aviso para toda a sua vida: desista. Desista imediatamente. Você não vai sobreviver entre a gente por muito tempo, quer dizer, olhe para você. Seu uniforme surrado e seu cabelo desidratado são apenas a ponta do iceberg que é o seu tipo de gente. Para o seu próprio bem, desista dele. Existe uma infestação de gente como você, amigos não vão lhe faltar. David é meio desequilibrado, mas graças a Deus ele tem a mim para orientá-lo todos os dias. - Ela fez uma pausa para, dessa vez, olhar Samantha diretamente nos olhos, carregando uma cruel e sólida frieza. Era como a facada final que acabaria com a menina depois de uma longa e dolorosa tortura. - Sabe onde é a saída, certo? Não preciso chamar o mordomo para abrir para você. Ah, Ernestine, aí está você. Viu o que fez no primeiro lavabo da ala leste? Eu já não lhe avisei mais de vinte vezes para prestar atenção? Ernestine, uma garota loira de no máximo vinte e cinco anos, surgiu por uma das portas e olhou assustada para o rosto da mãe de David. Samantha não ouviu o resto da advertência, já encontrava-se no hall de entrada segurando com todas as suas forças as lágrimas que já se formavam embaixo dos olhos. Girou a maçaneta o mais rápido que conseguiu, fechando NACIONAIS-ACHERON
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a pesada porta atrás de si e finalmente deixando o rosto ficar úmido de humilhação e de choque. Atravessou o vasto jardim frontal da mansão, percorrendo o caminho de asfalto usado pelos carros que entravam na residência. Não precisou pedir para que abrissem o portão da entrada, ele foi aberto automaticamente por algum porteiro que a avistou. Deixou a mansão dos Young para trás aos soluços. Nunca compartilhou aquela situação desagradável com David. Bastou uma mentira que envolvia problemas femininos para que ele se desse por satisfeito pela sua saída repentina. Ele nunca ficou sabendo do verdadeiro primeiro encontro entre Samantha Hollow e Felicia Young, e, se dependesse da garota, levaria aquele momento degradante para o túmulo.
A lembrança de uma das piores situações de toda a sua vida fez com que uma lágrima escorresse pelo seu rosto agora dois anos envelhecido. Era como se houvesse passado por aquilo de novo, toda a humilhação voltando de forma violenta, sem nenhum aviso. Levou a garrafa aos lábios mais uma vez, o líquido gelado intensificando o frio que estava sentindo. Abraçou o corpo, esfregando os braços na tentativa de se sentir um pouco confortável. Então sentiu o celular vibrar no bolso do sobretudo.
Dee Blue: "Dê uma olhada no seu Facebook, Hollow. Vai gostar do que vai ver. Agradeça aos responsáveis de mídias sociais da City Music Channel."
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Samantha levou algum tempo para raciocinar, fungando de forma grosseira e tentando se desfazer da lembrança desagradável como quem tenta sair de areia movediça. Abriu o aplicativo do Facebook e deu de cara com uma notificação convidando-a para curtir uma página chamada "The Velvets". Oh, meu Deus. Eles fizeram uma página para a banda. Uma página linda. A foto que Dee Blue obrigou todos a tirarem no último ensaio era a capa da página, acompanhada por um selo da Batalha das Bandas no canto inferior direito. Samantha encontrava-se no centro do sofá velho da casa meio abandonada da família de Carter, os cotovelos apoiados nos joelhos de forma casual. Um sorriso de canto acompanhava um redemoinho de cachos desgrenhados, mais volumosos do que o normal. O próprio Carter encontrava-se sentado do seu lado direito, um dos braços esticado no encosto atrás dela. Ele estava sério, mas era uma seriedade irônica. Do seu outro lado estava Oliver, apoiando o queixo na mão e o cotovelo do mesmo braço sendo amparado pelo braço do sofá. O garoto esboçava um sorriso malicioso que fazia os órgãos internos de Samantha iniciarem uma roda punk. Do lado de Carter estava Alex, uma das pernas dobradas para cima, o pé apoiado ao lado do corpo. O braço direito descansava no joelho e ela fazia uma careta engraçada. A primeira foto oficial dos Velvets havia sofrido a melhor alteração digital que ela já vira na vida. As cores estavam mais intensas, os contrastes fortes, porem mantendo uma certa obscuridade que combinava completamente com o espírito deles. Ela amou. Amou tanto que até doeu. Curtiu a página e percebeu que haviam a colocado como administradora, NACIONAIS-ACHERON
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assim como o resto da banda. Já tinham mais de cem curtidas, o que fez com que se impressionasse um pouco. Provavelmente a página seria promovida pela City Music Channel mas, de qualquer forma, era muito estranho saber que pessoas curtiam o trabalho deles. Pessoas essas incluindo estudantes da West Newton, como pode ver, reconhecendo alguns perfis. Seus olhos se arregalaram. Jogou a garrava de cerveja no lixo da entrada da escola antes de pisar nos portões frontais. Sabia que estava cedo para que qualquer um de seus parceiros de banda fossem vistos no local, então sentou em dos bancos dispostos no grande gramado, perto de uma árvore. Mandou uma mensagem para cada um deles de forma compulsiva. Oliver ainda deveria estar dormindo, e Carter provavelmente visualizaria em menos de...
Carter Francis: "OH, MEU DEUS. ESTOU TREMENDO. Samantha, vamos ser FAMOSOS."
A garota riu, aguardando a resposta que provavelmente chegaria atrasada de Alex. Mas não chegou. Em vez disso, Samantha teve de espremer os olhos para identificar se a cena que se seguia era real. Ora, era óbvio que sim. Alex havia faltado o ensaio de domingo à tarde e agora Samantha sabia o exato motivo da negligência da amiga. Uma raiva descontrolada começou a tomar forma dentro de si. - ... não faça isso! Você está brincando? NACIONAIS-ACHERON
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Alex estava próxima o suficiente para que Samantha pudesse ouvir suas palavras. Enquanto os dois caminhavam pelo pátio frontal, Alfie continuava falando em um volume bem mais baixo, impedindo Samantha de ouvir. Alex inclinou-se para frente ao rir de forma exagerada. - Sam! Samantha não sorriu quando ela a reconheceu. Os dois se aproximaram, ainda um pouco risonhos, desviando de alguns adolescentes que já começavam a preencher o local. - Como está? - perguntou Alfie, sentando ao seu lado. Oh não, aquilo não estava acontecendo. Alex parou na frente do garoto, ficando no meio de suas pernas, e ele a abraçou pela cintura. Samantha suspirou, tentando com todo o esforço que conseguiu controlar a imensa raiva ainda crescente dentro de si. Ela havia faltado o ensaio para ficar com ele, era óbvio. A forma íntima como estavam se tratando os denunciava. A amiga encarou seu rosto por alguns segundos depois de dar alguns selinhos no ruivo. - Está se sentindo bem? Não, vocês me dão enjoo, quis responder, mas apenas concordou quase imperceptivelmente com a cabeça, desviando o olhar para frente logo em seguida. Fixou sua atenção na lixeira do outro lado do caminho de pedras que levava até o prédio principal e permaneceu estática, tentando fazer o cérebro processar o que estava acontecendo. Espera. Quer dizer que você pode ser apaixonada por David e dividir seu drama diariamente com o resto do Velvets e Alex não pode ficar com Alfie? E o que Alex e Alfie tem a ver com a lembrança do primeiro encontro com Felicia que provavelmente vai deixar você mal humorada pelo resto do dia? NACIONAIS-ACHERON
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Não desconte suas frustrações neles, eles não tem nada a ver com isso! Sua consciência racional era profundamente irritante. Mas sua raiva era mais forte, então simplesmente ignorou sua constatação justa. Não era a mesma coisa. Samantha tinha um passado com David, e ele mesmo já fora um Velvet. Alfie era novo entre eles e podia muito bem ser ignorado por todos, como qualquer banda rival faria se tivesse o mínimo de inteligência. Você consegue ser bem arrogante quando quer, Samantha. Que se foda. Arrastou a bunda pelo banco de forma que se afastasse um pouco do novo casal que trocava carícias irritantes e desnecessárias. Por que eles tinham que sentar com ela? Será que era uma tentativa ridícula de Alex de unir as bandas? Faça-me o favor, resmungou mentalmente. Estava se sentindo a vela mais patética de todos os tempos. Além de ser uma vela, era uma vela de um Velvet e um Walker. O quão mais humilhante aquilo poderia ser? Alguns estudantes já estavam começando a observar aquela união inexplicável, gerando cochichos e expressões de confusão. - Ah, olha o que temos aqui... Samantha, Alex e Alfie olharam para Scott, que havia se aproximado sem que ninguém percebesse. Tirou o cigarro dos lábios e sorriu para todos. Nem sua beleza anormal era suficiente para que Samantha não tivesse vontade de socá-lo. O que estava acontecendo? Por quê aquela união estava se formando? Quis levantar, correr para o banheiro e socar todos os vidros até suas mãos sangrarem sem parar. NACIONAIS-ACHERON
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Não queria ser amiga deles. Seria difícil demais evitar David se começasse a falar com qualquer um dos Walkers. Seu plano era manter a educação quando precisasse se dirigir a qualquer um dos meninos, como uma adversária madura. E só. Nenhuma evolução no relacionamento, apenas uma saudável distância. Scott de repente apoiou o pé ao lado de Samantha e se inclinou para amarrar um dos tênis. Seu rosto se aproximou do da garota e ela foi para trás involuntariamente, tentando fugir da fumaça que saía pelas suas narinas. Scott parou o laço por um momento para coçar a barba do queixo e Samantha percebeu que estava observando todos os traços de seu rosto. Observando demais. Virou a cabeça para o lado oposto, encostando-se para trás. - Ficou com ressaca da festa? - Scott tirou o pé do banco e cruzou os braços, o cigarro pendendo nos lábios. - Não. - respondeu ela, sem o olhar. Sabia que ele estava sorrindo, o idiota era meio parecido com David. Devia ser por isso que eram amigos, ambos gostavam de provocar as pessoas e serem inconvenientes. Os barulhos desagradáveis dos beijos de Alex e Alfie pareceram aumentar vinte vezes, deixando-a surda. Oh, meu Deus. Só queria ficar sozinha. - Como foi ontem? - Scott agora se dirigia aos dois pombinhos melosos. Alex virou-se para ele com um sorriso bobo, fazendo a mão de Samantha tremer. Sua raiva continuava a todo o vapor. - Ótimo, seu amigo é muito romântico - respondeu Alex, enquanto Alfie olhava fixamente para ela. Parecia encantado. Samantha segurou-se para não bufar alto. Desviou o olhar de Alex e encarou o pátio na sua frente por alguns segundos, até seus olhos NACIONAIS-ACHERON
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reconhecerem quem ela menos queria encontrar naquela manhã. David caminhava um pouco apressado, o rosto parcialmente preenchido por um óculos de sol totalmente sem sentido. O dia estava nublado, como a maioria dos dias de inverno em Londres. E mesmo assim ele ficava lindo. O garoto olhou na direção dela e reconheceu o que estava acontecendo. Pareceu tão confuso como todas as outras pessoas que observavam a cena do grupo improvável no banco. Hesitou por um momento, dando mais dois passos em direção ao prédio principal, mas resolveu desistir do caminho e passar a caminhar na direção deles. Ah, não. Não, não, não. O coração de Samantha apertou. Scott pareceu perceber a expressão desolada no rosto da garota e se virou de costas, sorrindo para David. - Cara, tenho quase certeza que vai chover hoje. - Scott ria e David esforçou-se para abrir um sorriso em resposta. Samantha não poderia saber se ele estava olhando para ela, os Wayfarers pretos não deixavam. - Acordei com dor de cabeça - murmurou ele em resposta a indireta do amigo para seus óculos, colocando as mãos nos bolsos do sobretudo. - O que é isso? - perguntou mais baixo, mas Samantha estava prestando atenção então conseguiu ler os lábios dele. Os lábios macios e confortáveis. Pare. - Não sei, eles já estavam aqui quando eu cheguei. Ora, Dave, estava na hora de iniciar alguma confraternização... Samantha sentiu vontade de rir pela primeira vez no dia. Observar o incômodo visível até embaixo dos óculos de David era bem engraçado. E a ironia na voz baixa de Scott não ajudava. NACIONAIS-ACHERON
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- David! Por que não respondeu às minhas mensagens ontem? Ah, meu Deus. Por favor, não. Penelope atravessou o gramado com certa dificuldade, as sapatilhas meio que escorregavam na grama úmida. A garota percebeu o que estava acontecendo e pareceu entrar em um transe muito confuso. Olhou Samantha, depois Alfie e Alex, Scott e por fim David. Os dois últimos deram de ombros. Ela então se aproximou de David e o abraçou pelo pescoço, já abrindo um sorriso carinhoso antes de beijá-lo lentamente. Scott deu dois passos para trás e virou para o lado, voltando a tragar o cigarro quase no fim. David interrompeu o beijo e olhou na direção de Scott por um momento, antes de virar o rosto para Samantha. Não precisava passar por aquilo, era ridículo. Samantha levantou do banco, voltando a colocar a mochila de couro nas costas, que antes descansavam ao seu lado. - Você poderia dar uma olhada no seu Facebook, se não for um incômodo. Não quero ser empata foda, mas é bem importante. - Ela encarava Alex, que agora a olhava com certo espanto pelo tom grosso que Samantha havia adquirido. - Ah, eu te mandei três mensagens também. Ontem. Tenham um bom dia. Afastou-se o mais rápido que conseguiu, pretendendo ir para a sala de aula e simplesmente ser uma aluna dedicada naquela manhã. Estava cansada de sofrer por David, já era bem desgastante, e agora teria de suportar a negligência de Alex por ela não saber ser profissional e separar o novo namoro das responsabilidades com a banda. NACIONAIS-ACHERON
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CAPÍTULO 59 David tirou os óculos escuros por um momento, aproveitando que havia conseguido se livrar de Penelope e Scott. Sua recaída na tarde passada fora o suficiente para deixar os dois completamente obcecados, como pais protetores. Nunca obtivera reação parecida dos seus verdadeiros pais, e era completamente cômico e um tanto melancólico o fato de receber cuidados paternais de seus dois melhores amigos. Era muito grato por toda a preocupação, mas ao agirem assim eles só faziam o garoto perceber o quão distante era de sua mãe e de seu pai. Chegou a conclusão de que era um caso perdido. Felicia e Alastair Young eram as pessoas menos indicadas para gerarem uma família e nunca mudariam suas prioridades - que não envolviam nenhum dos três filhos - na tentativa de salvar a infância perdida de David, Katrina e Savannah. Sempre ouvira dizer que nunca era tarde demais para uma família se reconstituir, mas sabia que na sua já era tarde demais no momento em que a primeira filha nasceu. Savannah só era a preferida dos pais pois fazia de tudo para agradá-los, acatando suas ordens absurdamente fúteis e sendo o projeto perfeito de Felicia. Era isso, Savannah era um projeto nas mãos da mãe orgulhosa, que conseguira moldar a cabeça da garota do seu jeito. O que restava? Dois projetos descartáveis, que não se desenvolveram da forma como a mulher queria. David e Katrina tinham coragem o suficiente para desafiar os pais e questionar seus valores sem sentido, e por isso eram quase personas non gratas dentro da família. David já havia perdido as contas de quantas vezes fora acusado de ter feito a cabeça da irmã menor, levando-a para o mal NACIONAIS-ACHERON
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caminho da autonomia. O garoto apoiou os óculos escuros em cima dos livros dentro do armário, sentindo-se um pouco mais tranquilo com o ambiente parcialmente vazio. Não se importava em receber falta por entrar atrasado em classe, só queria um tempo sozinho para respirar fundo. - Por que não dormiu em casa? A voz de Katrina o fez pular de susto, colocando os óculos escuros novamente antes de encará-la. - Não é da sua conta - respondeu de forma rude, voltando sua atenção para os livros dentro do armário. - Dormiu na casa de alguma garota? Quando vai criar vergonha na cara e começar a agir como uma pessoa comprometida? Fala sério, eu odeio a Penelope, mas você não pode simplesmente traí-la toda a semana de forma descarada. - Eu não dormi na casa de nenhuma garota, Katrina, estava no Scott. Jesus, como você é invasiva. - Por quê está usando óculos escuros dentro de um prédio em dia nublado? David bateu a porta do armário com certa força, assustando a irmã de propósito. A amava mais do que qualquer outra pessoa, mas seu jeito controlador o irritava de vez em quando. Katrina, Scott e Penelope poderiam facilmente abrir um clube dos "Controladores de David Young" . - Por que está na moda - murmurou sem nenhuma vontade de dar continuidade àquela conversa. Começou a se afastar pelo corredor, mas foi seguido pela irmã, quase grudada ao seu lado. Ela o encarou por alguns segundos antes de continuar. NACIONAIS-ACHERON
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- Você está estanho, Dave. A última vez que agiu assim foi quando... Katrina fez uma pausa, suspirando de forma nervosa. - Tem a ver com a Samantha? Foi a vez de David suspirar. Sentiu por todo o seu corpo o formigamento já conhecido. Há um tempo atrás, passava todos os dias com essa sensação e agora estava sentindo tudo de novo. - Dave, por favor... você voltou a fazer aquilo? Diga que não. Não quero perder você novamente. Foram os piores meses da minha vida. Ele parou de andar e engoliu em seco, olhando no rosto da irmã por trás dos óculos. Sabia que tinha uma responsabilidade enorme por Katrina, afinal ele era o único membro da família que se importava com ela. Quando Samantha foi embora, levou junto com ela toda a segurança que David havia conseguido construir com alguém. Durante os anos que passaram juntos, ele fora extremamente feliz pois sabia que tinha alguém que se importava com ele o suficiente para transformá-lo. Era uma força invisível que o alimentava diariamente, afetando de forma consequente a irmã, que dependia do estado de espírito de David. Enquanto ele era feliz, Katrina era feliz também. Não era uma dependência saudável, mas nasceu por necessidade, resultado do abandono paternal. E, então, David viu-se sozinho e acusado de uma traição pela qual não seria responsável nem se aquilo dependesse de sua vida. Samantha o agrediu verbalmente e o deixou, sem lhe dar uma chance sequer para se defender. Ele não tinha mais amigos, estava completamente isolado. Carter e Alex preferiram acreditar nas acusações de Samantha e não se importaram em ouvir o lado de David. O que restava para um garoto sem família e amigos, que precisava ficar bem não só por si mesmo mas para poder cuidar emocionalmente da irmã, como havia feito a vida toda? NACIONAIS-ACHERON
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Lavinia Constantine apareceu como um anjo temporário em sua vida. Ela fez a dor dele passar, lhe proporcionando alegrias momentâneas mas eficientes. David tinha plena consciência de que as drogas não resolveriam nada, mas pelo menos seriam a mão que o puxaria do escuro e interminável penhasco no qual se encontrava pendendo por um fio. Porém, sua inexperiência o havia impedido de perceber que aquela mão que o puxaria no início seria a mesma mão que o empurraria de volta. Tornou-se dependente em pouco tempo, a ansiedade em sentir alívio e prazer ao fugir de sua vida desastrosa tomou conta de todos os seus dias. Ele era insuportável quando estava sóbrio, e sabia que maconha e álcool não eram mais o suficiente. Resolvia por um tempo, mas logo estava novamente entregue a reconfortante droga branca, que funcionava como uma cruel miragem. Pouco tempo foi o suficiente para David pegar recuperação em todas as matérias por não conseguir mais se concentrar nos estudos. Poderia ficar uma tarde inteira decorando a ordem dos acontecimentos da Revolução Industrial, mas logo que fechasse o caderno não lembrava mais de nada. A insatisfação que surgia nos momentos de sobriedade fazia com que ele sempre quisesse usar mais para poder se sentir bem de novo. Se a ausência de Samantha havia causado uma iminente queda no seu ânimo, a depressão consequente da cocaína era vinte vezes pior. A droga multiplicava sua sensação fixa de abandono, e apenas usando de novo e de novo ele conseguia se livrar daquilo. Perdeu quase oito quilos pois não sentia mais fome. Comer havia se tonado uma necessidade insignificante, e quando sentia que precisava se render, não sentia o prazer natural ao matar a incômoda fome. Não era tão bom como quando saciava suas vontades com a droga, portanto não perdia muito do seu tempo se alimentando. NACIONAIS-ACHERON
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As crises de ansiedade e mal estar aumentavam proporcionalmente à frequência do uso constante. Lavinia sempre dizia que havia um preço a pagar pelos passeios no paraíso e fazia questão de frisar que esse preço valia a pena ser pago. Nada se comparava ao estado pleno que atingiam, a alegria que sentia era cara mas era inevitável. Katrina fora a mais atingida naquele período escuro da vida de David. Ele não estava mais disponível para passar um tempo com ela, e chegou um momento crítico que nem conversavam mais. Entretanto, foram poucos os meses que David passou naquela desagradável situação. Em uma tarde tentando superar mais uma de suas crises de ansiedade, levou o violão para a West Newton e passou algumas horas tocando e tentando recuperar sua habilidade parcialmente perdida naquele tempo de desolação. Então, em um toque curioso do destino, um garoto parou na sua frente e cruzou os braços, um sorriso de canto muito estranho arqueava seus lábios. Ele encarou David sentado na grama por alguns segundos antes de falar. - Você toca consideravelmente bem, sabe? Era um dos garotos populares. Pertencente ao grupo de ricos da West Newton que David mais desprezava e que não dava a mínima para a sua existência. - Obrigado - respondeu, continuando a concentrar sua atenção nos acordes. - Sou Scott McMillan, você é David Young, certo? David levantou a cabeça lentamente, não estava surpreso por ele o conhecer. Além de serem colegas em algumas matérias, depois do escândalo envolvendo ele e Samantha todos o conheciam muito bem. - Certo - concordou, agora havia parado de tocar. NACIONAIS-ACHERON
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- Olha, vou ser direto porque odeio rodeios. Eu e mais dois amigos estamos montando uma banda e precisamos de um guitarrista. É bem urgente, os ensaios já estão rolando e a necessidade é gritante. Você tinha uma banda com aqueles seus amigos... não tinha? Velvets? Ou algo assim. David concordou com a cabeça, empurrando os óculos de grau para cima. Eles escorregavam pelo nariz com frequência. - Não temos mais - murmurou David, sem a mínima vontade de lembrar de nenhum dos seus amigos. - É, foi o que eu imaginei. Nunca mais vi você com eles... não que eu fique reparando, mas depois do... bem... do que aconteceu com vocês, todo mundo começou a notar e... - Eu topo - David o cortou bruscamente. - Seja lá o que você veio me convidar. Scott abriu novamente o sorriso de canto. - Você não vai se arrepender. E David não se arrependeu. Aquela sim havia sido a mão verdadeira que o puxara do abismo. Em pouco tempo, tornou-se íntimo de Scott, Alfie e Jack e, com a ajuda deles, conseguiu superar aos poucos a escuridão que havia se enfiado. A sensação de solidão e abandono começou a diminuir até não existir mais. Recuperou sua autoestima, perdida meses atrás após a confusão com Samantha, e voltou a ter hábitos de um adolescente comum e saudável. Era óbvio que, durante esse processo de abstinência, passara por momentos muito difíceis, sentindo seguidas vezes a tão conhecida vontade de voltar a utilizar o alívio imediato. Mas seu esforço e seu desejo em se recuperar para poder viver normalmente e voltar a ser um irmão decente para Katrina superaram as NACIONAIS-ACHERON
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necessidades químicas. Ao fitar os olhos preocupados da irmã, emoldurados por um rosto franzido de ansiedade, David foi capaz de lembrar de todo o seu sofrimento e do sofrimento que causou nela quando se entregou completamente ao poder entorpecente das drogas. E, em um deslize provocado pela fraqueza emocional, havia voltado a ser seduzido pelos efeitos químicos. Em uma única tarde pareceu jogar fora meses de recuperação. O formigamento estava começando a aumentar. David umedeceu os lábios e coçou o antebraço esquerdo antes de responder Katrina, que aguardava mais ansiosa a cada segundo que passava. - Não, não é nada disso. Não se preocupe, Kat, eu estou bem. Só acordei com um pouco de dor de cabeça. - Ele colocou a mão no ombro da irmã em um gesto reconfortante. - Vá para a aula, se não vai levar falta. - Tem certeza? - perguntou a garota, mas David já empurrava levemente suas costas para que se afastasse pelo corredor. - Tenho, eu estou ótimo. Pode ir. Katrina encarou o rosto do irmão de forma hesitante antes de dar as costas e se afastar na direção das escadarias. Enquanto observava a menina seguir seu caminho, o antebraço pinicou mais uma vez, o obrigando a cravar as unhas e arranhar a pele até sentir algum indício de alívio.
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CAPÍTULO 60 O som agudo da cadeira sendo arrastada fez a maioria dos alunos olharem assustados para sua origem. Samantha sentiu todo o corpo se contrair em uma mistura de ansiedade e espanto ao olhar David em pé, parecendo um tanto inanimado, encarando fixamente o tampo de sua própria mesa. Um silêncio tenso se instalou por toda a sala de aula. O professor havia parado sua explicação de um exercício de Geometria e agora aguardava o garoto se manifestar, afinal, ele estava em pé e ainda não havia feito mais nada além disso. - Young? Algum problema? - perguntou o senhor Drewman, de braços cruzados e o cenho franzido. O professor era consideravelmente novo se comparado com o resto do corpo docente, podendo ser confundido com algum aluno não fossem as roupas diferentes. Ele era conhecido por construir um bom relacionamento com os estudantes, mas, apesar da intimidade que sempre criava com a maioria, chamava todos pelo sobrenome. Parecia ser uma espécie de norma comum entre os professores, e, para os alunos, não fazia o menor sentido, mas o hábito mantinha uma distância profissional saudável. Agora, absolutamente todas as pessoas dentro da sala de aula encaravam David. Ele não olhou para o professor ao ser questionado, mas não parecia estar muito bem. A respiração de Samantha estava curta e rápida enquanto ela esperava o próximo movimento do garoto, que estava com uma expressão de profundo sofrimento. O que estava acontecendo? NACIONAIS-ACHERON
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David fungou uma única vez e então saiu de trás de sua mesa sem muitos rodeios, os olhos agora no chão. Atravessou a sala em poucos segundos e bateu a porta atrás de si, deixando todos extremamente chocados. Na West Newton e provavelmente na maioria das escolas não era permitido deixar a sala de aula sem pedir permissão para o professor, não importava o quão rica e relevante sua família era. Essa regra se aplicava a todos, sem exceção. - Ora, mas o quê... – O professor se manifestou, tão chocado quanto o resto da classe. Mas, mais uma vez, interrompeu a fala ao acompanhar o que acontecia a seguir. Foi involuntário, ela não foi capaz de refletir antes de agir. Após poucos segundos da saída brusca de David, Samantha levantou-se e deixou o professor Drewman praguejando sozinho sobre a falta de educação dos jovens daquela geração e sobre alguma punição que ela não poderia se importar menos. Fechou a porta atrás de si e, ao olhar para o final do corredor, conseguiu vislumbrar o corpo de David desaparecendo pelas escadas. Não tinha ideia do porquê de estar indo atrás dele tão descaradamente, era muito improvável da parte dela fazer aquilo dadas as circunstâncias. Mas algo no rosto dele... algo não estava bem. Por algum motivo sentiu a necessidade de saber o que estava acontecendo. Sentiu a necessidade de ajudá-lo. Seguiu-o de longe por todo o caminho interno do prédio até o campo de futebol. Aquela cena estava se repetindo em plena luz do dia, percebeu, mas ignorou qualquer restrição que surgiu em sua consciência. A diferença era que, agora, David não parava de caminhar. Atravessou a pista de corrida e começou a pisar no gramado vazio, invadindo o local sem hesitar. A garota apressou o passo e, quando David atingiu a exata metade do NACIONAIS-ACHERON
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campo, ela soube que não conseguiria alcançá-lo. Ele caminhava muito rápido e ela não conseguia correr com aquelas botas escorregadias. Sua voz saiu rouca e fraca. - David! Ele parou de andar e permaneceu estático, sem olhar para trás. Samantha aproveitou sua pausa para apressar mais ainda o passo e começar a se aproximar dele. O que ele estava fazendo? Quando atingiu uma distância suficiente para comunicação, ele virou todo o corpo em sua direção. O que Samantha viu não era nada bom. Nada bom mesmo. Como não havia percebido aquele roxo absurdo na parte superior da bochecha esquerda dele? Tudo bem, o evitara durante toda a manhã, e, no único momento em que encarou seu rosto, o garoto estava usando óculos escuros. Mas o tom roxo estava tão visível agora, embaixo da claridade do campo aberto... Sentiu o olhos marejarem só por observá-lo naquele estado. Porém, foi ele o primeiro a derramar uma lágrima. Uma, duas, três. Então David explodiu. Ela nunca, em todos os anos que passara ao seu lado, o havia visto naquele estado. O garoto colocou uma das mãos em cima dos olhos, apertando as pálpebras para tentar se conter, mas qualquer tentativa de auto controle era inútil naquela situação. Samantha não sabia o que fazer. Estava totalmente congelada em choque. Seu coração apertou ao acompanhar o outro braço livre do garoto abraçar a própria barriga. Ele aliviou um pouco a pressão que estava fazendo nas NACIONAIS-ACHERON
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pálpebras e ela percebeu que ele tremia muito. Aproximou-se dando passos receosos. - David... - Não fazia ideia do que dizer. Sabia que ele estava chorando por causa do machucado e algo que envolvia a agressão, mas não era só isso. Aquela tremedeira estava muito estranha. A frequência da respiração de David aumentou e ele começou a ofegar e soluçar, ainda mantendo a mão na frente dos olhos de forma a impedi-la parcialmente da visão dele naquele estado alarmante. Ela entrou em um completo pânico interno. - Calma - murmurou, sentindo-se a pior pessoa no mundo para consolar alguém. Encostou uma mão no braço dele, mas seu toque não surtiu efeito algum. O garoto continuava em prantos, nunca o vira tão desolado. - Dave, sente. - Achou que usar seu apelido carinhoso ajudaria a induzi-lo, percebendo logo em seguida que havia funcionado. Ele abaixou um pouco a mão que tapava os olhos e olhou no rosto dela. Samantha sentou na grama e puxou-o delicadamente para baixo, tentando ignorar a gravidade do machucado agora que o encarava de perto. - Vamos, está tudo bem. Não estava nada bem. A grama estava gelada e era totalmente incoerente sentar no meio do campo de futebol, mas o estado de David era tão grave que ela não viu outra opção. Ele sentou na frente dela, tentando controlar a respiração. Samantha não sabia se poderia perguntar o que estava acontecendo, não tinham intimidade o suficiente para isso. Não mais, pelo menos. Mas o que isso importava no momento? - Quer me falar o que está acontecendo? - perguntou devagar. NACIONAIS-ACHERON
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David passou uma das mãos pelos cabelos, o rosto úmido agora livre de qualquer impedimento para que ela pudesse ver os diversos tons de roxo embaixo de seu olho. - Não - murmurou ele em resposta, trocando com ela então o primeiro olhar significativo. Os soluços que estava tentando conter voltaram e ele encarou a grama. Estava piorando novamente. - Fale comigo, por favor. O que houve com seu rosto? Pergunta errada. Os soluços aumentaram. Samantha, onde está sua sensibilidade? Parece um homem das cavernas tentando consolar alguém! Reaja, garota! David tentava secar o rosto que agora estava voltando a ficar úmido de forma compulsiva, quase agressiva. A garota sabia que ele odiava chorar em público, ela mesma quase nunca o via chorando. Percebeu que já era a segunda vez em pouco tempo que o via nesse estado e, por mais que essa vez nem se comparasse com a anterior, obviamente David estava passando por um momento frágil. E Samantha não era o único motivo de sua fragilidade, estava muito claro. Ela jogou qualquer receio para o alto e se ajoelhou na grama, aproximando seu próprio tronco do garoto e o puxando para perto de si. Envolveu-o pelo pescoço, segurando sua nuca de forma delicada. O choro não cessava, só parecia aumentar. Sentiu vontade de chorar também, não haviam palavras para descrever o quão horrível era vê-lo assim. David pareceu resistir ao abraço nos primeiros segundos mas depois passou os braços pela cintura dela, a abraçando forte. Samantha notou que ele colocou o rosto entre seu ombro e seu pescoço, parecendo achar mais confortável chorar dessa forma. NACIONAIS-ACHERON
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Acariciou a nuca dele com suavidade. Permaneceram naquela posição por quase cinco minutos até ela decidir interromper o abraço e olhar como ele estava. Afastou David de seu corpo e encarou seu rosto muito próximo. Ele estava mais calmo, mas ainda ofegava um pouco. Passou os polegares embaixo dos olhos dele e secou sua pele úmida. E, então, aproximou-se mais ainda e beijou de leve a parte roxa abaixo do seu olho esquerdo. David fechou os olhos e parou de ofegar. Afastou lentamente os cachos do garoto de sua testa enquanto analisava cada pequeno detalhe do rosto dele. Ele parecia não conseguir manter o olhar no rosto dela por muito tempo, sempre voltava a olhar para baixo. Samantha desfez sua posição ajoelhada e sentou na grama de frente para ele, que agora abraçava as pernas. Cruzou as suas próprias, e, sem nem perceber, um de seus joelhos ficou parcialmente embaixo da perna dobrada dele. Estavam muito próximos e era de certa forma confortável, apesar de o momento ser desagradável. David limpou novamente uma lágrima insistente que escorreu por toda a extensão de sua bochecha até o queixo. Um soluço atrasado o fez se sobressaltar enquanto Samantha continuava apenas observando. Não queria pressioná-lo a nada, se ele quisesse falar ele faria isso por conta própria. A garota levantou uma das mãos que descansavam em seu colo e segurou o pulso dele com delicadeza. David levantou o olhar e fixou-se em seu rosto, logo depois segurando a mão dela. Mais algumas lágrimas começaram a escorrer, ele estava voltando a chorar para valer. Samantha aproximou todo o corpo para que seu tronco ficasse mais perto dele e largou sua mão para depositar as duas com certa pressa em seu rosto. Era insuportável vê-lo assim e não conseguir fazer nada para que ele se acalmasse. - Sshh, olhe para mim, Dave. - Ela aguardou o garoto levantar os olhos NACIONAIS-ACHERON
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novamente, para que se olhassem de perto. - Respire fundo, vai ficar tudo bem. Não faço ideia do que esteja acontecendo, mas, por favor, deixe-me ajudá-lo. Ele concordou, balançando a cabeça devagar. - Não é sua... culpa - A frase de David foi interrompida por um soluço, seguido de algumas fungadas tímidas. - Não quero que pense... - Eu sei, não se preocupe comigo. - Suas mãos haviam afrouxado e estavam agora descansando nos ombros dele. Ela voltou a segurar seu rosto e aproximou o próprio, beijando o canto de seus lábios. David não esperava por isso, ficando com uma expressão assustada e confusa no rosto. Samantha abriu um sorriso quase invisível e aproximou-se mais uma vez, dando-lhe um selinho carinhoso. Repetiu o movimento por mais algumas vezes, lentos beijos quase que afagando seus lábios. O garoto estava em um certo estado de choque, não conseguindo devolver os beijos com muita avidez. Nem ela esperaria que faria isso, mas apenas sentiu que era a coisa certa a fazer naquele momento. - Como está? – perguntou, depois de dar-lhe um último beijo, o mais lento de todos. - Melhor - respondeu ele, esforçando-se para sorrir. Por mais que ela tenha tido a iniciativa, David ainda parecia um tanto constrangido por ela estar vendo ele naquela situação frágil. - Obrigado, Sam. - Pelo quê? Não estou fazendo um favor. Eu quero que você fique bem. - Não... não perca seu tempo. Estou bem. - Pare, David. Não me importo se você não se sente confortável em me NACIONAIS-ACHERON
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contar o que está acontecendo, mas não faça pouco caso disso. - Ela esticou a mão e acariciou o machucado novamente. Ele fez uma careta, sentindo o local dolorido. - Promete que vai deixar eu te ajudar? - Não tem como me ajudar, me desculpe... eu agradeço muito, mas... - Nem se eu ficar aqui com você? Não ajuda? Ele se desfez de sua insistente negação. - Ajuda. Muito. Mas não quero que sinta pena de mim. - Não tenho pena de você, tenho mais motivos para sentir raiva do que pena. - David riu, por mais deprimente que fosse essa constatação. Ela abriu um sorriso. - Estou aqui porque... eu me importo também. A primeira conversa que tiveram na clareira, depois de sua ausência de dois anos, tornou a aparecer na mente de ambos. David apoiou um dos braços na grama, inclinando o tronco na direção dela. Antes que ele pudesse encostar o próprio nariz no da garota, ela o envolveu pelo pescoço e o beijou de verdade. Agora, David a segurou pela nuca e correspondeu de verdade. Era diferente beijá-lo na luz do dia, de certa forma em público. Parecia mais real do que atrás das arquibancadas envoltos em uma escuridão infinita. Sentiu o gosto salgado das lágrimas que anteriormente escorreram até a boca dele e viu a inevitável necessidade de abraçá-lo mais ainda. Mas foi David quem resolveu essa distância, segurando a cintura dela com ambas as mãos por dentro do pesado sobretudo. Estava começando a sentir as conhecidas manifestações íntimas, uma vontade absurda de tirar aquele casaco e subir em seu colo. Oh, meu Deus. Como ele era bom. NACIONAIS-ACHERON
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Não percebeu quando começou a se ajoelhar novamente e empurrá-lo na direção da grama. O que estava fazendo? Estavam no meio do campo de futebol! Pelo amor de Deus. Mas era impossível não fazer isso. David deitou todo o tronco na grama, entorpecido pelo momento, totalmente fora da realidade. Ela então sentou exatamente em cima do meio das pernas dele, uma perna de cada lado de seu corpo. Como estava usando a saia que fazia parte do uniforme feminino, sua virilha entrava em contato diretamente com as calças dele, separada apenas por sua calcinha. Ela viu que ele se deu conta disso. Sentiu o garoto ofegar, soltando o ar pelo nariz. Estava tão frio que era possível ver a respiração formar uma fumaça branca, muito comum no inverno. Mesmo assim, nenhum deles estava com frio. Ela se inclinou e voltou a beijá-lo, fazendo com que David a abraçasse pela cintura novamente. Samantha podia sentir com clareza a excitação do garoto embaixo de si, tão fino era o tecido da calcinha que separava a intimidade dos dois. A calça social do garoto não era como uma grossa jeans, era macia e também um tanto fina, fazendo com que seu membro entrasse em um contato maior com ela. Uma vontade enlouquecedora de começar a se mover tomou conta de seu corpo. Estava tão envolvida que a temperatura não fazia diferença. No segundo seguinte seu sobretudo estava jogado na grama, ao lado deles. Isso pareceu fazer David acordar. Ele encarou o tronco da menina, coberto apenas pela camisa do uniforme. - Vista o casaco, Sam. - Ele olhou em volta, levantando o tronco e apoiando os braços atrás de si. - Não podemos... não quero que aconteça de novo. Samantha pareceu receber um balde de água gelada na cara. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu não me importo - murmurou, voltando a abraçá-lo pelo pescoço e começando a beijar a pele descoberta abaixo de sua orelha. Quem é você e o que fez com Samantha Hollow? Oh, meu Deus! Ela não conseguia mais evitar. Não queria mais evitá-lo. - Por favor, Sam... - A voz embargada de David parecia um estímulo irresistível. - Vai acontecer, mas no lugar certo... O gosto dele era tão bom. Intercalava os selinhos com algumas lambidas lentas, sua pele macia se arrepiando a cada novo contato com os lábios dela. A respiração de David estava muito mais rápida que a sua, ele parecia estar tentando resistir de todas as formas que conseguia. Samantha sentiu a mão do garoto em uma de suas coxas e deixou escapar um som rouco pela garganta. A sensação da mão gelada em sua pele quente era deliciosa. Ele apertou-a de leve, subindo a mão cada vez mais para dentro de sua saia. Jesus, ela não estava se reconhecendo. Todo o esforço usado para tentar evitá-lo havia ido por água abaixo. Os avisos de Donna eram apenas ecos em sua mente. Ela não se importava com nada, pelo menos não naquele momento. Puxou a camisa dele para fora das calças e passou a mão lentamente por sua barriga. O tronco quente do garoto... queria senti-lo contra o seu, sem nenhum tecido atrapalhando o contato. Involuntariamente, seu quadril se moveu. Os movimentos começaram a estimular David, que poderia ser confundido com alguém passando mal. Ele esforçou-se para abrir os olhos e olhá-la no rosto. - Sam, por favor... é para o nosso bem. Vamos ser expulsos. - Eu não dou a mínima. NACIONAIS-ACHERON
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- Dá sim, só está excitada. Quando voltar ao normal vai perceber o quão errado é isso. Não quero ser o responsável por sua expulsão. - Vamos sair daqui, então. Os olhos de David pareceram queimar como chamas intensas estalando na madeira. - O... quê? Ele sabia que se fosse qualquer outra garota, aceitaria sem ponderar. Não se importava com nenhuma aula, de qualquer forma. - Vamos para qualquer lugar, Dave, por favor. Eu quero... eu quero você. Agora. O tempo inteiro. A cada minuto do meu dia. David não piscava e nem desviava o olhar do rosto dela. Não conseguia nem sorrir, a luxúria havia invadido cada centímetro do corpo do garoto. E, então, conseguiu trazer a consciência novamente para a superfície. Não conseguiria fazer nada com ela. O fato de amá-la o impedia de sentirse tranquilo durante qualquer momento que fossem passar juntos. A chantagem de Felicia o incomodava constantemente, e o fato de estar arrancando o sonho de Samantha, da forma mais desonesta, era o suficiente para não querer envolver-se mais profundamente. A amava tanto que não poderia se perdoar se transasse com ela enquanto a apunhalava pelas costas, por mais que fosse de forma forçada por sua própria mãe. Não havia sentido a imensidade da culpa dentro de si até aquele momento, era como se precisasse estar a beira do ato para que a ficha caísse. Antes, suas emoções o levaram a se declarar, mas agora a culpa pela chantagem de Felicia parecia ser mais forte que qualquer outro sentimento. Samantha já havia se machucado o suficiente em nome de David. Não fora o responsável pelo escândalo, mas ela sofreu por causa dele. NACIONAIS-ACHERON
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- Não. Vamos voltar para a sala de aula. - Ele empurrou-a delicadamente para o lado e pegou o sobretudo da garota, colocando-o em volta do corpo dela. - Você não me quer? - Os olhos de Samantha estavam começando a marejar. Ele evitou olhá-la no rosto, apenas levantou da grama e ficou em pé. - David... - A voz da garota demonstrava que ela estava prestes a começar a chorar. Ele começou a se afastar, sentindo os próprios olhos lacrimejarem. Deixá-la sozinha, sentada na grama, depois de toda a ajuda que ela o havia oferecido... Teve vontade de arrebentar o próprio rosto. Queria socar si mesmo, machucar-se até desmaiar. Você é um merda, David Young. Sua consciência tinha toda a razão. Covarde. - Eu acredito em você! Eu sei que não foi o responsável pelo escândalo. Por mais que tudo aponte na sua direção, eu sei que você não faria isso comigo. Por favor, David! Enquanto se afastava, o volume da voz chorosa da garota diminuía. Queria dar meia volta e abraçá-la, dizer que não dava a mínima se ela não acreditava nele. Ficaria com ela mesmo se ela o achasse um lixo, não fazia diferença. Quando era Samantha, nada importava. Mas a sensação de culpa era muito mais forte, fazendo o garoto continuar a andar para longe sem hesitar.
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CAPÍTULO 61 A porta foi escancarada com violência, sem a menor preocupação com discrição. O nível de alteração havia novamente atingido um pico considerável, e o único pensamento na mente de David era se aliviar de alguma forma. Pouco importava se havia mais alguém no banheiro, poderiam haver cinquenta pessoas, ele nem perceberia. Apoiou ambas as mãos na pia extensa e encarou seu reflexo, o olho em diferentes tons de roxo acompanhado da pele pálida e úmida de suor. Ele estava péssimo, se qualquer pessoa o visse naquele momento acharia que o garoto estava passando muito mal. Mas David sabia que não era isso. Estava ansioso e agitado, e, odiava admitir, excitado. Sempre teve seu autocontrole perfeitamente administrado, mas agora não se reconhecia mais. Seu reflexo era como um estranho, um animal bruto que necessitava de alívio urgentemente. Mas o alívio não vinha nunca, é claro. Já estava ficando dolorosa e perigosamente frustrado. Ficar frustrado não era bom, não quando a necessidade química é gritante. A causa dessa mudança comportamental era Samantha? Ou era o seu deslize químico do dia anterior? Não saberia dizer. Talvez uma soma dos dois fatores, resultando em uma verdadeira combustão emocional. O formigamento voltou como uma injeção rápida e avassaladora. Agora todo o seu corpo pinicava, não conseguia decidir que parte se concentrar para aliviar a coceira. Sabia exatamente o que resolveria. Era simples, fácil e eficiente. Observou seu reflexo mis uma vez, o rosto apresentando diferentes tons NACIONAIS-ACHERON
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resultantes da fúria de Felicia naquela mesma manhã. Ao acordar no quarto de hóspedes de Scott, percebeu que estava sem uniforme e um tanto sujo. Não iria pedir emprestado um uniforme para o amigo, era patético. Decidiu então sair silenciosamente da mansão dos McMillan e voltar para a sua própria casa depois de longos minutos atrás de um táxi. Era muito cedo, não havia quase uma alma viva nas ruas, mas por um golpe de sorte pegou o único táxi que avistou. Já em casa, conseguiu tomar banho e se vestir, até Felicia escancarar a porta de seu quarto, que, em um descuido, ele esqueceu de trancar. A mulher ainda estava com suas vestes noturnas, o que não queria dizer que não estivesse arrumada. Felicia Young estava sempre perfeita. Ela fechou o robe com força em volta do corpo enquanto encarava o filho terminar de calçar os sapatos do uniforme. - Você foi se drogar de novo, não foi? David levantou a cabeça e franziu o cenho. Como ela saberia? Só por ele ter passado a noite fora? Ele sempre passava os finais de semana fora. - Do que está falando? - O garoto passou os dedos pelos cabelos úmidos e o olhar escorregou para o livro grosso tremendo nas mãos da mãe. Os nós dos dedos estavam brancos de tanta força que ela fazia ao esmagar a lombada rígida. - Merdinha egoísta, é o que você é. Sabe disso, não sabe? Viciado e fraco, não consegue nem resistir à rejeição daquela vadia. Foi correndo entupir o nariz porque não consegue enfrentar a realidade. - Felicia empurrou uma das mechas do cabelo que caiu na frente do rosto com certa brutalidade. Seus olhos estavam vidrados, soltando faíscas. - David, eu estou lhe avisando... se voltar ao estado que ficou quando aquela vagabunda foi embora... Se sua fraqueza prejudicar o seu desempenho na competição... Eu vou fazer questão NACIONAIS-ACHERON
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de destruir tudo o que importa para você. O garoto engoliu em seco e levantou da cama onde estava sentado calçando os sapatos. - Como sabe...? - Seu idiota, sua vida é exposta diariamente naquele blog, acha que já não foi atualizado com as últimas novidades? Você é uma desgraça, e o pior de tudo, tem mal gosto. E isso não tem conserto. Não tenho como ensiná-lo a gostar do melhor, já tentei durante todos os seus dezoito anos e foi inutilmente desgastante. Por isso estou lhe avisando, se algo der errado... - Cale a boca. Ambos se impressionaram com a inesperada audácia dele. Felicia estreitou os olhos e deu dois passos na direção do garoto. - O que disse? - Cale a boca. Eu disse para você calar a boca. Se a sua vida é uma merda, não desconte suas inseguranças em mim. Eu sempre tive autonomia, algo que você desconhece. Você e todos os seus amigos ricos e fúteis. Quer dizer, amigos não, você não sabe o que isso significa. Você e seus... O peso do livro bem embaixo do olho não o deixou terminar a frase. Se o tapa do dia anterior havia doído, dessa vez nem se comparava. Perecia que os ossos de boa parte do seu rosto haviam se partido em mil pedaços. - Da próxima vez que ousar fazer uma análise da minha vida eu não vou ter pena de deixar você desacordado. Que fique de aviso, pois agora vai ter de exibir um olho roxo por algumas semanas. Vai contar para todos eles que a mamãe lhe deu uma surra? Ou prefere que eu envie uma nota explicando tudo para aquele blog? NACIONAIS-ACHERON
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A dor era tanta que ele não tinha forças suficientes para responder. Não tinha coragem de olhar no espelho como havia ficado, só conseguia pressionar o local e esforçar-se para não chorar na frente dela. Agora, sozinho no banheiro da escola, podia ver em detalhes como o golpe havia lhe deixado. Era um olho roxo nada discreto, que arrancaria questionamentos de todos que olhassem para seu rosto sem nenhuma obstrução. Sentiu as lágrimas voltarem a tomar conta seus olhos. Colocou a mão no bolso da calça, agora sem ponderar, e mandou uma mensagem para a única pessoa que poderia lhe ajudar naquele momento. Ele sabia que ela não o deixaria na mão. Ela estava sempre pronta para ajudar. Do seu jeito, é claro, mas agora era o único jeito que funcionaria. Em cinco minutos, as botas de Lavinia Constantine ecoaram pelo banheiro masculino.
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CAPÍTULO 62 Deveria ser a décima vez que Samantha secava o rosto enquanto desempacotava as encomendas mensais do Walsh, grandes caixas de cor parda cheias de mantimentos que deveriam ser guardados na dispensa. Era um local um tanto pequeno e escuro e a garota não poderia agradecer o suficiente por Frank tê-la designado aquela tarefa. O movimento do Walsh era menor nas segundas-feiras de tarde, portanto Samantha podia deixar Myra sozinha no bar. Cada vez que lembrava do fora que havia levado naquela manhã, sentia o chão desaparecer. Ou seja, sentia isso o tempo inteiro. Percebeu, depois de entrar em um conflito interno demorado, que nunca havia levado um fora de David antes. Nem quando eram amigos e ficavam juntos ocasionalmente, ele nunca a deixou sozinha. E ela já havia dado as costas para ele três vezes. Agora sabia como ele se sentia. Era horrível. Secou a bochecha mais uma vez e esvaziou mais uma das caixas, empilhando algumas latas em cima da mesa de madeira no centro da dispensa. - Sam, Frank quer falar com todos nós no bar. Ele está com um sorriso assustador, é melhor você vir logo. Myra apenas colocou a cabeça para dentro da peça e logo já havia fechado a porta novamente. Samantha limpou as mãos um pouco empoeiradas no avental preto e apagou a luz ao deixar o local. NACIONAIS-ACHERON
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De fato, todos os funcionários do Walsh estavam espalhados esporadicamente em volta do balcão do bar, enquanto Frank estava do lado de dentro esperando que todos terminassem de se juntar. A garota parou ao lado de Myra e encarou o homem, assim como todos os quase dez colegas de trabalho. - Estou prestes a dar a melhor notícia do ano para vocês. - Frank cruzou os braços e os apoiou em cima da barriga, mas logo desfez a posição, demonstrando uma curiosa ansiedade. - Vamos logo, Frank, você já repetiu isso quatro vezes. O que foi? - Um dos garçons, Nick, que tinha cabelos lisos muito loiros e aproximadamente a mesma idade de Myra, incentivou. Samantha havia trocado algumas palavras com ele durante os últimos shows noturnos da semana passada e ele havia elogiado os Velvets. Ou seja, era o suficiente para ter alguma simpatia por ele. - Pela primeira vez em muito tempo, nosso serviço foi reconhecido por gente importante. Gente de nome, sabem? Esses ricaços que só vão em restaurantes caros. Pois é, por algum motivo decidiram dar uma chance para um serviço mais urbano. Samantha estreitou um pouco os olhos e apurou os ouvidos. Do que ele estava falando? Frank pigarreou antes de continuar. - Hoje de manhã fui contatado e solicitaram nosso serviço de buffet para um evento da alta sociedade. Estranho, não é? Esperem só, é um evento musical. Eles precisam de uma equipe moderna, que trabalhe nessa área. O evento todo será com essa temática e vamos fazer parte da... como a mulher falou mesmo? Ah, sim, da experiência. Não querem um buffet sofisticado, NACIONAIS-ACHERON
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querem algo como Hard Rock Café. Samantha deu um passo involuntário para trás. - O evento é sobre o quê, exatamente? - Um dos cozinheiros se manifestou de trás do grupo. - Ah, sim! Samantha, você provavelmente deve ter sido convidada, é para divulgar a Batalha das Bandas promovida pela City Music Channel entre a alta sociedade, certo? Bom, você fica de fora do buffet, é claro, já que vai estar lá como convidada. - Eu não fui convidada. Quem é o organizador? - Samantha podia sentir que sua garganta estava se fechando. - Ora, mas que estranho. Eu não me lembro muito bem, a menina no telefone falou vagamente... - É um evento oficial? - Não, claro que não. É algo muito particular, só para os convidados escolhidos rigorosamente. Não é um evento grande. - Você não lembra o nome do organizador? Todos agora encaravam Samantha com curiosidade. Ela precisava confirmar suas suspeitas, aquilo simplesmente não estava acontecendo. - Bom, era um nome diferente... - Frank pensou um pouco, encarando a superfície do balcão de forma contemplativa. - Lembro que o sobrenome era Young. A megera não tinha feito aquilo. Não podia ser verdade. Samantha começou a andar para trás até virar-se completamente e voltar em poucos segundos para a dispensa, por uma das portas dos fundos do estabelecimento. Felicia Young estava organizando um evento para exibir os NACIONAIS-ACHERON
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Walkers entre os ricos e Samantha iria servi-los como garçonete. Estava sem reação. A mulher era cruel o suficiente para invadir seu local de trabalho e contratar toda a equipe que a garota fazia parte para simplesmente humilhá-la em público. - O que houve? - Myra fechou a porta da dispensa atrás de si. Olhava de forma preocupada para Samantha, que estava apoiada na mesa de madeira encarando o chão. - Eu... não... nada. - Você conhece esse Young? Está chateada porque não foi convidada? Ora, Sam, não fique assim. É um evento de gente rica, só para as bandas dos ricos que foram classificados. Não eram cinco escolas particulares? Devem ser todos uns riquinhos, os Velvets são uma exceção. Com certeza Frank vai liberar você dessa situação. - Você não entende... eu estou bem, Myra, de verdade. Só estou com dor de cabeça. Quando é o evento? - Tem certeza? - Tenho, quando é? - Nessa sexta-feira à noite. Você com certeza estará dispensada. Samantha virou de costas e puxou uma das caixas cheias que restavam para desempacotar. - Vou continuar a desempacotar para poder ajudar você quando o turno da noite começar. Avise Frank que estou bem, ok? - Não precisa, Myra. - As duas encararam Frank na porta, parecendo igualmente preocupado. - Pode voltar para o bar, vou conversar com ela. Myra concordou e se afastou, fechando a porta após Frank ocupar seu NACIONAIS-ACHERON
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lugar no pequeno espaço. - Vamos, garotinha, qual é o problema? Está com vergonha por não fazer parte daquela gente? É claro que eu não vou fazer você passar por isso. Se eles não convidaram sua banda é porquê são um bando de ignorantes preconceituosos. Estou considerando rejeitar... - Você está maluco? Felicia Young deve estar pagando uma boa quantidade de dinheiro pelo serviço. O Walsh vai servi-los, é claro que vai. - Com exceção de você. Não vou permitir que passe por isso. - Não, Frank. Todos vamos servi-los. Se Felicia queria que Samantha a servisse na frente da alta sociedade, era exatamente isso que a garota iria fazer. Não iria fugir como um animal acuado. Não mesmo.
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CAPÍTULO 63 - O quê? - Por que só nos contou hoje? Carter, Alex e Oliver estavam paralisados. Samantha nunca havia visto os amigos tão chocados desde quando os Velvets foram classificados para a Batalha das Bandas. Esperou chegar sexta-feira para compartilhar sua participação como garçonete no evento de Felicia Young, caso contrário sabia que passaria a semana inteira ouvindo os três tentando convencê-la a desistir. E o horário do almoço era perfeito para isso, principalmente se estivessem em público, sentados em uma das mesas do refeitório. Alex não poderia começar a gritar e Carter não surtaria. - Se meus pais não suportavam os Young antes, agora que vão fazer um evento que envolve meu nome e deixá-los de fora... - Carter parecia estar passando por uma situação particular dentro da própria mente. - Carter! Felicia planejou tudo, será que não percebe? - Alex estava mais furiosa do que Samantha poderia imaginar que a amiga ficaria ao saber da novidade. - Ela sabe que somos a maior concorrência dos Walkers e quer nos desestabilizar humilhando a Samantha. A produção do programa nem deve ter ficado sabendo disso. Só sabemos que envolve a Batalha das Bandas porque precisaram informar Frank. A mulher é esperta, nem deve ter especificado o motivo do evento nos convites, apenas os enviou para as famílias relevantes e para as bandas de alunos ricos classificados. - Não acredito que ela está organizando um evento inteiro só para nos NACIONAIS-ACHERON
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atingir... quer dizer, somos tão importantes assim? - Oliver não parecia acompanhar muito bem a gravidade da situação. Ou estava chapado ou seu status humilde não permitia que ele entendesse a crueldade dos Young. - É claro que sim. Por que raios eles contratariam a empresa que Samantha trabalha para servir o buffet? - Alex soava como uma advogada muito furiosa. - Como David foi capaz de fazer parte disso? - Alex, é claro que ele ainda não sabe. E provavelmente não vai ficar sabendo até o último minuto. Ela deve ter enviado os convites ontem, para que David não tivesse tempo de descobrir e interferir. - Carter sempre era o único que levemente defendia David no grupo, e dessa vez não era diferente. - Eu acho que ele sabe. - Samantha agora encarava as mãos que descansavam na sua frente, apoiadas em cima da mesa. - Por quê? - Alex guinchou, estava histérica. - Bom, tivemos um... momento na segunda-feira e ele meio que... me deu um fora. - O QUÊ? - Carter abriu um dos braços e empurrou para o chão, sem perceber, um dos copos de plástico que estava em cima da mesa. - Como assim te deu um fora? Vocês nem tem nada! - Alex começou a ficar vermelha, as já conhecidas manchas pelo pescoço. - Que eu saiba você deu o último fora na festa de Halloween! - Então... - Samantha evitava com todas as forças encarar Oliver. Era muito estranho falar sobre seu relacionamento inexistente com David na frente dele. - Vocês não estavam naquela aula... ele meio que surtou e saiu de repente, e eu fui atrás... queria saber o que estava acontecendo. - Por que você foi atrás dele se havia dado um fora no garoto? NACIONAIS-ACHERON
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Carter e Oliver acompanhavam a discussão das duas como uma intensa partida de tênis. - Porque... você sabe. Enfim, pare, por favor. Na maior parte do tempo eu não sei o que eu estou fazendo quando envolve o David. Ele estava completamente alterado, chorando desesperadamente, e eu tentei acalmar ele, porque estava muito assustador. - Ele estava chorando por causa de você? - Eu acho que não. Quer dizer, pode ser que meu fora tenha influenciado, mas ele estava com o olho roxo. Era um machucado feio mesmo. Ele deve ter entrado em alguma briga, sei lá, não quis me explicar. Mas ele estava estranho, entende? Meio surtado. De qualquer forma, consegui acalmá-lo e... bem... você deve imaginar... - Vocês se pegaram? Samantha! Você está tirando com a cara do garoto? No dia anterior dá um fora e na manhã seguinte beija ele? - Não é tão simples assim! Ele sabe que eu... - Samantha fez uma pausa, lembrando da presença de Oliver. Ah, que se fodesse, ele pegava outras garotas e eles não tinham nada sério. - Ele sabe que eu gosto dele, só não consigo confiar completamente... Quer dizer, minha mãe fica repetindo que eu não devo... por causa do escândalo... mas eu sei que não foi ele, entende? Na época eu era muito imatura para perceber... David nunca faria isso comigo. - Não sei, Sam... – Alex, como sempre, mostrava-se insegura e desconfiada quando se tratava da culpa de David envolvendo o escândalo. - Mas que droga! Quer se juntar à minha mãe? Vocês fariam uma ótima dupla! - Desculpe, continue. Samantha estreitou os olhos e respirou fundo, recuperando o fôlego. NACIONAIS-ACHERON
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- Depois que a gente... você sabe, bem, ele... eu... ele não quis fazer nada. Simplesmente levantou de onde estávamos sentados e me deixou sozinha, sem se explicar. - Você disse que o garoto estava surtado! - Não! Eu consegui acalmá-lo! E mesmo assim ele me deixou sozinha. Por isso acho que ele sabe do evento. David é orgulhoso, deve estar irritado com todos os foras que eu lhe dei. Já somam um bom número agora. - Sam... - A voz de Carter interrompeu o diálogo. - Ele pode estar chateado, metido em confusões que vão além da relação de vocês, mas... compactuar com o fato de que você vai servir as famílias ricas da cidade, incluindo ele mesmo? Fala sério. Ele não faria isso. - Eu não sei. Ele estava muito estranho. Eu acho que ele desistiu. Samantha engoliu em seco antes de continuar. - Não o culpo, eu praticamente pedi para que isso acontecesse. - Não o julgue precipitadamente, não fazemos ideia do que está acontecendo na vida dele... - Por que você sempre defende esse garoto? - Alex fuzilava Carter, a pele que antes era branca estava meio rosa agora. - Samantha vai precisar servir o idiota para você se dar conta que ele é um ridículo? - Você está ficando com um dos melhores amigos dele, pare de ser falsa. – rebateu Carter, estreitando o olhar da mesma forma. - O que isso tem a ver? – A voz de Alex ficava mais fina a cada nova frase. Carter revirou os olhos, logo depois ficando sério. - Você acha que Alfie vai nesse evento? NACIONAIS-ACHERON
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- Eu não sei, ele não falou nada. - Será que todos os Walkers não sabem que é um evento que envolve a Batalha das Bandas? Felicia é a manifestação humana do diabo, eu estou falando sério... ela é capaz de tudo. - Você disse que ninguém deve saber. - murmurou Samantha, depois de alguns segundos em silêncio. - Ela não deve ter informado ninguém, apenas nós e o pessoal do Walsh, por consequência do meu emprego. Para todo mundo, deve ser só mais um evento da alta sociedade. Uma festa da Felicia. Todos mantiveram um silêncio contemplativo por um minuto inteiro. - Você tem certeza que vai fazer isso? - Carter se manifestou. - É que... não estaremos lá para te apoiar se algo ruim acontecer. Você estará sozinha. - Nada vai acontecer. Eu apenas vou desenvolver meu cargo de funcionária do Walsh como todos os outros da equipe. O que pode acontecer? - Não gosto nem de imaginar. Não estou gostando nada disso. Tudo bem, é um tapa na cara de todo mundo, mas é um pouco perigoso. - Foi a vez de Alex dar sua opinião, que não era muito diferente de Carter. - Eu acho que você deve ir, sim. Os três encararam Oliver de forma mecânica. Ninguém esperava que ele fosse se manifestar, e muito menos falar aquilo. - Por quê? - Carter e Alex perguntaram, em uníssono. - Porque é exatamente o oposto do que Felicia espera que ela faça. Quer dizer, o normal seria ela ser dispensada e ficar em casa. O objetivo da mulher é só mostrar o quão ameaçadora ela consegue ser, e quanto poder ela tem em mãos. Só isso. Ela não espera que Samantha realmente vá, nenhuma garota de dezesseis anos é forte o suficiente para passar por isso. Se Samantha for, vai NACIONAIS-ACHERON
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mostrar que pode ser tão ameaçadora quanto ela. Vai mostrar que é uma verdadeira Velvet. Não é isso que queremos? Desafiar esse bando de hipócritas? É a chance perfeita. Os dois ficaram calados, as fichas caindo aos poucos. Oliver tinha toda a razão, assim como Samantha. - Obrigada, Oliver. É isso. - Ela abriu um sorriso tímido para ele, que assentiu com a cabeça. - Ainda acho arriscado, mas é uma escolha sua. - Carter ainda parecia um tanto hesitante. - Nos ligue sob qualquer circunstância desesperadora. Daremos um jeito de tirar você de lá. - Alex agora encarava a amiga nos olhos. - Tudo bem? Não vá resistir se alguém te destratar. Estou falando sério, Sam. - Eu duvido que alguém vá me destratar, sem ser a Felicia. Ou o David. - Ele não vai fazer isso. David gosta de você, sempre gostou. Pode estar chateado, mas vai ficar tão surpreso quanto todo mundo quando te ver lá. Carter continuava do lado do garoto. - E eu acho que vai ficar bem furioso. - Teremos que esperar para saber. - Samantha concluiu, com a voz confiante, porém sua mente bem longe de qualquer sensação de confiança.
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CAPÍTULO 64 - Agora faz sentido. A voz de Alfie, um pouco acima de seu ouvido esquerdo pelo fato de o amigo ser mais alto, o fez acordar de um transe momentâneo provocado pela música alta e pela luz fraca. Fazia sentido para David também, mas isso não significava que ele queria estar ali. Felicia havia organizado na surdina um evento para a alta sociedade, e avisara horas antes que era uma festa especial para homenagear as famílias das bandas das outras escolas classificadas na Batalha das Bandas. Era uma confraternização amigável, segundo suas próprias palavras. Inútil, pensou David, observando o salão sofisticado de um dos hotéis mais caros de Londres. A decoração com temática musical estava impressionável, mas ele sabia que a mulher só fizera algumas ligações para que aquilo ficasse pronto. A beleza da festa não era mérito dela. "Cool Kids" tocava, preenchendo cada canto do grande salão, fazendo David sorrir de forma deprimente. Era uma música muito adequada para aquele tipo de evento, completamente segregado. Só as famílias mais ricas da cidade haviam sido convidadas, assim como todos os outros eventos que ele era obrigado a participar. O fato de ser um evento motivado pela Batalha das Bandas fazia David sentir-se constrangido por estar ali. Cada pessoa que o cumprimentava e o parabenizava por ter se classificado na competição o fazia lembrar da chantagem de Felicia - que incluía forçá-lo a estar na festa - e o fazia perceber que os Velvets não estavam presentes. NACIONAIS-ACHERON
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É claro que não estariam, metade da banda era pobre e um quarto pertencia a uma família que era praticamente rival dos Young. Felicia vivia enchendo os Francis de desaforos e ele sabia que era porque ela tinha inveja. A mãe de Carter era muito mais velha que Felicia, mas era uma mulher absurdamente elegante e influenciável. David ousaria dizer que Theresa Francis era bem mais importante entre a alta sociedade, mas só de pensar nisso já podia imaginar Felicia surtando. Sentiu um gosto amargo na boca, tinha nojo daquelas intrigas. Era patético, passara a vida inteira ouvindo os dramas fúteis da mãe em relação aos ricos de Londres e nunca suportou o valor que ela dava para aparências. Seu bolso direito queimou, uma sensação imaginária. Era onde ele havia guardado a emergência provida por Lavinia durante a semana. O pequeno saco contendo a droga seria a única escapatória naquela festa insuportável. - Sua mãe exagerou dessa vez. Virou-se de costas e vislumbrou Penelope, acompanhada da forma mais discreta possível por Scott. A garota estava muito bonita, havia prendido os cabelos ruivos em um grosso coque no topo da cabeça e usava um vestido verde de seda. Scott estava, como ele e Alfie, de smoking. - Quando ela não exagera? - respondeu, suspirando. - Viram algum garçom por aí? Vamos precisar de álcool para aguentar essa idiotice. - Passei por uma garçonete na entrada. - murmurou Scott, tentando se fazer ouvir por cima da música. David umedeceu os lábios e encarou a entrada do salão, realmente considerando atravessar o local em busca de alguma bebida. Informou os amigos de sua decisão e começou a se afastar por entre as pessoas, a festa já estava parcialmente cheia. NACIONAIS-ACHERON
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- David? Um toque leve em seu braço o fez parar de andar, virando-se para a pessoa que o havia chamado. Seu estômago congelou. - Joanna. Joanna Cardiner o encarava com um sorriso acolhedor. O mesmo sorriso que o fez, há três anos, encantar-se a ponto de ter sua primeira vez. A garota com quem David havia perdido a virgindade continuava a mesma. A pele bronzeada, os olhos castanhos, os cabelos loiros compridos. Ela era deslumbrante. - Como está? Faz tempo que não conversamos! - Estou bem, e você? - Ele cruzou os braços, sentindo-se um pouco desconfortável. Joanna o deixava um tanto nervoso. - Estou ótima. Bom, eu só queria parabenizá-lo oficialmente por ter se classificado. Você estava ótimo na apresentação, nunca imaginaria que o David que conheci se tornaria um artista de verdade. Parabéns, Dave. O garoto suspirou, sentindo o peito apertar um pouco. - Muito obrigado. Ele não sabia o que dizer. Sempre sabia o que dizer, sempre conduzia as tietagens e os flertes, mas dessa vez estava absolutamente sem ideias. Joanna colocou uma das mechas lisas do cabelo dourado para trás da orelha, e David notou, mesmo no ambiente mal iluminado, um piercing duplo de argolas na parte superior. - Quer uma bebida? É isso que você tem a dizer, seu babaca? Uma das garotas mais gostosas da West Newton, responsável pela sua virgindade, está lhe dando mole, e é NACIONAIS-ACHERON
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assim que reage? Queria esmurrar o próprio rosto. - É claro. - respondeu Joanna, ainda sorrindo. Apesar da maquiagem, era possível notar algumas sardas no nariz da menina. Ele sorriu de volta e estendeu o braço. Desistira de tentar ser o David galanteador de sempre, que tinha as melhores frases na ponta da língua. Com Joanna nada funcionaria, apenas agiria como um robô despreparado. Joanna enfiou o próprio braço em David e o acompanhou até a entrada, avistando uma garçonete com traços indianos. Ela percebeu que ambos estavam indo em sua direção e facilitou o esforço, aproximando-se deles e lhes oferecendo taças de champanhe. Por sorte, Joanna era tão desenvolta quanto ele era com outras garotas. Não pareceu esforçar-se para puxar assuntos interessantes, mantendo-os ocupados por quase meia hora. Era estranho, mas David não se sentia desconfortável na presença dela. Era natural. Os minutos voavam quando estavam juntos, rindo de besteiras que ambos falavam. No exato momento em que haviam entrado em um assunto especialmente engraçado, envolvendo o passado dos dois, a voz de Felicia interrompeu-os no microfone. - Boa noite, nobres famílias londrinas - Felicia estava em pé, segurando um microfone, em cima do grande palco montado especialmente para o DJ. Gostaria de agradecer a presença de todos neste humilde evento em prol da confraternização das famílias e amigos das famílias das bandas classificadas na Batalha das Bandas, organizada pela City Music Channel. É, sem dúvidas, o acontecimento do ano, e irá transmitir para o país inteiro o talento de nossos filhos. Portanto, um imenso parabéns a todas as bandas, tenho certeza que será uma competição saudável e justa. Aproveitem a noite! NACIONAIS-ACHERON
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A mulher devolveu o microfone ao DJ e juntou-se às suas companhias anteriores. David suspirou, não acreditando na cara de pau da própria mãe. Ela era a pessoa mais falsa que ele conhecia. Era lamentável. O som voltou a tocar em um volume considerável e David virou-se novamente para Joanna, mas seu plano de iniciar uma nova conversa que se distanciasse de toda aquela futilidade foi interrompido. - Desejam mais uma bebida? Os dois olharam na direção da voz. Joanna franziu o cenho, demonstrando confusão, mas David não conseguiu reagir no primeiro instante. Samantha o encarava com um sorriso forçado, segurando uma bandeja cheia de taças. Ela estava vestida com as mesmas roupas dos garçons e garçonetes. Que merda era aquela? Passaram-se provavelmente uns trinta segundos até alguém decidir reagir. - Samantha? Por quê está segurando a bandeja? - Joanna estava curiosa, completamente perdida na situação. Samantha manteve os olhos em David e os estreitou um pouco antes de olhar na direção de Joanna. - Estou trabalhando. Sou garçonete do pub que está servindo vocês hoje. Mais uma taça? - Dá para você me acompanhar? - David conseguiu grunhir por entre a música alta. - O quê disse? - Samantha ainda mantinha o sorriso forçado no rosto, mas até Joanna estava percebendo que ela estava irritada. - Joanna, me desculpe, eu preciso conversar com ela. - David falou depois de desviar os olhos de Samantha e encarar a outra. NACIONAIS-ACHERON
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- Fiquem à vontade. - respondeu a garota, abrindo um sorriso, mas ainda demonstrando certa confusão. - Vamos. Samantha suspirou, controlando-se para não revirar os olhos. David estava furioso o suficiente para que a garota percebesse que ele não desistiria até ela fazer o que ele estava pedindo. O seguiu, mas, no caminho, fez questão de parar em diferentes rodas de conversas e servir os convidados. As mãos de David fechavam-se, tensas, cada vez que ela parava para servir alguém. - Quer parar? Onde é a cozinha? Largue essa bandeja. – sussurrou perto de seu ouvido, andando ao seu lado, depois que ela deixou a quarta roda. - Senhor Young, estou lhe servindo, mas não precisa ser tão grosso! – Ela continuou caminhando e observando os convidados, segurando a bandeja com um sorriso profissional no rosto. - Pare com isso. – grunhiu David, agora falando alto por estar mais distante de seu campo auditivo. Samantha sorriu satisfeita antes de lhe lançar um olhar sem paciência. - Me siga. Eles atravessaram todo o salão até chegarem em uma porta dupla localizada em uma das extremidades. Aproveitaram que um dos garçons do Walsh abriu, saindo com uma badeja cheia de petiscos, e saíram depois dele. Um corredor vazio levava-os para diferentes portas. A mais próxima era a cozinha, então Samantha não se incomodou em demorar o máximo possível para devolver a bandeja e voltar até o corredor. - O que está fazendo? - David perguntou em um tom exageradamente alto, os braços cruzados e os olhos faiscando. NACIONAIS-ACHERON
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- Foi exatamente o que eu expliquei para Joanna. Como ela está bonita, David, não a notava fazia anos. Decidiram resgatar o passado hoje? Penelope não veio? - Pare de desconversar! O Walsh foi contratado? - Sim, sua querida mãe fez questão de selecionar os serviços do evento dela à dedo. David olhou para o carpete do chão, as narinas infladas de raiva. Sua respiração estava ofegante. Samantha estava se divertindo um pouco, precisava assumir. Depois de ver David e Joanna conversando de forma íntima, era delicioso vê-lo estressado. - Não se preocupe comigo, Dave, é o meu trabalho. E eu acho que você já deixou claro para nós dois que não quer mais nada, então o que faço da minha vida não faz diferença para você. - Vamos embora, eu vou deixar você em casa. Samantha riu alto, chegando a inclinar o corpo para frente. - Diferente de você, eu tenho responsabilidades e preciso cumprir meu contrato. Não posso sair no meio do expediente. – Era mentira, é claro. Frank havia deixado claro que ela poderia ir embora quando quisesse. - Que se foda, você não vai ficar aqui servindo essa gente. - Por que não? Tem vergonha do meu emprego? - Não. – respondeu ele, quase em cima da pergunta da garota. - Só acho que, hoje, você deveria ser uma convidada, não uma das garçonetes. - Comovente. Extremamente nobre da sua parte. Terminou? Posso voltar? Acho que a taça da sua mãe esvaziou. - PARE COM ISSO! NACIONAIS-ACHERON
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O tom de voz de David foi tão alto que Samantha deu um passo para trás, ficando séria. Ele começou a respirar mais rápido do que o normal, e o seu normal já estava bem alterado. Aproximou-se da parede e apoiou uma das mãos nela. - Você está bem? - Samantha arregalou os olhos, aproximando-se do garoto e encostando em seu braço. David respirava com certa dificuldade agora. - Sim - murmurou, mas seu olhar não focalizava em nenhum lugar, ficava apenas pulando de um canto do carpete para o outro. Samantha começou a ficar assustada. - David, o que você tem? - Nada, eu já disse. Só um pouco de falta de ar. – respondeu ele, entre inspiradas e expiradas profundas. - Quer sentar? – sugeriu ela, receosa. - Não, eu vou embora. Se quiser continuar com essa palhaçada, o problema é seu. Não vou ficar no mesmo ambiente. - Você não pode ir embora sozinho. David encostou as costas na parede, parecendo recuperar parte do fôlego. - É claro que eu posso. – resmungou, sem a encarar. - Não vou deixar você sozinho, está claramente passando mal. Precisa de um médico. - Pelo amor de Deus, Samantha. Se não quer que eu te leve em casa, me deixe em paz. Volte para o seu trabalho. Tem alguma saída de funcionários por aqui? NACIONAIS-ACHERON
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- Tem. - Então tenha uma boa noite. Ele começou a se afastar, mas ela levantou uma sobrancelha. Ele não sabia onde era a saída de funcionários. - David... você não sabe onde é a saída. - Vou descobrir sozinho. Samantha criou toda a coragem que conseguiu antes de falar. - Eu vou com você, não vou deixá-lo passar a noite sozinho. David parou de caminhar e virou-se novamente para ela. - O que pretende? Ir comigo para minha casa? - perguntou em um tom sarcástico. David sabia que ela não faria isso nem que fosse paga. Samantha respirou fundo, ignorando seu sarcasmo desnecessário. - Não, vamos para a minha casa.
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CAPÍTULO 65 As gotas de chuva iluminadas pelas luzes esporádicas dos postes e janelas prenderam a atenção de Samantha por quase dez minutos antes de David decidir quebrar o silêncio. O interior da Bentley estava quente e confortável, mas a menina não conseguia se sentir relaxada. Era a primeira vez que estava dividindo um ambiente pequeno com ele depois de tanto tempo, e se discutissem ela não teria como dar as costas e sair andando. Só se estivesse disposta a andar na rua em plena madrugada de inverno, correndo riscos que iriam além da gripe pela chuva. O som da respiração pesada de David podia ser ouvido por cima da música que tocava no rádio. - Me desculpe. Foi como pegar no sono por alguns segundos e acordar assustada. Seu coração disparou e ela virou a cabeça devagar na direção dele. Estavam sentados cada um em uma extremidade do banco traseiro, mantendo a maior distância possível. Havia ainda uma mochila entre eles, fazendo Samantha concluir que ele provavelmente já não iria dormir em casa antes de sua decisão impulsiva. - Pelo quê? – murmurou baixo demais. O refrão de "Bloodstream" seguiu sua pergunta, deixando o ambiente desconfortavelmente intenso. Esfregava uma mão na outra de forma constante, a clássica demonstração de nervosismo mascarado pelo frio. - Pelo que minha mãe fez. Nunca vou perdoá-la por isso, ela foi longe demais. NACIONAIS-ACHERON
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- Não é novidade o fato de ela não gostar de mim. Agora que me tornei uma competidora para você, é justificável ela querer me humilhar. Os lábios de David apertaram-se um contra o outro. Ele estava com raiva. Começou a estralar os dedos com certa agressividade. - Não é justificável. Ela é louca, nada que ela fizer vai ser justificável. – David fez uma pausa, refletindo por alguns segundos. - O que eu posso fazer para você tentar esquecer isso? Samantha virou o rosto para o vidro a tempo de evitar que ele percebesse um inconveniente sorriso surgir em seus lábios. Sua idiota! Pare de pensar besteira. - Me evitar até nos formarmos e não precisarmos mais conviver. – A voz saiu fraca pois era exatamente o oposto que desejava. Já havia decidido seguir seu coração e acreditar que David não era o culpado pelo escândalo, mas podia sentir no ar que o garoto tinha as próprias inseguranças. Ele podia estar sendo sincero quando dizia que ainda se importava com ela, mas havia algo nele que deixava claro: não podiam ficar juntos. O motivo? Ela não fazia ideia. David olhou para a direção do motorista, que não podia estar menos interessado na conversa deles – ou fingia muito bem. Decidiu prosseguir. - Não consigo. – Saiu quase como um sussurrante gemido. - Quando tento descomplicar a situação você piora, o que quer que eu responda, David? Me compre um iPad e estamos quites? - Não estava me referindo à nada material, você sabe disso. Ela rolou os olhos, perdendo um pouco de sua paciência. - O que eu quero você não pode me dar, então cale a boca e pare de tentar NACIONAIS-ACHERON
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ser gentil. David suspirou profundamente, cruzando os braços e ajeitando-se no banco. Por sua visão periférica Samantha podia ver a silhueta do garoto vestindo o caro smoking, enquanto ela ainda estava usando o uniforme de garçonete. Sentiu-se absurdamente deslocada dentro daquele carro. - Se você soubesse o quanto eu quero mas não posso, não iria ser tão rabugenta. – falou ele, depois da pequena pausa. O coração de Samantha inevitavelmente acelerou com a informação. - É por causa da Penelope? – perguntou, ainda não haviam se olhado. Ela agora encarava o encosto do banco à sua frente. David abriu um sorriso melancólico. - Um dos fatores, sim. – A voz dele era desanimada. Samantha pensou por um momento, ponderando se deveria prosseguir com a pergunta ou não. Já que estavam conversando abertamente, resolveu prosseguir. - Então por que ela não fica brava quando você sai com outras garotas? Ele pareceu engolir a saliva e inspirar antes de continuar. - Porque elas não são você. Samantha podia muito bem interpretar aquela resposta como um elogio, mas estava sentindo a raiva e a indignação começarem a crescer dentro de si. - Tudo bem, se não quer me contar todos os motivos, então pare de repetir que vai acontecer na hora e no lugar certos. Não, não vai. Ora, se eu soubesse que você iria fazer isso comigo quando me procurou pela primeira vez na clareira, não teria perdido horas da minha vida me lamentando. Não deveria ter beijado você na festa. Não deveria ter beijado você no dia seguinte. NACIONAIS-ACHERON
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- Deveria, sim. – David a interrompeu, virando a cabeça na direção dela, os braços ainda cruzados. – Seus beijos foram as únicas coisas que fizeram eu me sentir bem nos últimos tempos. Poderia ter ficado tocada, mas o desespero por entendê-lo era maior. - O que está acontecendo, David? Você pode ter passado corretivo no olho hoje, mas eu lembro muito bem da cor que ele estava essa semana. Quem fez isso? Ele virou o rosto para a janela novamente. - Não quero falar sobre isso. - Tem algo a ver com o fato de não podermos ficar juntos? Antes de responder, David abriu a boca e a fechou novamente, parecendo pensar melhor na resposta. - Sim. Samantha virou o corpo totalmente para ele, havia perdido a paciência. Estava cansada de enigmas, quando não era ela relutando ele surgia com novos motivos para impedi-los de dar o próximo passo. Por que não poderiam ser pessoas comuns com problemas comuns? Tudo tinha que ser tão difícil! - Você está claramente sofrendo, porque não pode me deixar ajudá-lo? Eu sei que você tem uma namorada que já deve estar fazendo isso... e milhões de garotas que lhe dão prazer, mas mesmo assim seu olho está roxo e você age como se não estivesse nada bem. - Samantha, por favor... você não me perdoaria se soubesse o motivo. Confie em mim, eu estou muito satisfeito por você acreditar que eu não sou o culpado pelo escândalo, não quero lhe dar um motivo concreto para me odiar. NACIONAIS-ACHERON
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Esse motivo é real, e eu não vou lhe dar de bandeja. A garota encostou-se novamente no banco, quase bufando de indignação. - E se eu prometer que não vou odiá-lo, independente do motivo? – perguntou, depois de quase um minuto de silêncio. - Jesus, você realmente quer que eu te foda! Samantha arregalou os olhos e abriu a boca, sem reação. David estava sorrindo, segurando-se para não explodir em uma risada alta. Ela lhe deu um soco no braço, por sorte o grosso tecido do smoking amorteceu o impacto. - Como... – A garota olhou para a frente, tentando identificar a reação do motorista. Se o homem não estivesse dirigindo ela diria que ele estava no sono R.E.M. – Ah, que se dane. Não é só isso, seu idiota. - Eu estou brincando, Sam. Quer dizer, não, não estou, mas acredite... eu quero mais do que você. Pode ter certeza. E cada vez que você assume que quer eu quero mais ainda. Ela fechou os olhos por um momento, encostando a cabeça no encosto do banco. Alguém lá em cima estava fazendo um ótimo trabalho se queria impedir que os dois ficassem juntos. - Você provavelmente está me odiando agora. Quer ficar na sua casa e eu volto para a minha? Eu estou bem, acredite. - Não vou deixar você sozinho, já falei, que droga. - Eu não sou uma criança. - Depois do que eu presenciei no campo de futebol você pode ter certeza que não vai conseguir me convencer do contrário. Ia acontecer de novo, não ia? David franziu o cenho, encarando-a surpreso. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu só fiquei com um pouco de falta de ar. - Tudo bem, David, continue agindo como se isso fosse normal. Quer ir para sua casa? Vá. Pode me deixar em qualquer lugar, eu me viro. - Pare com isso. Só estou preocupado com sua mãe. - Deixe que da minha mãe cuido eu. Ela virou o rosto novamente para o vidro e permaneceu assim até que o motorista particular de David parasse na frente de sua casa. Havia dado as instruções ao entrar no carro e o homem só precisou digitar o endereço no GPS. Foi tão fácil que ela estava a qualquer momento esperando que ele ativasse alguma direção automática e deitasse para dormir. - Muito obrigada pela carona, senhor... – Samantha se dirigiu ao motorista depois de pisar na calçada úmida pelo chuvisco da madrugada. - Barton, apenas Barton, senhorita. - Bom, muito obrigada, Barton. O homem assentiu com a cabeça murmurando algo como "às ordens", logo depois encarando David, que já estava fora do carro segurando sua mochila. Samantha deu as costas para os dois e abrigou-se no pequeno hall de entrada de sua casa. Esperou o garoto terminar de falar com o homem e se aproximar dela. Seu estômago começou a dar sinais de nervosismo novamente. Estava prestes a entrar em sua própria casa acompanhada de David. E sua mãe estava lá dentro. O que você estava pensando, sua inconsequente? Ele parou na frente dela e a olhou com certa expectativa. - Antes de entrarmos, preciso avisá-lo. Minha mãe está dormindo no quarto dela, a porta está fechada. Ela tem o sono pesado e não costuma NACIONAIS-ACHERON
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acordar quando eu chego de madrugada, mas isso simplesmente não pode acontecer hoje. Ela não pode ver você, portanto seja o mais silencioso possível. - Parece que nossas mães têm algo em comum. Samantha o encarou com os olhos estreitos enquanto tirava as chaves de casa de dentro de sua própria mochila de couro. - Minha mãe não gosta de você e sua mãe não gosta de mim. Acho que elas se dariam muito bem. – explicou ele, sem necessidade. Ela já havia entendido de primeira e não havia achado graça nenhuma. - Faça silêncio, vou abrir a porta. Ela girou a fechadura e empurrou a porta da forma mais silenciosa que conseguiu. Entrou na sala escura e deu espaço para o garoto entrar atrás de si. Trancou a porta novamente e acendeu a luz. A sala de Samantha entrou no campo de visão de David. Era uma peça simples, mas decorada de forma cuidadosa, fazendo com que o local passasse uma forte impressão de conforto. Típica sensação que um verdadeiro lar passava. O exato oposto de sua mansão fria e impessoal, muito longe de ser um lar. Um sofá médio com o estofado estampado ocupava o centro, rodeado por duas poltronas vermelhas. Uma mesa de centro também de madeira rústica e a televisão. A bela estante encostada na parede perto da janela, lotada com os livros de Donna, chamou sua atenção. Ele notou também a cozinha aberta com o balcão de madeira rústica, assim como a escada para o segundo andar quase na frente da porta de entrada. - Está com fome? Fale rápido. – Samantha interrompeu, apressada, sua análise silenciosa. Ele franziu o cenho, pensando em uma resposta. NACIONAIS-ACHERON
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- Estou com a sensação de que estamos invadindo a casa de alguém. – murmurou, olhando em volta agora meio desconfortável. - Estamos invadindo a casa da minha mãe. O que quer? – Ela falou, lançando a pergunta logo em seguida e não dando muita importância para seu desconforto naquele momento. - Eu... eu não sei! Não consigo me decidir sob pressão. - Vamos subir, então. Quando você decidir, eu tento voltar aqui sem fazer barulho. David concordou em silêncio e a garota decidiu sua direção, caminhando para as escadas na sua frente. Ele a seguiu, sentindo que cada passo poderia fazer a casa explodir. O corredor do segundo andar possuía quatro portas, mas, antes de Samantha chegar até a última, apagou a luz da sala pelo interruptor do segundo andar. Estavam no escuro novamente. A garota abriu a porta do seu quarto e aguardou David se aproximar, mas ele estava caminhando muito devagar. Poderia rir se não estivesse tão nervosa. Perdendo a paciência, agarrou-o pelo smoking e o puxou para dentro sem tomar cuidado algum. Ele praguejou em um tom extremamente baixo enquanto ela fechava a porta e a trancava. Era mais seguro assim, se sua mãe resolvesse invadir a peça sem bater teria um grande obstáculo e ela poderia pensar em qualquer desculpa para não abrir. Ligou a luz e soltou a respiração, presa há quase um minuto. - Não lembrava como o seu quarto era tão... bonito. Ele é muito bonito. David olhava em volta com uma verdadeira curiosidade. Samantha preferiu assim, enquanto ele se mantivesse ocupado com a decoração do quarto não precisaria lidar com o iminente silêncio constrangedor e aquele smoking que o deixava lindo. NACIONAIS-ACHERON
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Largou sua mochila em cima de um banco estofado posicionado embaixo da janela e olhou na direção de sua cama de solteiro. Tinha um segundo colchão estratégico posicionado na parte de baixo, era só puxá-lo para fora. O garoto chamou sua atenção ao se desfazer do smoking enquanto ainda analisava uma de suas estantes com livros e alguns cd's. Oh, Deus, no que você foi se meter? Forçou seu olhar para a parede oposta, do outro lado do quarto, mas era como um ímã. Quando percebeu, estava encarando a bunda dele. Pare. Sentiu as mãos começarem a tremer. Ele finalmente virou em sua direção e a tirou do transe, por pouco não a pegou o analisando. Samantha cruzou os braços demonstrando desconforto e encarou o rosto dele. - Eu preciso usar o banheiro, meus olhos estão secos. - O quê? – Ela não sabia se estava tão entorpecida que não entendia mais nada ou se realmente a frase não fazia sentido. - Uso lentes de contato, esqueceu? – explicou ele, abrindo um sorriso tímido. Como pôde esquecer? David usava óculos! Era óbvio que isso não iria mudar, ele ainda era muito novo para fazer cirurgia. Samantha não resistiu e abriu um sorriso. - Por que não usa mais seus óculos? Ele pegou sua mochila novamente antes de responder. - Não gosto, são incômodos. - Você ficava muito b... eu gostava. Dos óculos. Ele sorriu em resposta, um daqueles sorrisos sinceros, nada de sorrisos maliciosos ou desafiadores. NACIONAIS-ACHERON
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- Vai ter a honra de me ver usando-os, quase ninguém tem esse privilégio. Só Scott me viu usando atualmente, eu acho. - E Penelope? - É... e ela. O sorriso de Samantha se desfez um pouco antes de falar. - Quando você sair, é a primeira porta do outro lado do corredor. Tente não fazer barulho. Ele concordou e destrancou a porta do quarto, saindo logo em seguida. Olhou para suas próprias roupas e sentiu um repentino nojo ao lembrar do evento. Ainda estava usando o uniforme. Abriu o roupeiro sem pensar duas vezes e encarou, meio desesperada, suas roupas. O pijama menos tosco, o pijama menos tosco... todos eram toscos. Pegou uma camiseta velha dos Rolling Stones e se despiu rapidamente, vestindo-a. Precisava encontrar algum short, não poderia dormir de calcinha dessa vez. Queria, mas não podia. Na verdade queria dormir nua naquela noite em particular, mas como não seria possível, concentrou todas as suas forças em encontrar um short de pijama sóbrio, que não contivesse alguma estampa humilhante. Espera aí... por que raios estava com vergonha de David? Havia tido sua primeira vez com ele, quer dizer, dividiram a intimidade em níveis interestelares. Mas agora era diferente. Ele era popular, importante, estava gato, muito gostoso... não queria parecer desarrumada. E então, a porta se abriu, cortando completamente seu pensamento. Ela estava só de camiseta, sem shorts, parada na frente do roupeiro. Olhou na direção de David e quase teve uma parada cardíaca. NACIONAIS-ACHERON
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Ele estava ali de novo. O David de antigamente, a encarando com um sorriso de canto. O penteado já havia se desfeito e os cachos estavam soltos. E ele estava usando os óculos. Eram óculos mais modernos, a armação preta de um clássico Ray-ban, mas mesmo assim... Era como um dé-ja-vu muito real. David fechou a porta atrás de si e a trancou novamente. Por um reflexo bobo, pegou o primeiro short de pijama que encontrou e o vestiu em pouco mais de dois segundos. - É, claro. Porque eu nunca vi você sem roupas. Não pôde responder com algum comentário igualmente sarcástico pois três batidas na porta a interromperam. Logo em seguida, uma tentativa de abertura em vão. Por sorte, David havia trancado. Hmm, bem, na verdade... não estavam com tanta sorte assim. - Samantha? Quem está aí? Você não ia dormir na casa da Alex? Os dois se olharam paralisados. Não, não, não. Aquilo não podia estar acontecendo. A garota pigarreou antes de responder. - Hm, desisti... brigamos! Preferi voltar pra casa. - Eu ouvi uma voz masculina, Samantha. Samantha fechou os olhos e David se afastou da porta lentamente. Ele nem a olhava de tão em choque que estava. - Não... eu estava falando sozinha. Eu vou dormir, mãe! Boa noite! - Abra a porta, agora. Ela olhou na direção de David e ele assentiu com a cabeça, mas ela não queria perder as esperanças. Não podia ser derrotada tão facilmente. Quando Donna colocasse os olhos em David a casa iria desabar. NACIONAIS-ACHERON
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A mãe ainda não sabia da Batalha das Bandas, mas iria descobrir em breve. Agora, se visse David ali, Samantha não tinha dúvidas de que a mulher iria proibi-la de participar e a forçaria a desistir. Era o fim de tudo, precisava aceitar. - Abra, garota! Samantha caminhou até a porta e a destrancou, abrindo uma pequena fresta e olhando para a mãe. Donna empurrou completamente, sem muita delicadeza, e colocou os olhos sobre David. Se a mulher já estava pálida, agora seu estado era alarmante. - O que você está fazendo aqui? David olhou para Samantha antes de responder. A menina já estava com lágrimas nos olhos, era visível mesmo de longe. De algum jeito, David conseguira colocar seu smoking novamente sem que nenhuma das duas percebesse. Donna o olhou de cima a baixo com os olhos estreitos. - Me desculpe, senhora Hollow. Eu já estou indo embora. - Eu não estou acreditando. Samantha, porque trouxe esse garoto para dentro da nossa casa? Depois de tudo o que ele fez com você! - Mãe, quer parar? David não fez nada, ele não tem nada a ver com aquilo. Eu demorei para perceber, mas optei por acreditar nele. Foi a minha escolha e agora não estamos mais brigados, ele precisava de companhia essa noite e eu me ofereci. - Precisava de companhia? Você é muito cara de pau, garota. Eu lhe avisei diversas vezes para ficar longe dele, por que não consegue me escutar? – O tom de voz de Donna havia aumentado e ela já estava praticamente gritando agora. Samantha colocou os olhos em David por um momento antes de responder. NACIONAIS-ACHERON
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- Porque eu ainda amo ele. Donna não pareceu se abalar com a informação, mas David não conseguia tirar os olhos da garota. Ele não piscava. - Vocês estavam em uma festa? David, faça um bem para todo mundo e vá embora. E trate de nunca mais colocar os pés aqui dentro. David pareceu voltar para a dimensão à qual pertencia e concordou com a cabeça. Pegou sua mochila do chão e Donna deu um passo para o lado, dando espaço para ele passar, os olhos ardendo em raiva. - Você não tem o direito de expulsá-lo! - Cale a boca, garota, você não faz ideia! Não faz ideia! – A mulher estava histérica. Afastou os cabelos do rosto e fungou uma vez, assustando Samantha. A mulher estava prestes a chorar. - Não faço ideia do quê? Do que está falando? - Depois que ele fez aquilo com você eu percebi que ele não era diferente do resto da família! Fique longe desse garoto, eu não quero perder você! Samantha arregalou os olhos, mas lembrou que precisava ir atrás de David. Ele não tinha culpa nenhuma do surto da mãe, nem ela mesma sabia do que ela estava falando. A garota passou pela mulher e desceu as escadas correndo. Abriu a porta de casa e observou David colocando o smoking em cima da cabeça antes de começar a falar no celular. - David! Por favor, não vai embora. O garoto se virou e encarou Samantha de camiseta, short e pés descalços, descendo para a calçada congelante e molhada. - Volte para dentro, você é louca? - Me escuta! Eu acredito em você, não escute o que ela diz. Por favor, NACIONAIS-ACHERON
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David. - Volte para casa, vai pegar um resfriado. Samantha caminhou até ele e o abraçou de forma involuntária, o corpo quente do garoto a aliviando um pouco do frio. Ele a envolveu por completo, apertando-a contra si. Sabia que ela precisava fisicamente daquilo, mas ele também. Muito. - Por favor, Sam, depois resolvemos isso. Sua mãe tem todo o direito de me querer longe de você. - Não! Não tem! Não quero deixar você sozinho. - Eu estou bem, de verdade. Barton está voltando, vou encontrar ele na esquina. Vamos, entre logo. Converse com sua mãe. Samantha se afastou do garoto, as lágrimas já misturando-se com a chuva. Ele deu as costas e se afastou sem olhar uma única vez para trás. O simples fato de David não ter virado o corpo para lhe lançar um último olhar, transmitindo a segurança que ela precisava, teve um impacto maior do que deveria.
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CAPÍTULO 66 Carter piscou várias vezes antes de responder, enquanto Alex simplesmente manteve-se em silêncio, chocada com a informação. Oliver ainda não havia chegado para o ensaio, portanto podiam ficar na varanda da velha casa ouvindo como havia sido a noite de Samantha. - Não acredito que você levou ele para sua casa. Quem é você e o que fez com a minha amiga orgulhosa? - Ele parecia mal, já disse. – defendeu-se a menina, já acostumada a ser colocada na parede. - O que mais me deixou assustada foi sua mãe. – Alex interrompeu, encostada na superfície de madeira que funcionava como um corrimão por toda a varanda. – Quer dizer, tudo bem ela tomar suas dores, mas antes ela gostava tanto dele... - Ela tem algum problema com os Young, mas não quer me contar. Só fica repetindo avisos sem sentido. Eu estou com medo, de verdade. Vou precisar contar para ela sobre a Batalha das Bandas durante a semana, a segunda fase já está se aproximando. E se ela me forçar a desistir? Ela é minha mãe, pode fazer o que quiser. - Nós vamos estar com você, Sam. Por favor, nos avise quando for conversar com ela. Tenho certeza que se estivermos juntos podemos utilizar argumentos convincentes o suficiente para ela pelo menos concordar. – Carter se desencostou da parede e começou a andar devagar de um lado para o outro. - Carter, ela é advogada. Você não vai conseguir mudar a cabeça dela. NACIONAIS-ACHERON
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- Ah, eu vou sim. Você é nossa vocalista, Samantha, precisamos de você. Naquele momento, um carro parou na frente da casa e Dee Blue saiu do assento do motorista, não estava acompanhada de nenhum câmera. - Onde estão aqueles caras? – Alex perguntou antes da mulher recuperar o fôlego da pequena corrida que deu até se juntar a eles. - Não vêm hoje. Ou melhor, vocês serão filmados hoje a noite. Mil perdões em nome da City Music Channel, de verdade, mas aconteceu um imprevisto e vamos gravar as entrevistas coletivas hoje, na casa de um dos integrantes dos Walkers. – Os três se olharam confusos e então começaram a protestar ao mesmo tempo. – Eu sei que eu deveria tê-los avisado antes, mas só resolvemos isso hoje de manhã. O garoto disse que iria dar uma festa, portanto todo o pessoal já iria para lá de qualquer forma. Ele tem bastante espaço para podermos gravar. - Quem é ele? – perguntou Samantha ansiosa. - Ai, não sei os nomes... não é o David, relaxa. - De quê adianta relaxar? Ele vai estar lá igual. – Carter estava tão nervoso quanto Samantha. - Deve ser na casa do Scott. – Alex se pronunciou no momento em que Oliver atravessou o portão e começou a se aproximar pelo pátio. – Ele sempre dá umas festas lá, e eu sei que os Walkers ensaiam no estúdio dele. - Isso mesmo, Scott. – Dee concordou, tendo que repetir toda a história para um Oliver sonolento. Ele não demonstrou se incomodar, ao contrário de Samantha e Carter que continuavam a protestar. - Querem se acalmar? Carter, pense pelo lado bom... vai ter festa. – Alex agora era a porta voz oficial dos Walkers dentro da banda, portanto qualquer assunto relacionado a eles ela sempre tentava defender. Aquela mudança NACIONAIS-ACHERON
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repentina irritou um pouco Samantha. – Sam, você nem precisa olhar para David. Se acha que vai se abalar, fique do outro lado da sala ou sei lá. Serão três bandas, um monte de câmeras e os nossos conselheiros... é muita gente. - Bom, de qualquer forma irei embora depois que essa entrevista acabar. Não serei obrigada a ficar nessa festa inútil cheia de gente que eu não dou a mínima. – Samantha cruzou os braços, demonstrando mau humor. - Não, vai ficar e aproveitar! As festas dele são sempre as melhores! – Alex tentava, com o maior esforço, convencer a amiga. - Depois vocês discutem isso. Tenho pouco tempo para orientá-los hoje, ainda preciso me reunir com Leon e Rhys para organizar as perguntas. Vamos entrando. Dee empurrou discretamente todos para dentro da casa e os impediu de se enrolarem antes do ensaio, como sempre faziam. Nos outros finais de semana, costumavam chegar na casa e passar umas boas duas horas sentados conversando antes de pegar nos instrumentos, mas dessa vez foi diferente. Em poucos minutos já estavam tocando os covers que apresentariam na segunda fase. Samantha estava odiando os planos para aquela noite. Não seria nada fácil ter de dividir o ambiente com David após aquele acontecimento desastroso na madrugada. Não saberia nem como reagir. Deveria cumprimentá-lo ou simplesmente ignorá-lo pela vergonha que estava sentindo? Deveria se desculpar por sua mãe? Achou que sim. Seria a primeira coisa que faria ao encontrá-lo novamente: se desculpar pela atitude grosseira de sua mãe.
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CAPÍTULO 67 Alex roía as unhas enquanto segurava o celular ao lado do ouvido. Já fazia quase dez minutos que os quatro haviam chegado na frente da mansão de Scott e ninguém dava as caras para abrir o portão. O garoto provavelmente havia dispensado os empregados e sabe-se lá por onde andava o segurança, o fato era que o barulho devia estar tão alto dentro da casa que Alfie não estava ouvindo o celular tocar. - Ele é desligado, só vai perceber que liguei quando estivermos lá dentro. – Alex tirou o celular do ouvido e abriu a lista de contatos. Samantha revirou os olhos, puxando o zíper do vestido preto para cima. O vestido justo tomaraque-caia havia evidenciado seu decote, e já havia pegado Oliver a encarando mais de duas vezes. - Scott! Pelo amor de Deus, estamos aqui na frente há séculos! – Alex gritou para o telefone, logo depois o bloqueando novamente. Ah, Alex já tinha o número de Scott. Ela realmente estava enturmada com os Walkers, pensou Samantha, entediada. O garoto apareceu do outro lado do alto portão, o destrancando e puxando com força para trás. - Me desculpem, o segurança está lá dentro falando com os câmeras. Eles estão pedindo para ele cuidar da van deles ou algo assim. Scott deu espaço para eles passarem e fechou o portão logo em seguida. Samantha observou a enorme propriedade, tentando não demonstrar o quão impressionada estava com tanta riqueza. Obviamente, já havia ido na casa de David e Carter, seus amigos mais ricos, mas cada vez que visitava uma nova NACIONAIS-ACHERON
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mansão sentia-se mais constrangida. - Atravessem toda a sala de estar, depois o jardim. Há uma pequena construção após a piscina, é como uma pequena casa separada do resto. Minha família usa no verão, enfim, a entrevista será lá. Avisem eles que já vou. Os quatro concordaram e começaram a se deslocar pela luxuosa sala de estar, que já ocupava uma grande quantidade de estudantes da West Newton conversando. Cumprimentaram quem conheciam e então chegaram até o jardim. Era grande, e após a metade dele havia uma comprida piscina com algumas espreguiçadeiras. No final, a pequena casa, que Samantha concluiu ser maior que a sua. Entraram, já notando que todos os Walkers estavam ali, juntamente com a outra banda que havia ficado em terceiro lugar chamada MakeMake. Os conselheiros conversavam com os câmeras, que já haviam posicionado os equipamentos e a iluminação. - Oh, meu Deus. Finalmente. – Dee deixou sua conversa para se aproximar dos Velvets e explicar o que iria acontecer. – Tudo bem, é muito simples. Vocês irão sentar de forma descontraída nos sofás e no chão e vão responder, em conjunto, algumas perguntas que faremos. Estarão representando a West Newton agora, a CMC vai fazer essas filmagens com todas as bandas, juntando-as por escolas. - É publicidade para a West Newton – murmurou Carter, rolando os olhos. – Genial. Deve estar rolando muita grana. - Carter, pelo amor de Deus, não vai falar nada disso quando estivermos gravando. – Dee o agarrou pelos ombros. Scott entrou, atraindo a atenção de todos. NACIONAIS-ACHERON
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- Podemos começar – Leon Beck, o conselheiro dos Walkers, falou para todos. Samantha mais uma vez achou que estava na frente de um dos irmãos Gallaghers. O homem se aproximou de David, que estava sentado em um dos sofás mexendo no celular, e trocou algumas palavras com ele. Samantha notou pela primeira vez o garoto, estava tão nervosa com toda a situação que havia esquecido completamente. David olhou em sua direção e abriu um pequeno sorriso reconfortante. Samantha soltou o ar que estava segurando. Ele não estava bravo. E estava lindo. Usava uma camisa escura e um blazer preto por cima, muito parecida com a roupa que Jack estava usando, sentado ao seu lado. Alfie, que estava no fundo da sala, se aproximou deles e cumprimentou Alex com um selinho. Dee olhou assustada para Samantha, que deu de ombros. Todos se posicionaram da melhor forma para que entrassem no enquadramento. Samantha sentou entre Carter e Scott, haviam colocado os Walkers e os Velvets sentados e a MakeMake – três garotos sem expressão – estavam sentados no chão, mais para frente. Em poucos minutos já estavam sendo gravados, respondendo perguntas mecânicas sobre sua vida na West Newton e o que achavam da parceria da escola com a Batalha das Bandas. Quando um deles respondia, Samantha percebeu que uma das câmeras fechava o plano da imagem e focava apenas a pessoa que falava, enquanto outra filmava a cena em plano geral. Dee forçou-a a responder algumas perguntas sozinha, pois era a vocalista da banda e precisava chamar a atenção, assim como David e o outro garoto cabeludo sentado na frente deles. - David, conte um pouco como é para você competir com a banda que, no passado, você fazia parte. NACIONAIS-ACHERON
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Leon Beck murmurou sem expressão, depois de quase meia hora de ladainha. David não pareceu se abalar, estava claro que ele já sabia que o fariam essa pergunta. - Tenho orgulho de ter feito parte dos Velvets, eles foram meus primeiros companheiros de banda e passei ótimas experiências ao lado deles. – David encarava a câmera e não demonstrava nenhuma vulnerabilidade. Samantha não piscava. – Desejo toda a sorte do mundo para eles e ficarei muito feliz se ganharem. - Qual a sensação de competir contra seu ex-namorado, Samantha? Samantha olhou lentamente para a direção do conselheiro dos Walkers. Todos no ambiente pareciam em choque, menos os Walkers. Eles já sabiam de todas as perguntas cabeludas. David abaixou o olhar e encarou Samantha por um momento. - Eu.. é... – Samantha encarou Dee, que deu de ombros. A mulher parecia estar tão chocada quanto ela, mas fez sinal para a garota ir em frente. Pensou, naqueles poucos milésimos de hesitação, na publicidade para os Velvets. Ela queria ganhar, portanto não se recusaria a falar sobre qualquer assunto que desse audiência e popularidade para eles. – Não vejo problema nenhum. David é um amigo hoje em dia e o considero um ótimo artista. - Não acha que isso é como combustível para a rivalidade entre vocês? Samantha estreitou os olhos por dois segundos antes de responder novamente. - Não, porque nos damos bem hoje em dia. David engoliu em seco e encarou as mãos novamente. - Temos, Leon. Vamos deixar eles irem para a festa, já responderam bastante. – Dee interrompeu a gravação. Todos concordaram e começaram a NACIONAIS-ACHERON
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se dispersar, os câmeras e o pessoal da produção começando a recolher os materiais. Agora Samantha sabia que gravações costumavam demorar então, quando tudo terminou, não se impressionou ao perceber que ficaram ali por quase duas horas. Ela levantou do sofá e, ao se aproximar de Dee, pegou de volta seu sobretudo que havia deixado no cabide da entrada da sala. Vestiu-o e olhou para a conselheira. - O que foi isso? – perguntou, referindo-se às perguntas constrangedoras. - Me desculpe, eu não sabia que ele iria fazer essas perguntas. Mas já viu como vai ser daqui para frente, não é? A garota concordou com a cabeça. Precisava aceitar que o mundo da publicidade era descarado e utilizaria qualquer informação para colocá-los em evidência. Dee olhou para a frente imóvel, fazendo Samantha virar-se para ver quem se aproximava. David parou ao lado das duas e sorriu para Dee. - Posso falar com ela por um minuto? - Claro que sim. Já estamos indo embora. Divirtam-se. – Dee olhou uma última vez para Samantha antes de se afastar e ir na direção de Carter, Oliver e Alex. David saiu para o jardim e Samantha o acompanhou, fechando o sobretudo envolta do corpo. - Eu não pude fazer nada, eles querem falar sobre isso. – murmurou ele após parar um pouco distante da pequena casa, cruzando os braços e a encarando com uma expressão séria e preocupada. - Eu sei, não tem problema. NACIONAIS-ACHERON
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O garoto a olhou nos olhos, fazendo ela congelar por dentro. - Tem certeza? Eu posso falar com Leon... - Não, é bom para a nossa imagem. – Samantha colou as mãos nos bolsos do casaco. – Sobre hoje de madrugada... - Esqueça isso, já passou. Aproveite a festa. Ele levantou o olhar e sorriu para Jack e Scott, que se aproximavam rindo. Os três se afastaram e começaram a andar na direção da mansão. Samantha ficou observando eles se afastarem sem reação. David havia acabado de deixá-la falando sozinha. Alex e Alfie passaram rindo por ela, assim como dois integrantes da MakeMake que haviam engatado uma conversa animada com Oliver. - Preparada para ver o David Young que todo mundo conhece? Samantha virou a cabeça devagar na direção de Carter, não tinha percebido que o garoto havia ficado para trás também. Ele abraçou o corpo e emparelhou seus passos com os dela. - O que quer dizer com isso? Carter abriu um sorriso curto carregado de segundas intenções. A maioria dos integrantes das outras duas bandas já havia entrado na mansão, agora apenas Samantha, Carter e o vocalista da MakeMake, que estava no celular, caminhavam pelo grande jardim mal iluminado. Contornaram a piscina aquecida de Scott – os ricos realmente não poupavam despesas – e Samantha pode ouvir David, já dentro da casa, falando algo em um volume extremamente alto. Olhou novamente para o amigo, que levantou as sobrancelhas. David havia acabado de ilustrar o que ele queria dizer. - Você acha que ele ficou conhecido só por transar com um monte de NACIONAIS-ACHERON
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garotas? Samantha deu de ombros, um pouco incomodada com a informação que já deveria ter sido absorvida por completo, mas ainda a deixava chateada. - O David que você viu na festa de Halloween organizada pelo comitê estudantil não é o David que frequenta festas. Ele enlouquece, você não faz ideia. Eu já presenciei noites que ele tomou um porre e só acordou um dia depois. É bizarro, ele sempre exagera muito. - E por que eu deveria saber disso? Você está me tratando como se eu não conhecesse vocês em festas. Todo mundo enlouquece. - Sam... – Carter olhou para frente por um momento. – É diferente. Se você acha que eu exagero, ainda não o viu depois que ele começou a andar com o pessoal popular. Só estou lhe avisando para o seu próprio bem, para depois não ficar chocada. Ele não era assim antes, e olha que naquela época a gente já ficava bem louco. - Eu vou sobreviver. - Não espere que ele vá... lhe dar atenção... ele vai ficar bêbado hoje. – Carter parou de andar e virou de frente para a amiga. Samantha parou também. - Que porra, Carter, eu não quero a atenção dele! Por que está falando isso? - Porque você convidou ele para ir até sua casa na noite passada. Você é muito orgulhosa, para chegar nesse ponto é porque você realmente é muito afim dele. - Está me analisando? – A garota cruzou os braços demonstrando certa irritação. – Você não estava lá, ele precisava de ajuda. NACIONAIS-ACHERON
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- Ora, Samantha... não precisa mentir para mim. Não tem problema nenhum em querer dar para ele, todo mundo quer, eu também quero, mas só estou te avisando para o seu próprio bem. David se transforma nas festas normais. Esqueça ele essa noite, caso contrário você vai acabar ficando chateada. - Por que raios acha que eu vou ficar chateada? - Porque você ainda não o viu assim! Não está acostumada! Eu te conheço, você é sensível quando se trata dele. David vai fazer muita merda hoje, apenas fique longe. Ainda mais porque estamos na casa do Scott, que mora sozinho na maior parte do tempo. É o seu melhor amigo, ele vai aproveitar. - Essa conversa foi totalmente desnecessária, Carter. Eu sei muito bem lidar com David. - Tudo bem, Sam, eu só estou avisando. Talvez eu não esteja sóbrio para te amparar se você ficar mal por causa dele. Alex vai estar com Alfie a noite toda e sabe-se lá para onde vai Oliver. - Eu não sou uma criança. Carter abriu um sorriso malicioso, interrompendo a discussão séria e surpreendendo a amiga. - Então vamos pegar uma bebida. Ele piscou, abrindo um sorriso engraçado e então ela percebeu que já haviam chegado na porta de vidro da sala de estar. O ambiente já estava lotado e abafado, muito diferente da noite gelada no jardim. Samantha passou os olhos pelo grande grupo que espalhava-se por diversos locais do ambiente, alguns já dançavam no centro e outros conversavam e riam nas laterais e nos sofás. Era realmente uma sala grande, com uns três ambientes e muitos sofás. Perfeita para uma festa. Porém, Samantha tinha a leve impressão de que NACIONAIS-ACHERON
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ocupariam a casa inteira, não só aquela sala. Seguiu o amigo, antes tirando o sobretudo e pendurando novamente em um dos cabides já meio cheios espalhados pelo ambiente. Atravessaram o grande cômodo pela lateral até atingirem uma sala de jantar onde alguns estudantes estavam sentados na mesa ocupados com algum jogo. Uma garota já estava de sutiã, o que deixou claro se tratar de strip poker. Samantha segurou-se para não revirar os olhos. A noite mal havia começado.
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CAPÍTULO 68 A cozinha de Scott era grande. Samantha duvidou que o garoto passasse mais do que cinco minutos dentro do ambiente, pois, obviamente, deveria ter empregados que cozinhavam para ele. Estes que, como era de se esperar, foram dispensados naquela noite. Observou três caríssimas geladeiras enfileiradas uma ao lado da outra, todas já atraindo muitos adolescentes em busca de álcool. Em vez de Carter entrar na fila que já havia se formado na frente das geladeiras, ele foi em direção aos armários e começou a abri-los compulsivamente até encontrar o que buscava. - Samantha... A garota, que estava parada ao lado dele o acompanhando a cada novo armário, o olhou temendo seu tom de voz. Carter, sorrindo de forma maníaca, esticou-se para alcançar um copo. Mais especificamente, uma taça vazia de martini. - Ah não, Carter! Eu não vou trabalhar hoje. Pode esquecer. - Por favor, por favor, por favor... qual a graça de trabalhar no Walsh se não pode fazer suas próprias bebidas? - As suas bebidas, você quer dizer? - Também. Faça para nós dois. Todo mundo vai ficar morrendo de inveja. Samantha respirou fundo, olhando em volta. Até que a cozinha não estava tão cheia e havia uma bancada com bastante espaço. - Você nem olhou se tem vermute. Carter, com o mesmo largo sorriso, voltou a abrir todas as portas de todos NACIONAIS-ACHERON
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os armários que via pela frente. Samantha encostou-se na comprida bancada com algumas pias e aguardou. Quando Carter queria algo, ele não desistia até conseguir. Enquanto esperava, passou a observar as pessoas que entravam e saíam da cozinha. O ambiente era praticamente uma estação de trem de tanta gente que entrava e saía carregando latas e garrafas. As festas dos ricos eram sempre melhores, concluiu em silêncio, porque nunca faltava bebida e eles podiam convidar quantas pessoas quisessem. Não fazia diferença, ia ter bebida suficiente qualquer que fosse o número de convidados. E, naquela noite, era toda a West Newton. Carter parecia estar encontrando dificuldade na busca pelo vermute, haviam se passado quase cinco minutos. Samantha já estava em um transe de tanto seguir o movimento das pessoas com o olhar, mas duas pessoas em especial chamaram sua atenção. Scott e Penelope entraram na cozinha e foram diretamente até a geladeira. O garoto se enfiou no meio de todos e pegou uma long neck e, quando estavam de saída, ele olhou para a direção de Samantha. Abriu um sorriso de canto e então seus olhos caíram sobre Carter. Ele franziu o cenho e se aproximou, deixando Penelope para trás, que havia sido abordada por duas garotas mais jovens. - O que ele está procurando? Querem ajuda? Samantha sentiu o rosto esquentar. - Você tem vermute, Scott? – Carter perguntou ao levantar. Estava quase dentro de um dos armários embaixo da bancada. - Sim, lá na ponta – respondeu simplesmente, apontando com o queixo para o final da bancada. Carter sorriu e se afastou. – Vai fazer alguma bebida? NACIONAIS-ACHERON
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A garota desviou o olhar de Carter e encarou Scott. Sentia-se um pouco constrangida por conversar com ele sozinha. Era o melhor amigo de David e era muito bonito, assim como ele. E, obviamente, pensamentos de certa forma proibidos sempre passavam por sua cabeça quando eles conversavam – não que isso ocorresse sempre, mas nas raras ocasiões que acontecia era assim que ela se sentia. - Vou, como sabe? - Acha que não sei que você trabalha em um pub? Depois do que Felicia fez ontem... aliás, está bem? - Estou ótima – Samantha forçou um sorriso amarelo. Resolveu engatar logo uma pergunta educada para cortar o assunto. – Quer que eu prepare algo para você? Já que é o anfitrião... Só por me receber na sua festa é minha obrigação fazer. - Claro que não, muito obrigado, mas não vou fazer você trabalhar hoje. Carter colocou a garrafa em cima da pia, fazendo um barulho alto demais. Os dois o olharam, ele estava vermelho e sem fôlego. - Você é o único que pensa assim. – murmurou Samantha e Scott riu. - Vai fazer sua amiga trabalhar hoje? – perguntou o guitarrista dos Walkers, levantando as sobrancelhas para o baterista dos Velvets. - É claro que sim, Samantha podia escolher todas as profissões do mundo... foi escolher logo essa. Fala sério, é só para nos provocar. A atenção de todos então foi parar em Penelope, que agora havia parado ao lado de Scott e encarava Samantha e Carter com uma leve expressão de desprezo. - Vamos voltar para a festa. – A ruiva falou, ainda sem tirar os olhos deles. NACIONAIS-ACHERON
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Scott sorriu para os dois e acenou educadamente com a cabeça antes de se afastar com a menina. - Cruzes, como ela é azeda. Eu me admiro por David e os amigos dele conseguirem suportar essa garota. Se não fosse bonita seria pisoteada. - Esquece ela. Pegue a vodca e, se não tiver coqueteleira, qualquer copo maior que as taças junto com uma colher. E, claro, cubos de gelo. Carter caçou o resto dos ingredientes em menos de um minuto, encontrando até as azeitonas. Samantha rolou os olhos com um sorriso no rosto e começou a preparar, misturando a vodca, o vermute e os cubos de gelo na coqueteleira que o garoto havia surpreendentemente encontrado. Serviu o líquido nas duas taças, largando uma azeitona em cada uma. O garoto segurou sua taça com tanto orgulho que chegou a levantá-la e brindar com o ar. - Se você ao menos ficasse bêbado só com uma taça isso teria adiantado. – Samantha murmurou enquanto observava o amigo fazer floreios com a taça na mão. - Preciso de umas quatro dessas para começar a ficar alegre. Vamos circular, você não fez martinis para ficar tomando no canto da cozinha. A garota concordou, o acompanhando para fora do ambiente. Ao circularem pela sala de estar, Carter parou para conversar e esfregar a bebida na cara de mais de cinco rodas de conversas. Samantha começou a dar pequenos goles mas logo finalizou sua bebida antes do amigo. Se tivesse de acompanhar Carter se exibindo com aquela besteira no meio daquelas pessoas, ficaria bêbada só quando o dia amanhecesse. Apesar de ser a pessoa que mais entendia de bebidas alcoólicas naquela festa, era fraca para elas. Com apenas uma taça do seu martini já estava NACIONAIS-ACHERON
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achando os estudantes dançando a coisa mais engraçada do mundo. Percebeu que Carter havia sumido de seu lado por alguns minutos, portanto encostouse em um sofá, apoiando a bunda no encosto da parte de trás e apenas permaneceu ali, ensurdecendo-se com a música absurdamente alta. Concentrou-se no segundo ambiente da sala de estar, onde era menor e os sofás eram mais próximos. Seu coração pareceu ser arrancado bruscamente do peito. Ora, Samantha, isso era só o começo. Deveria ter acreditado em Carter.
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CAPÍTULO 69 Seus olhos pareceram embaçar. Era patético ter de observar aquela cena. "Baby’s On Fire" do Die Antwoord tocava, fazendo parecer que todo o ambiente pulsava no ritmo das batidas. Samantha acompanhava, com os olhos semicerrados, duas colegas de classe dançarem sensualmente envolta de David, segurando sua cintura e intercalando a distância entre os corpos. Ora estavam grudadas nele, ora estavam mais afastadas e começavam a rir. Uma estava em sua frente e outra estava atrás, e o garoto mantinha um sorriso malicioso ao se movimentar no ritmo da música. Ele estava visivelmente alterado, mas passou pela cabeça de Samantha que aquilo não estava nem perto do que ele era capaz de chegar. Sentiu-se em um clube noturno profissional. Ah, Samantha, como você é ingênua. A garota que estava na frente de David, os cabelos lisos e loiros em cima dos ombros, aproximou o corpo do dele e o segurou pela barra da calça jeans. Sem muita enrolação, ele a segurou pela nuca e grudou os lábios dos dois. A que estava atrás dele pareceu amar o que estava acontecendo, continuando a dança e começando a levantar a camisa do garoto com um largo sorriso no rosto. Os três estavam perto de um dos sofás, fazendo com que uma ideia aparentemente genial surgisse na cabeça de David. Ele interrompeu o beijo e falou algo no ouvido da menina que estava atrás. Ela sorriu ansiosa e, tirando os sapatos de salto, subiu em cima do sofá. David voltou a beijar a outra e a NACIONAIS-ACHERON
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menina de trás, que era a mais baixinha dos três, entrou no beijo. Ele segurou cada uma pela cintura com as mãos que estavam livres, começando a provocá-las por baixo das blusas justas. Samantha começou a sentir uma forte náusea crescer dentro de si. Sentiase ridícula por ter sido tão ingênua. - Eu disse. Carter apareceu ao seu lado com duas latas de cerveja. Entregou uma para a amiga antes de continuar: - Vamos sair daqui, tem um pessoal jogando verdade ou desafio no jardim, parecem estar se divertindo. - Não quero ir a lugar algum. David agora havia dado um jeito de sentar no sofá. A garota loira que estava na sua frente sentou em seu colo e a baixinha começou a beijá-lo no pescoço, enquanto a primeira concentrava-se na boca do garoto. Ele segurou a que estava em seu colo pela cintura, estimulando a garota a se movimentar. Samantha virou o rosto, olhando para Carter novamente. - O que Penelope acha disso? – Já podia sentir algumas lágrimas se formando nos cantos dos olhos. Como era ridícula. - Penelope faz a mesma coisa com outros garotos, só é mais discreta. Ela caga e anda para quem David pega, mas, aparentemente, você a incomoda um pouco. Vamos lá para fora. Carter puxou Samantha vigorosamente pelo braço, não deixando a menina negar. Ela abriu a lata de cerveja e começou a dar grandes goles. Não tirou os olhos da cena de David com as colegas até sair para o jardim. ✖✖✖ O tempo pareceu se arrastar do lado de fora. Carter a fez sentar na rodinha NACIONAIS-ACHERON
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e jogar junto com alguns alunos que eram seus colegas em várias matérias. A grama estava gelada, assim como a temperatura da noite. Toda vez que a garrafa apontava para si, ela escolhia verdade, preferindo responder dúvidas desagradáveis sobre o escândalo a ter de beijar algum garoto aleatório como desafio. - Você ainda é apaixonada pelo David? Mais uma vez, a garrafa havia caído em sua direção e ela tinha que responder. A diferença era que agora ninguém tinha sido tão direto até aquele momento. Carter olhou assustado para a amiga. Samantha bufou e levantou da grama, limpando a bunda e resolvendo voltar para dentro da casa. Já havia passado mais de uma hora de constrangimento, preferia ficar quieta em algum canto. Sentiu a bexiga apertar e concluiu que precisava se aliviar. Perguntou onde era o banheiro para a primeira pessoa que encontrou, que lhe informou que era do outro lado da casa. Precisava atravessar toda a sala de estar e o hall de entrada. No caminho até o corredor que ligava a sala e o hall, vislumbrou Alex e Alfie em um dos sofás mais afastados. O garoto segurava um celular e fotografava a garota fazendo caretas enquanto comia um saco de salgadinhos. Precisava assumir, sentia inveja dos dois. Eles pareciam se divertir muito juntos, e Alfie parecia tratar Alex extremamente bem. Era um casal muito bonitinho. Que seja. Alcançou o corredor bem iluminado, era consideravelmente comprido. Muitas pessoas o ocupavam para diversos fins, como conversar, sentar enquanto mexiam no celular ou simplesmente dar uns amassos. O carpete vermelho escuro era confortável o suficiente para tornar o local convidativo. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha começou a andar, tentando desviar de todos sem chamar a atenção. Estava quase no final, já havia atingido uma parte mais vazia, quando percebeu um vulto embolado contra a parede à sua direita. Oh não, de novo não. A mão de David acariciava indiscretamente o peito de outra garota diferente das outras duas que dançavam com ele antes. Essa agora não era colega dela em nenhuma matéria, mas Samantha a conhecia de vista. Os cabelos castanhos compridos interrompiam o beijo a todo momento e ela tinha que interromper para tirá-los do caminho. Em uma dessas pausas, David começou a descer os beijos até quase acima de seu decote. A garota começou a rir e o empurrou para longe, fazendo-o se encostar na parede oposta. Ele parecia estar achando muito engraçado, pois, enquanto se apoiava de forma molenga como qualquer típico bêbado, ria alto. Samantha engoliu em seco e tentou passar pelos dois o mais rápido que conseguiu. Obviamente, não conseguiria chegar até o final do corredor em paz. Sentiu o braço ser puxado violentamente para trás e seu corpo foi lançado para a parede do lado direito. - Onde pensa que vai? O cheiro de álcool a deixou zonza. David aproximou o rosto, mantendo o mesmo sorriso que estava usando com a outra garota, que agora assistia a cena curiosa. - Me solta, David! – Ela empurrou o garoto para longe, mas ele conseguiu voltar para cima dela novamente. - Pensa que... eu não... sei... – Samantha empurrou ele pelo peito mais uma vez, ignorando completamente as palavras sem sentido que saíam de sua boca. – Eu sei muito bem... NACIONAIS-ACHERON
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- SAI! Me deixa em paz, seu idiota. - Samantha, Samantha... você é tããão gostosa... os melhores peitos... que já vi na vida. – Ele abriu um sorriso preguiçoso, fechando os olhos por alguns segundos. - Cale a boca, quer me deixar sair? – Empurrou-o mais uma vez, mais forte agora. Ele bateu com as costas na parede oposta e fez uma careta de dor. Ela arregalou os olhos, sentindo um pingo de culpa. - Machucou? David encostou nas próprias costas, massageando a parte que havia batido contra a superfície rígida. - Por que você é sempre tão... má... – Agora ele parecia um bebê choroso. Ela olhou para os lados, a garota que estava com ele havia sumido. – O que eu... fiz... Ele começou a escorregar até o chão e sentou, segurando a cabeça. Na sala de estar, "Rabiosa" tocava à todo volume. Samantha sentiu vontade de rir, mas se controlou. Ele estava entrando em uma mini depressão ao som de Shakira. Fala. Sério. - Por que bebe tanto? – perguntou, cruzando os braços ao observá-lo passar vergonha no chão. - Porque eu odeio... a minha... vida – Ele começou a deitar no chão mas ela se aproximou, puxando ele para cima pelo braço. - Pare com isso, levante do chão. - Só se você falar que vai ficar tudo bem. Tudo. - Vai ficar tudo bem. Vamos, saia daí. David então abriu um sorriso totalmente aleatório, nem combinava com o NACIONAIS-ACHERON
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estado emocional depressivo que ele havia entrado de uma hora para a outra. Deitou completamente no chão e a encarou, ainda sorrindo. Ficou olhando para o rosto de Samantha até a música acabar. - Deita aqui. - Jesus Cristo. – A voz de Scott interrompeu os dois. Ele se aproximou pelo corredor e se abaixou sem hesitar ao lado de David. – Vamos, cara, eu vou pegar água para você. Sam, me desculpe, ele sempre faz isso. - Jura? – Samantha perguntou, sarcástica. Continuou os observando de braços cruzados. Scott era muito mais forte então não teve muita dificuldade em levantar David do chão e apoiá-lo na parede novamente. Ele ainda sorria. - Ignore tudo o que ele falou, se ele falou alguma coisa. - Não tenha dúvidas. Scott desviou o olhar de David e encarou a menina. - Sam, ele gosta muito de você, de verdade. Não fique brava. - Claro, sem problemas. – Ela abriu um sorriso curto antes de se virar e continuar seu caminho até o banheiro. As lágrimas começaram a escorrer antes mesmo de ela conseguir abrir a porta e trancá-la atrás de si. Odiava ver David naquele estado, agindo de forma imbecil, como qualquer cara idiota que tomava um porre e dava em cima de todo mundo. Passou uma água no rosto e foi até a privada. Um alívio absurdo na bexiga a fez relaxar um pouco, mas não o suficiente para controlar uma nova onda de lágrimas. Que droga, odiava ficar assim por causa dele. Depois de levantar, limpou o rosto mais uma vez e tentou prender alguns NACIONAIS-ACHERON
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cachos para trás com grampos que havia colocado mais cedo na bainha do vestido. Fechou a porta atrás de si, percebendo que duas garotas esperavam ela liberar. Elas a encararam de cima a baixo antes de ocuparem a peça. Samantha respirou fundo e atravessou o hall novamente, se perguntando por um momento porque sempre ficava sozinha nas festas. Seus amigos sumiam e ela era a trouxa que ficava sem ninguém. Ainda mais agora que Alex estava praticamente namorando Alfie, nunca mais veria a amiga nas festas. Carter e Oliver sempre encontravam alguém para se esfregar, enquanto ela, para variar, só se ferrava. Atravessou o corredor da morte mais uma vez – tinha certeza que ficaria com um trauma eterno daquele lugar em especial – e voltou para a grande sala de estar. A festa ainda bombava, parecia que quanto mais o tempo passava, mais loucas as pessoas ficavam. Bom, isso era óbvio. Odiava assumir que, enquanto passava os olhos pelo ambiente, procurava David para ver se ele estava recuperado. Não precisou esforçar-se muito para localizá-lo. Levantou as sobrancelhas, cada vez com mais ódio de si mesma por não conhecer nada daquele novo David. O garoto estava, agora, em pé em um dos sofás do ambiente mais próximo do jardim. Gritava palavras que ela não conseguia entender por causa da música para outros três garotos que estavam no mesmo nível alcoólico que ele. Um deles estava sentado no chão, o outro cambaleava de um lado para o outro e o último respondia David. Este que, Samantha percebeu, segurava um cigarro de maconha por entre os dedos. Fechou os olhos por um momento, respirando fundo. David estava agindo como o maior babaca, ela nem o reconhecia. Sentiu as unhas cravarem nas palmas das mãos ao deixar a ideia de que, na verdade, ela nem conhecia mais ele tomar conta de seus pensamentos. Encarou a porta de vidro e decidiu NACIONAIS-ACHERON
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voltar para o jardim, não suportaria assistir David agindo daquela forma mais uma vez. Ao atravessar o ambiente, sentiu os olhos do garoto sobre si enquanto dava uma tragada no cigarro que dividia com os outros dois. Ele deixou a fumaça sair pelo nariz e abriu o mesmo sorriso de sempre. Samantha bateu forte com o ombro contra um garoto alto sem querer antes de sair para fora da casa, praguejando logo em seguida. As pessoas que ocupavam o centro do jardim com o jogo anterior não estavam mais lá. Ela caminhou até a piscina e sentou em uma das grandes espreguiçadeiras, respirando fundo e perdendo-se na água azul. Decidiu encostar-se para trás, transferindo sua atenção para o céu escuro. Passaram-se quase vinte minutos até ela se interrompida.
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CAPÍTULO 70 - Não gostou do que viu? Samantha fechou os olhos, tentando bloquear a voz de David, mas sabia que nem a força da imaginação o afastaria. Queria dar o grito mais agudo que conseguisse até ele ficar surdo e deixar ela em paz. Mas sabia que o máximo que conseguiria era acabar com sua voz, seu instrumento nos Velvets. Era melhor manter a calma. Suspirou profundamente antes de responder, imóvel na espreguiçadeira. - Eu adorei, David. É muito divertido ver você agindo como um babaca. – falou em um volume baixo de propósito. Dificultar a comunicação o irritaria e ela queria muito o irritar. Percebeu, por entre as pálpebras meio abertas, ele dar alguns passos em sua direção. - É muita prepotência da sua parte ficar brava. As pessoas não agem o tempo inteiro para te agradar, sabe disso, não é? – Por mais que estivesse falando com clareza, as palavras se arrastavam. Samantha estreitou os olhos para ele, levantando o tronco e apoiando-se nos cotovelos. Não estava acreditando no que havia acabado de ouvir. - O quê? Você é egocêntrico o suficiente para achar que eu vou perder meu tempo brava com as suas atitudes infantis? – Ajeitou o corpo na espreguiçadeira, sentando-se de vez. - Se você tem medo de encarar a realidade e precisa tomar um porre para conseguir superar as coisas ruins, o problema é todo seu. David desfez o sorriso e sua boca se abriu um pouco. Ele parecia chocado NACIONAIS-ACHERON
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e surpreso. Engoliu em seco antes de continuar, meio desconfortável e indignado. - Você não sabe da metade da merda que é a minha vida, Samantha. Lave a boca antes de falar dessa forma displicente. - O que eu te fiz para você vir me agredir verbalmente aqui fora? Volte para a sua festa, estava se divertindo tanto! - Egoísta. Samantha arregalou os olhos, incrédula. Levantou da cadeira devagar e deu alguns passos na direção dele, ocupando a grama. - Você só pode estar brincando. – grunhiu, furiosa. - Não, é sério. Quando você foi embora, dois anos atrás, já estava mostrando o quão egoísta era. Você só pensa em si mesma. - Quer merda você está falando? Estava se esfregando a noite inteira com um monte de colegas nossas, sendo que você namora e me enche o saco desde que eu voltei! O que você quer, David Young? Um harém à sua disposição? - Não seria ruim, quer treinar algumas meninas? Já que você é especialista em mim, pode administrá-las. Samantha sentiu algo explodir dentro de si. Não sabia se era a sua paciência ou o limite que mantinha ela sob controle, só sabia que aquilo havia sido o ápice das atitudes de David. Ele havia se agarrado com três garotas diferentes na frente dela – e provavelmente mais pelas suas costas – além de ter demonstrado que havia voltado a se relacionar com Joanna Cardiner na madrugada anterior. A última coisa que ele estava fazendo era tratá-la bem. Quando percebeu, já estava segurando seu salto alto do pé esquerdo na NACIONAIS-ACHERON
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mão. David só pode andar para trás, mas não se protegeu a tempo. O sapato, que não era nada leve, atingiu seu queixo, abrindo imediatamente um grande corte na região. O garoto se encolheu, pressionando o local. Muitas pessoas observavam de longe, rindo da situação. David demorou quase um minuto para recuperar os sentidos e encará-la novamente. - Era tudo o que eu precisava vindo de você. Igualzinha a minha mãe, só consegue ganhar as discussões agredindo as pessoas. Foi então que Samantha percebeu quem era o responsável pelos machucados no rosto de David. O olho roxo e o corte que assombraram sua semana na tentativa de tentar entender o que estava acontecendo. Felicia estava batendo nele. E ele acabara de compará-la àquela mulher desprezível. Antes de virar de costas, David tirou a mão do queixo e Samantha sentiu o estômago afundar. Estava sangrando muito. Pingava na grama. Ele se afastou rapidamente, deixando-a sozinha com a maior sensação de remorso do mundo. Levou cinco minutos para conseguir se mexer e recolher o salto jogado na grama. Tirou logo o outro, seus pés estavam doendo, e segurou-os com uma das mãos. Resolveu que precisaria beber novamente, caso contrário não sobreviveria até o final da noite. Pelo menos o álcool a deixaria distraída e seria o responsável por uma falsa ilusão de que nada daquilo havia acontecido. Sob o olhar de muitos estudantes que sussurravam maldades, entrou na casa e, antes de se dirigir para a cozinha, largou os sapatos em qualquer canto do primeiro ambiente. NACIONAIS-ACHERON
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✖✖✖ O único objetivo que tomava conta da mente de Samantha enquanto ela tentava desviar do grande número de pessoas espalhadas pelo hall de entrada era encontrar um lugar completamente isolado em que pudesse tentar tornar menor aquela sensação dolorosa de remorso. A imagem estava grampeada em sua consciência. A imagem do rosto machucado de David, assim como sua expressão de dor. Ela havia causado aquele sofrimento físico nele, ela era a responsável pelo seu mal estar, mesmo depois de ter descoberto sua maior fraqueza em relação às pessoas que ele amava. David Young era constantemente abandonado, e grande parte desses abandonos se relacionavam com a própria Samantha. Como pode ter sido tão insensível e egoísta? Ela não conseguia ver que ele também estava sofrendo com toda aquela situação? Talvez até mais do que ela, por não ter o apoio da família, apenas de Katrina, que era apenas uma menina de quinze anos sem muitas experiências na vida para aconselhá-lo. Nunca havia parado para pensar durante o tempo em que esteve na Irlanda, mas agora que ele havia trazido o seu lado da história a tona, ela sentia-se extremamente mal por imaginá-lo, nos meses posteriores ao escândalo, sozinho e desacreditado. Havia a grande possibilidade de David agir daquela forma descontrolada por não saber lidar com Samantha. Como ele já havia repetido mais de uma vez, havia um motivo que o impedia de ficar com ela. E se esse motivo fosse realmente sério? Nunca havia parado realmente para pensar sobre o assunto, até David deixar escapar que fora Felicia a responsável pelos seus machucados. E se Felicia o estivesse maltratando desde sempre e o forçando, de algum jeito, a ficar longe de Samantha? Apesar de toda a humilhação que passou, no passado, como mulher, somada com a perspectiva de ter sido traída por quem era apaixonada, David NACIONAIS-ACHERON
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também havia sofrido. Agora ela era capaz de ver o tamanho do sofrimento dele, seus olhos se abriram no momento em que deixou seu coração falar mais alto. Só pensara em si mesma, na sua própria vergonha e, domada pelo desespero, não dera uma chance para ele se defender. O peso de tantos pensamentos foram aumentando sua sensação de remorso a ponto de ela sentir as primeiras lágrimas começarem a se alojar na parte inferior dos olhos. Estava chorando de novo e precisava, urgentemente, ficar sozinha. Fitou a grande escadaria da casa dos McMillan e não pensou duas vezes. Subiu os degraus com pressa, já começando a abrir a garrafa de vidro que segurava com certa obsessão. Achava patético tomar porres para esquecer situações incômodas, acabara de jogar isso na cara de David, mas essa era a única opção que lhe pareceu plausível no momento. A imagem do rosto do garoto se contraindo de dor continuava surgindo em sua mente, e não precisou de estímulo maior que esse para dar o primeiro gole no líquido forte. Sua garganta ardeu, mas engoliu sem hesitar. Atingiu o topo da escadaria e logo encontrava-se no corredor escuro dos quartos, igualmente sofisticado como o resto da casa. Só precisava descobrir onde era algum dos quartos de hóspede para poder deitar em uma cama e beber até sentir os problemas irem, temporariamente, embora. Ao abrir uma das últimas portas no final do corredor, seus batimentos relaxaram, percebendo que havia acertado de primeira. Fechou os olhos sem nem observar o ambiente, encostando o corpo na superfície rígida que batera atrás de si. As lágrimas tornaram a escorrer com uma facilidade deprimente. Ela deu mais um gole na garrafa e limpou um pouco do líquido que escorreu pelo queixo. Então, finalmente abriu os olhos. Desejou não ter feito isso.
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CAPÍTULO 71 David estava parado em frente a um grande aparador que ocupava parte da parede esquerda do quarto. A luz do banheiro estava acesa e ela nem havia percebido que todo o ambiente se encontrava iluminado, tamanha era sua desolação. Ele segurava uma toalha branca que continha algumas manchas esporádicas de sangue, quase como uma estampa projetada para o tecido. Seu rosto inexpressivo estava expondo o grande corte no queixo, que liberava sangue incessantemente, fazendo o líquido vermelho escorrer pelo pescoço do garoto. O peito de Samantha apertou e ela sentiu que havia começado a ofegar. - Você poderia sair daqui, por favor? Existem mais três quartos de hóspede livres, sinta-se à vontade para escolher qualquer um deles. Ela engoliu em seco, pega de surpresa pelo seu jeito distante de falar. - Não sabia que estava aqui, imaginei que estivesse no quarto do Scott. – Samantha percebeu que sua voz estupidamente embargada não causaria nenhum efeito em David. Ele parecia, pela primeira vez, realmente bravo. - Agora que já sabe, pode sair. – Ele indicou displicentemente a porta com o braço, logo depois fazendo uma careta de dor que fora acompanhada de uma comprida gota de sangue. David virou de costas e encarou o rosto manchado no espelho, pressionando a toalha branca contra o corte. A garota fungou, obrigando-se a parar de chorar. Aquilo não adiantaria em nada, ele nunca iria sentir pena dela depois de ela tê-lo agredido fisicamente. Até David Young cultivava certos limites relacionados a Samantha, e estar machucado a ponto de ter sangue escorrendo pelo pescoço era um limite bem NACIONAIS-ACHERON
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convincente. Ela ignorou o pedido dele e atravessou o quarto, entrando no banheiro. Ouviu ele soltar o ar preso nos pulmões com impaciência. A pia estava suja de sangue, assim como a bancada de mármore. Analisou a pequena caixa de primeiros socorros aberta as pressas e procurou um pacote de gazes e esparadrapo. - Sente-se na cama – murmurou a garota, passando reto por ele e parando exatamente onde queria que ele sentasse. David nem se deu o trabalho de virar-se para encará-la. - Pode deixar essas coisas aí em cima e sair, não preciso da sua ajuda. - David, eu machuquei você. Deixe-me pelo menos compensá-lo. Ambos perceberam a ambiguidade daquela frase, mas o garoto estava tão irritado a ponto de não deixar a percepção transparecer por sua face. Ele continuou pressionando o corte com a toalha, impenetrável. Samantha, então, largou as gazes e o rolo de esparadrapo em cima da cama e caminhou até ele. Encostou em seu ombro, forçando-o delicadamente a se virar para ela. David se desvencilhou do toque e deu um passo para o lado. O olhar dela escorregou para a camisa aberta que deixava parte do peito dele a mostra. - Por favor – murmurou, pateticamente manhosa. – Me desculpe, de verdade. Você me tirou do sério. Nunca mais vou fazer isso. - Não vai mesmo. – respondeu ele finalmente, abrindo um sorriso de repugnância. – Até porque não vou lhe dar mais nenhum motivo para se preocupar comigo. Considere-se livre de mim, em todo e qualquer sentido. – David, então, colocou seus olhos sobre ela e pareceu, por um milésimo, ceder. - Agora, por favor, saia desse quarto. - Eu não vou sair. – A voz da garota soou firme, por menos provável que NACIONAIS-ACHERON
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isso fosse. – Não enquanto não me deixar ajudá-lo. Três filetes de sangue escorreram, fazendo-o praguejar em silêncio. A ajuda de Samantha pareceu, então, ser muito adequada. Ele a olhou mais uma vez, com os lábios crispados demonstrando uma genuína expressão de rejeição, e largou a toalha agressivamente em cima da cômoda. Arrastou-se sem vontade para a cama. Samantha sentiu-se mais leve. Ele havia cedido, nem que fosse por algo inútil como uma ajuda emergencial, mas ainda assim não a estava ignorando. Ela agarrou a toalha e caminhou até a porta, pegando a garrafa que havia depositado no chão antes de ir até o banheiro. Derramou o líquido no tecido e se aproximou de David, que estava agora sentado na beirada do colchão. Ele não a olhava diretamente, acompanhando-a com o canto dos olhos enquanto a atenção estava fixa no tapete. - Vai doer um pouco – sussurrou ela, sem saber ao certo o motivo de falar baixo. Ele não respondeu, mas finalmente encarou a toalha úmida de álcool com certo receio. Samantha segurou-o levemente pela nuca, provocando uma contração involuntária nele, e encostou sem muita demora a toalha em seu queixo. David grunhiu e a empurrou pela cintura. - Temos que limpar o corte, David, se não pode infeccionar. Resista, em um minuto vai acabar. Ela voltou a encostar a toalha em seu rosto e o garoto soltou um gemido rouco, segurando o pulso dela. Samantha engoliu em seco, desejando que ele estivesse segurando-a em outra situação. Limpou os cortes o mais rápido que conseguiu, odiando assistir a expressão de dor de David. Posicionou a gaze e fixou-a com o esparadrapo. Estava feito. Podia sair dali. NACIONAIS-ACHERON
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Mas não queria. David levantou-se e juntou o material inutilizado, entrando no banheiro e guardando na caixa. Samantha não se moveu, seus pés estavam cravados no chão. Ele, então, saiu da peça e apagou a luz. - Obrigado, pode me deixar sozinho agora? Vou me deitar aqui mesmo. Não, não posso, murmurou sua consciência. Queria deitar com ele e abraçá-lo, consolá-lo, amá-lo. Samantha concordou com a cabeça e virou de costas, juntando a tampa do chão e tampando a garrafa. Colocou, então, e mão na maçaneta, mas não conseguiu girá-la. Seu corpo estava se negando a sair daquele quarto, assim como sua mente. Nenhum dos dois queria se afastar de David. Ela virou a cabeça para o lado, o encarando uma última vez. Foi o suficiente. David alterou sua respiração em poucos segundos, pois agora estava ofegante. Samantha não esperava que ele estivesse naquele estado. Seu corpo e seu rosto não condiziam com o pedido que havia feito. O garoto encarou-a por, no máximo, dez segundos, antes de caminhar agressivamente até ela. Por um momento, Samantha achou que ele iria agarrá-la, abrir a porta e jogá-la para fora. Era a ação mais provável e a que fazia mais sentido, dada a forma como ele a havia tratado nos últimos minutos. Porém, quando ele segurou sua cintura e sua nuca, grudando os lábios dos dois de forma violenta e nada hesitante ela percebeu o que estava prestes a acontecer. Aquele movimento fora tão rápido que nem conseguiu analisá-lo por muito tempo. David empurrou-a contra a parede oposta e segurou ambas as coxas da NACIONAIS-ACHERON
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garota, puxando-as para cima. Oh, meu Deus. Aquilo estava prestes a acontecer. De novo. Seu estômago afundou.
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CAPÍTULO 72 O susto inicial desapareceu quando o garoto conseguiu fazer com que ela fechasse as pernas em volta de sua cintura. Samantha o abraçou pelo pescoço para se apoiar melhor, ficando assim um pouco mais alta que ele. David parou de beijá-la e pressionou-a mais contra a parede, para que pudesse aliviar a força que estava fazendo ao segurá-la e conseguir passear melhor com as mãos pelo seu corpo. O simples fato de senti-lo apertando suas curvas e passando as mãos por sua pele, que passou a ficar sensível e arrepiada com uma incrível velocidade, já era desesperador. Nunca imaginou, até aquele ponto de sua vida, que poderia ser tão prazeroso satisfazer algum desejo. Tanto o tempo quanto seus sentimentos poderiam ser os causadores daquela plenitude inexplicável. Não poderia compreender. Não naquele momento, pelo menos. Samantha tinha plena certeza de que, se não estivesse pressionada contra a parede, não estaria mais em pé. Estava fazendo muitas descobertas em poucos segundos. Agora, não conseguia acreditar que uma pessoa poderia ficar sem forças apenas sendo tocada e beijada. Ah, ela já poderia ter tido sua primeira, sua segunda e sua terceira vez. Sabia como funcionava. Mas saber como funciona não basta. Claro que não basta. Tudo se torna mais evidente e aproveitável com a maturidade. E a maturidade de David fez tão bem para ele. Sempre gostou de ficar com ele, mas aquilo era novo. A forma como ele a estava beijando era nova. A pressa estava sendo habilidosamente equilibrada com a intensidade dos movimentos. Dava para perceber que ele estava com NACIONAIS-ACHERON
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pressa. David estava ansioso e doido para ir direto ao assunto, não precisaria de muita experiência para perceber. A diferença era que ele sabia administrar a situação. Através de cada toque era possível sentir a urgência. Os lábios percorrendo a curva de seu pescoço, sugando cada centímetro, para logo depois envolver a pele com a língua. Não existia explicação suficiente para contemplar a convergência de sensações que a boca dele era capaz de causar. Poderia sentir-se satisfeita apenas com aquilo. Em poucos minutos foi capaz de perceber que ele conseguia o que queria. Se David quisesse, poderia levá-la até as estrelas usando apenas os lábios em seu pescoço. Aquela possibilidade não existia no mundo de Samantha até aquela noite. Mas, como acabou percebendo, David tinha outros planos, assim como ela. Começou, em um reflexo totalmente justificável, a mexer o quadril. Movimentos circulares tímidos, quase inseguros. Sua manifestação fez o garoto parar por um momento, interrompendo os beijos. Ele lambeu o próprio lábio inferior úmido e a encarou. Ainda não haviam trocado nenhum olhar e Samantha sabia que quando acontecesse, perceberia que tudo aquilo era real. - Droga, Samantha – Ele praticamente grunhiu, o peito subindo e descendo com muita intensidade, demonstrando ausência de fôlego. Desviou o olhar por um instante, encarando a parede atrás dela. Franziu o cenho, parecendo confuso. Quando seus olhares se cruzassem, tudo mudaria para ele e ela compreendeu o que aquilo significava na mesma hora. Samantha deixaria de ser um mero corpo comum e passaria a ser sua Samantha, e talvez ele estivesse com medo. A garota conseguiu ver um pouco disso em seus olhos, NACIONAIS-ACHERON
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um receio misturado à preocupação. David Young estava inseguro? - Você realmente quer fazer isso? – David continuou, engolindo em seco ao recolocar os olhos em seu rosto corado. - Você sabe que... quando tudo acabar você vai me odiar – A voz dele era fraca, quase nula. Só conseguiu ouvir porque ele estava muito próximo dela. - Pelo amor de Deus, eu não aguento mais – Não sabia de onde havia tirado forças para pronunciar aquelas palavras. Sua intimidade ficava cada minuto mais sensível e a etapa da resistência já havia passado. Ele agora não estava fazendo nada, mas sua excitação não parava de aumentar. Fechou os olhos e deixou seus instintos mais primitivos tomarem conta de seu raciocínio. – Me fode logo, David. A paralisia momentânea originada do choque fez com que ele não piscasse, a vida parecendo deixar seu corpo por poucos segundos. Samantha percebeu que era até bem fácil excitar David. Ele gostava de objetividade e clareza. Os lábios do garoto, então, se arquearam suavemente. Era o máximo que ele conseguia fazer, tamanha era a surpresa. Não o julgava, ela mesma não esperaria ser ousada naquele nível. Ele a colocou no chão e Samantha não entendeu. Não gostou de ser colocada no chão. Queria continuar abraçada nele, continuar sentindo seus lábios macios e experientes por seu corpo. David, então, encarou o vestido preto dela com olhos translúcidos de luxúria. Agora, um sorriso maior conseguiu se abrir. Ele apoiou um dos braços ao lado da cabeça dela e fitou seus olhos, quase encostando a testa na da garota. O sorriso ainda estava ali, mas ela não conseguia corresponder. Sua intimidade ainda pulsava, molhada de prazer, e aquela pausa a estava deixando maluca. NACIONAIS-ACHERON
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David segurou o pescoço dela delicadamente e começou a escorregar a mão espalmada até seu decote. Percebeu o que ele iria fazer quando seus dedos se fecharam no zíper frontal do vestido. Aquele vestido era comicamente adequado, era muito difícil de acreditar que estava usando-o por pura coincidência. O zíper começou a ser puxado devagar, revelando o decote de Samantha por partes. David abaixou o rosto, interrompendo o olhar que estavam compartilhando para admirar o corpo parcialmente exposto da garota. O vestido caiu, aberto, nos pés dela. Ele voltou sua atenção para o rosto da garota, deixando o sorriso malicioso de lado. Samantha podia ver a necessidade tomar conta de sua expressão. Sentiu vontade de implorar para que ele continuasse, contraindo as expressões faciais e revelando algo muito próximo ao sofrimento. Era a resposta que David estava esperando para seguir em frente. Apesar de sua clara ansiedade, ele ainda se preocupava com a satisfação da garota. Encostou o dedo indicador e o médio no ventre dela, acariciando a região e, assim, provocando-a mais um pouco antes de finalmente introduzir a mão dentro de sua calcinha. Todo o corpo de Samantha enfraqueceu, como já era de se esperar. De início, ele envolveu-a delicadamente com toda a mão, deixando-a se recuperar do choque inicial. Ao perceber a garota relaxar ao toque, deu o próximo passo, percorrendo e acariciando os lábios lisos e macios. Samantha sentiu sua umidade entrar em contato com os dedos dele e voltou a ofegar. David adotou, então, um movimento lento e torturante, friccionando dois dedos de cima à baixo repetidamente. Quando subia, atingia exatamente a região do clitóris da garota. Ela não demorou para começar a sentir a onda de prazer crescer dentro de si, tomando conta de todo NACIONAIS-ACHERON
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o seu corpo sem dificuldade alguma. Ninguém nunca a tinha tocado daquele jeito. Era diferente. Era carinhoso e cuidadoso, mas ao mesmo tempo intenso e habilidoso. David intercalava seu olhar entre a própria mão, que trabalhava ininterruptamente, e o rosto contraído da garota. Ele, além de tudo, insistia em observar seu rosto. O movimento ganhou velocidade e ela deixou um gemido longo sair por sua boca, obrigando-se a inclinar a cabeça para trás. David, então, espalhou alguns beijos delicados por seu pescoço exposto, sem deixar que aquilo atrapalhasse a coordenação de seus dedos, que agora mantinham um movimento rápido e constante. Samantha ouviu ele mesmo soltar um som abafado instantes antes de ela atingir seu ápice. Em circunstâncias normais, ela evitaria encarar o garoto até recuperar o fôlego e estabilizar seus sentidos. Mas a curiosidade conseguiu invadir sua estabilização, fazendo-a abaixar o rosto e observá-lo encarando, fixo, o chão. O cenho do garoto estava franzido e ele ainda respirava com certa dificuldade. Proporcioná-la aquele orgasmo o deixou mais inquieto do que antes. Ele parecia muito tenso e desconfortável, como se não estivesse acostumado a sentir-se daquele jeito enquanto aguardava alguma garota recuperar o fôlego. De fato, ela não era qualquer uma. E, de fato, a necessidade que ele estava sentindo nunca havia sido tão grande. Sabia o que ele queria e, mais do que isso, sabia o que ela mesma queria. Não queria mais remediar. Antes de ele retirar a mão de dentro de sua calcinha, Samantha o abraçou pelo pescoço, depositando diversos beijos em seu pescoço enquanto acariciava os cabelos de sua nuca. Ele a abraçou pela cintura, pressionando sua intimidade rígida contra seu ventre. Outro gemido extremamente baixo saiu de sua boca. NACIONAIS-ACHERON
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Samantha, então, começou a desabotoar de sua camisa o resto dos botões que ainda não estavam abertos. O tronco nu do garoto entrou em contato com sua pele quente e ela fechou os olhos, facilitando o trabalho da mente ao processar as sensações que aquele contato causava. Não era nada experiente e não sabia como seu corpo reagiria a cada novo segundo. Em sua inocência íntima, duvidava da capacidade de poder ter um orgasmo seguido do outro. Mas, ao senti-lo percorrer as mãos livremente por suas costas, percebeu que estava muito enganada. Sorriu sem que ele percebesse, satisfeita com sua nova descoberta sobre si mesma. Sob os toques de David, o pouco que achava que sabia era desmentido ou atualizado em tempo real. Com delicadeza, empurrou-o pelo peito e se desencostou da parede. Ele a acompanhou com o olhar, parecendo estar em um estado de luxúria que o transportava para outra dimensão. Samantha caminhou com passos lentos até a cama, desfazendo-se do sutiã no caminho. Sentou-se de costas e arrastou o corpo até o meio do colchão. David assistia a cena com a cabeça levemente inclinada para o lado, o olhar carregado de paixão e admiração. Sabia que ele não olhava daquela forma para outras garotas. Ela sorriu mais uma vez, arrancando-lhe um sorriso de canto um tanto desorientado. O garoto andou até a cama enquanto se desfazia das calças, antes pegando um pequeno pacote no bolso de trás. Samantha admirou sua intimidade rígida por trás do tecido branco da boxer. Ah, como o queria. Nunca quis nada com tanta vontade na vida como sentir David dentro de si. Ele subiu na cama, ainda mantendo os olhos no rosto dela. Aquela conexão era natural e ambos odiavam ter de cortá-la. David precisou desviar a atenção dela para abaixar as boxers e vestir a camisinha. Ela o aguardou, sem encostar na própria calcinha. Queria que ele tirasse. NACIONAIS-ACHERON
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David, então, deitou por cima dela e segurou as alças da peça, observando atentamente o rosto de Samantha enquanto abaixava e deixava-a completamente nua. Antes de começar a beijá-la, admirou seu corpo inteiro por um instante, passando com cuidado a superfície da mão em diferentes espaços de pele. Percorreu o contorno de seu quadril, subindo até a cintura e, enfim, fechando a palma em cima de seu seio. Era como se David precisasse e fizesse questão de reconhecer cada centímetro de pele antes de prosseguir. Ficaram separados por tanto tempo que era como se estivessem se conhecendo intimamente pela primeira vez. Os corpos estavam diferentes. Haviam crescido, deixando a puberdade incômoda para trás. Apesar de serem os mesmos, era inegável que, de certa forma, não eram mais como antes. Apoiado em um dos cotovelos, David usava a mão livre para provocar a menina. Passava o polegar por cima de seu mamilo, observando a reação dela com um sorriso carinhoso. Samantha, agora, estava completamente deitada, de olhos fechados. Repetiu o movimento, intercalando-o com leves apertões, até envolver o seio e iniciar uma massagem mais intensa. Enquanto era estimulada da melhor forma que poderia imaginar, podia sentir o membro rígido do garoto contra sua coxa. Mordeu o lábio inferior com força, tentando controlar a vontade de agarrá-lo pelo pescoço e puxá-lo para que ficasse por cima de si. Ele pareceu perceber sua luta interna, pois, poucos instantes depois, um suspiro alto saiu de seu peito. Abriu os olhos e abaixou o rosto para observá-lo estimular seu seio com a boca. Se já era difícil resistir aos lábios de David em seu pescoço, agora tinha a sensação de que poderia explodir a qualquer momento. Percebeu que ele estava por cima de si agora, ainda apoiado no cotovelo. Segurava sua cintura, lhe dando leves apertões, enquanto intercalava os NACIONAIS-ACHERON
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chupões, ora lentos ou ora mais curtos, em ambos os seios. Após o que pareceu ser uns cinco minutos, sentiu o queixo ser puxado com delicadeza para baixo. Os lábios já carentes foram tomados pelos dele em um beijo lento, fazendo-a sorrir e abraçá-lo pelo pescoço. Seus sentimentos por ele nunca estiveram tão fortes, e, se amar não fosse tão esplêndido, sufocaria. David interrompeu o beijo e afastou o rosto, analisando os traços da menina com uma atenção anormal. Abriu um sorriso carinhoso e afastou uma mecha de sua testa. Samantha levou ambas as mãos até o rosto do garoto e o puxou para si novamente, grudando os lábios dos dois em um pequeno acesso sentimental. Sentiu-o, involuntariamente, posicionar-se em sua entrada, o simples toque a fazendo respirar com mais dificuldade. Afastou as próprias pernas, sem parar de beijá-lo, e flexionou-as de forma a apoiar os pés no colchão. A pressão inicial lhe arrancou um suspiro, obrigando-a a separar seus lábios dos dele por um pequeno instante. David a encarou, um pouco preocupado. Samantha tinha, infelizmente, a consciência de que ele compreendia a delicadeza que poderia ser a primeira investida para algumas garotas. Fazia muito tempo que não transava e sua entrada era apertada. Sabia que ele estava acostumado com todos os tipos de garota e seu olhar receoso foi o suficiente para lhe provar isso. Não se importou. Não naquele momento, pelo menos. Levantou o quadril, pressionando-o contra o garoto e ignorando o incômodo inicial. Queria sentir algo. Precisava sentir logo. David interpretou seu movimento como um sinal positivo, iniciando, assim, investidas lentas e cuidadosas, voltando a beijá-la no mesmo ritmo. Por um momento, o odiou por ser tão preocupado. O odiou porque era mais NACIONAIS-ACHERON
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um motivo para amá-lo e sabia que, eventualmente, acabaria se machucando. O odiou porque sabia que seu jeito preocupado e cuidadoso encantava todas as outras garotas. Puxou os cabelos da nuca dele por reflexo, finalmente sentindo seu ponto começar a corresponder e o incômodo desaparecer. Entrelaçou as mechas pelos dedos sem nem perceber, lhe dando um sinal mudo para seguir em frente. Ele interrompeu o beijo e a assistiu enquanto tornava os movimentos mais rápidos e intensos. Samantha percebeu, depois de alguns segundos, o maxilar do garoto se contrair. O orgasmo de David estava se aproximando, enquanto o dela já havia dado sinal de existência. Observar David começar a ofegar e perder o controle fez sua onda de prazer crescer com uma intensidade insuportável. Não fazia ideia de como a visão podia ser importante naquele momento. O cenho franzido do garoto poderia equivaler a qualquer toque estimulante pelo seu corpo e, quando ouviu um som grave sair de sua garganta, fechou os olhos, o abraçando para facilitar o atrito. Apertou os lábios com força, sentindo que iria explodir a qualquer hora. Sentiu vontade de gritar, precisando morder o lábio inferior o suficiente para nem conseguir abrir a boca. Sabia que se abrisse, não ficaria quieta. A sensação de plenitude era tão forte e intensa que poderia ser capaz de desmaiar de prazer. Foi uma viagem de dez segundos até o paraíso. Os dez melhores segundos da sua vida, se seguisse à risca sua personalidade dramática. Percebeu David enterrando o rosto em seu pescoço ao contrair-se por inteiro em cima de si. Logo após ela, seu corpo relaxou e caiu pesado, pressionando a garota contra o colchão. Segundos de exaustão e imobilidade se seguiram, até Samantha virar o rosto na direção dele e lhe dar um beijo na NACIONAIS-ACHERON
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testa. David fechou os braços em volta de sua cintura, lhe apertando em um abraço forte. Manteve o rosto enterrado no colchão por mais alguns segundos antes de ser o primeiro a se manifestar. - Se eu soubesse que precisaria abrir meu queixo para ter a melhor foda da minha vida, teria eu mesmo me mutilado. A voz abafada pela colcha chegou nos ouvidos da garota, que sentiu o estômago se contorcer. Precisou de uns bons instantes para processar a informação, começando a ficar nervosa e ansiosa. Empurrou David para o lado, obrigando-o a soltá-la do abraço. Ele a encarou com um sorriso divertido, deitando de barriga para cima na cama. - Eu... David? – Samantha não conseguia disfarçar a surpresa. Era inútil tentar simular uma reação contida e disfarçar seu espanto. - O quê? – perguntou ele de volta, o sorriso tornando-se cada vez mais cômico. Ele virou-se totalmente de lado para encará-la. – Eu sabia que seria a melhor antes mesmo de fazer. - Por quê? – Atreveu-se a perguntar. Ela precisava de todas as provas. Precisava ouvi-lo falar. Aquele momento era inacreditável. - Porque nunca senti nada parecido por outra garota como o que eu sinto por você. Isso influencia diretamente no prazer. – Ele esticou o braço e afastou uma mecha do pescoço de Samantha. Era tudo muito novo e muito estranho. David carinhoso era a novidade mais surpreendente dos últimos meses. Ela não conseguia mover um músculo. – Você não faz ideia do poder que tem sobre mim. Não faz a mínima ideia. Samantha conseguiu reagir, aproximando seu corpo do dele e envolvendo sua nuca com a mão. Ao acariciá-lo, juntou os lábios dos dois. David deitou de costas novamente e ela aproximou seu corpo mais ainda, ficando NACIONAIS-ACHERON
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parcialmente por cima dele. Sentiu a mão do garoto escorregar por suas costas e parar no cóccix, voltando e percorrendo o caminho contrário. Ela desfez o beijo e voltou a encará-lo. Era tão bom observar seu rosto, mesmo com um curativo tapando todo o seu queixo. - Cada detalhe em você, David – Ela examinava seu rosto como nunca havia feito antes, ainda meio chocada e sem reação. Seu olhar era vago, apesar de percorrer os detalhes dos traços dele. – Eu amo cada detalhe. Ele sorriu, a observando da mesma forma apaixonada. Segurou seu rosto com ambas as mãos e lhe deu um selinho longo. - Vire-se – murmurou ele, interrompendo o beijo. Ela franziu o cenho, confusa, mas obedeceu, virando de costas para ele. David, então, levantou da cama. Ela não esperava por isso. O garoto levou menos de trinta segundos no banheiro e voltou. Antes de deitar na cama novamente ele passou pela porta e a trancou. O barulho da fechadura fez Samantha se arrepiar. David deitou ao seu lado e a abraçou por trás, envolvendo-a pela barriga. Começou, então, a beijar a extensão do pescoço até sua orelha. Ela já começava a sentir a intimidade acordar pela terceira vez. David envolveu um de seus seios e aplicou uma atenção deliciosa ali, massageando-a de forma intensa enquanto deixava todo o seu pescoço e a região embaixo da orelha molhadas, dando lambidas extensas e chupões demorados. Sem perceber, relaxou o corpo contra o dele, que cedeu e deixou-a se deitar por cima de si. Sentiu o membro do garoto começar a enrijecer contra seu traseiro na medida em que ele a estimulava cada vez mais, agora ambas as mãos envolvendo seus seios com movimentos circulares. - É insuportável conviver com você e não poder fazer isso – Sua voz melodiosa sussurrou baixa em seu ouvido por entre os beijos. – Não consigo mais, Samantha. – Ele então percorreu toda a lateral de seu corpo com uma NACIONAIS-ACHERON
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das mãos, a abraçando pela barriga em um movimento tortuoso e sensual. – Preciso tocá-la todos os dias. Ela respondeu com um murmúrio sem significado. - Você é odiosa, garota. Suas curvas, seu olhar, sua voz... Seu jeito de se mover é insuportavelmente atraente, tanto no dia a dia quanto em cima do palco – Aqueles elogios somados aos estímulo que David estava fazendo por todo o seu corpo eram insuportáveis de resistir. - Eu estou perdido. Sempre estive. Com um último beijo em seu ombro, ele a retirou de cima de si. - Arraste-se mais para cima – disse ele, ficando por cima de seu corpo novamente. Olhou para a intimidade dela e voltou a encará-la, sorrindo de canto. David Young era inacreditável. Inacreditável e muito improvável. O garoto mais egocêntrico que Samantha já conhecera na vida estava colocando a satisfação dela na frente de qualquer ação bruta e desesperada para chegar ao alívio pessoal. Mais uma vez chegou a conclusão de que, se pudesse amálo mais do que já amava, amaria. Sentiu um beijo curto no ventre e não pode conter-se, seu corpo inteiro se contraiu. Ele percebeu e levantou os olhos por um momento, deixando um sorriso de canto escapar. A sequência de curtos beijos que se seguiu por todo o seu ventre e região superior a sua intimidade era, sem dúvidas, o melhor carinho que já recebera na vida. David conseguia transformar uma situação iminentemente carnal em um poema físico. Cada vez que ele encostava os lábios em sua pele, o curativo do queixo roçava nela, acompanhando os lânguidos e calmos beijos. Samantha tentou esquecer que ela fora a responsável por aquilo, se pensasse muito sobre o assunto desistiria de deixálo fazer o que estava prestes a fazer. Ela o machucara e mesmo assim ele a NACIONAIS-ACHERON
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estava tratando com cuidado, como se estivesse lidando com algo precioso. As mãos do garoto, quentes e macias, escorregaram da cintura dela – local onde ele a estava segurando enquanto dava leves apertos – e passaram pelo interior de suas coxas, então parando. Elevou o olhar mais uma vez, como que lhe informando que a hora havia chegado, e empurrou as pernas da menina para cima, fazendo com que ficassem dobradas e afastadas. David pareceu encarar a intimidade de Samantha com um interesse exagerado antes de abaixar o rosto e depositar o primeiro beijo íntimo. O corpo dela contraiu-se ao primeiro contato, relaxando logo em seguida. Ele iniciou o processo com beijos curtos, como estava fazendo anteriormente, e então os intensificou, tornando-os mais demorados e acrescentando sua língua. Cada vez que Samantha sentia a língua dele por entre seus lábios, sentia os próprios músculos enrijecerem. Ele a beijava de forma surpreendentemente detalhada, aplicando toda a sua atenção e esforço na ação. David segurou sua cintura com ambas as mãos, envolvendo boa parte da pele da garota, e apenas esse simples gesto era capaz de deixá-la sem ar. A sensação de estar entregue por inteiro nas mãos dele era maravilhosa. Sentiu, então, que ele passou a beijá-la de forma mais agressiva, sugando em intervalos a região de seu clitóris. Ela não aguentou os chupões por muito tempo, começando a mover o quadril em uma ansiedade angustiante. Deixou a cabeça cair para trás e passou a olhar para o teto, tentando recuperar a respiração, mas de nada adiantou. O que estava acontecendo lá embaixo era deliciosamente incontrolável. Finalmente chegou em seu limite, levantando o quadril da cama e induzindo-o a fazê-la atingir seu ápice. Ele deu um último chupão, agora nada delicado, – e ela o agradeceu por isso – fazendo então seu corpo todo NACIONAIS-ACHERON
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estremeceu com a descarga de prazer imensurável. Relaxou, largando as cobertas da cama que antes esmagava. Trinta segundos se passaram e ela conseguiu recuperar os sentidos e o fôlego. Estava tão distante que esquecera completamente de observar a reação de David. Ele agora deitara um pouco mais para baixo, exatamente na altura que antes estava, só que ao lado dela. Samantha levantou a cabeça e observou o garoto colocar as mãos nos olhos como se estivesse passando por um pequeno incômodo. Ela estava longe de ser experiente, só percebendo o que estava acontecendo quando olhou para o meio das pernas dele. David estava impressionantemente excitado. A garota observou ele abaixar uma das mãos e segurar o próprio membro, começando o estímulo para que pudesse gozar. Ainda estava consideravelmente abalada com o que ele acabara de fazer nela, mas teve discernimento suficiente para arrastar o corpo para baixo até ficar no nível dele. David parou e a olhou no rosto. Ela sorriu e tirou a mão dele, substituindo pela sua própria. O garoto fechou os olhos e contraiu todos os músculos faciais, estava no limite entre o sofrimento e a melhor masturbação de sua vida. Samantha esforçou-se para conseguir distribuir sua coordenação e iniciou um processo caloroso de beijos no ombro dele, subindo pelo pescoço até seus lábios e não dando a mínima para o próprio gosto que estava prestes a sentir. No exato momento em que decidiu morder seu lábio inferior, sentiu o líquido quente do garoto em sua mão. Afastou o rosto para observá-lo abrir um sorriso aliviado. Samantha riu pelo nariz e ele sentiu a expiração dela em seu pescoço. Abaixou o olhar, ainda mantendo o sorriso no rosto. - David... – Ela manteve a boca entreaberta por um momento e então desistiu de falar, fechando os lábios novamente. O garoto franziu o cenho, NACIONAIS-ACHERON
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apesar dos resquícios de êxtase. - O que foi, amor? O ambiente inteiro pareceu entrar em uma suspensão violenta. Era como se tivessem sido transportados para um vazio. Ambos paralisaram, se encarando com os olhos arregalados enquanto compartilhavam um transe confuso. Nenhum dos dois parecia acreditar no que David havia acabado de falar.
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CAPÍTULO 73 - O que... você... Do que me... chamou? – Samantha não podia evitar um pequeno sorriso surgir nos lábios. Seu coração havia disparado e não se acalmaria tão cedo. David desviou o olhar do dela, encarando o teto. Também sorria um pouco. - Foi involuntário, me desculpe. – murmurou ele, após um suspiro nervoso. - Você está... se desculpando... por ter acabado de me chamar da palavra mais bonita que alguém poderia me chamar? – Samantha estava apoiada nos cotovelos agora, encarando o rosto do garoto diretamente. Ele ainda não a olhava. – David! - O quê? – Ele finalmente virou o rosto na direção dela, o sorriso ameaçando aumentar. - Fale de novo. O garoto sorriu por inteiro, percorrendo os olhos por todo o rosto da menina. Samantha estava tão ansiosa que não conseguia mais sorrir. - Meu amor. – murmurou ele em um tom extremamente baixo. Era a primeira vez que ela via David vermelho na vida. Ele acabara de fazer coisas extremamente eróticas e não tinha a mínima vergonha, não demonstrava nenhuma vulnerabilidade. Mas agora, ao pronunciar uma simples palavra, as bochechas coravam como se tivesse corrido uma maratona. Ela precisava assumir, não esperava que ele fosse falar tão cedo. David nunca demonstrava seus sentimentos. Era muito difícil vê-lo falando sobre o NACIONAIS-ACHERON
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que estava sentindo, Samantha lembrava muito bem do passado. Quando falara que o amava durante sua primeira vez, ele apenas correspondeu e nunca mais tocou no assunto. Nunca mais falara nada. Samantha sempre soube que, envolvendo David, era mais prazer do que sentimento, e sabia que isso se dava por ele não ter nenhum estímulo sentimental em casa. E agora, ele estava na sua frente, e havia acabado de falar o que ela sempre sonhara em ouvir. Sempre sonhara em ouvi-lo a chamando daquilo. - Você está bem? – David não desfez o sorriso, mas levantou um braço e encostou no rosto dela, afastando os cachos escuros. - David, você... acabou de... - Eu sei, não precisa ficar histérica. Tem porra espalhada por toda a cama e eu achei o momento perfeito para decidir falar o que eu já devia ter falado milhões de vezes. Samantha estava em choque, era um fato. Ele podia tentar falar algo engraçado para tentar fazer a garota voltar ao normal mas era óbvio que não funcionaria dessa vez. E David sabia exatamente o que traria Samantha de volta para a realidade. - Eu te amo, Samantha. Por favor, volte ao normal, já está começando a ficar meio assustador. Você não pisca há quase um minuto. - Você... David levantou o troco e empurrou a garota de leve, forçando-a a deitar novamente. Grudou os lábios dos dois em um selinho demorado, mas ela simplesmente não reagia. Não segurava sua nuca ou seus ombros, apenas era um corpo paralisado. - Sam? – Ele interrompeu o beijo, sentindo certa umidade. Olhou para o NACIONAIS-ACHERON
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rosto da garota e acompanhou uma lágrima escorrer pela têmpora dela. A garota levantou uma das mãos que estavam inanimadas ao lado de seu corpo e secou as duas lágrimas que interromperam David. - Eu não mereço ouvir isso, não depois do que eu acabei de fazer com você. Sou a pior pessoa do mundo, me desculpe. - Ei, calma. Você só perdeu a paciência, e com motivos. Eu estava insuportável, sei quando passo dos limites. Você merece ouvir isso todos os dias, sabe que sim. Demorei três anos para tomar coragem e falar por livre e espontânea vontade. – Ele interrompeu a fala para secar o rosto da garota mais uma vez. – É muito difícil para mim... você sabe disso. Quando eu finalmente consigo, você entra em pânico? – Samantha abriu o primeiro sorriso em minutos, rindo de verdade. – Você foi a primeira a falar naquela época, eu queria ser o primeiro a falar agora. Samantha repentinamente sentou na cama, fazendo com que ele tivesse que sentar também. Limpou mais algumas lágrimas e encarou David, que aguardava sua próxima reação. O olhar da garota direcionou-se para o curativo, o sangue já havia penetrado no tecido da gaze e agora era visível. - Se eu tornar a fazer isso de novo, me prometa que vai me ignorar para o resto de sua vida. David sorriu, meio melancólico, e negou devagar com a cabeça. - Sabe que não posso fazer isso. Você pode me dar uma surra e o máximo que vai conseguir é alguns dias de gelo. Ela secou o rosto mais uma vez antes de envolvê-lo pela nuca, o abraçando forte. O garoto colocou os braços em volta da cintura dela e correspondeu. - Eu te amo, David. De novo, sempre. Nunca parei. – Era um sussurro no NACIONAIS-ACHERON
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ouvido dele. Ela afastou-se por um momento para encará-lo, passando a mão levemente pela pele de seu rosto. – Foram os piores dois anos da minha vida. - Eu sei. Tenho medo que eles se repitam. – David agora estava sério, assim como ela. Samantha negou vigorosamente com a cabeça. - Não vão. Ele suspirou, desviando o olhar do rosto dela e encarando o vazio por um instante antes de continuar. - Quando eu disse que você vai me odiar no final, eu não estava brincando. Aquilo fez Samantha segurá-lo com delicadeza pelo queixo e forçá-lo a encará-la de volta. - Nada vai me fazer querer ficar longe de você de novo. David manteve-se em silêncio, encarando fixo os olhos da menina. - Se seus peitos não estivessem encostando em mim e fazendo eu ficar duro de novo, poderia me concentrar e responder algo a altura. Ela se afastou, abrindo um sorriso carinhoso. David abaixou os olhos para o colo da garota da forma mais discreta que conseguiu. - Quer tirar uma foto para ficar olhando depois? David! Estou aqui em cima. O garoto levantou os olhos com o sorriso mais cafajeste do mundo nos lábios. Samantha amava aquele sorriso e se odiava por amar a maior prova da fama de David. Ele, então, fechou suas expressões faciais, parecendo um pouco constrangido. Mais um suspiro tenso se seguiu até ele quebrar o silêncio. - Queria poder dizer que vamos ficar juntos agora. Queria muito. Mas não posso. Você tem todo o direito de começar a me odiar, mesmo não sabendo o NACIONAIS-ACHERON
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que está acontecendo. A declaração fez a garota engolir em seco, mas respondeu sem ponderar. Era importante mantê-lo falando. Era importante para ela comunicar-se com ele. - Não vou odiá-lo, confio em você. Deve ter os seus motivos. Eu posso esperar. Seu rosto corado foi acariciado pela mão dele. David ainda estava tenso. - Eu estou me odiando por ter que fazer isso com você. Samantha soltou o ar que segurava, começando a se sentir um pouco mal. - Tudo bem. Eu supero, David. Já superei coisa pior. Arrastou-se para fora da cama e ficou em pé, decidindo interromper aquela conversa que havia se tornado tudo o que ela menos esperava. Começou a se afastar até o banheiro, sendo observada por um David desolado. - Por favor, Sam... não é a minha vontade. - Quer tomar banho primeiro? Você se sujou mais que eu. – Samantha o ignorou, parando na porta do banheiro para o encarar de forma distante e mecânica. - Sam... - Eu não demoro, então. Fechou a porta, trancando logo em seguida. Enquanto abria o chuveiro, deixou mais algumas lágrimas escorrerem. Logo, estava chorando para valer. Não era fácil ouvir tudo aquilo e manter-se firme, por mais que parecesse aguentar a maioria das coisas, aquilo passava de todos os limites de força emocional. Amava David e sabia que ele deveria ter um motivo concreto para não querer ficar com ela, mas era claro que havia mentido quando disse que NACIONAIS-ACHERON
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estava tudo bem. Não estava. Colocou a mão na boca para seus soluços não fazerem barulho e entrou embaixo da água quente, deixando seus cabelos molharem e sua cabeça relaxar por um momento. Eram muitas emoções para apenas uma noite. Há poucos minutos estava se sentindo um monstro por ter agredido ele, mas agora estava se sentindo agredida emocionalmente. Não era justo. Ele não podia chamá-la de "meu amor" e depois dar um fora. Porque o que acabara de acontecer era isso, por mais que estivesse mascarado pelas lamentações de David, ele havia lhe dado um fora. Não era justo eles passarem por momentos de tamanha conexão para, horas depois, voltarem a cultivar a mesma distância de sempre. Esfregou-se rapidamente e fechou a água, agarrando uma das toalhas brancas que estavam empilhadas na estante ao lado do box. Torceu o cabelo e saiu para o banheiro, encarando seu rosto borrado no espelho. Tentou limpar a maquiagem o máximo que conseguiu antes de destrancar a porta e sair para o quarto novamente. - Todo seu. David havia colocado sua boxer e estava sentado na ponta da cama, encarando chão. Os olhos estavam marejados quando olhou na direção da garota. - Você disse que não iria me odiar. - É, eu sei. Eu não te odeio. Mas nesse momento eu estou um pouco puta, se é que tenho esse direito. - Claro que tem. Samantha recolheu o vestido perto da porta e suas roupas íntimas espalhadas pela cama. Tirou a toalha, sem dar a mínima para a vergonha. Já NACIONAIS-ACHERON
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haviam passado por tanto que não tinha mais paciência para sentir-se constrangida. O garoto a observou se vestir em silêncio. - Você vai embora? São quase cinco da manhã, hoje é domingo... Durma aqui. - Eu vou para minha casa. - Por favor, não me trate assim. - Assim como, David? É o segundo fora que levo essa semana, e antes de um deles você literalmente me fodeu. Como quer que eu me sinta? - Não fale assim. Eu não te fodi, a gente transou. - Acredite, você me fodeu. De todas as formas possíveis. – Ela recolheu a toalha molhada de cima da cama e pendurou-a no banheiro. Ao sair, concluiu: – Avise uma das empregadas que precisam lavar as cobertas antes de ir embora. - Eu vou avisar, mas, por favor, não vai embora agora. - Espero que seu machucado melhore logo. Me desculpe mais uma vez. Samantha localizou seus sapatos mentalmente, havia os jogado na sala de estar. Precisaria encontrá-los, além de ter de vasculhar seu sobretudo por baixo de muitos outros no cabide. Não olhou para David antes de fechar a porta do quarto atrás de si.
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CAPÍTULO 74 - Ela está trancada no quarto. Donna deu um passo para o lado, deixando Carter e Alex entrarem no pequeno hall da casa. Alex empurrou seu capuz para trás e abriu o fecho do casaco, mantendo-o em seu corpo. Carter se desfez do sobretudo e o pendurou em um dos ganchos disponíveis na parede. - Desde que chegou? – perguntou o garoto, logo depois mexendo nos cabelos desgrenhados. – Ela não respondeu nenhuma das nossas mensagens. - Sim, bati na porta e ela apenas falou que não estava com vontade de sair. – Donna olhou significativamente para o rosto de Carter. – Eu sei que tem relação com David, não tenho dúvidas. Na sexta-feira, Samantha falou na minha frente e na frente dele que ainda era apaixonada por ele. Os dois trocaram um olhar antes de Carter pigarrear para responder. Alex encarava o chão de forma fixa. - A senhora tem toda a razão de não aprovar os sentimentos da Sam por ele, afinal, não há provas de que ele não tenha sido o responsável pelo escândalo... Acredite, senhora Hollow, nós ainda temos nossas dúvidas. Mas NACIONAIS-ACHERON
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Samantha não. Ela claramente desistiu de acusá-lo, agora acredita que ele é inocente. – Carter se expressava sem demonstrar nenhuma instabilidade por estar falando com um adulto sobre o escândalo. O garoto sempre conversara com Donna no passado e por isso existia uma raiz de confiança entre eles. – Ela ama ele, Donna. Qualquer um pode perceber. A mulher suspirou profundamente. - Eu não sei o que fazer. Não posso deixar minha filha sofrer por causa desse garoto de novo. - Vamos tentar conversar com ela agora e entender o que aconteceu de madrugada. A perdemos de vista após umas três da manhã. – Foi a vez de Alex oferecer alguma tranquilidade à mãe de Samantha. - Façam isso. Estarei aqui embaixo. Donna acenou com a cabeça para o segundo andar e, antes de subirem, Carter encostou de forma acolhedora no ombro dela. Em poucos segundos os dois estavam parados na frente da porta de Samantha. ✖✖✖ O vazio parecia aumentar a cada hora que passava. Após colocar o pijama e deitar embaixo das cobertas, a dor emocional passou a se tornar física. Ela ainda conseguia sentir o cheiro dele em sua pele. Por mais que tivesse tomado banho, era como se ele ainda estivesse a abraçando. Era capaz de senti-lo por todo o seu corpo... dentro de si. Enterrou a cabeça no travesseiro por um bom tempo, tentando fazer com que os soluços fossem abafados e não chamassem a atenção de sua mãe. O pior de tudo era que sentir os vestígios de David em si era uma das melhores sensações que já sentira na vida. Era tão bom lembrar do prazer que ele a NACIONAIS-ACHERON
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havia proporcionado fazia poucas horas. Era tão bom lembrar de como ele a amou, como se não houvesse passado nenhum minuto desde a última vez que deitaram juntos, há dois anos... E então o rosto pesaroso de David interrompia tudo, sua voz ansiosa repetindo que eles não podiam ficar juntos. Samantha sabia, lá no fundo, que ele tinha um motivo para isso. Ela simplesmente sabia. E o medo de esse motivo ser a diferença entre as classes sociais dos dois sempre surgia em sua mente. Lembrava dos momentos passados nos quais Felicia fazia questão de deixar claro que ela não servia para ele, e talvez agora a mulher havia encontrado um jeito de convencer o filho. David poderia amar Samantha, mas sabia que não poderia ficar com ela. Sabia que não daria certo. Seria humilhado constantemente se levasse a namorada pobre nos eventos sofisticados da alta sociedade de Londres. Era isso? A menina odiava pensar nessa possibilidade. Tinha o maior orgulho da mãe e do que ela havia conquistado sozinha. Não seria, então, uma espécie de traição se continuasse amando David mesmo suspeitando que esse era o real motivo de sua rejeição? Não conseguia bloquear aquele sentimento. E ela sabia, desde quando o vira pela primeira vez após voltar da Irlanda, que se voltasse a ter relações com ele não haveria possibilidade alguma de não se apaixonar novamente. David poderia ter um milhão de defeitos, incluindo o maldito orgulho e o exagerado egocentrismo, mas o jeito como ele a tratava... O jeito como ele a olhava era como se um único olhar fosse o suficiente para senti-lo por completo, em cada centímetro de sua pele. Todas as garotas sentiam isso, ela tinha certeza. David tinha uma habilidade intrínseca quando se tratava do sexo feminino. Sempre fora assim, NACIONAIS-ACHERON
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ele conseguia agradar desde a professora mais rabugenta até a patricinha mais insuportável. Antes do escândalo, até Donna era encantada pelo garoto. Era como se houvesse o espírito de um libertino conquistador dentro dele, que entrava em ação no momento em que falava com alguma mulher. David nunca era castigado pelas professoras. Não precisava nem puxar o saco delas, era só sentar e ficar em silêncio na sala de aula. Era o suficiente para que elas sempre o usassem como exemplo durante as explicações ou pedissem algum favor. Ele era inacreditável. E ela estava, novamente, com o rosto enterrado no travesseiro por causa dele. Quantas vezes chorou no passado por causa da mesma insegurança? Não admitia nem para si mesma que era apaixonada por ele quando tinha quatorze anos, imagine admitir para ele? Após conhecer Felicia, passara a ser muito mais difícil lidar com aquele sentimento. Parecia extremamente errado. Então o único jeito de conseguir superar era repelindo o garoto. Qualquer demonstração emocional, por mais esforçada que fosse, da parte de David, era negada por ela. Samantha não queria passar pela humilhação causada por Felicia novamente, portanto aceitou a realidade e rejeitou-o com delicadeza. Até ele avançar a ponto de terem a primeira vez e ela não conseguir resistir ao jeito sempre conquistador e articulado de David. A intimidade que compartilhavam, a habilidade dele e a paixão da menina fizeram com que ela tivesse perdido a virgindade muito cedo. Não que ela não achasse que ele sentia o mesmo. Só não conseguia admitir. David sentir o mesmo por ela? Aquele menino rico, bonito e divertido? O que David Young iria querer com a pobre da Samantha Hollow? O garoto estava sempre demonstrando que queria algo mais que amizade, NACIONAIS-ACHERON
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Samantha começara até a se acostumar. Quando percebia, David já estava a beijando novamente. E, no final, era sempre ela que o empurrava para longe. Foi então que, aos quatorze anos, aconteceu. David já tinha feito quinze anos fazia alguns meses, apesar de sua aparência e seu jeito serem comparáveis à um garoto de dezessete ou dezoito anos na época. Samantha aparentava ter a idade que tinha, como todos os outros pré-adolescentes. Ele era o único que parecia estar sempre à frente.
- Tem certeza que quer fazer isso? Samantha ainda estava com os olhos fechados quando David interrompeu o beijo e perguntou. Estavam sozinhos na mansão do garoto, com exceção dos empregados. Felicia estava em algum evento social muito importante e Alastair, o pai de David, estava trabalhando. Katrina havia saído mais cedo para ir na casa de alguma amiga e só voltaria à noite. Do lado de fora acontecia uma das maiores tempestades dos últimos tempos. Os trovões faziam ambos pularem de susto e a chuva parecia estar esmurrando os vidros. - Vai doer? – respondeu a garota com outra pergunta depois de engolir em seco e levar alguns segundos para digerir a situação verbalizada por ele. David respirou fundo, saindo de cima da menina e deitando ao seu lado. Sempre tivera uma cama de casal no quarto, parecia um absurdo para Felicia a existência de camas de solteiro. - Talvez. Vou tentar fazer com que não doa tanto. - Por que essa droga tem que ser tão complicada? Não era para sentirmos prazer? NACIONAIS-ACHERON
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O garoto riu pelo nariz, apoiando a cabeça em um dos braços e virando o corpo para ela. Samantha encarou o tronco nu do melhor amigo por dois segundos antes de olhá-lo no rosto novamente. Já estava completamente acostumada com sua presença, mas sua atenção ainda era prejudicada quando ele mostrava alguma parte mais íntima do corpo. David era o tipo de garoto que toda a menina ficaria fissurada se soubesse como ele era realmente, por trás de toda aquela imagem de nerd que, na maioria das vezes, as afastava. Porém, apesar de seu público feminino ser restrito, ele estava sempre envolvido com mais alguém. Samantha nunca podia sentir-se sortuda, afinal, não era a única que sabia da absurda beleza encoberta de David. - Você vai sentir prazer com o tempo. Mas a primeira vez é assim para quase todas as meninas porque elas ficam nervosas e não conseguem relaxar. Só vamos saber se vai doer quando você tentar. - O quê? Tem gente que não fica nervosa? - Ah, claro que tem, Sam. As pessoas não são iguais. Isso depende muito do cara também. Se é que você me entende. – Samantha olhou para o rosto do amigo, ele esboçava um sorriso malicioso. David estava sem óculos, sempre acabava tirando quando os amassos ficavam mais sérios, e assim Samantha podia ver nitidamente todos os belos detalhes do rosto dele. Ela riu pelo nariz antes de ele continuar. – Você está afim? A garota desviou o olhar para o teto. - Estou. – respondeu, tentando controlar um tímido sorriso que ameaçou escapar. - Está sentindo palpitações nas partes íntimas? - David! – Samantha arregalou os olhos mas não o olhou, seu rosto ficou NACIONAIS-ACHERON
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vermelho em poucos segundos. - Que foi? Se você estiver sentindo alguma coisa é porque está ficando excitada. - Eu sei, não sou tão idiota assim. – David continuou encarando o rosto da garota por alguns segundos até ela voltar a falar. – O que quer que eu diga? Que estou com vontade de sentir você entrando em mim? - Você está? – perguntou o garoto, quase que instantaneamente. Apesar de aquele ser um dos momentos mais importantes da vida dos dois, David demonstrava tranquilidade. Ele nunca estava nervoso ou inseguro. O que deixava Samantha mais ansiosa ainda. Ela manteve uma pausa tensa antes de falar, precisava criar coragem e assumir para ele e para si mesma. A intimidade entre os dois não estava ajudando muito, suas mãos estavam geladas e o coração aumentando a frequência de batimentos gradativamente. - Acho que sim. - Precisa ter certeza, Sam. Não vou fazer nada que você não queira. A garota soltou o ar pelo nariz com certa impaciência. O nervosismo amplificava todas as suas reações. - Com quem mais eu vou fazer isso? Você é o único que tem paciência, de qualquer forma. David sorriu e tirou uma das mechas lisas do rosto da garota, colocandoa atrás de sua orelha. - Não sou o único assim. Você deve fazer isso com quem sentir uma conexão especial. Não porque o cara tem paciência, fala sério. Samantha, que agora encarava os desenhos vitorianos da colcha da cama, NACIONAIS-ACHERON
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levantou o olhar para o rosto dele. - Eu sinto. Com você. Um sorriso tímido surgiu nos lábios dele antes de o garoto se inclinar e lhe dar um beijo lento e carinhoso. - Sabe que sinto com você também. Mas é você quem decide. - Mesmo se doer eu vou gostar. Porque eu quero que seja com você. Não quero que seja com mais ninguém. - Quer, então? A menina concordou com a cabeça, deitando o corpo completamente na cama novamente. Começou a tirar as calças. - Calma, Samantha. Não precisa ser tão mecânico! Deixa que eu faço isso. Só preciso pegar... você sabe... - A camisinha? Eu não sei colocar. - Quer se acalmar? Eu vou fazer tudo. David levantou da cama e atravessou o quarto. Ela encarou as costas nuas do garoto, sempre achava estranho como ele aparentava ser mais velho. Sentia-se de certa forma protegida. Sentia-se verdadeiramente segura com ele. Sabia que não precisava se preocupar, David sempre fora muito cuidadoso e naquele momento não seria diferente. Nunca teve tanta certeza do que queria na vida. Ele voltou com um pequeno pacote nas mãos, subindo de volta na cama. - Ok. Como já deve imaginar, eu preciso ficar duro. Estava ficando antes mas a gente ficou conversando, então vamos ter que começar de novo. - David, eu não sou burra. NACIONAIS-ACHERON
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- Eu sei, só estou deixando as fases claras. - Quer que eu tire a roupa? Isso deixa você duro, né? David jogou a cabeça para trás, começando a rir. Samantha estreitou os olhos. - Não deixa? – murmurou ela, com uma expressão séria. Chegara em um ponto que não conseguia mais rir. Estavam prestes a atingir o nível máximo de intimidade entre duas pessoas e, lá no fundo, Samantha nunca quis tanto algo como aquilo. - É claro que deixa, mas quero tocá-la. Se quiser pode me tocar também. - Lá? – ela encarou o meio das pernas do garoto. - Pode ser. Pelo corpo todo. Jesus, você está se fazendo? Quantas vezes já passamos por esse tipo de preliminar? - Eu sei! Mas nunca chegamos naquilo. Estou nervosa, não me pressione. - Não estou te pressionando, pelo amor de Deus. Você precisa relaxar, Sam. Se não, não vou conseguir entrar em você. Samantha respirou fundo e deitou novamente. - Tá. - Eu vou tirar a sua blusa e o seu sutiã. - Você vai ficar descrevendo tudo? É meio idiota. - Quer relaxar? Só estou deixando você atualizada. Vou tocar em você e vou estar pronto, não vai demorar muito. - Isso é bom, não é? A Alex disse que quando os caras ficam duros rápido é porque a gente é gostosa. - Ou porque eles tem algum problema. – David riu, mordendo o lábio NACIONAIS-ACHERON
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inferior para tentar se concentrar novamente. – No seu caso, é bom, sim. - Você me acha gostosa? Preciso saber antes de qualquer coisa. O garoto rolou os olhos, abrindo um sorriso preguiçoso. - Claro que eu acho, seus peitos são lindos. Já se olhou no espelho? - Já, mas... - Sam, vou pedir pela última vez para você relaxar. Eu estou afim, você é linda e me deixa excitado o tempo inteiro. Está bem? Nunca quis tanto algo em minha vida. Samantha piscou algumas vezes demonstrando certa confusão. - O quê? Está falando sério? - Sim. A garota pareceu encantada por um momento, mas então fechou a expressão novamente. - Então porque perdeu a virgindade com a Joanna? - Ah, não. Você não vai falar sobre isso agora, né? - Não. Desculpa. Pode continuar. David suspirou e fechou os olhos por alguns segundos, tentando entrar no clima novamente. Quando Samantha trazia Joanna para as conversas sempre acabavam brigando e não havia nada melhor para destruir qualquer momento do que aquele nome. O garoto inclinou-se e começou a desabotoar a camisa da menina, iniciando alguns beijos lentos no pescoço dela. Logo Samantha estava apenas de sutiã, ainda vestindo as calças jeans. Ele ajudou-a a tirar a peça grossa de baixo, deixando a menina apenas com suas roupas íntimas. NACIONAIS-ACHERON
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Deitou-se completamente em cima dela, apoiando os braços ao lado de seu corpo. David já estava apenas com a boxer, portanto seria mais fácil quando a hora chegasse. Segurou uma das alças do sutiã e começou a abaixá-la, depositando alguns beijos no ombro dela. E então algo o fez parar. - Wow. Samantha abriu os olhos e um sorriso de canto surgiu em seus lábios. Passou a mão novamente por cima da intimidade já rígida de David, repetindo o movimento algumas vezes, de forma lenta. Nunca havia encostado tão intensamente naquela parte do corpo dele, e aquela novidade fez um prazer estranho começar a se alastrar pela mão que estava usando. Era bom encostar nele assim. Percebeu que a respiração do garoto, antes calma, começou a ficar mais agitada. Ele voltou a beijá-la no pescoço, porém agora com mais avidez. A garota nem percebeu quando ele colocou a mão por baixo das costas dela e abriu seu sutiã. Em pouco tempo estava só de calcinha. Abriu os olhos e encarou o rosto de David admirando seu tronco. Ele levantou o olhar para a menina por um momento e voltou a beijar seus lábios. A proximidade fez com que o tronco de David encostasse nos seus seios. Ela soltou um grunhido involuntário e sentiu o garoto sorrir por entre o beijo. David então segurou sua cintura e começou a subir uma das mãos até o seio direito. Sentiu todo o corpo de Samantha estremecer embaixo de si, incentivando-o a iniciar uma lenta e tortuosa massagem. Tocou-a na região por apenas um minuto, foi o suficiente para deixar a menina totalmente extasiada. Praticamente tudo naquela situação era novo para ela. - Vou verificar algo – murmurou David, depois da especial atenção que aplicou na massagem, a voz falhando um pouco. Ele limpou a garganta e NACIONAIS-ACHERON
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Samantha franziu o cenho sem abrir os olhos. - Não pare, por favor. David sorriu, mas ignorou seu pedido. Abaixou a mão e encostou na intimidade da menina por cima da calcinha. Samantha soltou um gemido sonoro. - Você está pronta, Sam. Eu também. Espera só um pouquinho agora. Samantha preferiu manter os olhos fechados enquanto David colocava a camisinha. Sabia que se os abrisse poderia ficar nervosa e o medo invadiria a deliciosa sensação de prazer que estava sentindo. As mãos de David então seguraram as laterais de sua calcinha e ele tirou a peça da menina de forma delicada. - Vou entrar, Sam. - Não precisa bater na porta, David. Vai logo. Ouviu o garoto rindo antes de senti-lo segurando suas coxas e fazendo-a abrir as pernas, deixando-as dobradas. Sentiu então o membro rígido de David em sua entrada. Ainda não havia introduzido, apenas o posicionara. Então os lábios do menino encostaram em sua testa, a beijando com calma. Enrijeceu todo o corpo quando sentiu-o investir lentamente. Quase parando, David foi até a metade. - Como está? - É estranho... mas eu quero mais. Ele beijou-a nos lábios antes de terminar a introdução por completo. O rosto de Samantha se contraiu. - Posso começar? Eu vou usar uma das minhas mãos pra melhorar a sensação, ok? NACIONAIS-ACHERON
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Samantha concordou com a cabeça, ainda mantendo os olhos fechados. David começou a sair novamente, não demorando para entrar de novo. Começou a repetir o movimento até atingir certa frequência, e então Samantha entendeu o que ele estava falando quando disse que iria usar a mão. Seu corpo inteiro se arrepiou no momento em que o garoto encostou em seu clitóris. Era bom. Era muito bom. Superava qualquer incômodo. Enquanto investia devagar, David começou a estimulá-la com os dedos. Samantha começou a sentir algo crescer dentro de si, uma energia estranha iniciando-se em seu quadril e envolvendo toda a sua cintura até espalhar-se pelo seu corpo. Oh, meu Deus. Por que sempre limitavam-se à beijos e algumas apalpadas? O quê ela tinha na cabeça ao evitar aquilo? Por que nunca o deixou avançar àquele ponto? Pode sentir todo o corpo sendo dominado por aquela sensação maravilhosa que não parava de crescer. Estava difícil respirar agora, mas nunca sentira uma sensação tão boa antes. Era como se precisasse que ela chegasse ao fim, mas ao mesmo tempo não queria. Desejou permanecer naquele meio termo delicioso pelo o resto de sua vida. A onda de prazer atingiu um nível insuportável, fazendo Samantha contrair-se por inteiro. Sentiu vontade de gritar muito alto, mas limitou-se a um sussurro inconsciente. Não pensou nem por um instante no que iria falar, apenas deixou escapar. - Eu... – A ausência de fôlego tornava difícil se comunicar. David também estava partilhando da mesma situação, mas ele era visivelmente mais controlado, portanto olhou para o rosto da menina com o cenho franzido, demonstrando certa preocupação. – Dave, eu... NACIONAIS-ACHERON
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- O quê? – Grunhiu ele da forma mais delicada que conseguiu. Era difícil tentar conciliar a preocupação com a menina e o orgasmo que estava prestes a ter. - Eu te amo – sussurrou ela, e então seu corpo inteiro relaxou e ela virou o rosto para o lado. Poderia estar frio na rua, mas aquilo não fazia diferença nenhuma. Samantha estava suada, assim como ele. David acompanhou-a logo depois, atingindo seu ápice e relaxando. Um minuto depois saiu de dentro da menina e deitou ao seu lado. - Eu também te amo, Sam. – respondeu ele, fechando os olhos. Sabia que a garota o encarava agora. Sentiu um tímido selinho nos lábios e a olhou, próxima do seu rosto. – O que achou? - Foi muito bom, Dave. Obrigada. - Sshh, não diga isso. Não fiz um favor, fizemos juntos porque estávamos com vontade. – Ele envolveu-a com um braço, a aproximando mais ainda de si. Acariciou seu rosto com o polegar. Samantha estava tão bonita, pensou o garoto, notando sua pele rosada de calor e excitação. Poderia estar louco, mas estava com a sensação de que acabara de ter sua primeira vez também. De certa forma, era verdade. Nunca havia tido relações sexuais com alguém que fizesse seu estômago embrulhar apenas com um olhar, que o fazia se sentir em casa quando estavam juntos. David ficou feliz em perceber que era maravilhosamente diferente. Era muito melhor. - Você sangrou só um pouco. – murmurou ele, depois de alguns minutos apenas analisando o rosto da menina e ela fazendo o mesmo. Olhou para a parte da colcha onde ela estava deitada anteriormente. Samantha levantou a cabeça, olhando para o mesmo ponto em que ele encarava. - Me desculpe por sujar sua colcha. NACIONAIS-ACHERON
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- Se for assim, eu quero sujar todos os dias. Os lábios de David envolveram os da menina e ela pôde disfarçar perfeitamente o grande sorriso que estava querendo abrir. Sabia que passaria as próximas horas sorrindo sozinha quando chegasse em casa.
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CAPÍTULO 75 Não esperava lembrar tão detalhadamente de sua primeira vez, mas as horas seguintes à sua noite com David despertaram todos os tipos de memórias que tinha relacionadas à ele. Essa era a mais difícil de lidar porque era uma das melhores. Mais algumas situações boas vieram à sua mente e ela pegou no sono em meio às lágrimas. Uma hora depois, acordou novamente e teve a sensação de que a dor piorara. O choro voltou com toda a intensidade, fazendo-a encolher todo o corpo por baixo das cobertas. Ela precisava dele com todas as suas forças, mas sua consciência a reprimia violentamente. Quando três batidas na sua porta interromperam seus soluços, ela resmungou como já havia feito duas vezes com a mãe naquela manhã. - Eu estou bem, só preciso ficar sozinha. - Somos nós, Sam. Alex e Carter. – Samantha encarou o carpete do chão com os olhos petrificados ao ouvir a voz de Alex. Não esperava por isso. – Abre para nós, amiga. Por favor. A garota limpou as lágrimas do rosto com a manga do moletom, fungou e então lembrou que precisava assoar o nariz urgentemente. Levantou da cama e destrancou a porta, caminhando então até a escrivaninha e pegando uma caixa de lenços. Alex e Carter entraram no quarto e acompanharam com o olhar a amiga voltar a sentar na cama e puxar um dos lenços da caixa, começando a assoar. Carter fechou a porta atrás de si enquanto Alex se aproximava da cama e sentava na ponta. NACIONAIS-ACHERON
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- O que ele falou dessa vez? Você precisa desabafar para se sentir melhor, Sam. Samantha terminou de assoar o nariz, fez uma bolinha e jogou-a displicentemente ao lado do corpo. E então encarou a amiga com os olhos vermelhos e irritados. Carter agora encontrava-se parado no meio do quarto com os braços cruzados e uma expressão de profunda pena. - A gente transou. Alex virou o rosto lentamente para Carter depois de permanecer uns bons dez segundos paralisada. Carter ainda não havia piscado e nem movido um único músculo. Samantha aguardou os amigos se recuperarem do choque, não estava com vontade de conversar mesmo. Poderiam levar o dia inteiro se recuperando que ela não iria se importar. - Meu Deus – murmurou Carter finalmente, aproximando-se da cama e sentando no chão, na frente dela. Apoiou uma das mãos na coxa da amiga. – Por que está chorando, Sam? Não foi bom? - Foi maravilhoso – resmungou, encarando a caixinha de lenços e sentindo as lágrimas recomeçarem a se acumular embaixo dos olhos. Percebeu, através de sua visão periférica, que Carter abrira um pequeno sorriso. – Foi maravilhoso até ele estragar tudo dizendo que não podemos ficar juntos. - Por que esse idiota falou isso? – Alex estava começando a ficar com o pescoço vermelho, sinal típico de irritação. - Eu não sei, ele não quer me explicar. Só diz para eu confiar nele. – A garota limpou as lágrimas com um novo lenço. – Ele falou que me amava de novo. – completou, olhando desolada para o rosto de Carter. O amigo levantou do chão e sentou ao seu lado na cama, a puxando de lado para um abraço. Samantha então encostou a cabeça no ombro do amigo e permaneceu NACIONAIS-ACHERON
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ali. - Ele não está mentindo, você sabe disso. Sabe melhor do que qualquer um. – Ele fez uma pausa para refletir. – Sei que quando você foi embora eu fiquei do seu lado e não acreditei que ele era inocente, mas a forma como ele está agindo agora me faz acreditar no contrário. Ele sempre gostou de você, todo mundo percebia isso. Não seria capaz de fazer uma atrocidade daquelas. David sempre foi um menino decente, apesar dos seus precedentes. - Espera... – Alex interrompeu Carter, colocando a mão no braço de Samantha. – Não sou a maior fã do David, mas... agora que Carter mencionou os precedentes dele... lembra como a mãe dele era uma bruxa? Será que ela não tem a ver com isso? - Eu acho que sim, mas por que ele não enfrenta ela? Se ele me ama como diz... não faz sentido! Antes ele não tinha problemas com isso, vivíamos juntos. Por que agora é diferente? - Não faço ideia – murmurou Alex, voltando a adquirir um olhar vago. - Talvez ela tenha algo a ver com o escândalo, já pensou nisso? - As duas olharam paralisadas para Carter. – E se foi ela? Com o único objetivo de incriminar o próprio filho e fazer vocês se separarem? Agora que você voltou e perdoou ele, ela deve estar surtando! - Que mãe faria isso com o próprio filho, Carter? Você consegue ser bem imaginativo. – falou Alex, mas sua expressão demonstrava certa dúvida. Não estava totalmente cética em relação àquela possibilidade. - Eu me recuso a acreditar nisso, de verdade. Ela pode ser arrogante e megera, mas nenhuma mãe expõe o filho assim só para separar ele da amiga. – disse Samantha de forma incisiva. Ela não duvidava, como Alex. - Da namorada, né, Sam? A gente precisa encarar a realidade. – Carter NACIONAIS-ACHERON
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falou, levantando uma sobrancelha. - Mesmo que vocês não considerassem o relacionamento que tinham sério, era um namoro. Desculpa, vocês estavam sempre juntos e nos últimos meses antes de você ir embora eu lembro que se abraçavam nos corredores da escola. Ninguém faz isso com o amigo. - Eram abraços inocentes – resmungou Samantha, limpando uma lágrima aleatória que escorreu atrasada. - Há – emitiu Alex, olhando significativamente para Carter, que devolveu o mesmo olhar. – Fala sério. Tinha intervalos que você ficava deitada no colo dele. - E daí? Não quer dizer nada. - Lembro que houve uma vez que eu estava procurando qualquer um de nós para passar o intervalo, Alex havia sumido e Oliver já tinha trocado de escola – Começou a contar Carter, fazendo Samantha revirar os olhos e Alex abrir um sorriso empolgado. – Quando eu encontrei você e David nas arquibancadas do campo de futebol, ele estava beijando o seu pescoço. E você não estava rindo. Não eram cócegas, antes que tente me convencer. Você estava com a cabeça encostada no ombro dele, eu nem consegui ver o seu rosto. Estava rolando um amasso muito forte ali, amiga. Não adianta negar. - Não quer dizer que a gente namorava – falou Samantha, a cabeça abaixada. Sabia que se olhasse para os amigos ficaria vermelha, pois tudo o que Carter havia falado era verdade. Apesar de não se considerarem namorados, viviam trocando carícias durante o dia, principalmente depois que transaram pela primeira vez. - Era fofo, Sam. Vocês eram um casal muito bonitinho. Alex olhou alarmada para Carter, que nem percebeu a gravidade de sua NACIONAIS-ACHERON
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conclusão. Samantha sentiu toda a vontade de chorar voltar, colocando a mão sobre a boca. Carter a abraçou. - Me desculpe, não vamos mais falar sobre isso. Como a gente é idiota, Alex. - O quê? Você que começou! – Alex arregalou os olhos, indignada. – Por que sempre quer me carregar junto com as suas culpas? O garoto estreitou os olhos para amiga, e então ambos se calaram. Estavam tendo uma discussão idiota enquanto Samantha havia voltado a chorar em níveis de soluço. Carter voltou a afagar seu braço como estava fazendo antes e os dois aguardaram por alguns minutos a menina se acalmar. - Sam, quando eu falei com sua mãe lá embaixo, me ocorreu algo um pouco sério... – Carter desfez o abraço de uma Samantha mais calma, que olhou para o seu rosto preocupada. – Donna ainda não sabe da Batalha das Bandas e você vai aparecer na televisão em breve. Precisamos contar. - Oh, meu Deus. Ela vai me obrigar a desistir! - Não, Sam, a gente vai dar um jeito. Vamos falar agora? – Alex olhou ansiosa para Carter, que aliviou a expressão e pareceu concordar. - Estão malucos? Ela já está estressada porque me tranquei no quarto desde que cheguei, obviamente já sabe que estou assim por causa do David. Quando ela descobrir que estamos na mesma competição... - Não precisamos mencionar que ele está também. – Carter deu de ombros. - Carter, minha mãe não é idiota. Ela sabe que ele tem uma banda conhecida. - Precisamos tentar, se não depois vai ser pior. Samantha pensou por um tempo, mas acabou concordando. Precisava NACIONAIS-ACHERON
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contar para a mãe, seria impossível esconder algo tão relevante na sua vida a partir da apresentação ao vivo.
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CAPÍTULO 76 - Quem faz prova da autoescola em um domingo a tarde? Scott parou seu carro na sinaleira fechada e olhou para o lado esquerdo, encarando o rosto de David. Ou melhor, a parte visível do rosto de David por entre o capuz do moletom. - Quem está desesperado e não aguenta mais pegar carona e ser levado para lá e para cá por um motorista como um bebê. – murmurou ele de forma sonolenta. Os braços cruzados e o corpo jogado de forma desleixada no banco do carona demonstravam perfeitamente a ressaca de David. - Quem faz prova da autoescola de ressaca? - Scott, por favor... eu só quero acabar logo com isso. Eles disponibilizaram esse horário e eu não quis mais remediar. O amigo concordou em silêncio, arrancando o carro após o sinal abrir. Levaram em torno de vinte minutos até chegarem no local onde ocorreria a prova de David. Era uma praça afastada do centro da cidade e especialmente naquele domingo o movimento estava fraco. - Cara, se você não passar agora... é o percurso mais fácil que você já teve de fazer. Olha em volta, as ruas estão vazias. Só tem meia dúzia de pessoas para fazerem a prova, não vai demorar tanto. - Muito obrigado pelo apoio, Scott. - Você precisa relaxar, Dave. - Com a voz da Felicia na minha mente jogando na minha cara que eu sou inútil é bem fácil relaxar. NACIONAIS-ACHERON
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- Esqueça ela, concentre-se no que você precisa fazer. Dessa vez vai. David suspirou sem demonstrar a mínima vontade de se mover para sair de dentro do carro do amigo. Scott estacionara no lado oposto da praça onde os carros das provas estavam estacionados, mantendo certa distância para poder motivar o amigo antes de tudo. - Esqueça o que aconteceu de madrugada, não vai começar a pensar na Samantha pelada e bater o carro. - Cala a boca, cara. – David colocou as duas mãos no rosto e coçou os olhos com certa agressividade. – Eu sou um merda. - Não é, a culpa não é sua. Você não pode contar para ela a verdade por trás das chantagens de Felicia. – Scott encostou no ombro do amigo, fazendo David olhar em seu rosto. – Prometa, Dave. Se ela descobrir, com certeza vai ficar furiosa e vai procurar a Felicia. Ela gosta de você, não vai ficar brava com você em especial. Mas vai arruinar tudo se for atrás da sua mãe. Felicia vai nos tirar da competição só de raiva da Sam. - Não vou aguentar por muito tempo. Não posso mais ficar longe dela e cada vez que eu precisar afastá-la de mim vai ser pior. Nunca me senti tão na merda. - David, você é forte o suficiente para aguentar sua mãe diariamente nos seus ouvidos. Vai ser forte e vai guardar esse segredo até a Batalha chegar ao fim. - É muito egoísmo, Scott. – David, que antes encarava as mãos, olhou novamente para o rosto do amigo. – Só está pensando na vitória dos Walkers. - Muito pelo contrário! Egoísmo é você afundar a nossa chance de vencer por uma garota. Cara, é o nosso sonho. David abriu a porta do carro e, ao sair, fechou de forma violenta. Por mais NACIONAIS-ACHERON
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que Scott sempre estivesse ao seu lado, quando tocavam nesse assunto ele parecia valorizar mais a banda do que o romance impossível de Samantha e David. O garoto não culpava o amigo, afinal era o sonho dele fazer sucesso com os Walkers como qualquer outro integrante, mas se fosse apenas por David ele já teria desistido há muito tempo. Samantha era mais importante do que qualquer competição e ele estava sentindo que estava perdendo a última chance de ficar com a garota. A menina era orgulhosa e não iria admitir ser rejeitada. ✖✖✖ Scott observou o amigo se afastar por dentro da praça e relaxou no banco do motorista, sentando-se de forma mais confortável. Sentia-se extremamente culpado por não priorizar a felicidade de David, mas não podia deixar o amigo desistir assim tão fácil da competição. Felicia os havia colocado naquela situação horrorosa e já haviam chegado muito longe para David jogar tudo no lixo. Tivera de suportar o melhor amigo beijando sua garota nos últimos meses apenas por causa da Batalha das Bandas e não fazia sentido ter suportado isso por tanto tempo sem obter nada em troca. Era uma tortura assistir Penelope pendurada no pescoço de David todos os dias de manhã. Parecia que, aos poucos, pedaços consideráveis de seu coração eram arrancados impiedosamente. Se tivera de passar por isso para conseguirem chegar onde chegaram, por que David não poderia resistir e ficar longe de Samantha também? Era injusto. Ele tivera de abrir mão de Penelope e agora David não conseguia fazer o mesmo com Samantha. Amava o amigo, mas haviam certos limites que não podiam ser NACIONAIS-ACHERON
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ultrapassados. Sua honra era um deles. Se precisava passar por aquele tipo de humilhação, David deveria se sacrificar na mesma intensidade. Às vezes sentia que os problemas do amigo eram muito mais importantes que os seus. Obviamente a família de David nem se comparava à sua, os McMillan eram uma família bastante harmoniosa e sua mãe nunca faria o que Felicia fazia com o amigo, mas mesmo assim... Scott também tinha seus próprios rec